06
Jimin examinou a silhueta vestida de negro de sua parceira de treino em busca de fraquezas que pudesse explorar. Aquele instante, no calor do enfrentamento, era o único em que liberava os instintos mais básicos e egoístas que passava os dias combatendo. E era boa pra caralho.
Por mais que se esforçasse para negar, no fundo, era igual a seu pai.
Tinha herdado os seus genes.
Ela avançou e partiu para um golpe direto. Quando o braço de sua parceira de treino subiu para bloquear o golpe, Jimin buscou um impulso extra para agarrar o quimono dela e impulsionar seu corpo em direção ao chão.
Contato claro. Fim do confronto.
Elas se cumprimentaram antes de se ajoelhar no chão azul acolchoado. Jimin detestava aquela parte do treino, não porque significa que tinha chegado ao fim, mas porque era hora de tirar o quimono e voltar à vida normal.
Naquilo residia a beleza da vestimenta. Era capaz de transformar uma pessoa em alguém completamente diferente. De camiseta ela era uma coisa. Com um quimono preto, outra. De alguma forma, ela sempre se sentia mais leve quando o usava.
Depois que a aula foi oficialmente encerrada, Jimin foi para o banho. O vestiário era dos mais modernos e espaçosos, então ela não precisava se preocupar com nenhum tipo de aglomeração. Mas isso tampouco evitava que ela virasse o centro das atenções em algumas ocasiões.
Duas estudantes deram risadinhas e saíram correndo do vestiário. Ela revirou os olhos enquanto vestia a camisa e pegava sua jaqueta no armário.
— Isso deve nos render meia dúzia de alunas novas na semana que vem — disse Aeri, sua prima e parceira de treino.
— Vou deixar para você a tarefa de ensinar os movimentos de ataque para elas — Jimin falou enquanto pegava sua mochila.
— Elas vão se decepcionar.
— Sei... — Ela colocou a alça da mochila no ombro, tentando em vão ignorar o reflexo contrastante das duas no espelho da parede.
Um monte de garotas preferia Aeri. Com seus cabelos negros e tatuagens cobrindo o braço, parecia uma universitária descolada e barra-pesada. Olhando para ela, ninguém adivinharia que trabalhava no dojo da família para pagar a faculdade de administração. Jimin, por outro lado, era a imagem da boa moça.
O que não era nenhum problema — afinal, pagava suas contas —, mas com o tempo a reação das pessoas tinha se tornado maçante. Bom, a não ser pela reação de uma certa ruivinha. A atração que Minjeong sentia por Jimin era óbvia, mas ela não a olhava como um pedaço de carne com uma etiqueta de preço. Minjeong a encarava como se não existisse mais ninguém. Era impossível esquecer a maneira como a beijara depois que ela conquistara sua confiança, a maneira como se derretera toda e...
Quando Jimin se deu conta do rumo que seus pensamentos tomavam, forçou-se a cair na real. Ela era apenas uma colega de curso, e tinha lá seus problemas. Não era certo pensar nela naqueles termos.
Aeri colocou o quimono numa mochila e falou:
— Bom treino. Está tendo um dia ruim?
Jimin deu de ombros.
— Nada fora do comum. — Ela deveria se sentir grata. E se sentia.
— Como foram os resultados dos exames esse mês?
Jimin passou a mão pelos cabelos.
— Bem, acho. Não ouve nenhuma alteração preocupante.
— Que bom, Jimin. — Aeri apertou seu ombro. — Você deveria comemorar. Vamos na sexta. Fui convidada para uma festa na casa de um amigo da faculdade e posso levar quem eu quiser.
Parecia uma boa ideia, e uma onda de empolgação o percorreu.
Fazia um tempão que não saía com sua prima.
A lembrança a fez soltar o ar com força.
— Não sei se vou conseguir ir. Tenho um compromisso.
— O quê? — Os olhos de Aeri acusavam sua curiosidade. — Ou melhor, com quem? Por acaso tem uma namorada secreta que está com medo de apresentar?
Jimin riu por dentro da ideia de levar uma garota para conhecer sua família. Jamais aconteceria.
— Não. E você?
Aeri deu risada.
— Você conhece minha mãe. Espantaria qualquer garota.
Com um sorriso, Jimin apanhou o seu capacete e se encaminhou para a porta da frente do dojo, passando por um grupo de alunos, que continuava praticando seus movimentos, sem perder o ritmo.
— Veja pelo lado bom. Se alguma garota conhecer sua mãe e não fugir, você vai saber que encontrou alguém para a vida inteira.
Aeri, que vinha atrás dela, respondeu:
— Não, isso só vai significar que tenho duas mulheres difíceis de se lidar na minha vida, em vez de uma.
