Capítulo 5


— Eu ainda a amo — digo sem emoção, enquanto tamborilo os dedos no assento do carro.

 Michael olha para mim pelo retrovisor, parecendo nada satisfeito e, nesse segundo, o carro perde um pouco o rumo e por alguns milímetros quase atropela um Labrador. Ele recupera o controle com uma guinada e, por alguns instantes, ficamos em silêncio, enquanto desacelera e a frase declarada se assenta. Josua, no banco do passageiro à frente, é o primeiro a se pronunciar.

— QUE PORCARIA VOCÊ TÁ FALANDO? Como que você pode amar essa vaca? — berra batendo no painel e empurrando o corpo inteiro para trás no assento, com um impulso só, exageradamente inconformado.

Respiro fundo antes de responder.

— Em primeiro lugar, chame-a assim novamente e quebro seus dentes. Em segundo lugar, isso não significa absolutamente nada. Foi ela que me deixou, esqueceram?

Os dois silenciam novamente e voltam a olhar para a frente, mas sinto a tensão inquieta dentro do veículo. Estamos a caminho de uma festa num vilarejo a quinze quilômetros da nossa cidade. É aniversário da irmã mais nova de Josua que, por qualquer motivo, sempre me detestou. Então, tenho certeza de que a razão pelo qual me convidaram foi, em primeiro lugar, para me apresentar para as amigas solteiras da irmã e, segundo, para não me deixar sozinho em casa a risco de ser atraído pela garrafa.

Ainda estou refletindo sobre se realmente quero ir para esse lugar, quando já começamos a ouvir o som da festa, a uma esquina de distância.

— Josua, não sabia que sua irmã era tão rock'n'roll — digo, batendo de leve em seu ombro. Ele não reage, mas quando olha na minha direção, percebo em seu olhar que ele mesmo não esperava por isso.

A cena é digna de filmes adolescentes americanos. O caos reina até do lado de fora, com pessoas, provavelmente muito bêbadas, farreando como loucas. Copos de plástico, serpentina, confete, uma bola gigante inflável, churrasqueira, uma piscina de plástico, espadas de esgrima, umas bicicletas caídas e escudos?! Estes são apenas alguns dos itens espalhados ao longo da entrada principal. Quando duas jovem mulheres passam correndo com pistolas d'água e de biquini ao lado do carro, Josua vira novamente para mim, com o maior sorriso bobo-alegre e diz:

— É, parece que vai ser divertido.

Michael reage, naturalmente, um pouco diferente. Inicialmente diz que prefere ficar no carro, mas eu e o Josua não vamos aceitar essa bobagem.

— Vocês insistiram que eu viesse, você vai fazer parte disso — digo em tom de ameaça. Depois de um segundo de hesitação, ele abre a porta do carro e sai. E caminhamos pianinho até a porta. E, claro, estou me sentindo extremamente velho para isso.

Ao entrarmos na festa, acho que o que mais nos surpreende é o fato de que as pessoas aparentemente não estão bêbadas. O que?! Há uma espécie de aquário na entrada, repleto de gelo e garrafas de... refrigerante. Apenas refrigerante. Todas elas. O que diabos está dando esse buzz na garotada, então?

Katarina, irmã mais nova de Josua, se aproxima de nós, com um top de biquini e uma mini-saia brancos e nos abraça efusivamente.

— Bem-vindos, meus queridos! — ela diz, dando risadinhas como uma adolescente e parecendo levemente cambaleante. — Estou tão feliz de vê-los! Tenho um anúncio para fazer. Simon e eu vamos finalmente nos casar! — exclama, erguendo ambos os braços e saltitando, histérica.

Ah, pode ser isso. Narcóticos ou amor. Uma das duas coisas nos entorpece.

