Capítulo 32
— Não é a mesma coisa, mas é bom ter a casa cheia, né? — O Fred passou o braço pela cintura da Bia, parada em frente à árvore de Natal, observando a cena da sala.
É verdade, não se comparava com seus Natais de antes, mas era um avanço do ano anterior, quando eles tinham passado na casa dos pais do Diego.
O já esperado pior Natal da sua vida, o primeiro sem os pais, conseguiu ser mais horrível que ela tinha imaginado. O Fred e a esposa tentaram disfarçar o clima ruim entre eles, mas não ajudou como eles ficaram em cantos opostos da sala o tempo todo. Os pais do Diego, embora nunca tivessem tido coragem de dizer nada na sua cara, nem de tratar a Alícia de maneira diferente da Amanda, sempre davam um jeito sutil de fazer a Bia sentir que era um favor eles aceitarem uma mulher que tinha uma filha de outro homem. E a Vivi. O que a Bia tinha considerado a única coisa boa do Natal, a prima não ter ido para a casa da família da mãe dela e ter ficado com eles, tinha passado a ser o pior de tudo depois que a Bia percebeu que foi um subterfúgio da víbora para ficar perto do Diego, já amante dela na época.
Apesar de o aperto no coração de saudades dos pais não ser muito diferente, de não conseguir parar, nem por um minuto, de desejar que eles estivessem ali e do esforço para não deixar sua tristeza contaminar a noite, ter a casa cheia de conversas e risadas, cercada pelos enfeites da mãe como se estivesse recebendo um abraço amoroso dela, era um inesperado e muito bem-vindo upgrade para alguém que, até poucas semanas antes, tinha planejado uma noite melancólica só com o irmão e as filhas.
Os tios do Lourenço eram dois velhinhos que você tinha vontade de colocar no colo de tão fofos. De cabeças branquinhas e falas suaves, eles abraçaram as meninas e fizeram questão de que elas o chamassem de vovô Rodolfo e vovó Marinês. A Bia ainda não tinha escutado a Alícia atendendo ao pedido, já a Amanda tinha aceitado a sugestão de primeira, embora virasse a cabecinha desconfiada cada vez que olhava a barba do seu Rodolfo, achando que todo mundo estava escondendo dela que ele era, na verdade, o Papai Noel.
A Alexa continuava a mesma, falante, efusiva e brincalhona, tinha deixado as meninas à vontade logo de cara. O Lucas, marido dela, era o oposto, quieto e tímido, mas cumprimentou a Bia sem demonstrar nenhum ressentimento por não estar com a própria família no Natal, e o Bento, filho deles, era o centro das atenções com aquela energia inesgotável e cativante que todas as crianças de menos de três anos esbanjam sem esforço.
— É muito bom — a Bia concordou, roubando uma olhada para o Lourenço conversando com os tios.
Não tinha como negar que era a presença dele que tornava aquela noite mais especial, e ainda que ela não pudesse ficar agarradinha nele e tivesse que se contentar com trocas de olhares rápidos e disfarçados, saber que ele estava ali, lhe dava uma segurança e uma sensação de proteção que ela não experimentava há muito tempo.
— Eu estava preocupada com as meninas — a Bia disse, olhando as filhas que não paravam de rondar o Bento, cuidando e brincando com ele como se fosse o bonequinho delas. — É o primeiro Natal delas longe do pai, mas parece que elas estão bem.
— Elas estão ótimas. E você não pode esquecer que, no caso da Alícia, é o primeiro Natal dela com o pai.
— Você andou conversando com a doutora Clarisse? — A Bia sorriu com o peito se aquecendo de contentamento. — Ela que me manda olhar o lado positivo de tudo.
— Não. É a minha inteligência natural falando — ele replicou e arrancou uma gargalhada da Bia.
— Só você pra me fazer rir hoje!
— Um talento pra poucos, eu sei. Pode abusar sempre que quiser.
Com um súbito bolo na garganta, a Bia apertou o braço passado pela cintura dele.