No estacionamento, Jimin montou em sua kawazaki, colocou a chave na ignição e segurou o capacete antes de olhar para Aeri.
— Vou pensar no seu convite e te dou uma resposta até o fim de semana.
Sua prima assentiu.
— Claro. Talvez eu possa te apresentar alguém do meu departamento.
Jimin respirou fundo. O ar cheirava a fumaça de escapamento e asfalto. Ninguém entendia porque ela preferia ficar sozinha, nem o motivo que a fez começar a pensar assim. Mas a morena pretendia manter as coisas daquele jeito.
— Obrigada, mas não há necessidade. Acabei de sair de um relacionamento... e definitivamente não quero me envolver com ninguém agora. De jeito nenhum.
Ela quis retirar o que disse no mesmo instante. Não achava certo incluir Minjeong naquela categoria.
— Então me faz o favor de falar isso pra sua mãe e sua irmã. Elas vivem fofocando a respeito com a minha mãe, que me enche de perguntas. Sendo bem sincera, é meio vergonhoso dizer que não sei onde é que você está. — Aeri chutou uma pedrinha no chão com uma expressão pensativa. Jimin imaginou que estava relembrando os tempos em que sabiam tudo uma da outra. As mães delas eram muito unidas — moravam a duas quadras de distância e tiveram filhas no mesmo ano. Como resultado, Jimin e Aeri eram como irmãs. Ou costumavam ser.
Jimin esfregou a nuca.
— Sei que tenho sido uma prima de merda. Desculpa por isso.
— Você teve que encarar uma porrada de coisas. — Aeri abriu um sorriso compreensivo. — Primeiro com o babaca do seu pai e depois com a sua saúde. Mas agora está tudo melhorando, não? A gente precisa voltar a se aproximar. As noites de sexta são boas para mim porque não preciso trabalhar nem ir pra aula no sábado. Se estiver a fim, é só falar. — Aeri acenou para ela, abriu a porta e voltou para dentro do dojo.
Depois que sua prima entrou, Jimin colocou o capacete e deu partida na motocicleta. As coisas estavam, sim, melhorando, mas ela não poderia relaxar tão cedo, pelo menos não enquanto aquela nuvem de incerteza pairasse sobre a sua cabeça. Bom, ao menos ela teria algo com o que se distrair nos próximos dois meses. Eles seriam dedicados às aulas de namoro de Minjeong.
Sabia que estava brincando com fogo, mas mal podia esperar para encontrá-la de novo.
Na verdade, não tinha motivos para não fazer isso agora.
\[...]
Minjeong pareceu surpresa quando abriu a porta de casa e deu de cara com Jimin. A ruiva vestia um dos seus infinitos sueteres largos com camisa social. Mas diferente do habitual, usava um avental sujo de tinta por cima das roupas e trazia um pincel em mãos.
— Parece que cheguei em um bom momento — disse Jimin, com um sorriso.
Quando Minjeong levantou o rosto, seu olhar foi de um lado para o outro, parou, e então se desviou de novo, antes de, finalmente, encontrar o seu. Alguns fios de cabelo caíram em seu rosto, e ela os ajeitou com os dedos.
— Você veio para mais uma das nossas aulas?
Jimin assentiu.
— Sim. Mas também gostaria de decidir quais pontos da cidade vamos visitar antes de começar a trabalhar na nossa pintura.
Minjeong abriu a boca como se fosse dizer alguma coisa, mas então desistiu e apenas indicou para que ela entrasse.
Jimin enfiou as mãos nos bolsos da calça, sem saber o que dizer, mas querendo dizer alguma coisa... qualquer coisa.
— Você está trabalhando em alguma tela?
— Ah, sim. Tenho algumas pinturas nas quais trabalho quando estou com tempo livre. É incrivelmente relaxante estar em contato com a arte.
— Tenho que concordar.
Minjeong sorriu, e ela sentiu aquele sorriso no seu próprio rosto.
— Você quer ver a tela em que estou trabalhando? — Perguntou ela, parecendo animada.
— Ah, tudo bem — respondeu Jimin, mordendo o lábio inferior.
Ela a acompanhou até um cômodo lateral que havia sido convertido em uma espécie de estúdio de arte. A sala era iluminada por uma luz natural e haviam telas dos mais variados tamanhos espelhadas por ali. Alguns armários tinham sido colocados na parede oposta e um cavalete com uma tela estava postado no centro do cômodo. De modo geral, o lugar era bem mais confortável e organizado do que Jimin achou ser possível.
— E nisso que estou trabalhando... — Minjeong apontou para a tela sobre o cavalete.