Com uma sinalização de autorização, passamos pelo corredor até o salão principal da festa. A música estoura nas caixas de som, o baixo causando uma taquicardia temporária em todos os convidados. Alguns jovens estão fazendo uma espécie de guerra com balões de água, então preciso me abaixar e passar correndo para não ser atingido. Esbarro contra um cara da minha altura, que pelo corte de cabelo deve ser militar. Peço desculpas e me afasto, procurando um abrigo seguro. Nesse processo, me dou conta de que perdi meus dois amigos. Não sei se fizeram uma curva antes ou onde mais podem estar. Dou uma volta e dou de cara com um casalzinho se agarrando no sofá. Onde fui me meter? Não tenho mais idade para me meter nesse tipo de apuro. Sou um homem adulto, eu uso terno e barbeador elétrico, caramba. E estou preso numa cena de Superbad.

Quando atravesso o corredor e vou para outro cômodo, é quando a vejo. Não sei seu nome, nem sequer vejo seu rosto, mas ela definitivamente me atrai. Sobre a cabeça, tem uma peruca curta e exageradamente loira. E dança sobre a mesa com um vestido azul cheio de glitter e um sapato de salto-agulha da cor de sua pele. Mas o que me chama a atenção nela não é seu figurino exagerado, ou a sensualidade, mas a forma que se diverte. Como seus movimentos são soltos e seguros de si, fluidos e intensos, harmônicos e violentamente apaixonados. Ninguém a observa, exceto algumas amigas que acompanham o movimento, firmes no chão. E elas dançam para si, porque podem, porque querem. E isso é o que me quebra, saber que Lucy nunca foi assim. Ela parecia nunca saber o que queria fazer e quando fazia, nada a satisfazia. Adoraria tê-la visto assim nem que por um dia, apenas livre. Só consigo pensar que, todo o tempo, o problema deve ter sido eu, já que a Renata afirma que ela está tão radiantemente feliz agora que estou fora de sua vida.

Dou meia-volta e retorno ao outro salão, tremendo, esperando encontrar os dois idiotas para irmos embora.

Logo avisto Michael num sofá, abraçado a uma almofada e extremamente rígido na postura, como se tivesse medo ou nojo de tudo e de todos ao seu redor, e não resisto rir fracamente diante da cena. Isso é tão Michael. 

Desviando de algumas pessoas, prossigo adiante e chego à entrada de um terceiro cômodo, onde encontro de pé um casal apaixonado aos sussurros e cochichos no canto. Logo que coloco o pé na sala, me afasto num reflexo, mas parando para dar uma segunda olhada, confesso que me surpreendo. Porque reconheço o rapaz como meu melhor amigo, o bendito de um Josua, notoriamente mulherengo e festeiro, e que nunca jamais se deixaria agarrar. Mas, de fato, está ali e a postura corporal, os olhares mútuos e os sorrisos me dizem tudo que preciso saber:

Josua está apaixonado.

Meu Deus, será que isso é possível?

De alguma forma, a ideia de que isso seja verdade não só me diverte e me dá motivo para muito sarro, como também um pouco de esperança. Meu amigo está virando adulto. E, pelo jeito, agora também acredita em amor e nessas besteiras que sempre evitou. Bom para ele.

Coitado.

Talvez seja melhor sentar por aqui mesmo e esperar o tempo passar. Deixá-lo curtir a inocência do amor novo enquanto o amor não retorna para mordê-lo. Não quero soar amargo, pelo contrário. É necessária muita coragem para continuar a desejar aquilo que o fere. E, por isso, relaxo com os braços abertos no sofá e deixo a alegria e a energia jovem da festa me contagiar e me ferir. São ondas de nostalgia e de gratidão pelo privilégio de fazer parte, de apenas assistir, ser testemunha desse pequeno pedaço de vida que existe.

Às vezes começar de novo significa isso. Ser capaz de respirar mesmo sem aquela metade que te completa. Ser capaz de sorrir não só com os lábios, mas com a alma, mesmo quando o coração ainda descansa em paz e em pedaços. Começar de novo não significa ter novos braços que te abracem e, sim, andar um passo depois do outro sabendo que pode viver mesmo sem os antigos. Começar de novo significa dar um basta tanto para o motivo que os uniu quanto para aqueles que o separaram.