— Eu te amo, meu irmão. Obrigada por cuidar de mim.
— Eu também te amo, maninha. Tirando o seu repentino impulso casamenteiro, você também cuida muito bem de mim.
— Tô interrompendo? — A Alexa parou do lado deles, parecendo nem um pouco preocupada em estar interrompendo alguma coisa.
— De jeito nenhum — a Bia respondeu com um sorriso.
— Eu vou ter que levar suas filhas pra morar comigo, Bia. O Bento nunca teve duas babás tão eficientes.
— Vai ser mais fácil você deixar o Bento morando aqui com a gente.
— Bem capaz. O guri é bagunceiro e mimado, mas eu não consigo viver sem ele. E não vai ser como se a gente não fosse se encontrar mais, agora. — A Alexa a olhou de lado. — Eu sempre quis te procurar, sabia?
— E por que não procurou?
— A primeira vez que eu vi uma foto sua com o seu marido e a Alícia, eu tive certeza que ela era do Lôro. — A Alexa se virou de frente para a Bia e o Fred, dando as costas para o resto da sala e baixando o tom de voz. — Ela é a cara dele! Eu quis entrar em contato com você, mas a Mari achou melhor a gente não se meter. A gente não sabia o que você tinha contado pro seu marido, e era melhor esperar o Lôro ser solto e ver o que ele queria fazer.
— Vocês não falaram nada pro seu irmão? — o Fred perguntou.
— Não. Imagina a agonia que ia ser pra ele, preso, suspeitando que tinha uma filha, sem poder fazer nada? Eu e a Mari combinamos de esperar ele chegar em Porto, mas nem precisou. Ele chegou contando que tinha vindo aqui e conhecido a Alícia. E de novo, eu quis vir te visitar, mas aí foi o Lôro que me pediu pra esperar. Ele não queria que a gente atrapalhasse a sua vida.
— Você devia ter vindo. Você não ia atrapalhar.
— Obrigada — a Alexa falou com os olhos úmidos. — Eu não queria que você pensasse que eu fiquei longe porque eu não me importava. Eu sempre senti muito não ter dado certo pra você e o meu irmão. Vocês combinavam tanto!
A Bia sentiu o Fred se preparando para falar, o que provavelmente seria um comentário inconveniente sobre como a culpa era do próprio Lourenço, e foi mais rápida em replicar:
— Bom, você mesma disse, não tem mais motivo pra distância. Você vai ser sempre bem-vinda aqui em casa.
— Mamãe? — a Amanda interrompeu a conversa. — Minha barriga tá roncando de fome.
— O jantar não vai demorar, amor. Eu vou olhar se o peru tá pronto. Se estiver, a gente já vai comer. — A Bia se desvencilhou do Fred e deu um passo na direção da cozinha.
— Você tem certeza que vai saber se o peru tá pronto, Bia? — ele perguntou com uma expressão maliciosa. — Você tem que olhar o negocinho. Se tiver pra cima, o peru tá pronto.
A Bia recebeu a gargalhada dele com um rolar de olhos.
— Sério, Fred, mais uma piadinha com o peru e eu vou te obrigar a comer uma coxa inteira, de castigo.
— Castigo, por quê? — a Alexa virou a cabeça de lado. — Você não come peru?
Um segundo depois, ela e o Fred caíram na gargalhada juntos.
— Pena que eu tô proibido de fazer piadinha. — Ele respirou fundo. — Não, eu não como peru, mas é porque eu sou vegetariano.
— Nossa! — A Alexa colocou as duas mãos no peito. — Eu parei de comer carne um tempo e me senti tão bem! Mas eu ainda não consegui...
A Bia deixou a Alexa e o Fred no que, com certeza, seria uma conversa sobre as vantagens de não ser carnívoro, e foi checar o jantar.
O negocinho do peru não estava para cima, mas parecia que não ia demorar, e a Bia começou a preparar o resto da comida.
— Você precisa de ajuda, meu bem? — Uma voz suave fez a Bia se virar.
