02
A dupla de trabalho de Jimin tinha uma beleza que assustava. E talvez fosse por isso que ela não conseguia desvia o olhar dela.
A garota tinha longos cabelos ruivos e não devia ter pouco mais de um metro e sessenta. E, em vez das roupas extravagantes que a maioria das garotas preferiam no inverno, usava jeans claros e um sueter largo sobre camisa social branca.
A maquiagem em seu rosto era inexistente, mas ela definitivamente não precisava disso para ficar mais atraente.
E agora Jimin estava presa com ela pelo resto do inverno.
Enquanto recolhia seu material e tentava encontrar uma forma de se aproximar, a garota já havia ido embora da sala. Jimin a alcançou em poucos passos e segurou a alça da mochila dela. Ficou tentada a levantá-la do chão, só porque podia, mas em vez disso só a puxou com força o bastante para mostrar que estava ali.
A garota a encarou e, por um segundo, Jimin ficou sobressaltada ao examinar seus olhos de perto. Ela tinha lindos olhos azuis e suaves.
— O que você achou da aula? — Perguntou Jimin, andando ao lado dela.
Ela não respondeu. A morena se deu conta de que ia precisar passar bastante tempo na sua companhia, e não estava nem um pouco afim de manter o clima daquela forma.
— Olha... Minjeong, né? — Perguntou, segurando sua mochila de novo quando ela tentou fugir, como se fosse uma criança. — Quer falar sobre o trabalho agora ou tem outros planos?
Os olhos dela moveram-se de um lado para o outro, como se estivesse procurando por uma saída, mas então ela suspirou e se soltou da sua pegada.
— Talvez cada uma possa fazer sua parte do trabalho se preferir — Disse Minjeong. — Não sou muito sociável.
Jimin levou a mão ao peito.
— Não? Nem acredito.
Ela voltou a ficar em silêncio.
— Vai, me dá uma chance — disse Jimin. — Que tal se a gente se conhecer um pouco?
— Esquece — respondeu Minjeong. — Vou perguntar a professora Kang se podemos trabalhar separadas.
Jimin forçou um sorriso compreensivo.
— Confia em mim. Seulgi é uma mulher legal, mas não vai abrir uma exceção só porque você tem fobia social.
Minjeong levantou uma sobrancelha quando ela a chamou pelo primeiro nome, e Jimin se lembrou de chamá-la de professora Kang no campus. Já estava se sentindo culpada o bastante por ela ter lhe deixado fazer um curso com uma fila de espera tão longa.
Minjeong mordeu os lábios, sem se deixar convencer.
— Olha, não precisa ser sofrido — insistiu Jimin, passando a mão nos cabelos negros. — E se a gente tomasse um café e bolasse um plano de trabalho?
— Tudo bem — disse ela, finalmente.
— Pode ser no café em frente a faculdade?
Minjeong apenas assentiu em resposta.
As duas permaneceram em silêncio enquanto atravessavam a rua em direção ao café. Como o clima estava mais frio, elas se apressaram para entrar enquanto Jimin segurava a porta. Uma rajada de ar morno as acertou, e o calor era tão satisfatório que elas precisaram de alguns segundos para aproveitar.
Elas se sentaram a uma mesa perto da janela e Jimin a observou se acomodar calmamente no assento, com as costas muito aprumadas. Ela examinou seu rosto, mas, quando ergueu uma sobrancelha, Minjeong se voltou para o cardápio. Em seguida ajeitou uma mecha de cabelo.
— O que você vai pedir? — Os dedos dela seguravam o cardápio com tanta força que as juntas estavam até brancas. — Eles tem uma ótima variedade de bebidas. Mas eu geralmente só peço Mocaccino com leite e sem chantili.
Jimin não conseguiu resistir a perguntar:
— Por quê?
— Eu já sei do que eu gosto, então não vejo necessidade de provar algo novo... — Ela olhou para o teto e respirou fundo. — Eu não gosto muito de mudanças.
— Entendido — disse Jimin com um sorriso.
Quando ela olhou para sua boca como se não se lembrasse do que ia dizer, o sorriso dela se alargou. As garotas a escolhiam porque gostavam de sua aparência. Mas pouquíssimas reagiam assim à sua presença. Era lisonjeiro, além de divertido.
— Tem alguma coisa que você prefere beber? — Perguntou Minjeong.
— Não, sou bem tranquila. — Ela manteve o tom de voz leve. — Vou pedir apenas um expresso médio.