A pintura apresentava a ponte Bampo, um refúgio cercado por água e céu. Minjeong havia usado laranjas e rosas para transmitir a luz do sol poente, escurecendo para azuis e verdes nas bordas da pintura. A ponte parecia uma construção flutuante, escura e sombria contra a luz quente.
Ela estudou as pinceladas, admirando a maneira como Minjeong usara linhas onduladas aqui e ali para dar a impressão de mover suavemente as ondas.
Se ela se concentrasse muito, ela poderia esquecer tudo ao seu redor e desaparecer na pintura. Ela podia sentir a luz do sol desaparecendo em sua pele. Ela podia sentir o cheiro do rio.
— Essa tela está perfeita, Minjeong — Disse Jimin, fascinada.
— Ah. Isso é bom... — Ela pigarreou antes de responder. — Esse é um dos pontos preferidos da minha mãe em Seul. Estou pintando essa tela para ela. — Minjeong fez uma careta e balançou a cabeça. — Nossa, agora eu devo parecer a maior fracassada do mundo.
Jimin sorriu ao ouvir aquilo.
— Ou a filha mais fofa do mundo. Gostei mesmo.
Ela trocou o peso de um pé para o outro e tirou alguns fios de cabelo do rosto.
— Tudo bem, então... Eu só vou organizar minhas coisas aqui e encontro você na sala para nossa aula.
Jimin assentiu e saiu do cômodo. Ela se sentou no sofá e ficou conferindo algumas mensagens no celular enquanto um turbilhão de pensamentos passava por sua mente.
A morena esfregou os lábios para esconder um sorriso quando Minjeong se juntou a ela, sentando-se na beiradinha do sofá e cruzando as mãos sobre o colo. Se ela a beijasse, a ruiva iria ao chão. Era o tipo de garota que perdia as forças quando se excitava. Jimin adorava aquilo. Cada esforço necessário para derrubar as barreiras dela valeria a pena.
Minjeong parecera bonita antes, mas daquele jeito ficava linda além da conta. Jimin quase desejou poder permanecer ao seu lado depois que tudo aquilo terminasse.
Em vez de pedir para que ela se aproximasse, Jimin deu um tapinha no espaço ao seu lado. Depois de uma hesitação momentânea, Minjeong se sentou junto a ela, despencando no sofá, com os olhos voltados fixamente para frente. Era possível ver as veias pulsando sob seu queixo. Ela estava tensa como se esperasse um eventual ataque.
Jimin precisaria se esforçar mais.
— Vou beijar você de novo. — Como pressentiu que Minjeong precisava ser avisada, acrescentou: — De língua.
— Tudo bem.
Jimin se inclinou e a beijou, voltando ao início com roçadas leves dos lábios e lambidas provocativas antes de dominar sua boca de novo. Minjeong não sabia mesmo beijar, mas era divertido senti-la aprendendo. O que não tinha de habilidade compensava com entusiasmo.
Ela a beijava com movimentos destreinados da língua, seguindo sua boca enquanto Jimin tentava se aproximava mais. Minjeong enfiou os dedos nos seus cabelos. A única coisa que a enlouquecia de verdade — além de sexo oral — era uma garota mexendo em seus cabelos. As unhas dela arranhavam seu couro cabeludo, exercendo a pressão ideal para fazer uma onda de prazer percorrer sua espinha. Ela se esqueceu de tudo.
Jimin a beijou com mais força, e Minjeong se arqueou na direção de seu corpo. Ela levou as mãos a cintura dela e deslizou os dedos por baixo da camisa, apertando sua pele. Foi como acionar uma chave, tão drástica foi a mudança. Em um momento, o corpo dela estava relaxado e entregue. No seguinte, ficou tenso como um elástico esticado até o limite. O rosto dela empalideceu. Minjeong baixou as mãos ao lado do corpo e cerrou os punhos.
— Minjeong?
Ela engoliu em seco e passou uma mão trêmula nos cabelos.
— Desculpa. Eu só preciso de alguns instantes, então podemos continuar.
— Eu não vou fazer isso com você desse jeito. — Aquilo era errado. Ela nunca tinha ficado com uma garota que não estivesse cem por cento a fim, e não ia começar àquela altura.
Minjeong se virou de costas para ela, com a respiração trêmula. Jimin baixou as mãos para tocá-la, então hesitou. Ajudaria ou só pioraria a situação? Porra. Precisava fazer alguma coisa. Ela não podia deixá-la daquele jeito. Aquilo a incomodava mais que qualquer outra coisa.
