Capítulo 12
Na porta da loja, a Bia agarrou novamente as mãos das filhas antes de voltarem ao mar de pessoas nos corredores. O Lourenço também parou e mudou a posição em que estava carregando a caixa da árvore, soltando a alça lateral e abraçando de comprido, para não esbarrar nas pernas dos outros.
— Lourenço, eu prometi levar as meninas na cidade do Papai Noel. — Ela mostrou o cartaz com a atração do shopping com um gesto de cabeça. — Não é melhor guardar essa caixa no carro? Ou se você quiser ir embora no meu carro, depois eu pego um Uber com elas?
— Não, tá tranquilo. — Ela levantou a caixa do chão. — Não é nem um pouco pesada. Pra que lado?
— Pra lá. — Ela levantou o queixo para o seu lado direito. — E desce a escada rolante.
Como antes, ele foi na frente, abrindo caminho. Só se desviou por dois segundos para jogar um papel embolado no lixo. A Bia abriu a boca, prestes a reclamar, achando que era o recibo da árvore, e vai que o rapaz tinha mesmo dado o tamanho errado e ela precisasse devolver, mas seu protesto morreu ao se lembrar que o recibo estava guardadinho dentro da sua carteira.
— Ela te deu o telefone dela, não deu? — Sua irritação voltou com força total provocando o comentário que ela não tinha o direito de fazer.
O Lourenço olhou por cima do ombro e parou, dando chance à Bia de alcançá-lo.
— Hummm... — foi o que ele murmurou para não dizer o que devia estar na ponta da língua dele, que provavelmente era mandá-la cuidar da própria vida. Com toda a razão.
Pena que a razão não estivesse do lado da Bia naquele momento.
— Por que você jogou fora? Perdeu uma ótima oportunidade de ter férias bem mais interessantes. — Ao levar um encontrão por trás, a Bia puxou as filhas para perto e continuou andando, sem esperar por ele.
— Em primeiro lugar... — O Lourenço a alcançou e passou a andar do seu lado, com a Alícia entre eles. — As minhas férias já estão do jeito que eu quero. E em segundo lugar, eu não posso dizer que eu sou exigente... — Ele deu uma olhadinha rápida para a filha, ligada na conversa deles, antes de continuar. — Nesses assuntos, porque é mentira, mas mulher que dá em cima de homem casado é baixo demais até pra mim.
— Você não é casado — a Bia disse, entredentes.
— Mas ela achava que eu era, não achava?
A Bia queria acreditar, de verdade. O olhar dele era sincero e aberto e mesmo que ele só tivesse jogado o papel fora porque tinha passado o número para o celular, ela não deveria estar sentindo aquela raiva toda.
E daí, Biatriz? Ela gritou consigo mesma, dentro da cabeça. E daí que ele sai com quinhentas mulheres? E daí que ele dorme com todas elas? Não é da sua conta!
Eu sei! Eu sei! Ela berrou de volta para sua consciência, andando com passos firmes, a cabeça reta, sem responder a ele.
Não era porque ele estava ficando na sua casa, e eles tinham vindo, os quatro juntos, no shopping e quem olhasse pensaria que eles eram sim, uma família tradicional, ou que ele brincasse de chamá-la de esposa, que ela podia começar a confundir as coisas. E se fosse verdade, que o Lourenço estivesse ficando louco e com intenções de embarcar de volta no túnel do tempo — o que ele não tinha dado a menor indicação de querer, diga-se de passagem — a Bia não estava num momento de vida em que pudesse se dar ao luxo de sequer pensar em começar qualquer relacionamento com ninguém. Ainda mais um cheio de bagagens e complicações como seria com o Lourenço. Aliás, ela não deveria estar nem pensando em pensar sobre pensar num relacionamento.
— Mamãe! Você tá apertando a minha mão! — a Amanda reclamou.
Com um pedido de desculpas a Bia afrouxou o aperto na mão das filhas. Não bastavam as horas da noite que ela passava especulando sobre inutilidades, só faltava ela passar a fazer aquilo durante o dia também. Quando a doutora Clarisse voltasse das férias, depois do ano novo, com certeza, seus delírios diurnos seriam o tópico principal da sua primeira consulta.
— A gente pode comprar bala? — A Amanda tentou puxar a Bia para o lado do quiosque colocado no meio do shopping para atrair as crianças e pais desavisados com suas balas coloridas.
— Hoje não. — A Bia a puxou de volta. — Ainda tem muito chocolate lá em casa, que o tio Lôro trouxe.
— Mas chocolate não é bala — a Alícia ajudou a irmã.
— E o pirulito que o seu Juarez deixou pra vocês?
— Ah, mamãe, um pirulitinho de nada.
Antes que a Bia pudesse lembrar a elas que elas já tinham comprado mais que o combinado, o Lourenço se meteu na conversa.
