22

Jimin entrou na academia e jogou a mochila no piso azul acolchoado, perto das outras.

Os praticantes no meio do recinto deram cinco passos para trás e se curvaram.

— Olha só quem resolveu aparecer — comentou Aeri, olhando atentamente para a prima. Ela indicou para que os alunos voltassem a praticar antes de se aproximar. — Nunca vejo você aqui pela tarde. O que está acontecendo?

— Queria treinar um pouco — Jimin falou, coçando a orelha.

Em geral ela passava as tarde correndo ou dando uma volta pela ponte Bampo — coisas que podia fazer sozinha, porque não queria olhar para a cara de ninguém depois de uma manhã inteira lidando com várias pessoas. Naquele dia, porém, não aguentaria ficar sozinha. Sabia que passaria o tempo todo pensando em Minjeong. Depois de uma noite e parte de um dia refletindo, ainda não sabia como as coisas seguiriam a partir daquele ponto. Mas precisava encontrar a resposta. E depressa. Era melhor focar nisso durante o treino.

— Veste o quimono, então — falou Aeri. — A aula começa em uma hora. O professor da tarde está de folga, então quem perder vai ter que dar a aula das crianças.

Era o incentivo ideal. Criancinhas brandindo golpes era uma visão horripilante. Seria de pensar que os menores seriam menos perigosos, mas eram os piores. Corriam descontrolados pela academia, como furacões, acertavam golpes em pontos errados por acidente. Não tinham a menor noção. Eram como Minjeong em eventos sociais.

Enquanto amarrava o quimono e voltava para junto dos demais, os olhos de Jimin acompanharam os movimentos da prima, que praticava seus ataques de forma disciplinada, dez de cada vez. Sempre o mesmo número de repetições, sempre na mesma ordem. Se Minjeong aprendesse karate, na certa faria aquilo de forma ainda mais metódica. Depois do último momento que haviam passado juntas, Jimin definitivamente não conseguia tirar ela da cabeça.

A morena se voltou para Aeri, tomada por uma desconfiança súbita.

— Você disse que a Minjeong estava totalmente na minha.

Aeri parou o que estava fazendo.

Os olhos castanhos dela encararam Jimin fixamente.

— Disse.

— Você realmente acredita nisso ou só queria me fazer se sentir bem?

— E por acaso você acha que eu sou esse tipo de pessoa? — Perguntou Aeri.

— Bom, na verdade não — disse Jimin.

— Então eis a sua resposta.

Ela apenas assentiu com a cabeça.

— Como estão as coisas entre vocês? — Perguntou Aeri, inclinando a cabeça.

— Bem. — A resposta saiu bem áspera. Ela limpou a garganta antes de continuar. — Ela meio que descobriu sobre a questão da minha saúde. — Por que não tinha contado antes? Por que permitiu que Minjeong descobrisse da pior forma possível. Ela devia saber o efeito que teria sobre a ruiva.

E pela forma como ela ficou... Porra, deve ter sido horrível.

— A partir do momento que você permitiu que ela entrasse na sua vida era apenas uma questão de tempo até isso acontecer.

As palavras atingiram Jimin como um soco no estômago.

— Como ela reagiu? — sua prima perguntou, como se já soubesse a resposta.

Jimin respirou fundo.

— Ficou bem preocupada, mas consegui explicar sobre minha condição atual e ela pareceu relaxar um pouco.

— Minjeong me parece ser diferente das outras garotas. Gostei mais dela que daquela metida que você namorou.

— Ela não era tão metida assim. — Certo, esse era um dos defeitos de Chaewon. Mas Jimin não se incomodava muito, e ela tinha um corpo incrível e sabia mexê-lo muito bem. — Lembro que quase discuti com ela em uma das ocasiões em que nos cruzamos.

Jimin coçou a nuca.

— Você sabe que eu terminei com ela quando descobri que estava doente. E de qualquer forma a gente não ia dar certo a longo prazo.

— Principalmente porque você nunca deixou ninguém se aproximar a esse ponto — provocou Aeri.

Jimin deu de ombros e começou a fazer o alongamento.

Aeri cruzou os braços.

— Ela gosta de você de verdade. Dá para notar.

— Quem é que gosta dela? — A recepcionista perguntou enquanto se aproximava.

— Uma garota — sua prima respondeu.

— Aquela ruiva que esteve aqui outro dia?

— Você também notou isso?

