21
Na manhã seguinte, Minjeong acordou bem cedo. Ainda não havia amanhecido e o quarto estava silencioso; os únicos sons eram o da respiração ritmada de Jimin e o chilrear distante dos pássaros lá fora.
Ela puxou as cobertas para junto do peito nu e fechou os olhos, forçando a respiração a se acalmar. Isso serviu apenas para trazer as cenas da noite anterior à tona com total clareza.
Depois de suas três primeiras experiências sexuais, Minjeong havia se convencido de que aquela não era sua praia. Parecia uma coisa confusa, às vezes dolorosa, e extremamente desconfortável. Mas, ultimamente, sua percepção havia mudado completamente.
Ela sorriu ao se lembrar do que Jimin havia dito. Seria comum rir durante o sexo?
Batucando com o dedo na cama, ela ficou esperando a morena acordar, mas a paciência não era seu forte. Minjeong era uma pessoa prática. Detestava perder tempo. E não havia terminado de ver o apartamento dela.
Ela apoiou os pés no chão, pegou a camisa de Jimin, sorrindo sozinha ao ver que chegava aos seus joelhos. As costuras pinicavam sua pele, mas o cheiro dela compensava. E ela não ficaria vestida assim por muito tempo.
Uma olhada dentro do closet a encheu de alegria. Estava mesmo impressionada. Todos os belíssimos casacos e camisas estavam perfeitamente alinhados, organizados por cor, tecido e padrão. Ela passou os dedos pelas mangas dos casacos antes de se virar para a cômoda. Pensou em abrir as gavetas e ver como ela guardava as meias, mas achou que seria invasivo demais. E se Jimin a pegasse bisbilhotando? Pensaria que estava procurando alguma coisa? E ela estaria de fato procurando alguma coisa? Talvez, mas nada específico. Só queria entendê-la melhor.
Minjeong saiu do quarto, passou pela TV, deslizou os dedos pelas superfícies frias dos pesos e do banco de musculação, deu um soco no saco de pancadas e depois esfregou a mão, porque doeu.
Uma espiada na geladeira revelou que ela cozinhava com frequência. Havia um monte de temperos asiáticos com rótulos misteriosos, legumes e verduras e um monte de coisas saudáveis com que Minjeong nem saberia o que fazer. E alguns potes do iogurte que a ruiva certa vez comentara que gostava.
Quando passou pela mesa para admirar a planta ali, a papelada em cima do armário de madeira chamou a sua atenção. Deviam ser contas a pagar.
Mas Jimin não tinha problemas financeiros.
Ela lançou um olhar para a porta, que permanecia fechada. Apurou os ouvidos, à espera de passos. Nada.
Seu coração disparou. Sabia que era uma violação de privacidade.
Não deveria fazer aquilo.
Ela abriu a primeira cobrança e leu o mais rápido possível. Era só uma conta de luz. E já estava paga. Estava prestes a guardá-la de volta quando viu um envelope do Seul Hospital. Endereçada a Yu Jimin.
Um incômodo doloroso se instalou em seu peito. Ela não esperava encontrar algo assim na casa dela.
Minjeong pegou o papel e leu a lista de procedimentos: tomografia computadorizada, ressonância magnética, raios X, coletas e exames de sangue e outros. Alguns eram recentes.
Jimin estava doente?
Ela levou a mão trêmula à testa.
Mas ela parecia levar uma vida saudável. Como poderia...?
Sua respiração ficou acelerada e seus olhos se encheram de lágrimas, embaçando sua visão. Minjeong deixou o envelope como o encontrara e engoliu em seco, sentindo um nó na garganta. Era por isso que a morena não queria um relacionamento sério com ninguém, inclusive com ela, porque estava doente?
Ela levou a mão fechada aos lábios e sentou no sofá. A porta do quarto se abriu.
Jimin deu uma longa olhada nela e foi correndo para seu lado.
— O que aconteceu?
Minjeong abriu a boca para falar, mas não conseguiu dizer nada.
A morena sentou no sofá e a abraçou, beijando sua testa, secando as lágrimas do seu rosto e acariciando suas costas.
— O que foi?
O que ela poderia fazer? Como resolver a situação? Nem sequer sabia ao certo o que aqueles exames queriam dizer. Talvez devesse ter estudado medicina mesmo.
Minjeong a agarrou pelo pescoço e a beijou.
Ela tentou se esquivar.
— Você precisa me falar...
A ruiva a beijou com mais força. Jimin amoleceu um pouco e retribuiu o gesto por um momento inebriante antes de se afastar de novo.
— Me diz o que está acontecendo — ela falou com firmeza. — Por que está chorando? Acelerei demais as coisas de novo? Você ainda não estava pronta e eu forcei a barra?
Ela não sabia como comunicar o que estava sentindo. Seu peito ardia com tantos sentimentos. Era muito intenso, e era demais para ela... Uma coisa assustadora.
