Capítulo 13
Saldo da tarde no shopping com o Lourenço: uma árvore de Natal, duas caixas de enfeites, três sacos de balas, uma foto das meninas com o Papai Noel, duas renas de pelúcia que tocavam música ao terem o nariz vermelho apertado, dois arquinhos de cabelo enfeitados com laços verdes e vermelhos, dois livros de histórias e dois Papais Noéis de chocolate. Mais chocolate!
Tudo presente de Natal, como ele mesmo disse ao confiscar o segundo cartão da Bia na hora de pagar pela foto e, ainda por cima, a chamou de ingrata quando ela tentou protestar. Mas não havia nenhum filhotinho de cachorro correndo pelo chão da casa, o que era uma vitória. Um animalzinho de estimação era uma responsabilidade enorme e até o Lourenço e sua inabilidade de dizer não quando as meninas queriam alguma coisa, percebeu que aquele era um limite que não cabia a ele cruzar.
Graças a quantidade de açúcar que as meninas consumiram de sobremesa, elas estavam elétricas e ansiosas para começar a decorar a árvore, que já estava montada, com as luzes embutidas brilhando, no canto perto da janela, enfeitada apenas com as bolinhas que as meninas tinham comprado.
— O tio Fred tá demorando muuuuito! — a Amanda repetiu pela décima vez.
O Fred tinha ficado preso na clínica e tinha perdido o jantar. E não era como se a Bia não pudesse ir na casa dele buscar os enfeites. Ela tinha a chave e sabia onde eles estavam guardados, mas não seria a mesma coisa se o irmão não participasse da decoração.
— Ele já tá chegando. — A Bia ajeitou o arquinho da cabeça da filha caçula.
— Eu tenho uma sugestão. — A Mariana chegou para a frente, sentando na pontinha do sofá, atraindo a atenção de todo mundo. — Quando eu era pequena, na minha casa, a gente também tinha que esperar o meu pai chegar pra decorar a árvore e, enquanto a gente esperava, a minha mãe colocava a gente pra fazer enfeites, você lembra, Lourenço? Depois que você ficou maior, você não quis mais participar, mas quando você era pequenininho, você também ajudava.
— Eu me lembro muito pouco — ele respondeu.
— Fazer enfeite? Como? — a Alícia se interessou.
— Com papel e canetinha e lápis de cor — a Mariana explicou.
— Ótima ideia! — A Bia levantou do sofá com um pulo. Aquilo ia distrair as meninas por algum tempo. Ela fez um gesto na direção da mesinha de centro. — Vai tirando as coisas que eu vou pegar a caixa de artes.
Quando ela voltou, a mesinha estava vazia e todo mundo sentado em volta, a Amanda no colo do Lourenço e a Alícia ao lado da Mariana.
— Mamãe, eu posso usar glitter? — A Amanda juntou as mãozinhas na frente do corpo, como se estivesse rezando. — Por favor?
— Pode.
A Bia colocou a caixa de plástico no chão e tirou a tampa.
— Uau. — A Mariana passou a ponta dos dedos nas bordas dos papéis coloridos enquanto a Bia ia colocando as caixas de lápis de cor, canetinhas, giz de cera, cola com glitter, que foi imediatamente confiscada pela filha mais nova, e tesouras sem ponta em cima da mesa. — É quase que uma papelaria ambulante.
— Você não tem ideia dos trabalhos de casa que as professoras inventam, hoje em dia. — A Bia abriu um estojo grande, cheio de pedaços de fitas, botões, pedrinhas coloridas e adesivos. — Isso é o que sobra.
— Ninguém pode dizer que você não é preparada. — A Mariana puxou algumas folhas de papel e as espalhou em cima da mesa.
Ela e a Mariana quase não tinham conversado, mas ela não usava aliança, e pelo que a Bia tinha entendido nunca tinha se casado, nem tinha filhos.
— Acontece, depois que você abre a agenda de tarefas da filha e descobre que tem que fazer uma maquete da igreja de Notredame pro dia seguinte.
— Deixa eu ver se eu lembro. — A Mariana fez várias dobras e pequenos picotes num papel branco e ao terminar, abriu e sorriu orgulhosa da sua obra de arte. — Um floco de neve.
— Faz um pra mim, tia? — a Alícia pediu e recebeu o que a Mariana tinha terminado de fazer.