— Hummm, fiquei de olho nela assim que apareceu. Parece ser uma garota legal. Jimin devia casar com ela.

— Eu estou bem aqui — ela falou. — E não vou casar com ninguém. — Não era uma opção para quem tinha uma vida tão conturbada. E ela ainda se lembrava de quando o pai sumia sem explicação aparente. A mãe sempre se fechava, totalmente arrasada, mas tentando segurar firme por causa das filhas, sem perder um dia de trabalho sequer. Jimin jamais magoaria uma mulher daquele jeito. Jamais.

Não que Minjeong fosse querer casar com ela. Nem sabia por que estava pensando naquilo. Ela estava com a ruiva a quase dois meses, mas aquilo nem era um compromisso sério. Estavam fazendo uma simulação de relacionamento. Embora os sentimentos que nutria por ela fossem puramente verdadeiros.

— Por acaso você pretende continuar com essa atitude pelo resto da vida? — Perguntou Aeri.

Jimin olhou para o teto, irritada.

— Não.

— Minjeong parece ser uma garota bem especial.

Isso era um absurdo. Agora até sua prima estava se metendo na sua vida amorosa.

A recepcionista fez um “hummm” em concordância.

— Ela é bonita também.

Jimin sorriu. Minjeong era bonita mesmo, e nem sequer sabia. Além de inteligente, meiga, atenciosa, corajosa e...

Aeri deu risada e apontou para ela.

— Olha só sua cara. Nem venha dizer que não está apaixonada por ela. Está bem claro. Não vá deixar escapar essa.

O sorriso de Jimin ficou congelado no rosto. As duas estavam certas. Ela estava apaixonada por Minjeong, mas preferiria não estar. Ela sabia que não tinha como continuar com a ruiva por muito mais tempo.

\[...]

Quando Minjeong chegou em casa depois de fazer algumas compras, encontrou a casa vazia. Ningning mandara uma mensagem avisando que dormiria fora. O que ela não esperava era aquela tristeza aguda, aquela solidão fria.

Jimin estava na academia, então ela não sabia se ainda se veriam naquele dia. Por mais que tentasse negar havia se acostumado com a presença dela. A morena fazia mesmo parte de sua rotina, e a ausência dela a deixava inquieta. Caso saisse da sua vida, não restaria nada além do vazio.

Embora Minjeong mantivesse a esperança de que as coisas teriam uma resolução diferente. O objetivo inicial de quando pensara em aulas sobre relacionamento já tinha sido mais do que finalizado. Ela sabia que estavam em uma fase completamente diferente.

Desejou pode falar abertamente sobre aquilo com Jimin, mas não sabia a melhor forma de fazê-lo. Suas recentes pesquisas não tinham sido nada úteis no quesito "conquistar alguém". Uma matéria particularmente revoltante aconselhava as mulheres a concentrar todos os seus esforços e seu tempo em melhorar o visual e a baixar o nível de exigência.

Mas os padrões de Minjeong já estavam fixados no mais alto nível. Apenas Jimin serviria. Quanto à sua aparência, ela não ia se submeter a usar maquiagem, a não ser em ocasiões especiais. E, se a insaciabilidade dela na cama servisse como sinal indicativo, Jimin estava satisfeita com seu visual.

A ruiva sorriu ao se lembrar do que ela havia feito naquela manhã — a maneira como a beijara, acariciara, as coisas que dissera. Minjeong passou uma mão do peito até a coxa, desejando que fosse a dela. Mesmo que jamais dormissem juntas de novo, ainda a desejaria. E o que Jimin fazia fora da cama era tão encantador quanto o que fazia entre quatro paredes, se não mais. A morena a fazia rir e a escutava, mesmo quando ela não dizia nada de muito interessante. Minjeong se sentia confortável ao seu lado, até demais. Às vezes ela até se convencia de que os rótulos atribuídos a ela não importavam. Eram apenas palavras. Não mudavam quem ela era. Se Jimin ficasse sabendo, não daria nem bola.

Talvez.

Por força do hábito, foi até o seu estúdio. Acomodou-se no banquinho em frente um cavalete com tela e pegou uma paleta de cores. A frieza do pincel sob os seus dedos a acalmou. Durante anos, a arte fora sua principal forma de lidar com as emoções — as boas, as ruins e as intermediárias. Com o deslizar da tinta sobre a tela, ela se entregou à pintura, deixando com que tudo o que sentia fluísse para a obra que estava criando.

