capítulo vinte e três
Eu não tive tempo para raciocinar o que estava acontecendo.
Num minuto, eu estava dançando apaixonadamente com meu noivo pela pista de dança; e no outro, Nikolai me empurrou para longe dele, para fora da pista, para que o lustre não caísse sobre mim. Com aquele empurrão, eu cambaleei para trás e caí no chão, imediatamente cobrindo meu rosto com meus braços para me proteger dos cacos de cristal dourado que voaram para todo lado, numa fumaça de caos e destruição. Alguns dos pedacinhos me atingiram, e eu gemi de dor ao sentir inúmeros pequenos cortes tomarem conta da pele dos meus braços, me fazendo sangrar.
— Nikolai! — gritei, minha voz arranhando minha garganta. Meu coração disparou em desespero e confusão, pois a escuridão não me permitia saber se o lustre o atingira ou não. — Nikolai! — gritei mais uma vez, sem nenhum retorno.
Minha mente trabalhava a mil, milhões de perguntas sem resposta martelando em minha cabeça. Meus batimentos cardíacos nunca estiveram tão acelerados, enquanto meus olhos arregalados tentavam assimilar o que estava acontecendo ao meu redor. Medo. Confusão. Desespero. Eu mal conseguia entender aqueles sentimentos que se afloravam em meu peito, dominando-me de dentro para fora e dificultando minha respiração. Eu precisava me concentrar, precisava encontrar Nikolai e descobrir o que estava acontecendo...
Então, escutei um grito. E depois, um disparo. Seguido de outro e mais outro. Havia pessoas para todo lado, correndo e gritando, como um verdadeiro retrato caótico do inferno na terra. De onde estava, consegui ver um grupo de homens de terno armados, todos eles tinham cicatrizes discretas perto de um dos olhos, e avançavam para dentro do salão com fúria e determinação. Naquele instante, o mais puro pavor ficou evidente no meu olhar quando percebi o que acontecia. Um tiroteio. Estava acontecendo um tiroteio.
Não parei para pensar em quem eram, como entraram na festa ou o motivo de estarem ali. Eu não tinha tempo para me dar ao luxo de fazer aquelas perguntas, não naquele momento. Da mesma forma como os homens das cavernas precisavam de um estímulo físico para caçar e fugir do perigo, eu precisei da onda de adrenalina que me atingiu para me levantar e correr. Pensamentos e mais pensamentos me invadiam no tempo em que eu corria, buscando uma saída daquela encruzilhada. A entrada estava tomada pelos atiradores, mas certamente devia ter outra escapatória...
Foi quando uma mulher alucinada correu em minha direção, se chocando violentamente contra mim. Pisquei algumas vezes tentando reconhecê-la no escuro, mas logo percebi que era a senhora Shopperau; ela pouco se importou quando eu caí no chão, apenas continuou seguindo seu caminho. Contudo, não conseguiu ir muito longe. Pois, segundos depois, outro tiro foi disparado, dessa vez perigosamente perto de mim. A bala atingiu a cabeça da senhora Shopperau, — tive que me segurar para não gritar ou vomitar quando seu sangue espirrou em mim —, e ela caiu no chão. Morta. Inerte e com os olhos vidrados de medo, exatamente da mesma forma como Michael quando ele morreu em minha frente.
O assassino da senhora Shopperau estava perto de mim — perto demais. Não dava tempo de me levantar e correr, por isso, disparei para debaixo de uma mesa, tentando me esconder. Eu estava trêmula e assustada, e não consegui impedir a pouca comida em meu estômago de voltar pela minha garganta quando vi o sangue da mulher se misturar com o meu. Vomitei ali mesmo.
Prendi a respiração ao escutar passos. Ali, na minha posição debaixo da mesa, consegui ver as botas do atirador enquanto ele caminhava em minha direção, pouco se importando em desviar da poça de sangue da senhora Shopperau. Cada passo que ele dava para perto de mim era uma facada que eu sentia no estômago. Agora não tinha mais como fugir, mas se ele me encontrasse ali...
Não consegui terminar aquele pensamento, visto que, naquele exato segundo, escutei outro disparo próximo. Mas, para minha surpresa, foi o assassino que caiu morto no chão. E, seja lá quem fosse esse outro atirador, se aproximou da mesa, fazendo meu coração acelerar ainda mais em ansiedade. Abracei meus joelhos, tentando me afastar o máximo que consegui dos pés do atirador. Ele iria me achar... Iriam me achar e...
— Elaine?
