01

Kim Minjeong respirou fundo e tentou esconder o incômodo diante da presença dos seus pais naquela manhã. Ela os conhecia bem o suficiente para saber que encontros como aquele nunca resultavam em algo que fosse do seu agrado.

— Eu sei que você não gosta de surpresas, Minjeong. Mas gostaríamos que estivesse acompanhada no meu próximo jantar beneficente.

O olhar de Minjeong saltou da mesa do café da manhã para o rosto de sua mãe, que era muito semelhante ao seu. A maquiagem sutil chamava a atenção para os olhos cor de avelã, prontos para a batalha. Aquela não era uma boa notícia para Minjeong. Quando sua mãe colocava alguma coisa na cabeça, era impossível fazer com que mudasse de ideia.

— Tudo bem — respondeu ela.

O choque deu lugar a questionamentos acelerados, motivados pelo pânico. Estar acompanhada era a forma como seus pais deixavam claro que queriam que ela estivesse namorando. Mas namorados eram precedidos por encontros. Encontros levavam a sexo. Ela estremeceu.

— Você tem vinte e um anos, Minjeong. Deveria estar aproveitando essa fase da vida. Já experimentou usar o Tinder?

Minjeong bebeu um gole do seu suco antes de responder:

— Não. Nunca experimentei.

Só de pensar no Tinder — e no encontro decorrente do uso do aplicativo — já começou a suar. Minjeong detestava qualquer coisa relacionada a um encontro: a quebra da rotina confortável, as conversas rasas e constrangedoras, e, de novo, o sexo...

— Me inscrevi em uma optativa na faculdade — ela disse, na esperança de distrair a mãe.

— De novo? — Questionou seu pai, erguendo o olhar do celular em suas mãos. — Faz uns dois meses desde a última optativa, não?

Minjeong assentiu.

— A professora encarregada tem um conhecimento incrível. Ela me deixou brincar à vontade com as tintas, então criei uma tela para cada técnica artística do curso. Pelo jeito, ela ficou interessada.

— E quando você começa suas aulas? — Perguntou seu pai.

— Bom... Hoje mesmo. Depois que sair daqui vou direto para a faculdade.

A mãe recebeu a informação com um gesto de reprovação.

— Você está ficando acomodada, Minjeong. Se continuar focada exclusivamente no seu curso, não vai evoluir no seu traquejo social. Por falar nisso, tem algum colega na faculdade com quem aceitaria sair?

Seu pai levou a mãos ao queixo, pensativo.

— E aquele rapaz, Park Sunghoon? Ele me pareceu um bom garoto no último jantar beneficente.

— Ele é legal, acho. — Minjeong passou os dedos nas gotículas de água condensadas do lado de fora do copo. Se fosse sincera, precisaria assumir que não daria chance a ele sob hipótese alguma. — Acho que Sunghoon tem alguns transtornos de personalidade.

A mãe deu um tapinha na mão de Minjeong e em seguida a segurou.

— Então ele pode ser uma boa opção para você. Talvez entenda melhor a questão do aspectro autista se também tiver suas dificuldades.

Minjeong ficou observando aquela mão sobre a sua, fazendo um esforço consciente para não a puxar de volta. Contatos físicos não solicitados a incomodavam, e sua mãe sabia disso. Fazia aquilo justamente para que se “acostumasse”. Na maior parte das vezes, só a deixava irritadíssima. Sunghoon compreenderia aquilo?

— Vou pensar no assunto — disse Minjeong, com sinceridade. Sua aversão pela mentira era ainda maior do que aquela que sentia pelo sexo. E, apesar de tudo, ela queria deixar sua mãe orgulhosa e contente. Não importava o que fizesse, nunca conseguia parecer bem-sucedida aos olhos dela e, em consequência, aos seus próprios olhos.

Sua mãe abriu um sorriso.

— Ótimo. Isso quer dizer que vai aparecer acompanhada no jantar beneficente daqui dois meses. Adoraria ver Sunghoon ao seu lado, mas, se não for possível, vou encontrar alguém.

Minjeong contraiu os lábios. Sua mais recente experiência sexual havia sido após um dos encontros às cegas promovidos pela mãe. Era um cara bonito
— ela era obrigada a admitir —, mas com um senso de humor que a deixava confusa.

Quando ele perguntou sem rodeios se ela queria transar, Minjeong foi pega totalmente de surpresa. Concordou só porque detestava dizer não. Então começaram os beijos, que não agradaram. O cheiro do perfume do cara a deixou enjoada, e ele era bem rapidinho com as mãos. Como sempre acontecia em situações de intimidade física, o corpo de Minjeong entrou no modo de sobrevivência. Quando ela se deu conta, ele já havia terminado e estava se mandando. Se a mãe soubesse o total desastre que ela era com garotos...