— Eu vi os seus exames, Jimin — ela confessou. — Desculpe por invadir seu espaço pessoal. Eu sei que é errado, mas não consegui evitar. Não fazia ideia de que você estava doente e agora o meu peito está dolorido com essa percepção. Estou obcecada por você. Gosto de você mais do que de arte, e olha que a arte é a única coisa capaz de unir o universo. Se alguma coisa acontecer com você, eu...
Jimin tapou sua boca com a dela, e a urgência do beijo reverberou dentro dela. Ela a envolveu em seus braços e a puxou para seu colo, mas Minjeong nem se importou. Levou as mãos aos ombros dela para se apoiar. Em seguida se afastou e desviou o olhar.
A constatação de que ela escondia algo tão sério provocou uma pontada de dor em seu peito.
Jimin levou a mão ao queixo dela e ergueu seu rosto, obrigando-a a encará-la.
— Escute, você realmente não devia ter mexido nas minhas coisas sem a minha permissão...
Ela se interrompeu quando viu sua expressão magoada.
— Não estou brava com você. É comigo mesma por não ter compartilhado isso antes. — Um vinco se formou entre as suas sobrancelhas, e Jimin alisou com a ponta do dedo. — Você precisa saber que não estou doente agora. O correto seria dizer que estou em remissão.
O rosto de Minjeong ficou pálido. Ela sentiu um aperto enorme no peito.
Jimin levantou os olhos, assumindo uma expressão mais carinhosa.
— Não precisa ficar tão triste. Eu já estou melhor.
— Você tinha... câncer? — Minjeong se lembrava de ter ouvido a irmã dela comentar sobre ela ter tido problemas de saúde, mas não se atentara a informação. Como havia deixado passar uma coisa daquelas? Que tipo de pessoa ela era?
— Câncer de pulmão. Não, eu nunca
fumei. Só dei azar. Mas o tratamento deu resultados. Agora está tudo bem — ela falou com um sorriso otimista.
Minjeong apertou a mão dela e a observou bem. Será que ela tinha consciência de como era maravilhosa?
— Você está fazendo acompanhamento especializado? — Perguntou a ruiva.
Ela assentiu com a cabeça.
— Preciso fazer exames periódicos para checar minha condição até que possa receber alta de forma definitiva.
— Eu realmente não fazia ideia... — Minjeong tornou a desviar o olhar enquanto pensava a respeito.
A morena passou os dedos em seu rosto e beliscou seu queixo.
— Minha Minjeong não precisa se preocupar com isso, ok?
A ruiva assentiu, embora sua mente não fosse conseguir esquecer aquilo com facilidade. E se Jimin estivesse omitindo algum detalhe importante sobre sua condição? Ela sentiu vontade de perguntar isso diretamente, mas ficou com medo de que ela se irritasse por conta da sua invasão.
— Então, você quer passar o dia comigo ou prefere ir para casa? — Perguntou Jimin, trazendo-a de volta a realidade.
— Posso mesmo ficar aqui? — No apartamento dela, na cama dela, onde as outras garotas não tinham permissão para entrar. Minjeong estava conseguindo uma aproximação maior então? Talvez houvesse esperança. Talvez ela pudesse ser sua.
— Se quiser. Mas vai ter que usar uma roupa minha e quebrar um pouco sua rotina — ela falou, sorrindo de forma leve.
Aquelas coisas a incomodavam, era verdade. Provavelmente se sentiria bem incomodada e o seu dia seria muito improdutivo. Mas valeria a pena, se era para ficar com ela. E queria demarcar aquele apartamento como seu território, tal qual um animal.
— Quero ficar.
O sorriso que Jimin abriu já fez sua decisão valer a pena.
\[...]
Minjeong observava em silêncio enquanto Jimin terminava de lavar os utensílios do café da manhã. Ela se movia com fluidez, o tecido da sua camisa tendo um caimento perfeito, revelando o contorno de seu corpo. A morena parecia tão diferente de quando a conheceu na faculdade, mas ao mesmo tempo parecia tão igual.
O relacionamento simulado estava em vigor a quase dois meses e a ruiva já havia se acostumado com ela. Jimin fazia parte da sua rotina, da sua vida, e essa mudança de certa forma a deixava inquieta. Quando as coisas terminassem, ela não saberia muito bem como agir.
Se as coisas terminassem.
Caso ela não conseguisse conquistá-la.
Desejou que Jimin pudesse sanar suas dúvidas quanto a isso, porque não tinha ideia se estava progredido da forma adequada no seu objetivo. As pesquisas no Google resultaram em conselhos conflitantes, quase nada úteis em uma situação como a sua, já estando envolvida em algum tipo de relação monogâmica.
Minjeong estava olhando para as costas dela, e para sua silhueta, quando Jimin fechou a torneira e voltou para o balcão. Ela sentiu o rosto corar enquanto desviava o olhar, envergonhada por estar prestando tanta atenção em seu corpo.
— Então, quer dizer que sua mãe já sabe que vou acompanhá-la no jantar beneficente no próximo fim de semana? — Perguntou Jimin.
Minjeong assentiu.
— Liguei para ela quando você estava no banho e comentei sobre isso. Ela arrancou a informação de mim.
