Capítulo 16

A Bia passou tropeçando pela porta do seu quarto e, em seguida, entrou no banheiro, se trancando lá dentro. Ela escorregou, encostada na porta, até sentar no chão e abraçou os joelhos com a visão escurecendo.

O ar do mundo tinha sumido e, por mais que ela inspirasse, seu pulmão continuava vazio. Fechando os olhos, ela encostou a testa nos joelhos dobrados e tentou se acalmar. Seu cérebro sabia que era só uma questão de coordenar os movimentos dos músculos e ela conseguiria respirar, mas seu corpo não queria cooperar.

Que o Diego não iria reagir bem ao descobrir que o Lourenço estava na casa dela, era esperado. Ela não podia se deixar afetar pelas palavras de alguém magoado, se sentindo ameaçado e que se defendeu da única maneira baixa e infantil que era capaz, atacando seus pontos fracos.

Não era verdade que ela nunca tinha se esquecido do Lourenço. Seu motivo para se casar com o Diego tinha sido o mais legítimo possível. Eles tinham se reaproximado depois do nascimento da Alícia, e vê-lo se apaixonando pela filha fez com que a Bia voltasse a se apaixonar por ele também. Se ela tinha defendido o direito de pai do Lourenço, não tinha sido por causa de sentimentos reprimidos.

Até seus próprios pais, que tinham desenvolvido uma antipatia compreensível pelo seu ex-namorado vendedor de drogas, tinham concordado que somente o Lourenço e a Alícia podiam abrir mão de se relacionarem como pai e filha, se assim desejassem, e tinham apoiado sua decisão de contar para ele, quando ele a visitou depois de sair da cadeia.

O ar começou a entrar nos pulmões da Bia, e seu coração desacelerou um pouco.

E sua facilidade em superar a traição do marido não tinha nada a ver com um homem que ela viu uma vez em dez anos, e sim, com o afastamento que tinha acontecido nos últimos anos do casamento — antes mesmo do acidente dos pais, se ela fosse sincera consigo mesma: sexo uma vez por mês, diminuindo cada vez mais, os orgasmos fingidos, as vezes em que ela nem se dava ao trabalho de fingir e que não parecia fazer a menor diferença para o Diego. Todos sintomas de uma relação deteriorada.

Tudo bem. Ela não podia negar sua atração pelo Lourenço, mas aquele era um fogo novo, e não renascido de velhas cinzas apagadas e mortas. Se o seu coração disparava quando ele sorria daquele jeito torto e se ela ficava confusa com as brincadeiras que pareciam paquera, era porque ele era um homem bonito, de personalidade forte e sexy, que causava o mesmo efeito em todas as mulheres em volta dele, não só nela.

Levantando a cabeça, ela abriu os olhos, a visão começando a clarear, e passou as mãos pelo rosto molhado de lágrimas que ela nem tinha percebido que tinham caído.

Ela era uma idiota! Na noite anterior mesmo, ela disse para o Lourenço que estava melhorando, mas olha só ela! As mãos mais trêmulas que nunca, a cabeça explodindo de dor e há muito tempo ela não tinha duas crises de pânico tão próximas uma da outra.

E numa coisa, ela não tinha como tirar a razão do Diego. Ela já tinha confiado no Lourenço uma vez e quebrado a cara. A Vivi costumava dizer que a Bia ficava cega quando o assunto era o ex-namorado. Será que ela estava perdendo algum detalhe? Algum sinal de que ele não estava sendo honesto com ela? Será que ela estava colocando as filhas em perigo? Será?

Se jogando para a frente, a Bia engatinhou até o armário embaixo da pia e, ignorando os analgésicos na sua cara, esticou a mão para o fundo, pegando a caixinha de absorventes internos, que tinham acabado, mas era o esconderijo perfeito para as duas cartelas de remédios que ela não tinha jogado fora. Uma de sonífero e outra de calmante.

Só para o caso de uma emergência.

E quer emergência maior que aquela?

