12

Na noite de sábado, Jimin estava na frente de uma moderna residência de dois andares sendo acompanhada por Minjeong. Quando a mão dela pousou sobre a sua, a tensão no estômago de Jimin se dissipou, mas uma terrível mistura de culpa e tristeza continuava a devorá-la por dentro.

A ruiva parecia ansiosa. Os olhos normalmente fulgurantes e expressivos pareciam apagados e preocupados. O coração de Jimin disparou quando ela concluiu que Minjeong devia estar lutando contra um pânico crescente por conta do jantar com sua família.

Ela apertou de leve a mão dela e a conduziu até a varanda.

Quando abriu a porta para entrar, Minjeong ficou tensa e deteve o passo.

— Não tenho nada. Vi no Google que as visitas precisam trazer alguma coisa. Vou comprar...

— Não tem problema, MJ. — Jimin a envolveu pela cintura e a empurrou para
dentro.

Ela fechou os olhos e respirou fundo. Jimin podia ver que estava absorvendo o silêncio, e o corpo dela ficou mais relaxado sob seu braço.

— Você pode dizer se estiver se sentindo incomodada com alguma coisa, sabia? Como a festa da última vez...

Os olhos dela se abriram, mas Minjeong os desviou rapidamente. A tensão havia voltado.

— Eu não gosto que as pessoas tenham que agir diferente por minha causa.

— A gente poderia ter feito outra coisa naquela noite — ela falou, preocupada.

A última coisa que queria era deixá-la chateada ou desconfortável.

— Sua família vai estar toda aqui? — Perguntou Minjeong, apontando para o corredor que dava acesso a sala.

— Não mude de assunto.

Ela suspirou.

— Tenho vergonha. Morro de vergonha.

Tanto autoflagelo... só porque ela tinha vergonha de admitir que era diferente? Jimin sentiu suas entranhas se derreterem e apertou a mão dela com força.

— Tudo bem. Vamos cumprimentar minha mãe e minha irmã e comer alguma coisa. Deixei o jantar adiantado antes de ir buscar você.

— Certo.

Minjeong a seguiu até a sala de jantar e depois à cozinha, onde sua irmã misturava macarrão de arroz, fatias de carne, hortelã e alface picadinhas em uma tigela enorme. Parecia completamente submersa na tarefa. Aquilo era comum: Yeoreum também ficava extremamente focada quando o assunto era cozinha. Sua mãe estava sentada à mesa mais informal onde costumavam comer — a da sala de jantar era mais decorativa. — revisando alguns casos dos seus pacientes.

— Olá — cumprimentou Jimin.

A mãe acenou com a cabeça e se virou para Minjeong. Tinha óculos no alto da cabeça, num ângulo que desafiava a gravidade, e os cabelos pretos presos num coque, com algumas mechas soltas. Vestia uma camisa social cinza e calças escuras. Como Jimin, tinha lindos olhos azuis-acizentados.

— É um prazer finalmente conhecê-la — disse ela em tom gentil. — Pode me chamar de Joohyun.

— Joohyun? — repetiu Minjeong.

Ela sorriu em sinal de aprovação.

— O jantar fica pronto daqui a pouco. Sente aí.

Minjeong sorriu, mas apertou a mão de Jimin com ainda mais força.

— Claro, obrigada.

— Esta é Yeoreum. Minha irmã mais velha — apresentou Jimin, levando Minjeong até a ilha central da cozinha, que estava repleta de comida em potes de vidro novinhos. — Ela é fisioterapeuta.

— Oi, Minjeong — ela disse, sorrindo.

A ruiva fez um breve aceno.

— Oi.

Jimin sussurrou no ouvido dela:

— Ela sempre encontra uma forma de falar sobre o trabalho. Acho que é alienígena.

Os lábios de Minjeong estremeceram em um leve sorriso. Era extremamente tímida, de modo que a família de Jimin devia ser um pesadelo para ela. E ainda nem estava toda reunida ali. A morena segurou a mão dela com mais força e se lembrou de não a beijar. Por algum motivo, quando Minjeong se voltava para ela em busca de segurança, um desejo possessivo de que Jimin nem tinha conhecimento a dominava.

Ela pigarreou e perguntou:

— Onde está Seulgi?

