03
Pouco antes do pôr do sol, Minjeong saiu da sua residência em Cheongdam sendo acompanhada por Ningning. Ela havia se sentido mal com a ideia de não acompanhar sua amiga na reunião, então acabou aceitando o convite dela. Embora festas fossem sua versão particular do inferno.
Mas ela fazia algumas exceções. Tanto para amizades quanto para festas.
Ning Yizhuo nunca admitiria isso, mas o sonho de ir para a KArts era de Minjeong. A verdade era que essa era uma das universidades da lista da chinesa. Minjeong sabia disso porque as duas viviam falando de como seria a vida depois da escola enquanto tomavam sorvete. Mas ela não sabia se sua amiga estaria interessada nessa universidade se ela não estivesse tão determinada a estudar na KArts.
Bom, elas nunca falaram de verdade sobre os motivos pelos quais Ningning escolheu a KArts. Mas, no último ano da escola, enquanto Minjeong estava se preparando psicologicamente para essa nova fase da sua vida, a chinesa decidiu que ia estudar no mesmo lugar que ela. Simples assim.
O que não significava que elas viviam grudadas uma na outra. Quando Minjeong conseguiu entrar no departamento de artes, Ningning apenas disse “Ui” e lhe mostrou sua grade curricular. Ela queria ser curadora de arte um dia. Não era algo que interessasse Minjeong, mas sua amiga ia se dar muito bem nessa carreira. Ela tinha as qualidades ideias para isso.
— Então seus pais ainda continuam insistindo para que encontre alguém? — Perguntou Ningning, observando-a com um olhar atento.
— Sim — sussurrou Minjeong.
— Acho que você não vai conseguir fugir por muito tempo, né? — Sua voz era gentil. — Eu posso te apresentar algumas pessoas se você quiser.
Ao ouvir isso, a ruiva ergueu o rosto.
— Eu posso cuidar de mim mesma.
— Eu sei disso. — Ela fez contato visual. — Acho que você não precisa de ninguém. E sinceramente, só um louco te rejeitaria. Você é uma garota inteligente, bonita e com um bom coração.
— Não é tão fácil ser relacionar com as outras pessoas quando se tem autismo. — Disse Minjeong, desviando o olhar. — Não é fácil ser apanhado entre dois mundos e nunca se encaixar. Por enquanto, estou me concentrando em meu curso e deixando essa questão em segundo plano.
Ningning passou a mão pelo rosto.
— Eu me preocupo com a possibilidade de você acabar cruzando caminho com alguém perigoso nessa onda de encontros às cegas. Toda vez que me fala que está indo em um, eu fico ansiosa.
— Eu entendo. Mas não sei como fazer meus pais entenderem que não preciso disso. Eles nem sequer sabem que sou um fracasso com garotos.
Ningning cruzou os braços.
— E com garotas? Sim, por que lembro que conversamos sobre isso da última vez e você disse que sentia interesse, embora nunca tivesse parado pra pensar muito no assunto.
Minjeong assentiu.
— Não tenho muito o que fazer a esse respeito. — Disse ela, resignada. — Eu não sou muito boa interagindo com pessoas que não conheço. E também não é como se todas as garotas da faculdade fossem milagrosamente se jogar aos meus pés.
Uma expressão incomodada passou a residir no rosto de Ningning.
— Tem certeza de que não quer que eu veja se tem alguém disponível na irmandade? — Perguntou ela, enlaçando seu braço.
Minjeong não se afastou, ela conhecia a amiga há tempo suficiente para já ter se habituado com o contato físico por dela. Mas em contrapartida, lançou um olhar severo para ela.
— Eu pareço alguém que despertaria o interesse de uma garota de irmandade?
A chinesa reconheceu a validade do seu comentário com um longo suspiro.
— Não acredito que não exista uma pessoa disposta a te ajudar com essa questão.
— Eu acredito. Meu círculo social é mais um ponto social.
Ningning apertou os lábios com gloss por alguns segundos. Minjeong conseguiu traduzir perfeitamente esse gesto, já que ficaram amigas no oitavo ano: você é bem mais do que deixa transparecer.
— Bom, vou dar uma sondada na festa hoje à noite — ela disse. — Temos dois meses antes que você precise ir ao jantar beneficente da sua mãe. Vamos encontrar alguém nesse meio tempo.
— Então, sobre essa festa — disse Minjeong, sentindo o pânico que lhe era muito familiar. — Tem certeza de que é só uma reuniãozinha?
Ningning ficou em silêncio, e ela suspirou.
— Ningning. É uma festa de fraternidade, né?
Sua amiga abriu um sorriso culpado.
— Por favor, Mj! É a última festa do semestre. As provas terminaram, o inverno chegou... Não quer aproveitar?
De repente, seu estômago teve mais nós que um capítulo de Moby Dick.
— Você sabe por que não vou a festas.
