Capítulo 26

Por alguns segundos, a Bia ficou perdida, porque, quem diabos era Roberto?

Mas, claro. Roberto. O "companheiro" do Lourenço.

E que povo mais fofoqueiro! Como aquilo tinha chegado no ouvido dele com tanta rapidez?

Não tinha problema. Era só falar que ela não sabia quem era Roberto. Seria muita estupidez admitir as circunstâncias que a levaram a ter aquela ideia inspiradora. Foi quando um detalhe chamou sua atenção. Ele perguntou como ela descobriu sobre o Roberto.

Descobriu.

Aquilo queria dizer que o Roberto existia?

— Eu não tô entendendo? — Ela buscou pelos olhos dele.

Coçando a cicatriz, ele virou o rosto de lado, fugindo de encará-la.

— O Roberto... Claro que o nome dele não é Roberto, mas você descobriu alguma coisa, e é muito importante, Bia, eu saber como.

Suas pernas falharam e ela se apoiou na pia atrás dela. Como a bancada era mais baixa, ela perdeu o equilíbrio e acabou caindo sentada na beirada. Ele não podia estar falando o que ela achava que ele estava falando, podia?

O Lourenço? Gay?!

Não! Claro que não. Os rodopios na pista de dança tinham embaralhado seus neurônios. Ela respirou fundo e passou a mão na testa, tentando reorganizar o caos revirando sua cabeça.

— Lourenço, você pode me explicar melhor o que tá acontecendo?

— Eu tô falando do... o nome não importa. A gente se conheceu uns meses atrás, e também foi surpresa pra mim, Bia. — Ele apertou os olhos fechados como se fosse dolorido admitir aquilo. — Eu nunca pensei que eu podia me interessar por outro cara, mas aconteceu. E eu não contei pra ninguém porque ele é bem mais novo que eu e a família dele é muito religiosa... Ele tá no seminário e tem uma irmã que é freira! Só pra você ter uma noção. E o pai dele tem problema de coração e não pode nem sonhar que o único filho homem não vai ser padre, como ele sempre sonhou. Por isso, eu não contei nem pra minhas irmãs. Mas você descobriu, Bia! De alguma maneira você descobriu, e você precisa me dizer quem te contou!

Se alguém a soprasse naquele momento, ela se desmancharia em mil caquinhos pelo chão.

O Lourenço estava admitindo, com todas as letras que estava se relacionando com um homem.

Então, ele tinha mentido! Ela tinha perguntado se ele tinha alguém importante em Porto Alegre e ele tinha dito que não. Mas talvez as palavras exatas dele tenham sido que ele que não tinha namorada? O que era verdade, no caso.

E todos aqueles sinais? As vezes em que ela achou que ele estava paquerando? O quase beijo? O convite que ele tinha feito para ela ir para o quarto com ele?

O convite que ele tinha feito dormindo e, provavelmente, sonhando com o... Roberto que não chamava Roberto.

Ela podia socar alguém com a sua burrice!

Ela não tinha inventado todos aqueles momentos, mas ela tinha interpretado tudo errado. Quantas vezes ela se repetiu que era tudo brincadeira? Que ele estava ali só pela Alícia? Como ela foi tão cega e iludida e...

— Bia... — O Lourenço se aproximou e segurou os dois ombros dela. Ela odiou como o toque dele ainda a afetava. Mesmo sabendo que ela era uma cega iludida, ele ainda a afetava. — Por favor, me conta como você descobriu? Alguém da família dele também pode ficar sabendo e eu faço tudo pra proteger as pessoas que eu amo, você sabe disso.

— Ama? — A palavra saiu num sussurro.

— Não julga. — Ele a largou e deu as costas, apoiando a testa na parede. — Esse tipo de sentimento é... incontrolável.

Os ombros caídos em derrota, causaram um aperto no seu peito. Ele estava ali, se abrindo, expondo um lado que ele estava escondendo de todo mundo, mas não dela...

Tudo bem, ele só tinha contado porque achava que ela tinha descoberto alguma coisa, mas, mesmo assim, ele estava tão vulnerável! E aquela mágoa era culpa sua e, ao invés de ajudá-lo, ela estava mais preocupada em como aquilo a atingia. Aquela não era hora de julgar, nem de se preocupar em como seria necessário reajustar todas as suas perspectivas em relação ao Lourenço. Aquela era a hora de arrumar a bagunça que ela tinha criado.

Ela se aproximou dele, subindo a mão com suavidade pela camisa molhada de suor, até chegar ao ombro, que ela apertou, de leve.