— Lá em cima corrigindo algumas provas da faculdade. Ela vai descer para o jantar.

— Você já conhece a Seulgi — disse Jimin. — Então não precisa se preocupar com apresentações e formalidades.

— Vou acabar esquecendo todos esses nomes. — Ela parecia preocupadíssima, e Jimin se derreteu mais um pouco. Por que estava tão interessada? Aquelas pessoas não eram especiais para ela. Era só a família dela.

— Tudo bem. Quem me dera esquecer também...

— Muito engraçadinha, Jimin — falou Yeoreum, revirando os olhos. — Você só precisa se lembrar de mim. Sou físio, então se sofrer de síndrome do túnel do carpo ou coisa do tipo já sabe quem procurar. Postura é tudo.

— Acho melhor você focar em finalizar o jantar que sua irmã preparou, senhorita fisioterapeuta — sua mãe disse antes de olhar para Minjeong. — Soube que você também está cursando artes.

— Minjeong é uma das melhores alunas do departamento — disse Jimin com um sorriso. — Você precisa ver os trabalhos que ela posta no Instagram.

Joohyun ficou toda interessada, como ela sabia que aconteceria.

— Que maravilha. Então vamos ter mais uma artista na família.

Minjeong ficou vermelha, o que era bom, porque seu rosto estava precisando de um pouco de cor.

— Quando foi que você...

— Procurei seu perfil há alguns dias.

Os olhos dela encontraram os seus, e um sorriso surpreso se insinuou no canto dos lábios de Minjeong.

— Estava me stalkeando?

Jimin deu de ombros. Foi a vez dela de ficar toda sem graça.

— O jantar está pronto, pombinhas. Vamos comer — disse Yeoreum.

Minutos depois Seulgi desceu e se juntou a elas. Quando se acomodaram à mesa, Jimin notou que Minjeong imitava cuidadosamente todo o ritual preparatório de Yeoreum, acrescentando molho de pimenta, rabanete e cenoura em conserva e broto de feijão à tigela com macarrão, verduras e carne.

— Já comeu isso antes? — Perguntou ela.

Minjeong balançou a cabeça, distraída, enquanto misturava tudo. Seus olhos se arregalaram ao provar. Ela sorriu e cobriu a boca.

— Você cozinha muito bem.

— Jimin é boa com as mãos — a mãe dela falou com um aceno orgulhoso.

Yeoreum revirou os olhos, abriu um sorrisinho malicioso e perguntou para Minjeong:

— Você concorda? Ela é bom com as mãos?

Seulgi olhou feio para Yeoreum, mas Minjeong se limitou a sorrir e assentir.

— Na minha opinião, sim.

Yeoreum arqueou as sobrancelhas e lançou um olhar para Jimin como quem diz “ela está falando sério?”.

À medida que o jantar progredia, Jimin passou a ver Minjeong à luz de sua descoberta. Não havia como notar quando eram só as duas, mas ela tinha dificuldade em manter contato visual. Quase nunca falava, a não ser quando perguntavam alguma coisa, e dava respostas curtas e diretas. Como ouvinte, porém, seu nível de concentração devia ser muito útil quando lidava com questões complexas. Ela franzia a testa a cada frase, como se fosse a coisa mais importante do mundo.

Aquelas pessoas interessavam a Minjeong porque eram parte da vida dela.

— De onde você é? — Perguntou Joohyun a Minjeong depois de passarem do jantar para a sobremesa.

— Daqui mesmo. Moro em Cheongdam.

Joohyun assentiu diante da menção de uma das regiões mais endinheiradas de Seul.

— Você pretende formar família no futuro?

Jimin quase derrubou sua colher.

— Mãe. — Ela advertiu, com um tom de voz áspero e horrorizado.

Joohyun deu de ombros, sem entender.

— Não precisa responder — disse Jimin então para Minjeong.

A ruiva a encarou como se não estivesse na frente de um monte de gente. Os músculos de seu rosto relaxaram, mas a intensidade no olhar, não. Sua mente brilhante se concentrou em Jimin. Ela era obrigada a admitir que adorava aquilo.

Minjeong levantou um ombro.

— Não sei. Nunca pensei muito a respeito. Mas meus pais querem que eu forme família. Principalmente minha mãe.

— Deve ser por isso que ela vive marcando encontros às cegas para você — comentou Jimin.