— Obrigada, dona Marinês. Eu acho que tá tudo sob controle.
— Eu não me importo. — Sem esperar resposta, ela pegou o avental da Berenice pendurado num gancho na parede e o vestiu. — Eu cozinho pra vinte funcionários na fazenda, todo dia. Eu tenho uma ajudante, claro, mas cozinha sempre foi o meu lugar preferido da casa.
— Bom, se a senhora não se importa, eu aceito. Do jeito que eu sou, é capaz de eu conseguir queimar tudo e estragar a ceia. A senhora vigia as panelas no fogão e eu monto a salada, pode ser?
— Claro. — Ela imediatamente começou a levantar as tampas e a regular o fogo, aumentando uns, abaixando outros. — Você tem uma família linda, Biatriz. É um sonho realizado, pra mim e pro Rodolfo, conhecer a Alícia, mesmo que a gente não possa contar pra ela quem a gente é.
— Eu sei que é difícil. — A Bia disse por cima do ombro, tirando da geladeira os potinhos que a Berê tinha deixado com os ingredientes da salada, empilhando tudo nos braços. — Mas é só por um tempo, logo não vai ser mais segredo.
— Eu entendo. É que...
A Bia se virou, encontrando a tia do Lourenço com o rosto molhado de lágrimas. Largando as vasilhas de qualquer jeito em cima da mesa, ela correu para perto dela.
— O que foi? A senhora se queimou?
— Não, meu bem, é emoção. Já vai passar. É sempre assim quando eu me lembro da Alícia. — Ela pegou um guardanapo de papel em cima da mesa e enxugou os olhos, sorrindo da confusão no rosto da Bia. — Da Alícia, mãe dos meninos.
— Eu não sabia que a senhora tinha conhecido ela. Então, a senhora já conhecia o seu Rodolfo há muito tempo?
— A Alícia era minha melhor amiga, e eu fui noiva do Rodolfo quando eu era jovem. Ninguém te contou a história? — ela perguntou, parecendo se recuperar da emoção de alguns segundos antes, e abriu a porta do forno para checar o peru. — Tá quase pronto. A gente pode desligar que o calor lá de dentro é suficiente pra terminar de assar. Como é que desliga?
A Bia atendeu o pedido da tia do Lourenço com a curiosidade atiçada.
— Não, ninguém me contou a história.
A dona Marinês começou a mexer uma das panelas, e a Bia pegou o prato grande e começou a montar a salada, com toda a atenção na história da tia do Lourenço.
— Eu conheci o Rodolfo pela Alícia, que era minha colega de escola. Ele era dois anos mais velho que eu, mas a mãe deles era viúva e doente, e ele precisou assumir o sustento da casa muito cedo. Eu fiquei fascinada por aquele rapaz tão mais maduro e responsável que os outros que eu conhecia, mas ele demorou a me ver como mais que a amiga da irmãzinha dele. Até que um dia, aconteceu e a gente começou a namorar. Foi no nosso noivado que a Alícia conheceu o Vidal. O pai dos meninos — ela esclareceu quando a Bia a olhou confusa novamente.
— Ah! Eu não sabia como ele se chamava. Ele era militar, não era?
— Era. O Vidal estava em Porto Alegre participando de um treinamento no quartel do meu pai, que também era militar, e foi assim que ele parou lá em casa, no meu jantar de noivado. Eu me lembro direitinho da Alícia me puxando num cantinho pra me dizer que tinha acabado de conhecer o homem com quem ela ia casar.
A dona Marinês sorriu com os olhos distantes, perdida nas memórias. A Bia precisou sorrir também. Pelo que o Lourenço tinha contado, ela tinha imaginado a mãe dele como uma mulher paciente e sábia, sempre se colocando entre o marido e o filho rebelde que tinham um relacionamento complicado. Era engraçado aquela nova imagem, de uma moça risonha e entusiasmada por ter conhecido um rapaz. Fazia com que ela se tornasse mais real, humana, o que também tornava a morte precoce mais trágica, outra ausência a ser sentida naquela noite de tantos vazios.