Depois que a garçonete trouxe os pedidos e se afastou, Minjeong bebeu um gole do seu Mocaccino e começou a desenhar formas geométricas do lado de fora do copo com seus dedos delicados. Quando percebeu que Jimin estava olhando, recolheu a mão e a colocou sobre o colo, corando como se tivesse sido surpreendida fazendo algo que não devia.
Havia alguma coisa nela que estava despertando o afeto de Jimin.
— Estou surpresa por você estar fazendo essa optativa — ela disse de forma repentina, encarando-a com um olhar surpreendentemente direto. — Achei que fosse só para alunos do departamento, e sei que tinha fila de espera. Eu estava nela.
Jimin ficou se sentindo culpada, mas tentou se lembrar de que, se não tivesse dado um jeito de fazer aquele curso, estaria metida num avião em direção aos Estados Unidos. O que, normalmente, ela até gostaria. Mas não naquele inverno.
Como Minjeong parecia muito dedicada as aulas, não ia dizer que só havia entrado porque Selugi era namorada da sua mãe e tinha dado um jeito de encaixá-la na turma dela.
Ela forçou um sorriso.
— Acho que abriu uma vaga.
Minjeong assentiu.
— Claro. Bom, vou dar uma olhada no site hoje à noite. Vou descobrir o período artístico mais fácil e te mandar o planejamento por e-mail.
— Opa, espera ai. — Jimin Levantou a mão. — Não posso dar minha opinião? Até onde sei é um trabalho em dupla.
Ela se inclinou, toda corajosa, focada e linda.
— Qual o seu período de arte preferido?
Jimin sorriu para si mesma.
— Impressionismo. Embora goste de Degas, os trabalhos de Monet são os meus preferidos.
Os olhos de Minjeong brilharam.
— Ele também é o meu preferido.
— Monet é muito popular.
— Alguém poderia argumentar que Degas é ainda mais popular, se você levar em consideração o número de obras que foram roubadas.
— Roubadas? — repetiu Jimin, com seus olhos de repente atentos.
— Houve o roubo do Museu Gardiner na América. E o Musée d'Orsay perdeu Les Choristes quando foi roubado enquanto estava emprestado em Marselha. — Enquanto falava, ela se inclinou na direção dela, com os olhos acesos de empolgação. Seus lábios se curvaram como se estivesse revelando um segredo. Sobre arte. — Eventualmente Les Choristes foi recuperado. Mas infelizmente, as obras de Gardiner nunca foram encontradas.
A estranha sensação que percorria a espinha de Jimin se intensificou. De alguma forma, ela conseguia ficar mais bonita ao longo da conversa. Garotas inteligentes sempre tinham sido seu fraco.
— O que você acha de Matisse? — Perguntou ela.
Minjeong franziu a testa.
— Matisse é pós-impressionista.
O sorriso voltou aos seus lábios.
— Mesmo?
A expressão de Minjeong se aprofundou.
— Estou apenas brincando — disse Jimin gentilmente.
Quando Minjeong permaneceu em silêncio, seu sorriso desapareceu. Ela bebeu um gole do seu café e falou a primeira coisa que passou por sua cabeça.
— Você participava de clubes de arte na época do colégio?
Ela riu, olhando para o copo de café.
— Não.
— Aulas extras? Ou talvez competições de arte.
— Não e não. — Ela abriu um sorriso triste, que fez Jimin se perguntar como deviam ter sido os tempos de escola dela. Minjeong a encarou de volta.
— Me deixa adivinhar: você era levantadora do time de vôlei no colégio.
— Não. Meu pai achava que esportes eram perda de tempo.
Ela franziu de leve a testa.
— Acho difícil acreditar nisso. Você é bem... atlética.
— Ele me incentivava a fazer coisas práticas. Tipo autodefesa. — Jimin detestava concordar com o pai, mas, considerando o círculo social que frequentava, as técnicas tinham sido bem úteis quando era criança e enchiam seu saco.
O interesse iluminou o rosto dela.
— O que você pratica? Jiu-jitsu? Kung fu?
— Fiz um pouco de tudo. Por que estou com a impressão de que você entende do assunto?
Ela baixou os olhos para o copo de café outra vez.
— Gosto de filmes de artes marciais.
Jimin soltou um ruído de desconfiança.
— Não vem me dizer que gosta dos nossos dramas...
Ela inclinou a cabeça e abriu um sorrisinho.