Tábua branca. Zero.

E eu consigo respirar agora. Neste exato instante. Com minha garrafa de refrigerante, observando o mundo inteiro ao meu redor dançar e divertir-se e saltar e ser jovem e vivo. Eles correm e paqueram e se agarram e se separam como num caleidoscópio. Uma moça com uma peruca roxa curta pula de um sofá para o outro com algum item na mão que, que quer que seja, é precioso para a jovem que a persegue, com uma peruca exatamente igual, mas vermelha. Levanto e caminho até o canto da sala, para ampliar meu campo de visão. Dou alguns passos para trás para me escorar contra uma parede, enquanto absorvo toda a energia apaixonante do local. 

Nesse processo acabo esbarrando contra um outro corpo. Quando giro para me desculpar, avisto a moça de peruca loira que dançava mais cedo e ao focalizar, pela primeira vez, seu rosto, por pouco, não derrubo a garrafa de refrigerante no chão.

— Peter — ela constata, surpresa, rindo as sobras de uma risada que já dava antes. 

Claramente, está se divertindo demais para se perturbar com minha aparição. E me pergunto: como?

— Lucy.

Linda, perfeita, angustiante Lucy. Exatamente como Renata disse: radiante. Nunca antes melhor. E, por isso, não consigo falar mais nenhuma palavra além de seu nome, com meu cérebro travado na tela azul da morte.

Ela ri mais um pouco e se aproxima, me dá um beijo na bochecha, como se eu fosse algum conhecido distante aleatório.

— Peter — repete num tom jocoso e faz um gesto de brinde com sua garrafa de refrigerante, afunilando os olhos cor-de-mel fixos em mim.

Quem é essa mulher diante de mim? Eu não lembro da última vez que a vi assim. Brincalhona e livre. E isso é tão absurdamente sexy.

— Desde quando você é assim engraçadinha? — pergunto, inclinando o corpo, o antebraço apoiado contra o batente acima da cabeça dela, tentando ser dominante e, quem sabe, espero, um pouco impressionante. 

Será que ainda sei seduzir essa mulher? Será que ainda quero?

Ela olha para meu braço erguido e a cúpula que formo sobre ela com minha altura e parece apenas divertir-se com isso. Dá mais um gole rápido no refrigerante e revira os olhos.

— Não sei do que você está falando. Sempre me achei hilária, você que não achava — fala e passa por baixo do meu braço para se afastar. Eu, naturalmente, a sigo.

— O QUE? — Seguro seu braço para impedi-la de prosseguir. — Do que diabos você está falando? — sussurro, um pouco confuso e irritado.

— Me solta, Pea.

Ela olha para a minha mão com um olhar ameaçador e imediatamente a solto.

— Desculpa. — Limpo a saliva seca na minha boca com a mão livre e sinto que estou começando a enlouquecer, um surto de impulsividade dominando meus sentidos, algo que não costuma acontecer exceto quando estou bêbado. — Será que podemos conversar?

— Acho melhor não. — Ela olha para mim com infinita compaixão e encosta no meu braço de forma reconfortante. — Nós claramente ainda não estamos preparados para sermos amigos.

Amigos? Não. Não mesmo. Definitivamente não. E odeio que sinta pena.

— Só conversar? De boa. — Tento parecer cool, dando de ombros, do tipo "nada-demais-cara", "eu-sempre-esbarro-por-acidente-no-amor-da-minha-vida-que-não-vejo-há-oito-meses-e-não-sabia-se-algum-dia-veria-novamente".

Ela inclina o rosto e pisca algumas vezes, seus olhos me esquadrinhando. Deus, eu conheço esse olhar, conheço essa expressão e conheço essa boca melhor do que a mim mesmo. Seu perfume, cada detalhe que a faz apenas Lucy, a imagem residual de um paraíso perdido que, sinceramente, não sei se ainda existe. Por fim, ela acena positivamente e indica com um movimento da cabeça que devo segui-la, provavelmente para um lugar um pouco mais quieto. E eu obedeço como a droga de um cachorrinho treinado.