Quase chorei em alívio quando Dimitri tirou o pano que cobria a mesa e se ajoelhou diante de mim. Nunca fui tão grata por ver aqueles olhos azuis, mesmo que eles estivessem tomados por fúria. Pura fúria. Ele matara aquele homem. Matara... Como? O que estava acontecendo?
— Está tudo bem, Elaine, sou eu. Sou eu. — o jovem Tarasova estendeu a mão para mim; suas palavras carinhosas faziam um verdadeiro contraste com o fogo em seu olhar. — Eu preciso que venha comigo, pode ser?
Não consegui falar nada, mas segurei em sua mão. Dimitri me puxou para fora da mesa e imediatamente me colocou atrás dele sem me soltar, para me proteger, enquanto sua outra mão — segurando uma arma — disparava na direção dos invasores da festa. Na nossa frente, Kessie, Henry e Celine faziam o mesmo, como se nos dessem cobertura. Eu nem sabia que eles podiam atirar. Por que eles sabiam atirar? Não era a hora de perguntar, porém, porque estávamos em um dos lados do tiroteio, os sons ensurdecedores de gritos e disparos me fazendo estremecer. Um caos de morte e medo que eu nunca esqueceria.
— Peguem o máximo de pessoas que conseguirem e vão! — escutei Dimitri ordenar para ninguém específico. Então, ele cuidadosamente se voltou para mim. — Vá com ele. — disse em voz baixa, indicando com o queixo um segurança de terno que chegava perto de nós. — Só fique com ele, e eu prometo que vai dar tudo certo.
— Você não vem? — soprei, minha voz falhando por nervosismo e preocupação. — E Nick? E Naira?
— Já conseguimos tirá-los daqui eles estão te esperando lá fora. E eu tenho que ficar aqui para dar cobertura. — assegurou Dimitri, mas a hesitação estava refletida no meu olhar. Eu não queria deixá-lo ali, mas sabia que pouco ajudaria se ficasse. Inútil, pensei, criticando a mim mesma. Eu tinha me provado ser inútil mais uma vez. — Vá, Elaine. Por favor.
Havia um certo desespero na voz de Dimitri que me fez assentir. O segurança me segurou pelo braço, me escoltando para fora da área crítica do tiroteio. Outras pessoas nos acompanharam, vários outros seguranças bem armados levando os convidados da festa. Contudo, um pedaço do meu coração ficou naquele salão, pois sabia que Dimitri, Kessie e Henry ainda estariam ali. Os Tarasova, Celine e outros seguranças nos proporcionavam vantagem, atirando nos invasores para podermos escapar.
Fui levada para fora do local por uma discreta saída dos empregados, estremecendo ao sentir o frio da noite tocar em minha pele. Havia um grupo de convidados naquela rua fazia atrás do salão onde acontecera a festa de noivado, todos nós cercados por homens de terno armados.
— Elaine! — escutei Naira gritar, correndo para me abraçar. Parecia estar cansada e com alguns machucados, mas estava bem.
— Naira, ainda bem! — suspirei aliviada e a abraçando firmemente. Então, olhei para cada uma das pessoas ali e só me permiti soltar a respiração quando avistei meu noivo.
— Eu preciso voltar! — ele exclamava com um dos homens. Senti meu coração errar as batidas ao perceber que ele não estava apenas suado e com arranhões na face, mas também levara um tiro no ombro. Ele estava encostado na parede, seu braço todo sangrava enquanto aquele homem pressionava um pano contra sua ferida. — Minha noiva ainda está lá dentro!
— O senhor Tarasova nos deu ordens para não deixar ninguém entrar. — disse o homem.
— Nick! — o chamei, trêmula, sentindo meus joelhos falharem quando a minha pressão baixou. Os olhos do meu noivo se encheram de lágrimas, e eu corri até ele, me envolvendo em seus braços no minuto em que caí de exaustão no chão diante dele.
— Elaine... — Nikolai murmurou; havia dor expressa em sua voz. — Eu estava tão preocupado. Tão preocupado. — ele se afastou para me olhar, segurando em meu rosto com a mão livre e acarinhando meus cabelos. — Você está bem? Está ferida?
— Eu estou bem, mas você... — choraminguei, tirando os cabelos molhados de suor do seu rosto. — Você levou um tiro, Nick!
— Eu vou ficar bem. — ele forçou um sorriso.
— O que está acontecendo? — questionou Naira, de pé atrás de mim. Estava tão nervosa e trêmula quanto eu. — Quem são essas pessoas?