— Mas não vai ter música alta e vou estar do seu lado o tempo todo — ela disse, pegando suas mãos e apertando seus dedos para que acredite nela. — Só não beba nada que não venha das minhas mãos. Vai ser divertido. Faz um século que a gente não passa uma noite de sexta-feira juntas.
Isso não era inteiramente verdade. Elas passavam bastante tempo juntas. Só que sempre no quarto da ruiva. Em geral, assistindo a um filme e tomando vinho. Não iam a festas de fraternidade com barris de cerveja e garotas vomitando.
Minjeong estava levando Ningning para sua rotina com ela, e sabia disso. A chinesa sempre ia na sua, jogava de acordo com as suas regras. Ela devia pelo menos isso à sua amiga.
Além disso, Ningning provavelmente estava certa. Ela deveria tentar sair mais. Essa crise toda em relação a conhecer alguém havia aberto os seus olhos para o fato de que tinha poucos amigos.
Cara, na verdade, ela tinha poucos conhecidos. Talvez aquela festa fosse o primeiro passo para trabalhar no seu traquejo social.
Quando chegaram, Minjeong notou um símbolo grego na porta da casa, mas não tinha ideia do que significa...
O cheiro era dolorosamente familiar. Bebida, suor e perfume demais.
Ela respirou fundo pela boca e tentou bloquear os estímulos externos. Você consegue, pensou.
Dentro da casa a situação não era muito diferente. Os cômodos estavam cheios de pessoas bebendo, se beijando e fazendo tudo o que se espera de uma reunião de jovens. Por sorte, a batida da música de fato não estava muito alta. Ela podia suportar aquilo.
Ningning foi imediatamente cercada por um grupo de garotas dando gritinhos.
Elas a ignoraram completamente, ainda que sua amiga estivesse segurando sua mão. Tudo bem. Ela sabia que não se encaixava ali.
A chinesa lançou-lhe um olhar intrigado quando ela solto a mão dela delicadamente. Minjeong respondeu com um sorriso rápido: Estou bem.
E era verdade. Porque entendia direitinho como essas festas funcionavam. Era só evitar a bebida e não tinha problema. Se escolhesse o copo errado, sua vida poderia virar de cabeça para baixo.
Ela passou por uma série de casais se beijando e ignorou quando um grupo de garotos no canto ficou a encarando. Quando chegou à cozinha, a situação era ainda pior. Uma bagunça de garrafas, barris e jarras com um líquido neon.
Minjeong seguiu em frente, sem saber o que exatamente estava procurando.
Imaginava que fosse um cantinho tranquilo onde pudesse ficar. Uma loira alta que parecia familiar olhou na sua direção e abriu um sorriso largo.
— Ei, MJ! Quer uma bebida?
Mj. Ela odiava que a chamassem assim. Só deixava Ningning fazer isso porque ela era sua melhor amiga, mas aparentemente algumas amigas dela pegaram o costume, e Minjeong não sabia como corrigir a garota sem parecer mal-educada. E pelo menos aquela ali não a tratava como se fosse invisível.
— Estou bem — disse ela, oferecendo o que esperava ser um sorriso amistoso, então continuo andando.
Se repreendeu mentalmente assim que foi embora. Poderia ser a abertura de que ela precisava pra começar uma conversa e melhorar sua interação social. Mas sua capacidade de jogar papo fora nunca existiu, e agora ninguém olhava para ela ou falava com ela.
Minjeong teve que virar de lado para conseguir passar por um corredor lotado que esperava que levasse para a sala de estar ou para uma porta lateral ou um enorme buraco no chão pelo qual ela pudesse sair daquele lugar.
Estava quase no fim do corredor quando uma garota à sua frente levantou a mão para a amiga bater. Sem querer, ela acertou seu queixo com o cotovelo enquanto fazia o gesto.
— Droga! — Disse ela, olhando na sua direção. — Droga, foi mal... — Ela se interrompeu, e Minjeong esqueceu o impacto nos dentes. Era ela.
— Yu Jimin — disse Minjeong, cautelosa, massageando o rosto. — Como foi que passei três anos sem ver você e agora são duas vezes na mesma semana?
Ficou esperando ansiosamente por uma resposta, mas tudo o que recebeu em troca foi um silêncio constrangido.
Minjeong olhou para ela mais de perto, e precisou de alguns instantes para perceber que aquela não era a garota charmosa com quem havia trombando na aula e que pagou o seu café.
Ainda era Yu Jimin, mas... de um jeito diferente. Essa versão era mais fechada. A expressão séria e os olhos azuis-acizentados, cautelosos. Por algum motivo, suas defesas estavam erguidas.
A Jimin que ela havia conhecido durante a semana a provocava com suas respostas engraçadinhas e seu sorriso fácil. Aquela versão parecia mais com ela. Reservada. Talvez um pouco raivosa.