— E ela casou — a Bia apontou o óbvio.
— Ah, mas não foi fácil. — A dona Marinês se virou para a Bia. — Eu acho que isso aqui tá pronto. É grão-de-bico?
— É estrogonofe de grão-de-bico. — A Bia pausou a montagem da salada e voltou até a geladeira. — Tem que colocar o creme de leite.
— Parece que tá uma delícia. — Ela pegou as latas da mão da Bia.
— É pro meu irmão, que é vegetariano, mas tem pra todo mundo. — A Bia voltou para a salada e para o assunto, que ela estava achando interessantíssimo. — Então, não foi fácil a Alícia se casar?
— Não. Além do Vidal estar em Porto temporariamente, ele era bem mais velho que ela. Ela tinha dezenove anos, e ele, trinta, e o Rodolfo proibiu o namoro.
— Onze anos é uma diferença grande. — A Bia apontou as vasilhas que ela tinha separado para colocar as comidas, adivinhando o que dona Marinês tinha começado a procurar com os olhos, em volta dela. — Mas não é um obstáculo intransponível. Não se as duas pessoas se gostam de verdade.
— As coisas eram diferentes naquela época. Não era certo uma moça namorar sem a aprovação do pai, ou no caso da Alícia, do irmão. Mas você tá certa, eles se gostavam de verdade, e idade não foi impedimento. Eles namoraram escondido e no dia do Vidal voltar pro Rio de Janeiro, a Alícia veio com ele. Fugida. — A dona Marinês fez uma pausa, virando o estrogonofe numa vasilha, mas a Bia desconfiou que era mais porque ela tinha chegado numa parte sofrida da história do que por precisar se concentrar na tarefa. Alguns momentos depois, ela continuou. — O Rodolfo ficou arrasado. Não só porque a Alícia era uma responsabilidade, mas além da mãe, ela era a única família dele. E quando ele descobriu que eu sabia de tudo, do namoro e dos planos pra ela fugir, ele desfez o noivado.
— Nossa! — A Bia massageou o peito, sentindo a dor da jovem dona Marinês. — Mas a senhora ficou numa posição impossível, entre a lealdade com a sua melhor amiga e o seu noivo. Eu imagino como deve ter sido difícil. O seu Rodolfo não tentou entender?
— Eu fiquei mais magoada com a Alícia que o Rodolfo. Eu tinha insistido tanto pra ela não fazer nada escondido, que eu ia tentar ajudar ela a convencer o irmão, mas ela não me escutou. Ela veio embora e a gente nunca mais se falou. E o Rodolfo? Ele me disse que não podia construir uma família com uma mulher em quem ele não confiava. E ele estava certo.
Apesar de entender o sofrimento da dona Marinês, a Bia também entendia o lado do seu Rodolfo. Como não? Ela conhecia o desgosto de descobrir que a pessoa que estava do seu lado era capaz de esconder segredos tão importantes.
— Mas ele acabou perdoando a senhora, né? Se vocês estão casados.
— Trinta e oito anos depois. — A dona Marinês deu uma risada que soou triste aos ouvidos da Bia. — O Rodolfo casou, mas nunca perdoou a irmã. Ele ligou pra ela no dia que a mãe deles morreu, ela retribuiu quando cada um dos meninos nasceu e foi todo o contato que eles tiveram. Ele diz que o maior arrependimento dele foi a maneira como ele tratou a Mariana quando os pais dos meninos morreram e ela ligou pra pedir ajuda. Ele se culpa sabe? Pelo que aconteceu com o Lourenço. Ele acha que se ele tivesse vindo ajudar, o Lourenço não tinha feito tanta bobagem.