A ruiva sentiu as bordas do pânico começarem a se fechar em torno dela. Jimin tocou o seu rosto.
— Por que essa cara?
O olhar de Minjeong se moveu para suas mãos, como se não ouvesse nada mais importava do que aquilo.
Jimin acariciou sua bochecha com o polegar.
— Olhe para mim.
Quando ela fez contato visual, a morena continuou.
— Ela não precisa saber sobre a origem do nosso relacionamento. Essa é a sua história para contar, quando e se você quiser. Uma garota incrível como você não deveria ter motivos para temer a aprovação dos seus pais. Não que minha opinião importe.
— Família é importante.
Ela tocou o seu queixo.
— Sim. Mas, em contraste, não posso dizer que toda relação familiar é saudável. Nem sempre vamos conseguir a aprovação das pessoas que amamos.
Minjeong sorriu.
— Em muitos momentos eu não tenho a aprovação da minha mãe.
— O que ilustra meu ponto. A família pode ser uma bênção, mas também pode ser uma maldição. Um grande exemplo disso é a relação que tenho com o meu pai.
Ela assentiu, mas não disse nada.
— Agora, que tal eu te mostrar algumas das minhas pinturas? Tenho certeza que alguma vai despertar o seu interesse — Jimin segurou sua mão e a conduziu até um cômodo lateral.
Minjeong não conseguia esconder sua surpresa diante do gesto dela. Não imaginou que a morena fosse convidá-la para ver algo tão pessoal depois do que havia feito.
Jimin abriu a porta e esperou que ela entrasse. A luz brilhava nas enormes janelas que davam para o terraço, as cortinas se abriam largamente.
Levou um momento para ela perceber que esse estúdio era bem diferente do dela.
Era menor, mas incrivelmente aconchegante. O espaço estava limpo e bem organizado. Prateleiras de madeira estavam fixadas em uma parede lateral e telas em várias fases de acabamento estavam dispostas pelo cômodo. Mas o que realmente atraia a atenção de Minjeong era o cavalete que ficava perto da porta da sacada.
Quando ela se aproximou, uma aquarela em processo de finalização de Cheonggyecheon olhou para ela. Paletas de tinta e uma série de pincéis foram cuidadosamente colocados em uma mesa próxima.
— Finalmente estou descobrindo o quão talentosa você é — disse Minjeong, completamente fascinada pela técnica e escolha de cores que Jimin empregara na tela a sua frente.
A morena coçou a nuca, daquele jeitinho charmoso que ela já conhecia bem.
— Bom, faz tempo que não me dedico a arte como deveria. Mas agradeço pelo seu elogio. Significa bastante para mim.
Minjeong balançou a cabeça.
— Não, eu que agradeço por você ter me mostrado o seu estúdio pessoal.
— Ter convidado você para vir ao meu apartamento foi a oportunidade perfeita. — Explicou Jimin. — Além disso minha irmã mencionou que talvez fosse interessante eu te mostrar alguns dos meus trabalhos. Já que nos duas compartilhamos dessa admiração pela arte.
— Eu tenho que agradecer a ela. É uma pintura tão bonita. Imagino que seja um dos seus pontos preferidos em Seul — Minjeong aproximou-se e estendeu a mão hesitante para a pintura.
— Nós podemos ir jantar na casa dela qualquer dia desses. Tenho certeza que Yeoreum vai achar incrível. E você tem razão, Cheonggyecheon é um dos meus lugares preferidos na cidade — Jimin acariciou o ombro dela. — Vou levar você lá no nosso próximo passeio.
A ruiva colocou o braço em volta da cintura dela e a abraçou.
— Eu iria adorar. Obrigada.
Jimin descansou o queixo em cima da sua cabeça.
— De nada, MJ.
Minjeong se afastou e ergueu para encará-la.
— Você gostou mesmo da ideia de me chamar assim, né?
A morena deu uma risada.
— Eu adorei — ela deu-lhe um olhar avaliador. — Muito bem. Posso convidar você para terminar de assitir o filme de ontem à noite?
— Agora? — Minjeong olhou para a porta. — Eu pensei que você precisasse ir trabalhar na academia pela manhã.
— Você prefere que eu vá?
— Na verdade, não. Você disse que passaríamos o dia juntas.
— Exatamente. — Ela colocou os braços em volta dela e puxou-a contra o seu peito. — Vou ligar para Aeri e pedir para ela me cobrir hoje. Tenho certeza que minha prima não vai se incomodar com isso.
A ruiva encostou a bochecha no coração dela. Ela teve vontade de perguntar se Jimin gostava de ficar ao seu lado, se gostava daquilo, mas não conseguiu criar coragem. E se dissesse que não?
— Tem certeza que isso não vai ser um problema para você?
Jimin beijou seu pescoço e acariciou seu queixo com os dedos, puxando-a para que a encarasse.
— Problema nenhum. Além disso podemos usar esse tempo juntas para decidir como vamos começar a nossa pintura. Acho que já temos material suficiente para isso.
Minjeong assentiu.
— Eu adoraria fazer isso.
Jimin sorriu e a recompensou com um longo beijo.
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