Vários minutos depois seu celular vibrou, arrancando-a do mundo da arte. Seu estúdio se materializou, com seu material de trabalho, a tela e a pintura que criara, as janelas e a escuridão do lado de fora.

O alerta em seu telefone informava que era hora do jantar.

Ela abriu uma gaveta e pegou uma barrinha de cereal. Sua mãe ficaria furiosa se a visse jantando aquilo, mas Minjeong pouco se importava. Só queria pintar.

Mastigando distraidamente a mistura de chocolate com textura de papelão, fez pequenos ajustes em sua pintura. Estava boa. Talvez fosse um de seus melhores trabalhos.

O celular vibrou e a tela acendeu, revelando uma mensagem de Jimin.

"A julgar pelas luzes acessas, posso deduzir que você está em casa?"

Minjeong largou a barrinha e pegou o celular. Ele vibrou mais uma vez com a chegada de outra mensagem.

"Estou esperando você na porta."

Ela jogou a barrinha no lixo depois de uma única mordida, deu uma última olhada no seu mais recente trabalho e saiu do estúdio.

Ela sorriu ao abrir a porta.

Jimin estava parada do lado de fora com uma mão no bolso do casaco e a outra segurando a alça da mochila no ombro, parecendo linda como sempre sob o brilho fraco das luzes externas.

— Oi, MJ.

— Oi, Jimin.

A morena sorriu e deu um passo à frente, erguendo seu rosto com os dedos e beijando o canto da sua boca de forma gentil.

— Você disse que ficaria sozinha hoje, então me convidei para dormir na sua casa.

— Ningning foi para mais uma das festas de Jackson, então você já pode imaginar que ela não volta antes do amanhecer. — Disse Minjeong enquanto dava passagem para ela entrar e fechava a porta. — Mas confesso que estou um pouco surpresa em ver você. Como não comentou nada quando conversei com você mais cedo, pensei que tivesse outros planos.

Jimin enlaçou sua cintura e a puxou para mais perto. As duas estavam em contato quase total.

— Por acaso prefere que eu vá embora?

A ruiva ergueu os olhos e viu que ela a encarava com uma expressão maliciosa.

— Não... Eu ia adorar se você ficasse.

— Então acho que estamos conversadas. — Disse ela com um sorriso. — Além disso, amanhã é o tão aguardado jantar beneficente da sua mãe. E se me lembro bem, minhas roupas estão aqui.

Minjeong respirou fundo, surpresa.

— Eu fiquei tão ocupada durante o dia que acabei esquecendo desse detalhe... Tudo bem para você mesmo me acompanhar nesse jantar?

— Claro. Você se saiu muito bem lidando com a minha família. Acredito que vou conseguir um desempenho adequado em relação a sua. E você já confirmou com sua mãe que eu ia, né?

Ela assentiu com a cabeça.

— Bem, sim. Mas se você tivesse mudado de ideia, eu poderia...

Jimin a interrompeu, beliscando a ponta do seu nariz.

— Está tudo bem. Não precisa se preocupar com isso. — Ela olhou em volta, como se procurasse por algo antes de dizer: — Quando foi a última vez que você comeu?

— Não lem... ah, estava comendo pouco antes de receber a sua mensagem.

— Comendo o quê?

Minjeong não podia contar. Jimin provavelmente reagiria como sua mãe e daria uma bronca nela. Era a última coisa de que precisava no momento. A morena passou os dedos pelo queixo dela antes de segurar seu rosto e puxar sua cabeça para trás, dando um beijo suave em seus lábios.

— Chocolate. Você jantou doce?

— Não. Uma barra de cereal. Tem vitaminas e tal.

— Vou preparar alguma coisa pra gente. Nada de discutir. Você precisa se alimentar direito.

— Tá — Minjeong estava se sentindo bem demais com a presença dela ali para protestar.

Jimin beijou seu pescoço e acariciou seu queixo com os dedos, puxando-a para que a encarasse. A ruiva pensou que ela fosse dizer alguma coisa, mas não. Apenas sorriu.

Ela teve vontade de perguntar a Jimin o que ela realmente sentia quando estava ao seu lado, mas não conseguiu criar coragem. E se a resposta não a agradasse?

— Hoje você vai me auxiliar na cozinha — a morena falou, e o momento se desfez. — Então pode ir se preparando para me impressionar.

Ficaria para mais tarde.

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