— Será? — A Bia deu um passo para trás, admirando a salada. Ela tinha feito igual a Berê fazia, a alface por baixo e o resto dos ingredientes em círculos concêntricos por cima. Ficou meio torto, mas ela duvidava que alguém fosse reclamar e, se dando por satisfeita, foi ajudar a dona Marinês a colocar o resto da comida nas travessas. — Pelo que o Lourenço me contou, ele era uma pessoa diferente naquela época. Não dá pra ajudar uma pessoa que não quer ser ajudada.
De novo, ela falava por experiência própria. Se o Lourenço não tinha pedido a sua ajuda quando estava mais velho e um pouco menos rebelde, o que será que o tio teria conseguido fazer por, como o próprio Lourenço tinha se chamado uma vez, um adolescente porra loca?
— A gente nunca vai saber — a dona Marinês concordou. — E o importante é agora. Ele nunca teve filhos, a esposa dele não podia, e esses sobrinhos, e os netinhos postiços, são tudo pra ele.
— A senhora também não teve filhos? — a Bia perguntou sem pensar. — Me desculpa, dona Marinês, não precisa responder. Foi uma pergunta muito indelicada.
— Eu não me importo, meu bem. Não, eu nunca me casei, nem tive filhos. — Ela sorriu e se aproximou da Bia segurando as duas mãos dela. — Eu sei um pouco da sua história com o Lourenço, e o que eu vou falar, não é uma recriminação. Você tinha todo o direito de recomeçar depois que o Lourenço foi preso, mas pra mim? Se não fosse o Rodolfo, eu não queria mais ninguém. Depois do fim do meu noivado, eu fui morar na fazenda que era do meu pai e, até o Rodolfo me procurar, eu fiquei sozinha. Eu não tive uma segunda chance com a minha amiga Alícia, mas é um presente muito especial de Deus, poder estar passando meu restinho de vida com o Rodolfo. Segundas chances são tão raras! Mas eu não preciso te dizer isso. Você, tão generosa, fazendo a mesma coisa com o Lourenço e a Alícia.
— Não é generosidade. É o certo — ela disse distraída, a cabeça voando nos pensamentos.
Trinta e oito anos? Aquilo era mais tempo que muita gente tinha de vida, e a dona Marinês tinha passado aquele tempo todo, não esperando, porque ela não tinha como saber que teria uma segunda chance, mas conformada. Resignada em ter perdido o homem que ela amava e com coragem de saber que era melhor ficar sozinha que se contentar com um relacionamento que não era o que ela queria. Era de dar um nó na cabeça de qualquer um.
— Tia? — A voz profunda do Lourenço escorreu pela pele da Bia como uma carícia. — O tio tá perguntando se o remédio de pressão dele tá com a senhora?
— Eu acho que tá na minha bolsa. — Ela tirou o avental e o repôs no gancho. — Tá tudo pronto aqui. E Lourenço? Nós precisamos de um homem forte pra levar o peru pra mesa, faz o favor?
— Deixa comigo. — Ele esperou que ela se afastasse e virou para a Bia com um sorriso de lado. — Ficar pegando em peru não é a minha especialidade, mas já que é pra ajudar...
— Sério? — A Bia colocou as duas mãos na cintura. — Qual o problema de vocês homens com peru?
— Eu não tenho problema nenhum com peru, mas só se for o meu. E aliás...
Ele segurou o braço da Bia e a puxou para o fundo da casa, fechando a porta da cozinha atrás deles.
— Você tá ficando doido?
A resposta dele foi abraçá-la e apertar a ereção contra a sua barriga.
— Tá vendo o que você faz comigo, falando de peru? E esse vestido, então? — Ele deslizou as mãos pelas costas nuas da Bia. — Você tá sem sutiã e eu aposto que você fez de propósito. Pra me deixar louco.
— Claro que não!
Claro que foi. O vestido tinha um suporte embutido para os seios e a Bia tinha escolhido aquele especificamente porque tinha certeza que ele ia reparar.
— Mentirosa!