Era estranho, mas Minjeong queria descobrir o motivo dessa transformação. Infelizmente, ela tinha consciência de que não podia fazer isso. Principalmente em uma lugar como aquele.
Jimin provavelmente já estava incomodada com sua proximidade, afinal uma garota como ela não ia ajudar sua reputação. Tudo bem falar com a estranha quando se estava longe do seu círculo social. Mas aqueles atletas corpulentos e aquelas garotas de irmandade eram o pessoal dela. No mundo de Jimin, garotas como ela não falavam com garotas como Minjeong. A ruiva sabia disso.
No entanto quando ela fez menção de ir embora, os dedos dela encontraram seu braço e a mantiveram no lugar; era um gesto mais delicado do que ela esperaria de alguém que provavelmente tinha uma companhia diferente na cama todas as noites.
— Você está bem, Minjeong? — Perguntou ela com os olhos acinzentados procurando os seus.
Por um segundo, seu estômago revirou com a pergunta atenciosa. Mas então a realidade bateu a porta, e ela percebeu que Jimin não estava perguntando se ela estava bem. Só estava se certificando de que ela não havia se machucado feio quando lhe deu uma cotovelada no rosto. Provavelmente ficou preocupada de Minjeong criar algum problema para ela.
A ruiva ficou surpresa por estar decepcionada com isso.
— Claro, tudo bem — disse ela. E era verdade. Seus dentes nem estavam mais doendo.
Então, aconteceu.
Alguém a empurrou por trás, derrubando-a sobre o corpo atlético dela. Seus seios ficaram pressionados contra os dela e suas mãos encontraram seus ombros. Estavam em contato quase total. Apenas a fina camada de roupas as separava. Os nervos dela ficaram à flor da pele. O pânico ameaçou tomar conta, mas Minjeong não conseguiu se afastar.
De alguma maneira, o seu corpo começou a relaxar, o que não fazia sentido.
Seu nariz quase tocava o pescoço dela, e ela tentou mandar suas mãos fazerem força contra a morena para recuperar o equilíbrio. Minjeong disse a si mesma que não percebeu como seus ombros eram firmes ao tocar neles. Mas estava mentindo, porque era impossível não notar.
Sua blusa subiu um pouco e, quando Jimin colocou os braços à sua volta para ajudá-la a se estabilizar, a mão dela encostou na pele da parte inferior das suas costas. Aconteceu tão depressa que ela já havia se afastado quando seu corpo ficou todo tenso.
Minjeong respirou fundo. De repente, sentiu calor, e não tinha nada a ver com o corredor abafado. Era ela.
O que estava acontecendo ali? Três dias atrás ela estava amaldiçoando o fato de ter que trabalhar com aquela garota, considerando se havia um jeito de fazer o trabalho da optativa sozinha. Nem sequer sabia lidar com Jimin. Não entendia a versão espertinha e galanteadora, e definitivamente não entendia a versão fechada.
Mas Minjeong não se mexeu. Nem ela.
Jimin deu uma olhada rápida na sua expressão antes que sua mão livre se movesse. Ela colocou um dedo sob seu queixo e levantou seu rosto na direção dela.
A mão dela era quente, os dedos eram gentis, e por alguma razão a respiração de Minjeong acelerou. Jimin examinou seu rosto e assentiu de leve enquanto passava um dedo pelo seu queixo. Minjeong tinha quase certeza de que ela só estava verificando se não causou nenhum dano sério, mas era estranhamente parecido com uma carícia.
Era informação demais. Ela precisava se afastar.
— O que você está fazendo aqui, Minjeong? — Perguntou ela com voz baixa.
Seus olhos se encontraram, e Minjeong ficou desesperada para encontrar o mesmo tipo de atração confusa no rosto dela, mas não conseguia perceber nada. Aquela garota era completamente diferente daquele que a provocou, lhe pagou um café e entrou na sua aula.
Embora Minjeong apreciasse o fato dela não parecer se incomodar em estar na sua companhia, ela queria saber qual versão era a verdadeira, embora suspeitasse que não fosse nenhuma das duas.
Como se finalmente voltasse a realidade, a morena se afastou e deu alguns passos para trás.
Minjeong não conseguia pensar em nada coerente para dizer. Então desvio os olhos dos dela e foi embora, enquanto escutava um amigo dela chamar por seu nome.
Ela levou uma mão ao seu queixo, não porque doía... mas porque sentia um formigamento, como se algo tivesse acordado.
Não se lembrava de ter se sentido assim antes.
Sem conseguir evitar, deu uma olhada rápida para trás, só para encontrar um par de olhos acinzentados voltados para ela.
Jimin virou o rosto no instante em que seus olhares se cruzaram, e Minjeong ficou estranhamente grata que ela estivesse olhando na sua direção contra vontade. Ou pelo menos estaria grata, se ao menos soubesse o que tinha acabado de acontecer.
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