Antes que meu noivo pudesse responder, a porta da saída dos empregados abriu abruptamente, produzindo um estrondo, revelando os irmãos Tarasova e Celine. Os quatro carregavam um olhar feroz e uma postura severa enquanto caminhavam lado a lado para fora; com as roupas totalmente ensaguentadas. Então, todos observaram quando Dimitri caminhou até o irmão mais velho, até Nikolai, e lhe disse, num tom tão rigoroso que eu quase não o reconheci:
— Precisamos conversar. Agora.
Enquanto alguns daqueles homens de Dimitri ficaram para prestar assistência aos convidados da festa, incluindo Naira, eu e Nikolai fomos escoltados para a mansão Tarasova — pois, de acordo com eles, não seria seguro ir para o apartamento do meu noivo. Localizado numa gigantesca planície verde, a centenária mansão Tarasova mais parecia um palácio. Depois de passarmos por um portão de ferro, seguimos por um caminho arborizado até uma antiga e graciosa ponte de pedra, passando por cima de um lago que refletia a luz da lua e das estrelas em suas águas calmas. O resto do longo caminho para mansão de tamanho e elegância imensuráveis era cercado por um vasto campo verde, coberto de grama bem podada.
Como dissera, a mansão Tarasova parecia, de fato, um palácio rural do século XVIII. A estrutura colossal lembrava um pouco o Palácio de Inverno imperial da Rússia, que eu vira apenas em livros de história. Contudo, a mansão possuía uma cor bege, com várias janelas altas distribuídas uniformemente pelos quatro andares. Ao chegarmos, subimos em silêncio os degraus de entrada e, por fim, adentramos na residência Tarasova. A decoração interior era um tanto antiquada, repleta de arte, tons escuros e neutros, além de uma estética próxima ao gótico e ao românico. Era tudo muito exuberante, mas mal tive tempo de admirar. Segui o grupo até uma sala de estar, sentindo-me como se estivesse numa versão mais sombria e luxuosa do salão comunal da grifinória.
Kessie me convidou a sentar em uma das poltronas vermelhas, e eu obedeci, tentando não reparar na minha imagem horrível refletida num espelho com moldura em arabescos. Nesse meio tempo, Dimitri, Celine e Nikolai — acompanhado por alguns médicos que iriam remendar seu ferimento de bala — adentraram num escritório logo a frente; Henry, antes de segui-los tomou um gole de uísque da mesa de bebidas no canto da sala.
— Espere aqui. — disse Kessie, gentilmente, entrando no escritório e fechando as portas em seguida. Odiei ter sido deixada de lado, sozinha, mas pelo menos pude aproveitar aquele tempo para respirar profundamente e reorganizar os pensamentos em minha mente acelerada. Uma moça, que provavelmente trabalhava ali, me entregou um copo d'água e começou a limpar meus ferimentos. Eu estava tão cansada que nem relutei.
Eu conseguia escutá-los gritando no escritório, mas não entendia nada do que era dito. Até que, em algum momento, eu consegui escutar Dimitri gritar: "Eu cansei dessa conversa! Você vai falar com ela, e vai falar agora! E eu vou ter que dar um jeito de consertar o que você poderia ter previnido se não fosse um canalha sacana e egoísta!". Assim que ele terminou de falar, as portas do escritório se abriram; Dimitriu saiu de lá bufando e pisando firme para longe dali. Meus olhos se encontraram com os dos gêmeos lá dentro, mas Nikolai estava com a cabeça abaixada, fitando o chão. Foi quando tomei a decisão de ir atrás de Dimitri.
— Dimitri! — o chamei, seguindo-o pelos longos corredores da mansão. Não havia nada que nos iluminasse além da luz do luar atravessando as altas janelas, deixando o local carregado por uma beleza natural e sombria da noite. Ele andava rápido demais, e eu estava cansada, mas não parei. — Dimitri!
— Vá falar com seu noivo, Elaine! — ele berrou por cima do ombro em resposta, sem interromper sua caminhada pelo corredor.
— Por que? O que está acontecendo? — insisti. — Quer parar de andar por um segundo?
— Se eu parar não vou chegar ao meu destino, não é mesmo? — o jovem Tarasova zombou com escárnio, e bufei, frustrada.
— Dimitri, por favor! Por que não quer falar comigo?
Eu não estava preparada para o que o rapaz de cabelos escuros como carvão faria em seguida. Ele rapidamente se virou para mim e caminhou de forma agressiva em minha direção, me fazendo recuar, assustada.
— Porque, Elaine... — ele parou somente quando estava a poucos centímetros de mim, então, se calou. De repente, toda sua raiva e brutalidade pareceu se esvair quando nossos olhares se encontraram, dando lugar à uma tristeza azul em seus olhos iluminados pela luz do luar.
Não desviei o olhar. