26

Mais tarde naquela semana, Jimin deixou Aeri trabalhando sozinha na academia enquanto sua mãe a levava até o Seul Hospital para sua consulta e a bateria de exames mensais. Era um trajeto curto, mas pareceu eterno, com Joohyun desviando o olhar da estrada de tempos em tempos para encará-la. Jimin aumentou o volume da música e se recostou na janela.

Sua mãe desligou o rádio.

— Não aguento mais. Você passa o dia inteiro aérea. Não fala nada quando vai me visitar. E Aeri comentou comigo que quando trabalha parece que está morrendo. Jimin, me diga o que está acontecendo.

Ela apertou com força o celular em suas mãos.

— Nada.

— Como vai Minjeong? Ela podia ir em casa sábado. A toranja estava em oferta, comprei um monte.

Ela não respondeu.

— Não sou idiota, sabe? Você terminou com a garota?

— O que faz você pensar que não foi o contrário? — Minjeong teria feito aquilo, quando decidisse que já tinha praticado o bastante.

— Está na cara que ela é apaixonada por você. Jamais faria isso.

Jimin cerrou os dentes ao se sentir dominada por uma sensação desagradável.

— Conheci os pais dela.

— Ah, é? Como eles são?

— O pai dela não me achou boa o bastante — respondeu Jimin, contorcendo os lábios de amargura.

— Claro que não.

Jimin encarou o perfil da mãe.

— Como assim? — Ela era a filha dela. Jamais imaginaria que falaria assim dela.

— Você é orgulhosa demais, igualzinha ao seu pai. Precisa ser mais compreensiva. Ele só quer o melhor para ela. Minjeong é filha única, não?Quando você ama uma pessoa, precisa lutar por ela de todas as formas. Se fizer um esforço de verdade, o pai de Minjeong vai gostar de você.

— Acho que seria muito egoísmo da minha parte lutar por ela. Existem garotas muito melhores por aí e... — Ela se interrompeu ao notar que a mãe se virava para ela com os olhos estreitos.

— Você está parecendo seu pai. Não suporta a ideia de que as coisas não sejam perfeitas, então desiste de tudo. Ela está melhor mesmo sem você. Se amasse Minjeong de verdade, saberia valorizar esse amor e se comprometer com ele. Ela não precisa de mais nada de você além disso.

— Acha que sou como meu pai? Acha que eu faria o que ele fez? — As palavras de Joohyun a atingiram como uma lufada de água gelada nos pulmões. Se sua própria mãe achava que...

— Você jamais faria isso — ela disse com um gesto de mão. — Ele não tem coração. Você tem, e dos bons. Mas acha que precisa ser a melhor em tudo e fazer tudo sozinha. Você e seu pai têm esse mesmo problema.

— Eu não...

— Então por que ainda está presa no passado? Por que deixa seus problemas pessoais decidirem o seu futuro? Acha que vai fazer alguma garota sofrer por conta da sua condição? — Perguntou ela, irritada.

— Não, eu...

— Não aguento mais ficar vendo você agir assim. Sei que não recebeu alta definitiva, mas seus resultados tem se mostrado positivos. E você está se sentindo melhor. Não quero mais saber de você usando isso como desculpa, principalmente quando deixa oportunidades de ouro passarem por sua vida.

Jimin se encolheu no assento. Seu cérebro não conseguia registrar direito o que sua mãe estava dizendo.

— Você acha mesmo isso?

Ela apontou para Jimin.

— Você se recuperou muito bem fisicamente. Não pense que não percebi. Sei que a prática de artes marciais te ajudou com isso.

A morena deu de ombros.

— As garotas gostam.

— Minjeong gosta disso?

— Claro. — Ela falara inúmeras vezes do quão atraente o seu corpo era. Um sorriso de satisfação surgiu nos seus lábios. — Ela não é tão inocente como você pensa — ela acrescentou, tentando amenizar o interesse da mãe.

Joohyun lançou um olhar como quem diz “está de brincadeira comigo?”. Em seguida voltou a se concentrar no trânsito.

— Como se alguma garota pudesse continuar inocente depois de se envolver com você. Além disso, toda mãe quer para a filha alguém que saiba o que faz na cama.

Jimin engasgou antes de cair na risada.