É um alívio quando chegamos no gramado, embora esteja frio pra burro, só pelo silêncio e pelo ar não-contaminado por cigarro e perfume barato.

— Eu ainda a amo! — praticamente grito a declaração, mal nos afastamos da casa. Simplesmente não consigo me conter, tudo em mim grita essa verdade.

Ela se volta para mim surpreendentemente assustada.

— Você não me ama, Pea — ela sussurra alto, após se recuperar do choque, com sobrancelhas franzidas e o olhar revoltado. 

Eu me aproximo dela lentamente, absolutamente chocado com sua surpresa. Contraio minha mão no formato de uma pinça e a levo até minha têmpora para tentar expressar o tamanho da minha incredulidade.

— Como pode dizer isso? Eu a amo desde o momento em que a vi segurando a porcaria de um pote de Dijon pela primeira vez. — Tento segurar seu rosto com as duas mãos, mas ela dá um passo para trás. Então, num movimento, abraço sua cintura e a puxo para mim. — Eu... a... amo. Entende isso?

Ela suspira e me encara com olhos incrédulos e tristes e sinto sua pulsação em meus braços, como se nunca tivéssemos nos separado, como se toda a desolação dos últimos oito meses tivera sido apenas um pesadelo.

— Você não sente minha falta?

Ela puxa a peruca loira da cabeça e seus cachos cascateiam por cima de seus ombros, enquanto seus olhos tristes sondam o chão.

— Não se trata de sentir sua falta, Peter. Você não me ama. Não a mim. Nós não éramos felizes, Pea.

Eu apenas a fito, aguardando que diga algo que faça sentido porque até agora nada se encaixa. Nós éramos felizes! Nós éramos felizes!

— Escuta. — Ela coloca uma mecha do cabelo por trás da orelha e olha bem nos meus olhos, pressionando meus braços para baixo de forma que a solto e ela se afasta alguns passos. Seu rosto me denuncia que está prestes a começar um daqueles monólogos apaixonados que sempre adorei ouvir de sua boca. — Eu tenho sido mais feliz nos últimos meses do que fui nos últimos dez anos.

Muito obrigado. Nunca levei um soco na barriga, ao menos não sóbrio, mas não consigo imaginar que doa mais do que ouvir isso.

— E o motivo pelo qual tenho sido tão feliz é porque tenho finalmente a liberdade para descobrir quem sou, entende?

Eu a conheço o suficiente para saber que não é hora de me pronunciar, embora discorde veementemente. Ela ainda não terminou o discurso e detesta interrupções.

— Quando nos conhecemos, eu mesma não sabia ao certo quem eu era. Eu estava tão lisonjeada por sua atenção que fiz de tudo para ser tudo que você queria. É dessa Lucy que você sente falta. Mas com o tempo, depois que casamos, fui sentindo aos poucos como você desprezava ou zombava de tudo que era espontâneo e natural em mim, desde o meu apego às regras, às minhas loucuras, aos meus gostos para filmes, livros e música, as roupas que eu vestia e as coisas que dizia. Era quando eu mais me revelava, que mais sentia sua frustração, seu desapontamento, sua necessidade de me ver bailando e cumprindo o papel esperado como uma maldita marionete. E eu perdi minhas cores, perdi minha essência, perdi minha alegria de viver, me desdobrando para ser exatamente tudo que você esperava. Eu mudei tudo, por amá-lo, para você me amar. E eu me odiei por mudar. E eu o odiei por me forçar a isso.

Lucy se aproxima de mim novamente, um passo de cada vez, e vejo que seus olhos agora brilham com lágrimas. Seus lábios tão próximos e familiares, convidativos, no entanto, no presente, infinitamente inacessíveis.