— Eu também quero. — A Amanda deu uma folha cor de rosa para a Mariana. — Rosa é a minha cor favorita.
— Bom saber. — O Lourenço riu e deu um beijo na cabecinha loura.
— O que você vai fazer, tio? — Ela se virou no colo dele.
— Humm, deixa eu pensar. — Ele pegou um papel amarelo. — Uma estrela, pode ser?
A Amanda aprovou e se virou para a Bia.
— E você, mamãe?
— Um boneco de neve — a Bia respondeu, pegando outra folha de papel branco.
— E eu vou fazer o chapéu do Papai Noel — a Mariana anunciou depois de entregar o novo floco de neve rosa para a Amanda.
A árvore de Natal estava cheia de enfeites de papel pendurados com fitas coloridas e eles estavam tão entretidos, que não escutaram o Fred abrir a porta e entrar.
— Olha só! Nem esperaram por mim.
— Tio Fred!
As meninas correram para ele, que mal teve tempo de colocar no chão as duas caixas de plástico enormes, não muito diferentes da que guardava a papelaria ambulante da Bia — afinal, ela tinha aprendido a ser organizada com a mãe — antes de abaixar e receber o abraço das sobrinhas.
— Você demorou muito — a Amanda reclamou.
— E você tá feliz porque eu cheguei ou porque eu trouxe os enfeites?
— Os dois — ela respondeu com um sorriso travesso.
— Vem, tio Fred. — A Alícia o puxou em direção à árvore. — Olha o que a gente fez.
Enquanto o irmão elogiava o trabalho das meninas, a Bia foi até as caixas de plástico e tirou a tampa da que estava com o adesivo 'enfeites / árvore'. Com todo o cuidado do mundo, ela retirou duas folhas de plástico bolha, revelando a primeira camada de enfeites, protegidos com capricho e separados por tiras de papelão.
O último Natal em que eles tinham sido usados, não tinha ficado especialmente gravado na memória da Bia, igual a todos os outros, a casa cheia de risadas se misturando ao cheiro de comida pelo ar. As últimas mãos que tinham tocados aqueles enfeites foram as da mãe, que os guardou com o carinho de sempre, sem imaginar que seria a última vez que ela fazia aquilo.
Um nó se formou na garganta da Bia, mas ela respirou fundo e engoliu várias vezes. Aquele não era um momento para ser marcado com lágrimas, só com alegria.
— Eu quero colocar o Papai Noel.
— Espera. — A Bia segurou a mãozinha da filha menor antes que ela pudesse agarrar o enfeite de vidro.
O Fred parou do seu lado e tocou seu ombro, de leve.
— A mamãe ia gostar muito mais desses enfeites na sua árvore de Natal do que guardados dentro de um armário escuro.
— Eu sei, eu sei — a Bia concordou. — Eu só precisava de um minuto. — Ela se agachou na frente da Amanda, ainda segurando a mãozinha dela e chamou a Alícia. — Eu não vou brigar se quebrar algum, mas nós vamos tomar muito, mas muito cuidado, pra isso não acontecer. Tem bastante enfeite, dá pra todo mundo ajudar, sem correr e sem se apressar, entendido?
As duas concordaram com um aceno de cabeça e a Bia pegou o Papai Noel e entregou nas mãos da Amanda.
— Eu posso pegar um? — a Alícia virou os olhos cor de chocolate para ela.
— Claro.
O Fred levou a caixa de enfeites mais para perto da árvore, e a Bia abriu a outra caixa, marcada com 'enfeites / casa', e começou a transformação do resto da sala. Por último, ficou faltando a estrela do alto da árvore, que foi colocada pelas duas meninas juntas, a Amanda sentada nos ombros do Fred, e a Alícia, nos do Lourenço, enquanto a Mariana enchia a memória do celular de fotos.
— Agora, só as duas, na frente da árvore — ela pediu, e foi atendia pelos dois adultos devolvendo as meninas ao chão.
O Fred veio ficar em pé do lado da Bia.
— Ficou... interessante. — Ele virou a cabeça de lado, observando a árvore junto da irmã.
Interessante era uma maneira delicada de chamar a bagunça de enfeites, bolinhas, desenhos de papel, guirlandas de contas coloridas, tudo colocado sem ordem, nem método, totalmente diferente das últimas árvores perfeitinhas que tinham enfeitado aquela mesma sala.
— É a árvore mais bonita que eu já tive. — A Bia suspirou, o peito cheio de contentamento.
— Por que isso, hoje? — O Fred passou o braço pela cintura dela e a puxou para perto.
A Bia olhou para o Lourenço ajoelhado entre as duas meninas, posando para a Mariana, e ignorou a leve acelerada que o seu coração deu.
— O Lourenço fez o favor de me lembrar que casa com criança não pode não ter uma árvore de Natal.
O Fred soltou o ar com força.
— Desculpa ter levado a árvore pra clínica sem ter te perguntado antes. E devia ter sido eu quem tinha que ter te lembrado que as meninas mereciam um Natal completo. É só que... sei lá... — Ele coçou a barba. — Eu acho que eu não tô fazendo muita questão de lembrar que é Natal.
— Você não tem que me pedir desculpas. — A Bia deitou a cabeça no ombro do irmão. — E eu sei exatamente como é.
— Ei, vocês dois! — A Mariana fez um gesto com a mão os chamando. — Vem tirar foto também.
Sessões de fotografia não eram a atividade preferida da Bia, ainda mais nos últimos tempos em que ela não andava muito satisfeita com a sua aparência, mas o Natal completo que as meninas mereciam incluía fotos, e ela foi sem reclamar.
— Mamãe, a gente pode ver televisão? — A Alícia puxou a saia do vestido da Bia para chamar a atenção dela depois que os adultos se revezaram atrás das lentes, e todo mundo saiu nas fotografias.
A hora de dormir das meninas tinha passado há muito tempo, mas elas estavam empolgadas demais, um pouco de televisão para acalmar os ânimos, não era má ideia.
— Meia horinha — a Bia avisou para as costas delas que já estavam correndo para a sala de televisão.
— Eu tenho que ir. — O Fred estendeu os braços por cima da cabeça, se alongando. — Eu tenho um encontro marcado com um monte de notas fiscais e um livro caixa que eu não posso perder.
— O seu Juarez deixou os documentos do lado da porta, mas você não quer jantar primeiro?
— Eu comi um sanduíche na clínica. Eu tô cheio.
Apesar da intenção anunciada de precisar ir embora, o Fred não se mexeu.
— Eu posso te ajudar? — a Bia ofereceu, sabendo que receberia a mesma resposta de sempre.
— Valeu pela boa intenção, maninha, mas na última vez que você me ajudou, eu demorei o triplo do tempo.
— Eu não tenho culpa se matemática e japonês é a mesma coisa pra mim.
— Tudo bem. — Ele riu e lhe deu um beijo na testa.
— Se você quiser, a Mariana pode te ajudar. — O oferecimento do Lourenço pegou todo mundo de surpresa, inclusive a irmã, que se remexeu incomodada ao virar o foco da atenção dos três adultos em volta dela. — É ela que cuida da minha contabilidade e eu nunca vi olho melhor pra pegar qualquer errinho.
Um brilho de esperança passou pela expressão do Fred por um segundo, e se apagou.
— Claro que não. Eu não vou fazer você trabalhar nas suas férias.
Os ombros da Mariana se levantaram e caíram, inspirando e soltando o ar profundamente, e o rosto dela se retorceu, como se o que ela estivesse prestes a falar, fosse muito difícil ou vergonhoso.
— Muita gente acha que eu tô sendo irônica quando eu digo isso, mas é verdade, uma auditoria fiscal, por menor que seja, é o mais perto do paraíso que eu posso chegar.
Fazia sentido. A Mariana era séria e contida, e era muito mais fácil imaginá-la cercada de livros e números, que numa pista de danças com um copo de bebidas na mão. Aliás, a última imagem era tão despropositada que a Bia precisou prender um sorriso.
— Se você não se importar mesmo. — O Fred deitou a cabeça de lado. — Porque eu só estava sendo educado antes. Eu tô aceitando qualquer ajuda. Menos a da Bia. — Ele se virou para a irmã. — Não me leva a mal.
Sua resposta foi revirar os olhos, enquanto a Mariana respondia ao Fred.
— Eu realmente não me importo.
— Então, senhorita. — Ele fez um gesto com os braços apontando o caminho da porta. — O caminho do seu paraíso é por aqui.
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