E agora queria que arrumasse um namorado.

Minjeong se levantou e pegou sua mochila.

— Preciso ir para a faculdade. — Apesar de ser apenas uma optativa, o verbo “precisar” era o mais apropriado no seu caso. A faculdade a encantava, era onde podia canalizar as demandas furiosas de sua mente. E uma espécie de terapia.

— Essa é minha garota — o pai comentou, ficando de pé para abraçá-la. — Em breve vai estar fazendo sua primeira exposição.

Minjeong assentiu, ela não se incomodava com o contato físico por iniciativa própria, ou quando tinha tempo de se preparar mentalmente para ele.

— Você sabe que a faculdade não é uma obsessão saudável, Baekhyun. Não incentive esse tipo de coisa — a mãe falou antes de voltar a atenção para Minjeong e soltar um suspiro maternal. — Você deveria sair com gente da sua idade nos fins de semana. Sei que acabaria encontrando o rapaz certo.

Minjeong ficou em silêncio enquanto abraçava a mãe. O colar com pingente que ela sempre usava pressionou o seu esterno. Ela suportou o contato por poucos segundos antes de se afastar.

— Vejo vocês no fim de semana que vem. Tchau.

Ela acenou para os pais antes de sair do restaurante chique em Gangnam-gu para a calçada ladeada de árvores e lojas caríssimas. Três quarteirões ensolarados depois, chegou ao prédio alto que abrigava seu lugar favorito no mundo: sua faculdade.

O departamento de artes ficava do outro lado do campus, mas o lado bom era que fazia três anos que ela estudava na KArts, então não se perdia enquanto andava rápido.

Minjeong estava revirando sua mochila preta em busca do seu celular quando bateu em alguém. Isso nunca tinha acontecido antes, mas foi como um lampejo de surpresa seguido de uma grande humilhação.

Ela não sabia o que era pior: as suas coisas estarem todas espalhadas pelo chão ou o fato de que estava boquiaberta diante da garota com quem tinha acabado de esbarrar. Ela era incrivelmente bonita... Tinha longos cabelos negros, rosto delicado e olhos azuis-acizentados que pareciam ver através dela.

Minjeong desviou o olhar, inclinando-se para recolher a bagunça.

A garota se abaixou no mesmo momento, e ela conseguiu afastar a sua cabeça, evitando que se chocasse com a dela, como se fosse uma cena clichê de filme. Minjeong sentia como se tivesse trocado um momento levemente desconfortável por outro ainda mais constrangedor. O dia não poderia estar sendo melhor para ela.

— Desculpe — disse a garota, com um sorriso de lado. Minjeong não sabia se ela estava se desculpando pela trombada inicial ou pela humilhante situação na qual se encontravam agora.

Como parecia que a garota estava prestes a rir, ela desconfiava que fosse a segunda opção.

Minjeong manteve os olhos fixos no seu material para pintura e papéis que estavam no chão, pois sabia que seu rosto estava corado.

A garota começou a ajudá-la a recolher suas coisas, e ela a avaliou discretamente. A jaqueta militar e a calça preta destoavam do estilo do pessoal do departamento de artes, em que a maior parte dos alunos se vestia de forma mais prática e casual.

Minjeong examinou a bolsa estilo carteiro dela, com um discreto logo da Prada.

— Você está perdida? — Ela se viu perguntando.

A garota deu uma risadinha.

— O fato de não andar acelerada por aí não quer dizer que estou perdida.

— Não virei com tudo — disse Minjeong. — Só estava com pressa.

A garota pegou um lápis e o passou com um sorriso inocente no rosto. Ela tentou parecer segura ao guardá-lo na mochila. Reuniu o resto da bagunça e levantou enquanto fechava o zíper.

— Então tudo bem. Só ia te ajudar a se localizar.

— Começo meu último ano em abril. Acho que posso me virar no campus — disse a garota, também levantando e ficando bem mais alta do que Minjeong.

Era uma resposta vaga, mas ela apenas ficou em silêncio e deixou que a garota tivesse a última palavra. Estava começando a se sentir desconfortável com aquela interação. Com um meneio de cabeça, ela se afastou e seguiu caminho, sabendo que estava vinte minutos atrasada.

A sala onde aconteceria a aula era casualmente decorada em azul-claro, com uma baixa iluminação natural. Grandes armários tinham sido colocados nas extremidades do cômodo e cavaletes com telas em branco estavam postados em frente de bancos baixos, onde os alunos deveriam se sentar ao início de cada aula.

Minjeong respirou fundo e se preparou para a sensação desconfortável de ser a atrasadinha. A sala estava cheia, considerando que era uma optativa de inverno, mas ela não ficou surpresa ja que a professora era reconhecida no mundo da arte.