— Mas, sabe quem sou? Sou a mulher que gosta de discutir tratados internacionais num fôlego e rir de um meme idiota na internet no seguinte. Eu sou aquela que gosta de ir vestida como uma mendiga no shopping e dançar de peruca loira, vestido brilhante e salto-agulha na casa de uma amiga. Sou otimista e pronta para salvar o mundo numa semana e quero ser uma poetisa melodramática pseudo-gótica na próxima. Eu quero ser certinha nas regras e caótica na vida. — Ela fala sem pausas, com o fervor que conheço de seus discursos. — Sabe, eu nunca soube ser espontânea, nem acompanhá-lo nos bares por aí. E eu realmente, realmente odeio cerveja. E nos meus poucos dias de glória, sentia-me engolida pela total decepção que eu me tornara para você. Sabe o que é isso? Ter essa liberdade? É isso que quero. Quero poder ser todas as opções, todas as versões de mim que posso ser; quero abraçar o mundo e quero me esconder. E se algum dia tiver a sorte de ser amada por inteiro, não a versão que alguém escolher ou decidir enxergar melhor, é isso que vou querer. 

Cruzo os braços e ando alguns passos trôpegos para trás, refletindo sobre tudo o que acabou de me dizer. Estou tonto com as novas informações. Coço a nuca e ondas de emoção e incredulidade me cobrem.

Era isso? Foi esse o motivo para me deixar sozinho no saguão daquele maldito supermercado? Por causa de livros, música e roupas? Por não saber quem queria ser?

É, sou um babaca mesmo. E eu preciso que ela saiba exatamente o quão babaca eu sou. 

Porque creio que esse tempo todo a amei muito mais do que ela a mim.

E estou tão revoltado e irado com isso que me afasto dela, preciso me afastar dela, por isso caminho passos largos e decididos para longe, mas aí eu mudo de ideia, porque preciso falar o que sinto e retorno, o indicador em riste, mas não posso, então dou meia-volta e sei que vou embora porque ela só pode ser completamente louca, mas então retorno e finalmente urro com um som gutural, as veias saltando em minha testa, sentindo que vou enlouquecer.

— Sabe o que é mais injusto? — grito, gesticulando para destacar minhas palavras. — Eu nunca pedi para que mudasse nada por mim. Nunca!

Percebo que ela assusta um pouco com minha explosão, mas a barragem se abriu e não consigo mais contê-la.

— Sabe quando eu ficava realmente frustrado com você? Sabe quando eu estava decepcionado? Quando você estava tão profundamente infeliz sem nunca sequer tentar me explicar o motivo! E eu nunca soube. Eu nunca soube! — Enuncio cada palavra com pausas para que me entenda bem. — E se eu soubesse que era porque você tentava tanto ser perfeita para mim eu teria pedido, não, implorado, para que você fizesse o que diabos quisesse, contanto que eu pudesse vê-la sempre tão intensamente alegre, tão perfeitamente você quanto você é quando acha que não estou olhando!

Passo as mãos na cabeça e respiro fundo, tentando acalmar, a veia pulsante no meu pescoço e na minha testa. Eu contraio as sobrancelhas e aponto para o salão de festas de onde viemos, minha voz embargada e infinitamente mais calma, meus olhos denunciando com umidade a minha emoção:

— Eu queria observá-la para sempre com aquele sorriso nos lábios, a peruca estúpida na cabeça e seu passinho ridículo de dança. Eu queria rir das suas piadas sem graça, adormecer no seu colo diante dos seus filmes toscos e fingir interesse quando citasse Proust. E estou... — volto a gritar. — ...FURIOSO que por doze anos você não me deu o benefício da dúvida! Por malditos doze anos, você me privou do privilégio incrível que seria conhecê-la completamente e... — Agora estou realmente chorando e sei o quão patético é fazer isso para a sua ex que já deixou claro que não o quer, mas a essa altura não me importo. — E me privou de amá-la completamente. E eu queria tanto poder tê-la amado completamente, meu amor.