Ela jogou a cartela do sonífero de volta dentro da caixa e se agarrou aos calmantes. Umzinho não ia fazer mal. Ela já tinha feito o exame de sangue daquele dia. E o calmante não era muito forte, dois ou três dias seriam suficientes para os traços sumirem do seu sangue. Era só inventar uma desculpa e faltar ao próximo exame, na quarta-feira seguinte, só por garantia. Um exame pulado não ia atrapalhar o processo de guarda das meninas. Com certeza o juiz ia entender se a Bia explicasse que ela estava passando muito mal e precisou pular um examezinho de nada.

Ela começou a forçar o comprimido pelo papel alumínio, seu corpo implorando pela sensação de tranquilidade e paz que aquelas poucas gramas de substâncias químicas podiam lhe proporcionar. Era até engraçado como ela tinha brigado e recriminado o Lourenço tantas vezes pelo envolvimento dele com drogas e agora, a dissimulada que escondia entorpecentes era ela.

Uma batida forte balançou a porta do banheiro, fazendo com que a cartela de remédio pulasse da sua mão.

— Bia! Tá tudo bem? — A voz nervosa do Fred atravessou a madeira e a maçaneta se abaixou algumas vezes. Ele bateu de novo. — Bia, abre essa porta! Agora!

— Já vou! Já vou! — ela respondeu, guardando a cartela de calmantes na caixa de camuflagem e a colocando de volta no fundo do armário.

O irmão era capaz de estrangulá-la se soubesse que ela tinha guardado aqueles remédios. Pegando uma cartela de analgésico, a Bia ficou de pé, limpando o rosto rapidamente na toalha, antes de abrir a porta. O irmão entrou como um furacão no banheiro, olhando em volta em busca de algo suspeito.

— Tá tudo bem com você? — Ele estudou a Bia com cuidado.

— Eu só tô com dor de cabeça. — Ela abriu a mão e mostrou o analgésico inofensivo.

— Eu não gosto quando você se tranca nos lugares. — Ele a abraçou com força, respirando rápido. — Não faz mais isso, por favor.

— Eu não faço — ela prometeu, sem dizer que ele precisava confiar nela, porque ela não era hipócrita. Ela podia não ter estado a ponto de se suicidar, mas ela quase tinha feito uma besteira sem tamanho. — O Diego foi embora?

— Foi. As meninas estão tomando café com a Berê. — Ele deu um beijo na cabeça dela. — Esquece as coisas que ele disse, Bia. A gente sabia que ele não ia ficar super feliz com a presença do seu ex-namorado.

— Eu sei, mas e se ele estiver certo? E se eu estiver sendo uma idiota de confiar no Lourenço outra vez?

Soltando um longo suspiro, o Fred segurou a sua mão.

— Vem cá. — Ele a levou até a cama, a fazendo sentar do lado dele e pegando um copo na mesinha de cabeceira. — Eu trouxe água pra você. Toma o remédio.

A Bia tirou dois comprimidos da cartela e os engoliu com pequenos goles.

— Obrigada — ela devolveu o copo para a mesinha.

— Não fica brava com o que eu vou te falar, mas quando você contou que o Lourenço vinha passar uns dias aqui, eu liguei pro doutor Lemmer. — O irmão a olhou de lado, esperando por sua reação, mas a Bia não iria recriminá-lo por ter tido receios e se preocupado com ela, quando ela teria feito o mesmo no lugar dele, e esperou, tranquila, que ele continuasse. — Ele também tinha ficado um pouco preocupado e entrou em contato com um amigo, em Porto Alegre.

— Vocês investigaram o Lourenço?

— Não. O cara não é da polícia, nem investigador particular, mas ele é advogado criminalista e conhece algumas pessoas e fez umas perguntas. Só pra sondar.

— E aí? — A Bia se inclinou mais perto do irmão. Talvez, ela devesse estar revoltada com a invasão de privacidade do Lourenço e não meramente curiosa, mas ela precisava se preocupar em proteger as meninas.