— Eu sempre tive vontade de experimentar dessas balas, mas não fica bem um homem adulto, sozinho comprando doce no shopping. Biatriz, me empresta as suas filhas?
Num movimento super ágil, ele empurrou a caixa e a sacola que ele estava carregando na direção dela, e pegou a mão das meninas, que ela soltou para não deixar nada cair no chão.
— Ei, peraí! — ela gritou para as costas dos três se afastando, que a ignoraram completamente.
O Lourenço não tinha amor à vida. Ele estava vendo sua irritação com ele, não interessava se procedia ou não, e ele tirava sua autoridade na maior tranquilidade. A Bia passou a sacola pelo braço e abraçou a caixa da árvore, tentando segui-los, e ainda bem que ela tinha guardado a porcaria do recibo, porque dentro daquela caixa não tinha árvore de Natal nenhuma, e sim, um monte de paralelepípedos. Só podia.
— Não é nem um pouco pesada — ela imitou o Lourenço num tom de deboche enquanto arrastava a caixa, pedindo desculpas cada vez que acertava alguém.
Quando ela chegou ao quiosque, os três já estavam enchendo os saquinhos de balas.
— Amanda! Chiclete não! — a Bia avisou.
— Aqui não tem chiclete, senhora — o atendente com um chapéu de Papai Noel a tranquilizou.
— Obrigada — a Bia agradeceu com um sorriso e se virou para a filha novamente. — Essa aí não! Essa é grande, você engasga.
— Mas, mamãe...
— Pega outra.
Felizmente, ela obedeceu e a Bia continuou vigiando a filha caçula, enquanto o Lourenço estava curvado com a cabeça perto da Alícia escutando com atenção os conselhos dela sobre quais balas eram boas e quais não eram como se estivesse recebendo o segredo para ficar milionário. Quando ele depositou os três saquinhos cheios na balança, a Bia estava pronta, e estendeu seu cartão para o rapaz.
— Débito, por favor.
— Nada disso. — O Lourenço tomou o cartão da mão dela e guardou na própria carteira, tirando o dele e entregando ao atendente. — Débito, por favor.
— Macaco de imitação.
Ele lhe lançou um olhar divertido.
— Tem certeza que você não quer bala também?
Ignorando a provocação a Bia estendeu a mão para ele.
— Meu cartão, por favor.
— Depois eu te devolvo.
— Você acha que eu não tenho outro? Por que eu tenho outro. — Ela tentou colocar as mãos na cintura, mas a sua bolsa mais a sacola com as bolinhas de Natal mais a caixa da árvore que ela ainda segurava, atrapalharam o efeito de ira total que ela tentava projetar.
— Eu tenho certeza que você tem vários outros. — O Lourenço teclou a senha na maquininha antes de virar a cabeça para ela. — Mas você tá iludida se acha que vai usar qualquer um deles hoje.
Certíssimo. Ela não ia usar mais nenhum porque eles não iam comprar mais nada. Depois de receber os saquinhos de bala de volta e deixar as meninas pegarem, cada uma o seu, ele começou a distorcer o fecho do dele. No que foi imediatamente imitado pela Alícia e pela Amanda.
— Vocês duas. — A Bia estendeu a mão, pedindo as balas. — Só depois do jantar.
— Mas, mamãe, o jantar vai demorar muito — a Alícia argumentou.
— Só uma, por favor. — A Amanda fez biquinho.
— Não! Regra é regra, e vocês sabem que... rrrffrrrrhhh...
A Bia foi interrompida por uma bala sendo enfiada na sua boca, que ela mastigou por instinto e, na verdade, era um marshmallow, ou um caramelo, que grudou nos seus dentes todos. Ela estreitou os olhos na direção do Lourenço, mastigando e mastigando aquela coisa grudenta, e pena que ela não estava com as mãos livres ou iria apertar o pescoço do idiota e tirar aquela expressão divertida do rosto dele.
— Até que é gostosa, né, Biatriz com 'i'?
As meninas olhavam de um para o outro, sem saber se seguiam a deixa do Lourenço e riam também, ou continuavam sérias para não irritarem mais a mãe. A Bia desviou o olhar para elas, por um segundo, e espertas que eram, as filhas escolheram a opção certa.
Finalmente, ela conseguiu engolir a gororoba e soltou os cachorros.
— Lourenço! Você não pode... rrrffrrrrhhh...
De novo? Não!
Inacreditável!
E por que ela não aproveitou e mordeu o dedo dele ou pior, por que ela mastigou outra vez? Com um grunhido de raiva, a Bia bateu o pé no chão, arrancando gargalhadas dos três — porque, aparentemente, as meninas resolveram que era mais divertido seguir o exemplo do Lourenço — sua boca colada com a bala que conseguiu ser mais grudenta que a primeira.
