8.Os encantos de uma sereia

O céu noturno os agraciava com as estrelas.

Aos poucos Alétheia contou sobre o seu povo e como as coisas funcionavam, Shanks ouviu tudo sem dar um pio ou fazer perguntas, no entanto, ele se sentia vidrado por ela, desde a primeira vez que a viu.

Tão linda naquelas águas apaixonante simplesmente por existir. Não sabia explicar e onde vinha um interesse tão forte por alguém, mas seu gosto por taberneiras era o mesmo desde sempre. Ao olhá-la mais uma vez respirou pesado sentindo os olhos vidrados. Não precisava tocá-la, mesmo que ainda se lembrasse do contato ardente que tiveram a tempos atrás, ainda na porta da casa dela e para a Sereia ele não estava bem.

Alétheia não acreditava em atos simples de bondade ou coisas do destino. Segundo a mulher,  Shanks estava ali a ajudando por que querendo ou não foi enfeitiçado por ela. Era um pensamento ruim, mas, a mulher não via de outra forma, não acreditava que seria possível alguém simplesmente de interessar em ajudar sem um motivo plausível para isso. E Shanks, mesmo quieto, estava completamente enfeitiçado por ela, mas não pelos motivos que ela acreditava. 

O encanto que Alétheia mencionava, para ele, não era uma magia comum ou uma influência externa. Era o poder de quem ela era: forte, resiliente e misteriosa. Seu charme vinha da alma, do modo como, mesmo quebrada, ela se mantinha firme e enfrentava o mundo com a cabeça erguida e parte disso foi percebida por ele desde o começo e naquela noite onde se viram pela primeira vez, ela estava tentando se reconectar com o mar, sem a concha era difícil, parecia que a sua parte humana falava mais alto e com isso as águas a renegavam.

Mediante a pressão e até mesmo o excesso de poder fluindo por suas veias durante aquela noite de lua cheia, ela exalou mais do que devia então seria compreensível acreditar que Shanks se apaixonou através de um encanto. Porém o que Alétheia não sabia é que se isso for realmente a verdade teria sido desfeito no momento em que recuperou a concha. 

Como fruto de uma relação vil a parte humana de seu pai imperava, seus poderes de sereia sempre ficaram presos e de certa forma a mãe nunca quis que aflorassem assim a pequena Swan poderia ter uma vida normal, não sabia qual era os planos do marido e movida pelo amor de uma mãe por sua criança ela evocou parte da alma, um pouco da água do mar puro e as próprias lágrimas, uma gota de sangue da criança e o amor,  a corrente de ouro foi o primeiro presente do pai e a concha fomentada a partir de seu poder finalizaram a verdadeira herança da mãe. 

Alétheia recusava-se a crer no amor, sendo uma sereia, encantar um homem era algo fácil e às vezes até desmedido então, por outro lado, continuava desconfiada. Não conseguia acreditar que o interesse dele fosse genuíno, que sua ajuda fosse desinteressada. Estava acostumada a ser usada, manipulada. Para ela, a beleza de uma sereia era uma maldição, uma isca que sempre atraía os homens para intenções egoístas.

Deve ser isso... — murmurou, mais para si mesma do que para ele, os dedos deslizando pela corrente que agora segurava a concha.

O quê? — Shanks perguntou, quebrando o silêncio pela primeira vez desde que ela começou a falar sobre seu povo.

Você só pode estar aqui por causa do meu encanto. As sereias... nós atraímos as pessoas, os homens, de um jeito ou de outro. Eu... eu não acredito que você realmente se importe. — Sua voz era baixa, mas havia uma pontada de dor e até mesmo decepção nela.

Shanks a olhou profundamente, seus olhos cintilando com uma seriedade incomum. Ele sabia que ela estava ferida, que seu passado a fez desconfiar de tudo e todos. Mas ele também sabia que o que sentia por ela não era um feitiço.