Jimin se aninhou junto a ela. Quando Minjeong tentou se desvencilhar do abraço, ela apertou mais forte. Como era possível? Tinha sido só um toque.
— Desculpa. Não queria ter feito isso. Aconteceu alguma coisa para você ser fechada assim?
Minjeong respirou fundo.
— Não. Só sou assim. — Disse ela, segurando a barra da camisa. — E agora?
Jimin não tinha ideia. Teria que ser ultralenta. Olhou ao redor da sala em busca de inspiração. A TV enorme pendurada na parede diante do sofá chamou sua atenção.
— Vamos ver um filme abraçadinhas. Podemos continuar com essa aula em outro momento.
A ruiva fez uma careta.
— Não gosto muito de abraço.
— Está brincando? — Jimin achava que todas as garotas adoravam aquilo. Ela mesmo adorava.
— Mas talvez com você eu goste. Acho que é o seu cheiro. Meio que provoca uma guerra biológica dentro de mim.
— Então está me dizendo que sou seu calcanhar de aquiles? — Ela até que gostou de saber daquilo.
Em vez de sorrir, como Jimin imaginou que Minjeong faria, ela ficou observando seu rosto. Encarou seus olhos por uma fração de segundo antes de levantar e pegar o controle remoto. Ela voltou a se sentar no sofá e ligou a TV. Sua expressão ao ler o guia de programação, totalmente concentrada, exalava frieza.
— O que você quer ver?
O distanciamento repentino dela não deveria incomodar Jimin, mas incomodou.
Ela queria a Minjeong de antes.
— Nada coreano, por favor. Minha irmã morre de rir quando eu choro.
A frieza dela se derreteu. Seus lábios se curvaram em um sorriso e tudo voltou a ser como deveria.
— Sério?
— Quem não choraria? Todo mundo morre nessas histórias. Tem um monte de mal-entendidos. A mocinha é atropelada por um carro entra em coma.
O sorriso dela se alargou, apesar de ainda parecer quase tímido.
— Essa é minha minissérie preferida. Que tal algo com mais ação e menos drama? — A página com a descrição de O grande mestre, um dos melhores filmes de artes marciais de todos os tempos, apareceu na tela.
— Não precisa ver isso só por minha causa.
Minjeong revirou os olhos e apertou o botão para começar o filme.
— Espera — falou Jimin, tomando o controle de sua mão para pausar a exibição. — Tem mais uma coisinha.
— Que coisinha?
Ela a puxou mais para junto de si.
— Apoia a cabeça no meu ombro.
Quando Minjeong obedeceu, ela pôs o filme. Os créditos de abertura apareceram, com uma trilha sonora dramática. As duas estavam em contato quase total — o rosto da ruiva no seu peito, seus braços em volta dos ombros dela, a lateral do corpo dela contra a frente do seu. Minjeong fechou os olhos com força, fazendo de tudo para tolerar o abraço.
— Relaxa — murmurou Jimin, percebendo o incômodo dela. — Vê o filme. A primeira briga está para começar.
Ela pegou a mão dela, entrelaçou os dedos nos seus e segurou firme.
Enquanto Jimin fingia assistir ao filme — por algum motivo, Minjeong monopolizava sua atenção —, ela olhava para as mãos das duas, como se nada mais no mundo fosse digno da sua atenção. A morena ficou surpresa quando ela abriu sua mão, mas então percebeu que Minjeong examinava as cicatrizes que marcavam o espaço entre os dedos médio, anelar e mindinho. Ela traçou os pontos da pele com a unha.
— O que é isso aqui? — Perguntou Minjeong, curiosa.
— Cicatrizes de quando eu treinava caratê.
— Está brincando?
Jimin abriu um sorriso.
— Não. Mas lutas de verdade não são nada parecidas com as dos filmes. Nem adianta se empolgar.
— Você é boa nisso?
— Não sou ruim. É só um passatempo.
Ela não imaginava que alguém com um rosto tão bonito fosse boa de briga, mas era obrigada a admitir que a ideia era animadora.
— Sabe abrir espacate?
— É um dos meus talentos secretos.
— Você tem muitos?
— Pode-se dizer que sim — falou Jimin, passando a ponta do dedo no nariz dela, depois beliscando sua bochecha de leve.
— E quais são?
Jimin se limitou a sorrir e voltar os olhos para a TV.
— Olha. Está chegando a parte em que ele mete porrada em todo mundo.
Minjeong a encarou por mais alguns instantes, mas por fim desistiu e voltou a focar no filme. Jimin percebeu que a respiração dela havia se acalmado e seu corpo relaxado. A pressão dos seus braços continuou firme, mas confortável, e os acontecimentos do dia voltaram à sua mente.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top