Ele calou sua réplica com um beijo, agarrando um punhado de cabelos, que ela estava usando soltos pela primeira vez em muito tempo, com uma das mãos, enquanto a outra apertava sua bunda. Loucura era fazer aquilo bem ali. Era só alguém abrir a porta e pegava os dois no flagra, mas a Bia tinha passado o dia inteiro pensando e desejando aquele beijo. Ela não tinha forças para resistir e retribuiu com a mesma fome.
Ele a largou e ficou de joelhos na sua frente. E ela só conseguia pensar o que tinha feito para merecer um homem gostoso daqueles aos seus pés, mas quando ele começou a levantar a saia do seu vestido, a realidade voltou com força total.
— Lourenço! A gente não pode fazer isso. — Ela empurrou a barra do vestido para baixo, mas as mãos atrevidas continuaram subindo e subindo e agarraram o elástico da calcinha.
— Eu quero meu presente de Natal. — Ele puxou a calcinha dela até os tornozelos.
— O seu presente tá debaixo da árvore. Junto com os outros. — Ela tentou se afastar, mas ele não deixou.
— Eu quero a sua calcinha de presente, você não vai negar, vai?
— Eu não posso passar o resto da noite sem calcinha. Como é que eu vou sentar na mesa e cear sem calcinha?
— Ninguém vai saber. É o nosso segredo. — Ele olhou para cima e mesmo na escuridão, ela sentiu o calor dos olhos dele. — Levanta o pé.
E ela obedeceu, permitindo que ele ficasse com o 'presente' que ele queria. Por que ela era incapaz de dizer não a ele? Porque ele só pedia coisas que ela queria fazer, claro. A ideia de passar a noite sem calcinha sabendo que só ele sabia, a eletrizava da cabeça aos pés.
— Não veste outra — ele mandou, e a Bia concordou. Voltando a ficar de pé, ele levou a calcinha até o nariz e respirou fundo, e ela apertou uma perna na outra buscando um pouco de alívio. — Cada vez que você olhar pra mim, lembra da sua calcinha no meu bolso, pensa em tudo o que eu vou fazer com você depois que todo mundo for embora, e as meninas dormirem, e você for no meu quarto. Sem sutiã e sem calcinha. Você vai, não vai?
— Eu vou — ela prometeu com a voz fraca.
— Eu vou ficar esperando. E é melhor você arrumar seu cabelo e o seu batom se você não quiser que todo mundo saiba que você estava se agarrando comigo aqui fora, Biatriz com 'i'. — Ele passou a calcinha pelos lábios, para limpar os vestígios de batom, e colocou no bolso. — Agora, deixa eu ir cuidar do peru. Eu nunca pensei que eu ia dizer isso um dia.
Ela andou até o banheiro que ficava ali fora, com as pernas bambas e rindo. Ela se agarrando com ele? Não tinha sido o contrário? Ela penteou os cabelos desgrenhados com os dedos, limpou o batom borrado e jogou um pouco de água fria no rosto para aliviar a vermelhidão.
Por algum milagre de Natal, ela encontrou a cozinha vazia ao voltar, e pegou a travessa de salada para levar para a sala. O Lourenço já tinha colocado a assadeira com o peru na mesa e estava voltando com a dona Marinês. Ele deu uma apalpada no bolso ao passar pela Bia, que sentiu as bochechas pegando fogo. O resto da noite ia ser um tormento!
Ela comeu e bebeu, mas não saberia dizer o quê. Ela também tinha participado da conversa, mas ainda bem que ninguém iria lhe perguntar depois sobre o que se tinha falado, porque ela não seria capaz de se lembrar. O Lourenço, que tinha dado um jeito de sentar na sua frente, piorava tudo cada vez que os olhares deles se cruzavam e ele passava a língua pelos lábios, como uma promessa do que ele iria fazer com aquela boca mais tarde. A Bia se remexeu tanto na cadeira, que o Fred se inclinou para ela no meio da ceia:
— Tá tudo bem com você?
— Tá tudo perfeito! — ela respondeu com o sorriso mais radiante e falso que conseguiu, fingindo não ver os cantinhos da boca do Lourenço se levantando num meio sorriso atrevido.