— Gosto. E dos grupos musicais também.
— Eu não me pareço com a Karina do aespa.
— Não, você é mais bonita.
Jimin apoiou as mãos na mesa e sentiu o rosto esquentar. Porra, tinha ficado vermelha. Que tipo de pessoa fica vermelha com um simples elogio? Muitas garotas já tinham elogiado sua beleza, mas ela não dava a mínima. Por outro lado o fato de aquela garota ter feito isso naturalmente tinha lhe atingindo em cheio.
O celular dela tocou, salvando-a da obrigação de responder.
— Desculpa — murmurou Minjeong, pegando a mochila e procurando o celular.
Jimin ficou em silêncio enquanto observava ela atender a ligação, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha para ouvir. Alguma coisa naquele simples gesto pareceu-lhe incrivelmente atraente.
Ela percebeu que Minjeong estava escutando muito mais do que falando e, quando parou de olhar sua orelha, notou que a ruiva parecia ansiosa.
— Você sabe o que eu penso sobre isso — ela finalmente disse para a pessoa do outro lado da linha. — Tudo bem. Vou pensar um pouco e te respondo até sexta.
— Está tudo bem? — Perguntou Jimin quando ela voltou a guardar o celular na mochila.
Minjeong deu de ombros.
— Era a minha melhor amiga. Parece que ela foi convidada para uma reuniãozinha na casa de uma amigos e quer que vá junto.
— Você não está muito afim de ir? —Perguntou Jimin.
Minjeong olhou pela janela por um segundo. A morena esperou que ficasse incomodada com suas perguntas, mas ela só parecia totalmente resignada com a situação em que se encontra.
Como se não tivesse opção melhor.
— Não tenho muito interesse nessas coisas, mas estou em dívida com a minha amiga. Pelo menos ela me garantiu que não vai ser nada muito agitado.
Ela disse isso sem emoção, como se não fizesse diferença. Jimin ficou incomodada, e quase abriu a boca para fazer mais perguntas, mas a expressão atormentada no rosto dela a impedeu. Não tinha o que fazer com uma garota na sua vida no momento, especialmente uma tão reservada.
— Eu entendo — disse ela, bebendo seu café e respeitando o silêncio de Minjeong.
Talvez a vida dela fosse ainda mais complicada que a sua.
Depois de discutirem mais um pouco sobre o trabalho da faculdade, Jimin se despediu dela e se dirigiu até o estacionamento da faculdade, onde uma Kawazaki Ninja a aguardava. Ela estava confiante em sua capacidade de conseguir lidar com aquele projeto acadêmico, mas sua confiança estava ligada à sabedoria.
Era inverno em Seul. O tempo estava frio, e o sol era praticamente inexistente no céu enquanto ela corria pela avenida principal em Itaewon, margeada por árvores, e virava à direita, indo na direção oposta. Jimin acelerou a moto enquanto entrava e saía do trânsito na avenida de faixas múltiplas.
Ela poderia ter evitado o tráfego pesado e tomado uma rota mais eficiente, mas não o fez. Ela gostava da vista ao longo da avenida e sofreu no trânsito por causa disso.
O vento açoitava seu rosto e agitava os cabelos que escaparam de seu robusto capacete. Com um ou dois olhares de agradecimento, ela avançou em direção a Yongsan-gu antes de rumar para o oeste, em direção ao rio Han.
Jimin teve que lutar para manter os olhos longe do rio e no tráfego na frente dela. O Han era hipnotizante. Ela passara horas caminhando por suas margens e pontes, às vezes com amigos e às vezes sozinha.
Barcos que transportavam turistas viajavam para cima e para baixo do rio. Mas o Han estava alto neste inverno, devido a duas semanas de chuva
forte. Quando se aproximou da Ponte Bampo, uma de suas pontes favoritas, viu um barco turístico dando a volta.
Enquanto aproveitava aquele breve momento de calmaria, ela sentiu uma onda de esgotamento. Teve a sensação de que aquele cansaço não era devido unicamente a volta para a faculdade. Durante a última semana não tinha dormido muito bem, e suspeitava que estivesse se sobrecarregando de alguma forma.
Talvez tivesse sido melhor aproveitar as férias de inverno. Ficar um tempo longe de Seul e enfim se dedicar às telas que mantinha guardada em um dos cômodos do seu apartamento.