— Não vai perder a entrada. — Ela apontou para o prédio do Seul Hospital.

Sua mãe a deixou na porta e foi estacionar no subsolo. Sua mente estava perdida em um turbilhão de pensamentos quando saiu do elevador e se dirigiu a sala de exames na ala de oncologia.

Minutos depois, ela estava deitada em uma maca, ligada por uma porção de fios a uma máquina de eletrocardiograma. Uma enfermeira imprimiu os resultados e fez anotações na prancheta antes de retirar os sensores.

— Como estão as coisas? — Perguntou Jimin enquanto ajeitava sua camisa.

— A médica vai poder dizer isso assim que chegar. — A enfermeira sorriu, recolheu os papéis e o maquinário e saiu.

— Tenho certeza de que está tudo bem. — Disse Joohyun se acomodando em uma cadeira. — É perceptível que você está bem melhor.

Seriam boas notícias demais para um único dia, mas sua mãe tinha razão quanto ao que dizia. O fato dela conseguir praticar exercícios físicos e dar aulas na academia de artes marciais sem dificuldade era prova disso.

Essa percepção aliviou um pouco da tensão do corpo de Jimin.

— Para de se preocupar. — Disse sua mãe.

Depois de uma batida na porta, a médica entrou, uma mulher curvilínea com cabelos loiros até os ombros e uma postura que logo deixava as pessoas à vontade.

— Você está progredindo muito bem — ela falou com um sorriso para Jimin. — Os resultados mostram estabilidade, então vamos começar a fazer exames mais espaçados, a não ser os de sangue, que continuam mensais. É claro que, se alguma coisa mudar, vamos precisar ver você o quanto antes, mas não acho que seja provável.

— Diz para minha filha que ela já pode voltar a viver. Ela ainda fica se prendendo aos temores do passado.

A médica encarou Jimin com um sorriso compreensivo.

— Ter esse receio é algo natural, mas você não devia fazer disso um martírio. É mais saudável permanecer em atividade, tanto para o corpo como para a mente.

Joohyun cruzou os braços.

— Acho que talvez ela pudesse começar a namorar.

— É sério que vocês vão discutir isso como se eu não estivesse aqui? — Jimin fez gestos enfáticos e balançou a cabeça com vigor.

A médica levantou as sobrancelhas, pensativa.

— Sua mãe tem razão. Acho que poderia ser divertido.

Jimin olhou feio para Joohyun, que não conseguiu segurar o riso.

Naquele momento a única coisa que ela queria era compartilhar aquela novidade com Minjeong, mas ela não fazia mais parte da sua vida. Portanto, Jimin precisaria guardar a notícia para si.

\[...]

Minjeong estava em uma das salas do departamento de artes enquanto repassava os atributos que associava à sua síndrome: sensibilidade excessiva a sons, cheiros e texturas; necessidade de estabelecer rotinas; falta de traquejo social; tendência a desenvolver obsessões.

Ao longo da semana anterior, vinha atacando todos, com exceção dos dois últimos, que não sabia como abordar. Conseguia ouvir músicas horrorosas enquanto pintava, usar perfume, usar roupas com costuras comuns e deixar a rotina de lado, mas não achava possível começar a conversar com desconhecidos com naturalidade e não era capaz de ignorar sua obsessão pela pessoa que amava.

Sua mente girava em círculos sem parar, buscando uma solução para o problema. Embora Minjeong não fosse boa em interações sociais, tinha melhorado bastante ao longo dos anos. Caso se concentrasse e tomasse cuidado com o que dizia, era capaz de interagir sem deixar as pessoas sem graça — na maior parte do tempo. Mas restava a questão da obsessão.

Como não desenvolver uma por algo que considerava maravilhoso? Como apreciar com moderação? Sendo bem realista consigo mesma, precisava admitir que não era uma possibilidade no seu caso. Minjeong não conseguia gostar só até certo ponto. Já tinha tentado com Jimin e fracassado. Aquilo significava que teria que se abster por completo das coisas que a agradavam?

Talvez até conseguisse abrir mão do piano, dos filmes de artes marciais e dos dramas asiáticos. Mas e quanto à sua grande paixão?

A arte?

Desistir de seu ramo profissional seria o maior sinal possível de comprometimento. Sua faculdade era o principal pilar de sua vida. Se trancasse o curso, tudo mudaria. Ela de fato ia se tornar outra pessoa.

Minjeong respirou fundo e cobriu os olhos com a mão espalmada, desistindo de pintar a tela que tinha a sua frente. Sua mente estava desestabilizada demais para conseguir se concentrar. Se não pudesse mais pintar, talvez fosse mesmo melhor desistir do curso.

Ela poderia se dedicar a alguma coisa que produzisse benefícios mais concretos para a sociedade. Como a área médica. Com esforço, poderia se tornar médica. Não era muito ligada a coisas como fisiologia e química, mas faria diferença? A maioria dos médicos provavelmente se concentrava mais nas consequências de sua atuação do que na realidade do dia a dia. Na verdade, seria até melhor se o trabalho a entediasse. Assim não desenvolveria uma obsessão pelo que fazia.

Estava decidido. Ela precisava largar o curso de artes.

Com os dedos rígidos e uma determinação febril, Minjeong começou a guardar seu material de trabalho.

Ela ouviu uma batida discreta na porta e deu uma olhada no relógio antes de se virar e ver Seulgi entrando. Então parou o que estava fazendo e ficou de pé para receber a sua professora.

Seulgi sorriu.

— Estou um pouco surpresa em ver você aqui hoje. Por favor, sente.

A ruiva colocou suas coisas de lado e obedeceu.

— Eu queria trabalhar um pouco na pintura que havia deixado aqui.

No silêncio constrangedor que se seguiu, Minjeong coçou o pescoço distraidamente. As costuras da camisa faziam parecer que havia uma fileira de formigas percorrendo sua pele.

— Como você está? — Perguntou ela, tentando esquecer a coceira.

— Eu? Estou bem. — Seulgi cruzou os braços e olhou distraidamente para a tela dela. — Já Jimin nem tanto.

O peito de Minjeong se comprimiu, e ela começou a sentir que agulhas espetavam seu rosto.

— Não? Por quê? O que aconteceu? Ela está bem?

— Ela está ótima, não precisa se preocupar — Seulgi falou, gesticulando para tranquilizá-la. — Ela só anda insuportavelmente ranzinza, trabalhando sem parar. Parece possuída. Estamos todas preocupadas. E irritadas.

— Eu não... não entendo por que ela está tão infeliz. — Não poderia ser pelo mesmo motivo que ela. Uma esperança misturada com o incômodo das costuras a deixou com vontade de arrancar a camisa e gritar.

— É por sua causa. Jimin sente sua falta.

Ela balançou a cabeça. Impossível. Ouvir seu maior desejo ser vocalizado por outra pessoa a encheu de uma amargura quase raivosa.

— Que tal falarmos sobre o meu projeto da optativa? — Minjeong pegou os documentos de um estudo de caso que tinha elaborado e entregou para Seulgi.

Em vez de olhar para os papéis, ela os colocou em cima de uma mesinha.

— Por que vocês terminaram?

Porque nunca tinham começado, para começo de conversa. Porque para Jimin tudo o que acontecera entre as duas se resumia a um ato de caridade.

Minjeong começou a remexer no seu material de pintura ao notar que seus olhos se enchiam de lágrimas. Depois de vários segundos angustiantes piscando furiosamente, o risco de choro passou. Ela engoliu em seco, limpou a garganta e falou:

— Isso não é relevante no momento. Gostaria que me auxiliasse a prosseguir com o meu projeto, então podemos falar a respeito?

— Acho que vocês duas precisam conversar.

— Tivemos uma longa conversa. — Uma que Minjeong não queria reviver. Caso ouvisse mais uma vez que ser quem era não bastava, acabaria perdendo a cabeça.

— A separação claramente não está sendo boa para nenhuma das duas — insistiu Seulgi. — Vocês deviam conversar de novo.

Minjeong esfregou as têmporas, sentiu uma dose concentrada do perfume que havia passado no pulso e sentiu seu almoço subir pela garganta. Ela afastou a mão do rosto e começou a respirar pela boca.

— Não posso.

— Por favor, Minjeong. Sei que ela deve ter estragado tudo, mas dá mais uma chance. Ela é louca por você.

— Não foi a Jimin que estragou tudo. Fui eu. — Ela tinha estragado tudo sendo quem era.

— Não consigo acreditar. Jimin é péssima em relacionamentos. Tem várias questões mal resolvidas.

Minjeong fez uma pausa. Quem tinha questões mal resolvidas com as quais lidar era ela. Ou não?

— Que tipo de questões?

— Está falando sério? Ela não contou? — Seulgi olhou para o teto e resmungou consigo mesma antes de continuar. — O pai dela pegou pesado com ela por ter se recusado a fazer engenharia, apesar de ter sido aceita. Disse que Jimin não ia ser nada na vida, que ia ficar pobre e ser obrigada a dar um jeito de ganhar dinheiro com o rosto bonito dela, porque não serviria para nada mais. Jimin é supertalentosa e parece confiante. Mas você foi a primeira garota que pareceu fazer bem para ela.

Depois de absorver a informação e armazená-la para refletir mais tarde, Minjeong abriu um sorriso forçado.

— É muita gentileza sua dizer isso. Obrigada.

— Ah, meu Deus, você também vai agir assim? Vocês foram claramente feitas uma para a outra. Enfim, já vi que minha vinda aqui foi um fracasso total. Já vou indo. — Seulgi fez menção de levantar.

— Você não vai falar sobre o meu projeto?

Seulgi cruzou os braços de novo.

— Não acho necessário. Independente das dificuldades que você possa estar tendo agora, sei que vai encontrar uma solução com Jimin e entregar o trabalho dentro do prazo.

— Você deposita muita estima em mim — disse Minjeong quase em um sussurro.

— Eu apenas sou uma boa observadora.

A ruiva ficou em silêncio por alguns instantes antes de perguntar:

— Por que você buscou uma carreira no ramo da arte em vez de outro campo de conhecimento?

Os olhos de Seulgi brilharam, e ela se inclinou para a frente.

— Isso é fácil. A arte é a coisa mais bonita que existe no universo. Ela é o caminho para ter uma compreensão mais sofisticada das pessoas.

— E por que quer entender melhor as pessoas? Você já tem uma família enorme, e imagino que tenha um monte de amigos.

— Tenho mesmo muitos amigos e parentes. — Seulgi deu de ombros. — Mas eles são um subconjunto minúsculo da sociedade, muito diferentes de mercados ou países inteiros. E, sinceramente, nem todos me causam fascínio ou estimulam minha visão de mundo. Eu morreria por eles, mas prefiro viver por outra coisa. Pela arte. É minha vocação, assim como a sua.

Com os olhos marejados e emocionada sem nem entender direito o motivo, Minjeong ficou de pé e apertou a mão de Seulgi.

— Acho que é por isso que o pessoal daqui gosta bastante de você.

Seulgi sorriu. Minjeong a acompanhou até a porta da sala e se despediu. Quando voltou para o seu lugar, olhou para a pintura inacabada.

Porque ela estava pensando em abrir mão de sua vocação? Por causa de Jimin. Por causa de uma garota.

Minjeong passou os dedos pelos cabelos, soltando algumas mechas. Não fazia sentido se sacrificar por uma garota que não a amava tal como ela era. Ninguém ganharia nada com aquilo, muito menos ela. Não era justo ou honesto. Não era nem um pouco sua cara.

Sua transformação terminava ali. Não havia nada de errado com ela. Seu modo de ver o mundo e interagir com ele podia ser diferente, mas fazia parte de quem Minjeong era. Podia mudar seu comportamento, seu modo de falar, sua aparência, mas não tinha como alterar sua essência. Ela sempre seria autista. Aquilo era uma síndrome, mas não parecia uma. Era simplesmente seu jeito de ser.

Minjeong precisava aceitar o fato de que ela e Jimin simplesmente não combinavam. Abrir mão de uma parte sua para forçar uma relação era uma grande bobagem. Trancar seu curso era uma tremenda bobagem, e ela não faria aquilo.

Ela recolheu suas coisas e se preparou para ir embora mais cedo. Precisava tirar aquela camisa e o perfume da pele. Seu comportamento na última semana a deixou enojada.

Sim, Minjeong se sentia sozinha. Sim, seu coração estava partido. Mas pelo menos ia ser ela mesma.

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