Depois da meia-noite, e dos abraços de feliz Natal, o seu Rodolfo assumiu o papel de Papai Noel, mas depois que as crianças receberam os presentes, os adultos começaram a buscar os pacotes em baixo da árvore e ajudá-lo no que virou uma confusão de mais abraços e papéis se rasgando, formando um tapete colorido pelo chão.
Quando o Lourenço confirmou que ele e a família vinham para o Natal, a Bia, que já tinha terminado suas compras, fez uma visita extra ao shopping para não deixar ninguém sem presente. Ela tinha comprado uma camisa para ele, mas o que tinha sido uma escolha sensata antes, passou a ser inaceitável depois de tudo o que eles tinham dividido nos últimos dias, e ela tinha improvisado com coisas que tinha em casa. Talvez, não fossem presentes úteis como a camisa, mas eram itens que demonstravam mais intimidade e carinho. Ela deixou o Lourenço por último, de propósito.
— Feliz Natal! — Ela estendeu a mão com o pequeno retângulo embrulhado num papel listrado de verde e vermelho.
— Obrigado. — Ele aceitou com um sorriso que virou uma gargalhada depois que ele rasgou o papel e viu o DVD de Frozen.
— Pra você assistir seu novo filme preferido sempre que quiser.
Para sua sorte, ela tinha se lembrado da cópia extra que uma das meninas tinha ganhado de presente repetido.
— Você acha que eu não vou? — Sem esperar resposta, ele estendeu um embrulho maior e mais pesado para a Bia, e que também arrancou uma gargalhada dela. Eram duas toalhas de mesa, uma branca e outra estampada de flores.
— Eu tô dando duas pra me prevenir, no caso de outro ataque de derramar suco.
— É, mas não pensa que o copinho com tampa e canudinho não volta, porque ele volta. — Ela colocou as toalhas no cantinho da parede. — Tem outro, peraí.
A Bia se agachou e pegou o outro presente dele dentre os poucos que restavam debaixo da árvore. Ao ver o embrulho, o Lourenço balançou a cabeça rindo, e depois de procurar debaixo da árvore, estendeu um pacote exatamente igual para a Bia, diferente só na estampa do papel.
Com um sorriso, ela abriu e encontrou o que esperava, o quadro que ele tinha pintado na sexta-feira, porque foi o que ela também tinha dado para ele, o seu quadro.
— Obrigado — ele repetiu num tom de voz mais emocionado que antes, acompanhando a flor quase caindo do vaso com a ponta do dedo. — Pelo presente e por ter me colocado na sua pintura.
— Eu que tenho que agradecer por tudo que você fez por mim. — A Bia se aproximou o máximo que podia, sem que ficasse suspeito para alguém que os olhasse. — Por você ter vindo, a árvore de Natal, a aula de pintura, as conversas, a tatuagem, a moto... tudo.
— Eu não te contei naquele dia, mas eu também me inspirei em você no meu quadro.
— Em mim? — A Bia levantou a tela e o Lourenço apontou para o sol enorme na quina superior.
— No dia que eu cheguei, em Copacabana, eu quase morri por dentro te vendo tão... — ele engoliu algumas vezes antes de falar. — Triste. E eu prometi pra mim mesmo que eu ia fazer o impossível, se fosse preciso, pra ver o sol brilhando dentro de você de novo.
— E como você acha que tá se saindo? — ela perguntou com um nó na garganta e os olhos cheios de lágrimas. Não tinha jeito, aquele homem acabava com ela. No bom sentido.
— Ele ainda não tá brilhando o tempo todo. Às vezes, o tempo fica nublado, mas eu tenho certeza que eu vou conseguir. E você? Acha o quê?
Que o tal sol, que só o Lourenço enxergava, devia estar brilhando naquele momento e ela sorriu, se sentindo queimar por dentro.
— Que daqui a uns dias eu vou ter que pintar outro quadro pra te dar. Um com um vaso inteiro e quatro flores dentro.
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