Infelizmente, ela sabia que se optasse por isso o seu pai exigiria que fosse visitá-lo nos Estados Unidos. E o relacionamento que mantinha com ele era complicado demais para que Jimin se sentisse impelida a se aproximar quando não conseguiu isso em anos de convívio.
Resignada, ela afastou esses pensamentos e avançou para Seocho-gu, onde morava. A morena sorriu para alguns dos edifícios imponentes antes de virar na rua residencial e estacionar sua moto.
Jimin vivia em um estúdio no terceiro andar de um prédio moderno e bonito. Os pais de um amigo possuíam o estúdio e por causa de sua amizade com a filha, eles a abençoavam com um aluguel acessível. Ela morava no apartamento desde que entrara na KArts.
Jimin entrou no elevador e saltou no seu andar, carregando o capacete em uma mão enquanto conferia algumas mensagens no celular.
— Ei — Jeon Somi, a vizinha de Jimin, cumprimentou-a quando se aproximou.
— Oi — Ela guardou o celular no bolso da jaqueta quando Somi trancou a porta do apartamento que compartilhava com sua colega de quarto.
— O que está acontecendo? — Somi colocou uma mecha de seu cabelo loiro trás da orelha. — Eu não vejo você há um tempo.
— Andei ocupada com as questões da faculdade. Como você está?
— Cansada. A faculdade está chutando minha bunda — Ela puxou a mochila por cima do ombro. — Christopher vai dar uma festa na sexta à noite. Você deveria vir.
— Eu gostaria disso. — O sorriso de Jimin era cuidadosamente neutro.
— Você quer dizer isso, certo? A última vez que você disse que iria, você não apareceu — Somi fez uma careta.
— Eu precisei fazer uma viagem. Vou tentar ir desta vez.
— Ótimo. Christopher dá ótimas festas e ficará feliz por você estar vindo.
Somi apertou o braço de Jimin ao passar.
A morena riu e balançou a cabeça enquanto entrava no seu apartamento. Somi era animada e generosa com seus amigos, dos quais ela tinha muitos. Certa vez até a apresentará para uma amiga na esperança de que as coisas dessem certo. Não deu. Jimin não sentia nenhuma faísca de atração pela garota, e envolver-se em um relacionamento sério estava longe de ser cogitado.
Quando fechou a porta, ela se deparou com alguns envelopes sobre a mesinha no hall de entrada.
Qual deles ela abriria primeiro? O do resultado dos exames ou o da conta? Jimin mantinha uma atenção redobrada em relação a sua saúde, então talvez devesse optar pelo primeiro. Devia ser o melhor a fazer. Por sua experiência, merdas aconteciam sem motivo. Já as contas eram sempre a mesma coisa. Um pé no saco. Mas nada que não pudesse pagar.
Por algum motivo, ela abriu o envelope da conta, indiferente enquanto olhava os valores. Não era nada fora do seu padrão.
O que provavelmente significava que sua saúde estava ferrada.
Jimin deixou a conta sobre o balcão na cozinha e abriu o envelope com o resultado de seu mais recente teste sanguíneo. Nenhuma alteração aparente. Ainda bem. A semana mal havia começado, o que significava que ela não queria ter de lidar com a sua perspectiva de vida sendo cortada pela metade agora.
Depois de um banho relaxante e de um jantar modesto, Jimin conferiu algumas mensagens no celular e foi para o quarto. Ela olhou sonolenta para a impressão de uma de suas pinturas favoritas, Crepúsculo de Monet, Veneza, que pairava sobre a cama.
O Museu de Arte Bridgestone, em Tóquio, era o dono da pintura original. Embora nunca tivesse visto pessoalmente, Jimin se apaixonou por ela quando começou a estudar o impressionismo.
Ela estudou as pinceladas, admirando a maneira como Monet usara linhas onduladas aqui e ali para dar a impressão de mover suavemente as ondas.
Se ela se concentrasse muito, poderia esquecer tudo ao seu redor e desaparecer na pintura. Ela podia sentir a luz do sol desaparecendo em sua pele. Ela podia sentir o cheiro do mar.
Jimin não era um idealista. Todos os ideais que ela teve se perderam com o tempo. Claro, ninguém em sua vida sabia disso. E ela estava determinada a continuar assim, e foi por isso que ela nunca deixou ninguém chegar perto demais - nem mesmo Chaewon, sua ex.
Jimin fechou os olhos. Por mais que tentassem lhe dizer o contrário, ela estava melhor sozinha.
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