— Lourenço, eu não descobri nada. Foi uma coincidência das mais infelizes. Você e o seu... — A palavra 'namorado' ficou entalada na garganta. Ia levar tempo para ela se acostumar com a ideia que ele tinha um namorado! Meu Deus do céu! Ela engoliu duas vezes antes de continuar. — Vocês estão seguros. Não tem como ninguém descobrir nada.

— Agora quem não tá entendendo sou eu. — Ele se desencostou da parede e virou de frente para ela, a testa franzida. — Eu conversei com uma moça, Raíssa, eu acho que era o nome dela. E ela me disse que você falou que eu tinha um companheiro chamado Roberto. De onde você tirou isso, então?

— Então... — Ela não conseguiu continuar encarando o Lourenço, e passou a alça da mesma bolsa que ela tinha usado de tarde pela cabeça e a apoiou no balcão, procurando algo muito importante dentro dela. Ela pegou o celular e começou a desbloquear a tela para não precisar olhar para ele. — Eu inventei. Uma brincadeira.

— Uma brincadeira. A troco de quê? — ele insistiu, tomando o celular da mão dela e o colocando em cima do balcão.

— Você vai achar engraçado. — A Bia coçou a testa de novo, buscando inspiração no primeiro botão da camisa dele, mas sua criatividade tinha se esgotado, e a verdade foi jorrando indesejadamente, como vômito. — Foi assim... A Raíssa e a amiga dela falaram que queriam... assim, passar a noite com você... as duas... juntas! — A Bia deu uma gargalhada de puro nervoso. — E saiu... O Roberto. Como eu disse, uma brincadeira. Porque, sei lá... Você nem conhece elas.

— Você quis me proteger? Por que não ia ser a primeira vez que eu transo com alguém que eu acabei de conhecer, não é, Biatriz? Muito menos com duas mulheres ao mesmo tempo. Já rolou até com mais.

O tom de voz dele a fez levantar o olhar. O Lourenço que estava na sua frente era outro. Completamente diferente de poucos segundos atrás. Ao invés de angústia e nervoso, o homem de braços cruzados, encostado de lado na parede, tinha um sorriso satisfeito e vitorioso nos lábios.

— Mais? — Foi só o que ela conseguiu balbuciar.

— Mais. E todo mundo saiu satisfeito e inteiro da experiência. — Ele se inclinou para a frente, uma expressão ameaçadora no rosto. — Eu não preciso da sua proteção. E se eu quisesse passar a noite com as duas? Quem é você pra interferir?

— Peraí. — Ela estendeu a mão na sua frente, obrigando o Lourenço a se afastar. — Você tá dizendo que não se importa de trair o seu... namorado?

Ele abanou a mão pelo ar, como se estivesse afastando um mosquito inconveniente.

— Eu não tenho namorado nenhum. Foi uma brincadeira. Uma invenção.

— Peraí! — A Bia repetiu com mais força, estendendo os dois braços na sua frente. — Você não tem um namorado que tem pai cardíaco? Que devia ser padre e tem uma irmã freira? — Pela segunda vez naquele banheiro, ela foi tomada por uma onda de raiva, mas agora ela tinha um alvo grande, forte e musculoso para socar. E ela deu um soco no braço dele. E outro. E outro. — Eu aqui achando que eu tinha te magoado! Que você estava desesperado de verdade! — Outro soco, que ele não tentou impedir, provavelmente porque sabia que a sua mão estava doendo mais que o braço ridículo de tão duro. — A troco de quê, pergunto eu! Pra fazer hora com a minha cara?

— Eu não queria enrolação. — Ele a segurou pelos pulsos. Ela tentou se soltar, mas ele não deixou. — E se eu te perguntasse, na lata, você ia me enrolar, né, Bia?

Ela abriu a boca para se defender da acusação injusta. Só que não. Não era exatamente o que ela ia fazer quando ele mencionou o Roberto? E não adiantava mentir. Aquela situação toda só provava como o Lourenço a conhecia além do que era conveniente.

— Me solta? — Ela se debateu de novo, mas ele não a atendeu.

— Não até você confessar a verdade.

— Que verdade?

— Que você inventou essa palhaçada toda porque ficou com ciúmes.

— Ciúmes? — Ela soltou uma risada irônica. — Você tá ficando louco?