Minjeong assentiu.

— Acho que sim.

— Essas mães intrometidas...

Ao ouvir o comentário, os lábios de Minjeong se curvaram num sorriso e seus olhos brilharam. Jimin até se esqueceu do que estavam falando. Se não a beijasse em breve, acabaria enlouquecendo.

— Quando você chegar à minha idade — falou Joohyun, cruzando os braços. — Vai querer ter uma família para chamar de sua. É natural.

Yeoreum ficou de pé num pulo.

— Você me ajuda com a louça, Minjeong?

— Claro — respondeu ela. — Quer que eu lave de algum jeito específico?

— Desde que fique limpa...

Yeoreum retirou as coisas da mesa enquanto Minjeong juntava tudo na pia. Joohyun e Seulgi encaravam Jimin com expressão séria. Ela se preparou para o pior.

— Ela me parece ser uma garota especial. Você não deveria abrir mão dessa — falou sua mãe.

Jimin balançou a cabeça e contorceu os lábios.

— Não é assim tão fácil.

— Por quê?

— Somos diferentes demais. Ela é inteligentíssima e uma das melhores alunas do departamento.

— Você é inteligente também — disse sua mãe.

Jimin revirou os olhos.

— Você pode não ser o que seu pai queria, mas isso não significa que não seja inteligente. Eu já vi alguns dos seus trabalhos, você definitivamente está no caminho certo. E não quero que perca essa garota. Ela é ótima. Não vai achar outra igual.

— Não é assim tão simples.

— É, sim. Ela gosta de você. Você gosta dela.

Caso tivesse menos autocontrole, Jimin teria mencionado o relacionamento dos pais, mas seria golpe baixo. Seu pai dizia que amava sua mãe, mas a traiu na primeira oportunidade. Jimin nunca entendera o que Joohyun viu nele inicialmente.

— Me promete que vai tentar. Gostei dela — a mãe falou.

Jimin sentiu vontade de soltar uma gargalhada. De todas as garotas que poderia ter levado para casa, sua mãe gostava da única que não podia ser sua. Uma pintora, educadíssima e linda, que havia pedido a ela para ensiná-la a conseguir manter um relacionamento.

— Você só está dizendo isso porque ela tem reconhecimento acadêmico.

Jimin sabia qual era o segredo para conquistar o coração da sua mãe, e não era cozinhando. Era com conhecimento.

— Ela me parece ser bem dedicada — comentou Joohyun. — Isso é importante.

— Acredite, Minjeong realmente é assim — concordou Seulgi.

Por um instante, as três observaram enquanto Minjeong lavava as tigelas e passava para Yeoreum secar. Ela enrolara as mangas da camisa e trabalhava com toda a atenção, escutando e sorrindo quando a irmã de Jimin puxava algum assunto.

— Leve a garota para casa — falou Seulgi, jogando as chaves do seu carro para Jimin. — Ela parece cansada.

Joohyun assentiu.

— Parece mesmo.

A morena se afastou da mesa e abraçou Minjeong pela cintura. Como não era capaz de resistir, passou os lábios no pescoço dela para deixá-la arrepiada. A esponja ensaboada interrompeu seu movimento, e a expressão dela ao olhá-la por cima do ombro foi de confusão. Jimin passou uma das mãos pelo antebraço delicado de Minjeong e tomou a esponja da mão dela. Terminou de esfregar a frigideira e o resto da louça com ela à sua frente, roubando um ou outro beijo na orelha, no pescoço, no queixo...

Yeoreum lançou um olhar como quem diz “arranjem um quarto” quando ela entregou o último escorredor. Jimin conseguia ver que ela devia estar louca para fazer um comentário ácido e sarcástico, mas que se segurava para não constranger a convidada.

As pálpebras de Minjeong estavam pesadas, e suas unhas se cravavam na superfície de cerâmica da bancada enquanto evitava responder aos seus toques.

— Pronta para ir para casa? — murmurou Jimin. Ela assentiu.

As duas se despediram e foram para o carro de Seulgi. Jimin pressionou o botão de partida do Tesla.

Antes que Minjeong afivelasse o cinto, ela perguntou:

— O que você tem em mente em termos de moradia e frequência de visitas?

— O que a maior parte das pessoas faz quando está comprometida?