Alétheia... — ele começou, a voz rouca e tão profunda quanto o olhar. — Eu estou aqui porque quero estar. Não por causa de algum feitiço ou magia. Desde o momento que eu te vi, eu soube que você era interessante. E não precisa acreditar em mim agora, mas... não importa quanto tempo leve, eu vou provar que meu interesse por você é real.

Ela o encarou, os olhos ainda desconfiados, mas algo no tom de voz dele a fez hesitar. Parte de si queria acreditar, queria aceitar que talvez, pela primeira vez, alguém estivesse ao seu lado sem segundas intenções. Mas a outra parte, a mais cautelosa, a lembrava de todas as vezes que havia sido enganada, traída e usada, mesmo que a conversa que tiveram ainda quanto estavam em sua casa sugeria algo completamente diferente.

Você fala bonito, ruivo... — ela disse, com um sorriso pequeno e sem alegria. — Mas eu conheço o jogo.

Shanks se aproximou, sentando ao lado dela na areia, seus olhos fixos no horizonte, onde o mar encontrava o céu estrelado.

Talvez eu seja apenas um homem simples, mas te garanto, não estou jogando. — Ele riu, um som suave e sincero. — Na verdade, sou péssimo com jogos que envolvem sentimentos.

Ela o olhou de canto de olho, surpresa pela honestidade.. A verdade é que, aos poucos, Shanks estava mexendo com ela de uma forma que nenhum homem havia feito antes.


[...]


A vida não pararia por ela simplesmente precisar de um descanso, mas a sensação de liberdade que corria em seus ossos toda vez que mergulhava e nadava livremente ao redor daquela parte encoberta da ilha era a certeza de que o tempo seria seu melhor amigo para trancar tais feridas. Não se tratava de esquecer e sim de seguir em frente e se reerguer aos poucos. 

Alétheia queria arrumar outro trabalho, porém ainda iria findar as pendências contra Joshamee, o problema foi que em dois dias o taberneiro não foi visto e assim como ele sumiu, Shanks aparecia para vê-la com mais frequência atrasando assim a partida. 

A sereia sentia o peso do tempo pressionando-a de formas que nem o mar conseguia aliviar completamente. Nadar livremente ao redor da ilha trazia-lhe paz momentânea, mas assim que voltava à terra, a realidade batia novamente à sua porta. Ela sabia que precisava seguir em frente, encontrar um novo propósito, um novo trabalho. No entanto, a pendência com Joshamee a mantinha ancorada naquele lugar, como uma sombra pairando sobre sua vida.

Mas o taberneiro havia sumido misteriosamente. Dezenove dias se passaram sem nenhum sinal dele, e a cada dia que se ia, Shanks aparecia com mais frequência. Ele não dizia muito, apenas a observava com aquele olhar que a fazia se sentir exposta, como se ele enxergasse algo nela que nem mesmo ela compreendia.

Essas visitas atrasavam sua decisão de partir. A presença constante de Shanks complicava seus planos de deixar a ilha, mas, ao mesmo tempo, ela sentia algo mais crescer entre eles, algo que não conseguia ignorar.

Você deveria estar longe daqui, capitão. — Ela comentou, enquanto nadava próxima à margem e ele a observava sentado em uma pedra. — Seu navio tem um destino e eu... Eu preciso resolver a minha vida.

Shanks deu de ombros, o sorriso típico aparecendo nos lábios.

Talvez meu destino tenha mudado. E quanto a sua vida... Talvez seja melhor resolvê-la junto de companhia.

Ela soltou uma risada suave, nadando mais perto da margem.

E quem disse que quero companhia? — Ela retrucou, os olhos brilhando de leve.

Shanks apenas deu uma risada baixa, mas seus olhos mostravam que ele estava ali para ficar, pelo menos por enquanto.

Eu sei que você é forte, Swan. Não precisa de ninguém... mas às vezes é bom não estar sozinha.