— A mamãe fez igual a você, quando você fica brava. — A Alícia riu para a irmãzinha.
E enquanto mastigava e mastigava, um sorriso inconveniente acabou escapando da Bia porque era impossível continuar irritada com aqueles três rindo na sua frente. Ao terminar de engolir o doce, que até que era gostoso — não que ela fosse admitir para o Lourenço. Nem morta. — ela colocou a mão na frente da boca, antes de falar.
— Tudo bem. Uma bala só.
— Mas, mamãe, você comeu duas.
Sério? Aquelas meninas precisavam aprender a não brincar com a sorte, mas antes que a Bia pudesse dizer que era uma bala ou nada, escolha delas, o sem noção que também precisava aprender a ficar quieto no canto dele, se meteu na conversa.
— A mãe de vocês pode comer duas porque ela é maior. — Até que enfim ele se comportava como um adulto, e fechou o saquinho de balas dele. — E quanto menos a gente comer agora, mais sobra pra depois do jantar. Guarda pra mim?
Ele estendeu as balas dele para a Bia e pegou a caixa e a sacola, de volta, enquanto as meninas concordavam com ele, sem discutir.
— Sério, Lourenço... — A Bia suspirou, balançando a cabeça. — Eu não sei o que eu faço com você.
O sorriso de lado que ele lhe lançou fez uma fagulha percorrer seu corpo, acendendo tudo por dentro, como as luzinhas que enfeitavam o shopping de cima a baixo.
— Eu tenho várias sugestões — ele disse num tom de voz insinuante, relanceando o olhar para as meninas, concentradas revirando o saquinho atrás da maior bala, antes de continuar. — Todas inapropriadas demais pra falar na frente das crianças.
Ele estava flertando com ela, não estava?
Ele estava.
E meu Deus! Sua avó Célia é quem costumava dizer flertar. Tinha tanto tempo que alguém não paquerava, ou passava uma cantada, ou dava mole para ela, que a Bia nem sabia mais como chamar a interação sem usar o vocabulário de uma velha de oitenta anos.
E aquilo não era flerte, nem paquera, nem cantada! Era só uma brincadeira! Mas era tão difícil não confundir as coisas quando ele se comportava e falava e a olhava como antigamente.
Só uma brincadeira, Bia! Ela lembrou a si mesma, segurando o impulso de se abanar. Alguém tinha que dar um jeito no ar condicionado do shopping, que não devia estar funcionado direito com metade da população do Rio de Janeiro ali dentro.
— Toma, mamãe. — A Alícia e a Amanda tiraram a Bia do seu torpor, com as mãos estendidas com os saquinhos de balas.
A Bia guardou os três saquinhos dentro da bolsa, sem replicar à provocação do Lourenço porque, ao contrário da Letícia-Barbie-medalha-de-ouro-em-paquera que teria a resposta perfeita, a língua da Bia tinha dado um nó.
Levantando a caixa como se não pesasse nada, o Lourenço voltou a liderar o caminho seguido pela Bia com as filhas. Duas mulheres passaram na direção contrária e, ousadamente, se viraram para checar o traseiro dele.
Agora as mulheres faziam aquilo também? A Bia sempre achou que era prerrogativa dos homens tratarem as mulheres como objetos. Não que ela tivesse base para julgar as duas atrevidas de olhares gulosos. Ele tinha um bumbum altamente checável. Por baixo da calça jeans moldando todos os contornos, ela podia ver que continuava o mesmo que ela tinha apertado e beijado tantas vezes. Sem falar das coxas grossas...
Não, não. NÃO!
A Bia se obrigou a desviar o olhar, o rosto queimando.
Realmente, não dava para continuar com aqueles delírios em plena luz do dia, ainda mais se eles fossem se enveredar por aqueles atalhos que a deixavam toda alterada e encalorada e confusa.
Por que ele continuava tão igual a dez anos antes? Por que ele não tinha relaxado com a idade e ficado barrigudo ou careca?
Não que fosse fazer diferença. Ele era capaz de conseguir a proeza de ser o barrigudo e careca mais sexy do mundo. Pelo menos, na opinião da Bia.
— Que droga! — ela balbuciou, tentando desligar o botão que, de repente, fazia com que ela enxergasse o Lourenço com outros olhos. Ou com os mesmos olhos, só que mais abertos, agora.
— Tá tudo bem, mamãe? — a Alicia perguntou.
— Tudo ótimo.
Pronto. Ela estava começando a dar bandeira. Ainda bem que as filhas não tinham malícia e não prestavam atenção a esse tipo de coisa.
— Mamãe? — A Amanda puxou sua mão, e ela se focou na filha mais nova. — O que é inaporpiada?
Santo protetor das mulheres divorciadas mães de filhas pequenas, me ajuda!
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