Na verdade, ela não era uma professora de verdade, e sim a pintora queridinha de Seul no momento. Kang Seulgi havia se formoado na KArts alguns anos atrás e dava algumas aulas como professora convidada de tempos em tempos, para dividir um pouco de sua sabedoria com os alunos.

— Srta. Kim, imagino — disse Seulgi quando ela tentou entrar discretamente.

— Hum, isso — respondeu Minjeong, enquanto sentava no primeiro lugar vazio que encontrou, próximo da parede. — Desculpa o atraso.

Para sua surpresa, a professora Kang não parecia perturbada pela sua falta de pontualidade. Seus colegas de classe tampouco pareceram lhe repreender com os olhos, como costumava acontecer. Estavam todos concentrados na garota parada à porta.

— É bom ver você de novo, Jimin — disse Seulgi.

Em vez de se esgueirar pelo canto, como Minjeong havia feito, Jimin avançou com toda a tranquilidade para a fileira vazia em que ela estava sentada, parecendo indiferente ao fato de que todo mundo estava olhando na sua direção. Ela passou rente ao seu lugar, derrubando uma barrinha de cereal no seu colo.

— Acho que você deixou cair isso — disse, com uma piscadela.

Todos olharam confusos na direção delas, e Minjeong não podia culpá-los. Ela parecia a garota problemática de quem os pais queriam que seus filhos mantivessem distância, enquanto Jimin era como se fosse a rainha do baile. Pela sua lógica, elas não deveriam nem sequer notar a existência uma da outra.

No entanto, as duas haviam chegado tarde, praticamente juntas e agora Jimin estava cheia de piscadelas para cima dela, dando a impressão de que se conheciam.

Seu olhar cruzou com o de Ning Yizhuo, sua única amiga na faculdade. A chinesa arregalou os olhos dramaticamente, como quem perguntava o que estava acontecendo.

Mas a verdade é que ela também não sabia.

Minjeong pegou seu material de desenho e tentou focar no que Seulgi estava dizendo quando sentiu alguém cutucar suas costas.

— Oi, você pode me emprestar um lápis de carbono?

Ela queria dizer a Jimin que não tinha outro, mas a morena sabia muito bem o que ela havia trazido na mochila. Pegou um lápis de carbono e deixou ao lado dela sem nem olhar em seu rosto. Minjeong não gostava de pessoas que não entendia, e a presença dela ali, onde não parecia se encaixar, era no mínimo desconcertante.

Isso e o fato de que Jimin cheirava bem. Muito bem. Normalmente ela detestava o cheiro de perfume. Mas aquele era simples, lembrava o outono no campo, e a deixava bem distraída.
Minjeong tentou esquecer isso e focar na sua aula.

— Entenderam? — Perguntou Seulgi.

Ela entrou em pânico, porque não estava prestando atenção e a professora não havia escrito nada na lousa que ela pudesse copiar, além do endereço de um site, que anotou rapidamente.

Por sorte, tinha um aluno mais perdido que ela sentado no outro lado da sala. Ele levantou a mão, confuso.

— Espera, então... é só entrar no site, escolher um dos períodos de arte disponíveis e criar uma tela que se baseie nele?

Seulgi assentiu.

— Isso. Vou estar aqui às terças e quintas, no horário da aula, se tiverem dúvidas ou precisarem falar comigo.

Minjeong franziu a testa. Então os alunos não precisariam ir para faculdade?

Normalmente ela estaria contando com o curso para lhe manter ocupada no inverno. O que iria fazer agora?
Ainda assim... qualquer coisa era melhor do que ir para casa dos seus pais.

— Se não tiverem mais perguntas, vou formar duplas e dispensar vocês.

Seu cérebro precisou de um segundo para absorver a informação.

Duplas?

Minjeong não era do tipo que fazia trabalho em grupo.

— Minha filha ficou tirando o nome de vocês de um pote ontem à noite, então não poderia ser mais aleatório — disse Seulgi, pegando uma caderneta da mochila. — Shin Yuna e Choi Jisu. Hwang Hyunjin e...

A lista continuou. Ningning olhou para ela com os dedos cruzados. Minjeong torcia para cair com sua amiga. Podia lidar com isso.

— Kim Minjeong...

Por favor, por favor...

— E Yu Jimin.

Ela devia ter percebido também, porque Minjeong sentiu outra cutucada firme nas costas.

— Ouviu só? Somos uma dupla!

Minjeong fechou os olhos. Isso não podia estar acontecendo.

Em vez de um inverno tranquilo para se dedicar exclusivamente a arte, como ela tinha imaginado, ia passar os próximos três meses com uma garota que nem sequer entendia.

E isso nem era o pior de tudo.

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