Minha Lucy.

Não sei a que altura do meu discurso ela começou a chorar também, mas aqui estamos, ambos de pé, um diante do outro, a uma distância mínima e a uma distância gigantesca; dois idiotas incapazes de se comunicar, incapazes de confiar, incapazes de esperar o melhor um do outro, incapazes de encontrar todo o espaço criativo dentro da esfera segura de um amor generoso, incapazes de tolerar os gostos e desgostos de pessoas tão intensamente diferentes e tão absolutamente perfeitas um para o outro.

— Eu sinto muito mesmo por tê-la feito sentir que você não era suficiente em toda sua complexidade, em tudo que a faz única. Sim, éramos novos e imaturos. — Eu agarro sua mão delicada com ambas as mãos e a ergo ao meu peito. — Mas podíamos ter descoberto quem éramos juntos. Podíamos ter sido tantas coisas. Eu sinto tanto sua falta.

Pea, não adianta. — Sua voz surge, arranhada e grave, entre as lágrimas. — Suponhamos que você esteja certo. É tarde demais, não acha? Já nos machucamos demais, já fizemos demais, já perdemos demais nesse jogo. Não dá para consertar o que já começou errado.

Lentamente e implorando com os olhos por autorização, ergo sua mão até meus lábios. Uma mão que conheço de cor de uma mulher que conheço perfeitamente fisicamente, mas cuja alma aparentemente não conheci de verdade até agora. Não completamente.

— E se você me permitisse conhecê-la agora? Um passo de cada vez, como dois desconhecidos. E se nós nos permitíssemos começar de novo? — sugiro num sussurro, ciente de que estou me fazendo totalmente vulnerável.

Aqui está meu coração de novo nas suas mãos, se quiser esfaqueá-lo. Sou totalmente seu. Mas não devo falar isso em voz alta.

Ela suspira e fecha os olhos, lutando consigo mesma, e vejo lágrimas disformes caírem das pálpebras fechadas sobre suas bochechas.

— Estou feliz assim, sabia? — ela responde, abrindo os olhos embaciados e olhando para o meu rosto com um olhar faminto, incerto e repleto de hesitação.

— Ótimo — respondo, balançando a cabeça e forçando um sorriso, as sobrancelhas erguidas num gesto de esperança, sua mão delicada ainda na minha. — Isso é ótimo. Será que posso ser testemunha de sua felicidade? Seja feliz comigo ao seu lado, baby.

Interpreto seu silêncio como um bom sinal e ouso deslizar uma mão até seu pescoço, acariciando sua bochecha com o polegar.

— Vamos, Lucy. Você sabe que precisamos tentar.

Progressivamente, como o nascer de um sol, seus lábios se esticam num ensaio de sorriso e ela ergue um indicador no ar, replicando com olhos semicerrados:

— Um encontro. Sem promessas, sem garantias. Tudo bem? — responde.

— Ótimo — digo, sentindo, pela primeira vez em oito meses, algo diferente surgir no meu peito. Acho que o chamaríamos de esperança. — Quando e onde nos encontramos?

Ela pensa um pouco e sugere:

— Quarta-feira num café?

Não importava o que dissesse, porque minha resposta para ela seria sim.

Para ela, sempre apenas sim.

Porque está gravada, para sempre, gravada em minha pele com fogo. Lucy, apenas Lucy, sempre Lucy. E começaremos de novo e de novo, quantas vezes precisar. Para quantas versões de si ela se tornar. 

E para as versões de mim que eu me tornar também. 


* * * FIM * * *

<3 <3 <3 Obrigada por terem acompanhado BEGIN AGAIN e espero que quem ficou achando a Lucy horrível o conto inteiro não tenha ficado muito bravo com o final. *SORRISO AMARELO* 

Segue um Epílogo com a letra traduzida da música Begin Again, porque é mais ou menos a perspectiva da Lucy sobre essa história :))) 

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