— Ciúmes. — Ele a puxou para perto, quase se colando a ela. — Você teve ciúmes da vendedora do shopping que me deu o telefone dela. Você teve ciúmes da Iza, antes de descobrir que ela era casada com o Renê. E você morreu de ciúmes de pensar que eu podia passar a noite com duas mulheres. Anda, Bia, admite que dói menos!

— Eu não tive ciúmes! — ela gritou, esperando que o vermelho no seu rosto se passasse por raiva e não pela vergonha que realmente era. Ele estava certo. Meu Deus! Ele estava tão certo! Mas ela ia morrer antes de admitir em voz alta. Já era difícil o bastante admitir para si mesma. — Por que eu ia ter ciúmes de você?

— Pelo mesmo motivo que eu estava pronto pra arrancar as mãos daquele engraçadinho que achou que era dono da sua atenção a noite inteira!

— Você não pode arrancar as mãos do Henrique. Ele é cirurgião, ele precisa delas.

O cérebro da Bia se fixou na parte mais insignificante de tudo o que o Lourenço tinha dito, senão ela seria obrigada a encarar que ele estava confessando que também sentiu... ciúmes... dela?

Depois da primeira parte daquela conversa, em que ela tinha caído direitinho na história do namorado dele — sério, ela merecia o diploma da estupidez. O Lourenço com um namorado? — Ninguém podia culpá-la por duvidar de tudo o que ele iria dizer dali em diante.

— Eu tô pouco me fudendo pra o que ele faz com as mãos dele! — O Lourenço gritou a soltando, mas chegando tão perto que, entre ele na sua frente, e a pia atrás dela, não tinha como escapar. A veia na base da garganta dele pulsava exageradamente rápida, combinando com seu próprio coração. — Desde que não seja ficar pegando o que é meu!

— Seu? Você tá querendo dizer eu? — A Bia fechou as mãos, sem saber se era para voltar a socá-lo ou para se impedir de pular no pescoço dele porque a ideia de ser propriedade de alguém deveria incomodá-la. Deveria ser revoltante e indigno. Mas não era. Não quando era o Lourenço falando dela. E ela já tinha contado tantas mentiras aquela noite. Mais uma não ia levá-la para o inferno mais rápido. — Eu. Não. Sou. Sua!

— Você é, Bia. Você é tão minha quanto eu sou seu. — Ele se inclinou, deixando o rosto a um centímetro de distância do dela. A Bia sentia a respiração dele na sua bochecha. Quente e rápida. E ela voltou a respirar pela boca, o cheiro dele ali perto, roubando sua capacidade de pensar. — Não foi o que você sentiu ao me imaginar com duas mulheres? Que elas não tinham o direito de querer o que é seu?

— Cala a boca... — Era para ser uma ordem, mas saiu como um pedido. Uma súplica.

— Como você imaginou, Bia? Uma sentada na minha cara e a outra sentada no meu pau? Eu fiz isso, uma vez.

Ele sorriu, como se a lembrança fosse a melhor possível, o cretino. Ele estava rindo e ela estava morrendo por dentro. Destruída pelas imagens, tão cruas e vulgares quanto o linguajar dele, aparecendo como um filme colorido dentro da sua cabeça. Um filme que ela nunca mais conseguiria não ver. Enquanto ela estava passando pelos piores momentos da sua vida, lidando com perdas e sofrimentos impossíveis, ele estava pelo mundo, se divertindo com duas, três, sabe-se lá quantas, mulheres.

— Ou você imaginou as duas me chupando ao mesmo tempo? Eu já fiz isso também. Várias vezes.

— Não! — Ela balançou a cabeça, reforçando sua negativa com veemência.

Ele precisava calar a boca. Ele estava muito perto da verdade, e doía, uma dor física, como uma faca entrando no peito, imaginar o Lourenço com outras mulheres. Lógico que ele tinha tido muitas e muitas mulheres. Um homem como aquele, o pecado com duas pernas, não veio ao mundo para ser celibato, a não ser forçadamente, como quando ficou preso. Mas ela preferia ter uma vaga ideia, imagens embaçadas e trêmulas, e não aquelas admissões saídas da boca dele. Com orgulho. Com prepotência. Como se ela não estivesse ali, se quebrando, pedaço por pedaço, na frente dele.

— Ou talvez...

Ele precisava calar a boca! Ela precisava fazê-lo calar a boca. E só havia uma maneira de fazer aquilo. Aceitando o desafio que ele lançava com cada provocação.

Na ponta dos pés, ela jogou os braços em volta do pescoço do Lourenço e o calou, grudando sua boca nos lábios irritantes e macios.



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