— Ninguém com quem ele conversou tinha nada de ruim pra falar do seu ex-namorado, pelo contrário. Até os funcionários dele colocaram ele lá em cima. E olha que funcionário falando bem do patrão é quase um milagre. — Ele riu e aquelas palavras afrouxaram um nó de ansiedade dentro da Bia e ela soltou a respiração. — E pra te tranquilizar mais ainda, ontem eu conversei um pouco com a Mariana. Ela me contou como o relacionamento dela com o irmão sempre foi difícil. Até ele ir pra Porto Alegre. Ela não sabe se foi a segunda estadia atrás das grades, ou ter conhecido a Alícia, mas, pela primeira vez, ela sentiu firmeza no Lourenço e viu ele mudar, de verdade. Além do mais, toda a contabilidade dos negócios dele passa pela mão dela. Ela ia saber se tivesse alguma coisa suspeita. Eu acho que a gente pode confiar nela.

A Bia concordou com um aceno de cabeça. A Mariana não era de fazer vista grossa para os erros do irmão. A mudança no relacionamento dos dois, passando do clima glacial do fatídico almoço da época de namoro para algo parecido com o que ela própria tinha com o Fred, era realmente o melhor indicador de que eles podiam confiar no Lourenço.

O Fred coçou a barba, o olhar fixo na frente dele. A Bia conhecia aquela expressão. Ele estava se debatendo com algum tipo de decisão.

— Anda, Fred, pode falar tudo. — A Bia massageou o lado da testa, se preparando para a dor de cabeça piorar.

— A única observação que o advogado de Porto Alegre fez foi sobre... a vida amorosa do Lourenço. O cara é meio mulherengo.

A Bia soltou um suspiro de alívio misturado com aborrecimento.

— Isso eu já sabia. — Ela abanou a mão como se não fosse nada. — Ele é solteiro e desde que ele seja discreto e mantenha os casos dele longe da Alícia... — ela terminou, dando de ombros.

— Você tá certa. — Ele se ajoelhou na frente da Bia e descalçou uma das sapatilhas dela. — Por que você não deita um pouco e descansa?

— Não. Eu não vou conseguir dormir. — A Bia puxou a outra perna para longe dele, mas ele a alcançou e descalçou o outro pé também. — Eu tenho que descer e cuidar das meninas. E o Lourenço e a Mariana devem estar acordando.

— Não dorme, então, mas fica aqui até a dor de cabeça passar. — O Fred a empurrou pelo ombro até ela deitar. — Eu tinha planejado mesmo ficar em casa hoje, pra trabalhar nos documentos, mas com a Mariana me ajudando, eu não tô mais tão apertado. Eu cuido das meninas e faço sala pra suas visitas.

Ele puxou o lençol e a cobriu, se abaixando e dando um beijo na sua testa. A Bia passou os braços pelos ombros do irmão e o segurou perto.

— Eu não sei o que ia ser de mim sem você.

— Você não precisa se preocupar com isso. Eu prometo que eu não tô indo pra lugar nenhum. Agora, descansa.

Aquela era uma promessa que ninguém podia fazer. Não era algo que dependia da simples vontade da pessoa, mas por alguns minutos, a Bia não ia pensar nas injustiças e inevitabilidades da vida. Ela se ajeitou, abraçou o travesseiro e, com o eco das palavras do irmão no ouvido e o cheiro das filhas nos lençóis, ela fechou os olhos.


*** 

Olá, meninas,  todo mundo gostando, até agora? Tomara que sim.

Alguns esclarecimentos:

Sabe o que se diz sobre o fundo do poço? Que pelo menos ao chegar nele, você não tem mais como cair. Esse é o fundo do poço da Bia. Pra quem está torcendo pra ela se recuperar logo, vai começar a notar a mudança já a partir do próximo capítulo.

Outro detalhe, sei também que tem muita gente esperando a explicação do porquê da Bia ter se casado com o Diego. Aqui o assunto foi tocado superficialmente, daqui a alguns capítulos, voltaremos a ele.

Não se esqueçam, quinta-feira tem mais, bjs ❤️

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