— Começam a dormir juntas e se veem todos os dias. É isso que você quer?

Era estranho ouvi-la fazer aquela pergunta em voz alta. Era algo que passara toda a vida adulta evitando, mas com Minjeong talvez estivesse pronta para aquele passo. Desde que ela quisesse.

Ela esfregou o rosto.

— Então é isso que eu quero. Tenho um quarto de hóspedes em que você pode ficar. Se não estiver à vontade com a ideia, eu entendo. Nem todos os casais dormem juntos.

— E se eu quiser dormir na sua cama? — Perguntou Jimin num tom grave.

Apesar de querer muito ajudá-la sem maiores intenções, não saberia como agir se ela aceitasse uma proposta como essa. Seu desejo por ela era nítido. Além disso, o maior dos problemas de Minjeong provinha da falta de confiança. A cama era um ótimo lugar onde resolver aquilo.

— Você não é obrigada a fazer nada disso — respondeu ela.

— Eu sei. Mas você não respondeu minha pergunta.

Olhando pela janela do banco do passageiro, Minjeong respondeu:

— Minha cama está à disposição, mas você sabe que me falta habilidade. Mal consigo lidar com os momentos que temos juntas.

Jimin abriu um sorriso. Ela parecia estar preocupada em agradá-la.

As garotas com quem ficava em geral não ligavam para aquilo.

— Vamos selar o trato.

— Tudo bem. — A ruiva tirou a mão de cima da coxa e a estendeu para ela.

— Estamos simulando um relacionamento. Acho que isso exige um beijo.

Ela a encarou, com os lábios entreabertos de surpresa. Não era necessário fazer mais nada. Debruçando-se sobre o console central, Jimin a beijou. Queria ser sedutora, inflamando o beijo aos poucos, mas o suspiro que Minjeong soltou a fez perder a cabeça. Jimin tomou a boca dela com movimentos ávidos de língua. Ela enfiou os dedos nos cabelos dela, desceu-os pelo peito e pelo abdome antes de entrar na calça jeans. Finalmente elas poderiam avançar um pouco mais...

Golpes de mão fechada reverberaram contra a janela do motorista.
Uma voz abafada dizia frases incoerentes.

Jimin voltou para o assento do motorista e baixou a janela.

Yeoreum cruzou os braços e bateu o pé descalço no cimento da entrada da garagem antes de se curvar para a frente, estreitar os olhos e pronunciar “tarada” sem emitir nenhum som.

— Nossa mãe pediu para avisar que os faróis estão voltados para o quarto dela. Ela não consegue dormir assim.

— Desculpa, esqueci. Já estamos indo.

Olhando para dentro do carro, sua irmã falou:

— Boa noite, Minjeong. Até a próxima.

Minjeong ajeitou os cabelos caídos sobre o rosto e limpou a garganta com uma leve tossida.

— Boa noite, Yeoreum.

A irmã de Jimin lançou um último olhar de reprovação e voltou para dentro de casa. Segundos depois, o celular dela vibrou, e a tela se acendeu com uma série de mensagens dela.

"Pega leve, Jimin."

"A gente gostou da garota, e assim ela vai se assustar. Sinceramente, na frente de casa? Quantos anos você tem, treze?"

Jimin segurou o riso e entregou o celular para que Minjeong lesse as mensagens. Ela mordeu a ponta da unha e sorriu.

— Não estou assustada.

Jimin passou a mão pelos cabelos e respirou fundo.

— Vamos levar você para casa.

Ela dirigiu com um desprezo total e gratuito pelas leis de trânsito das ruas do bairro residencial, imaginando para que rumo as coisas iriam seguir a partir dali. Independente da resposta, ela faria tudo direitinho com Minjeong, de uma forma espetacular.

Poucos minutos depois de saírem, ela pegara no sono. Sua cabeça estava caída para o lado, e alguns fios de cabelo caiam sobre seus olhos. Ela mal esboçou um movimento quando a porta da garagem se abriu e os pneus guincharam contra o piso emborrachado.

Jimin tentou sacudi-la para acordá-la, mas Minjeong não reagiu. Sua respiração continuou estável e profunda, e o corpo em relaxamento total. Com um suspiro, a morena a tirou do carro e tomou o caminho do quarto dela — que naquela noite seria delas.

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