Ela ponderou por um momento, sentindo o peso da reafirmação. Parte dela ainda desconfiava, mas outra parte queria acreditar que talvez, só talvez, não fosse o encanto daquela noite que o trazia a isto.

O mar, por mais que lhe desse forças, não poderia curar todas as feridas.


Mais um dia se passou na ilha, dessa vez os moradores de Tortuga se preparavam para mais um festival onde o único intuito era encher a cara. Alétheia já estava acostumada com essas festividades que praticamente seduziam qualquer pirata. A sereia se levantou mais uma vez notando como sua casa estava bagunçada e após arrumar tudo seguiu para o lado externo, queria comprar um pouco de comida e ainda precisava subir até o topo para iluminar as rosas rubras.

A casa inteira da Swan tinha um forte odor de rosas, era tão bom quanto entorpecente, um costume que adquiriu com a mãe e talvez se soubesse o motivo de haver tantas flores na época em que moravam no casaram as repudiaria com louvo, afinal o cheiro das rosas servia para mascarar o cheiro de sangue, assim como a musicalidade nos andares da propriedade encobriam os gritos do porão.

Aethra, preferiu que Alétheia crescesse cercada pela fábulas em um conto perfeito e inexistente onde era feliz. Infelizmente parte disso ruiu quando a própria descobriu o que aconteceu antes e para que seu nascimento fosse concluído. 

 Era curioso como algo tão doce e aparentemente inofensivo podia encobrir uma realidade tão sombria. As fábulas que cercavam sua infância eram mais do que apenas histórias, eram máscaras para verdades que, uma vez descobertas, desmoronaram a ilusão perfeita que sua mãe tanto lutou para criar.

Agora, com cada pétala, com cada fragrância suave, Alétheia se lembrava não apenas do amor e dos poucos sorrisos de sua bela e amada mãe, uma memória quente e bonita que permanecia em seu coração, mas também dos segredos que aquelas rosas ocultavam. Ela mantinha o costume de cuidar delas, não apenas por tradição, mas porque, de certa forma, era uma homenagem à memória e às escolhas difíceis de Aethra outra conhecida como Dione Swan.

Quando acabou refez o caminho e foi até uma das poucas feiras na parte mais populosa da cidade onde toda a confusão sempre ocorria, uma vez que Tortuga também era considerada uma baia pirata, uma rota comercial intensa e farta tanto para criminosos, quanto para aqueles que seguem a lei.

O semblante dela mudou um pouco ao avistar a taberna aberta. Uma certa queimação no estômago e uma fúria que lutava para se instaurar no coração.

Pelo visto ele retornou. — Sorriu ácida antes de seguir em frente. Ao se aproximar da porta, a mesma que ela jurara nunca mais atravessar, seu coração acelerou. Não seria um confronto fácil, mas já tinha decidido. Ninguém, nem mesmo Joshamee, escaparia das consequências de seus atos.

Ela empurrou a porta com firmeza, sentindo o olhar de alguns dos frequentadores recaírem sobre ela. A energia da taberna era pesada, como se todos ali soubessem que algo estava prestes a acontecer.

Joshamee estava atrás do balcão, como se nada tivesse acontecido, mas ao vê-la, ele parou por um breve momento, uma faísca de medo cruzando seu olhar antes dele disfarçar com um sorriso cínico.

Ora, ora, se não é a nossa querida Pérola. — Ele comentou, a voz carregada de sarcasmo. — Estava com saudades?

Ela não respondeu imediatamente, avançando com calma, mas sem desviar os olhos dele.

Achei que você tivesse sumido, Joshamee. Parece que voltei a tempo de te lembrar de algo... — A voz dela era suave, mas havia uma ameaça clara nas entrelinhas.

O taberneiro tentou manter a compostura, mas algo na postura dela, na firmeza de seu olhar, o incomodava profundamente.

E o que seria, minha sereia?

Alétheia se aproximou do balcão, seu rosto agora a poucos centímetros do dele.

De que ninguém toca em mim e sai impune.


Aethra significa céu claro.


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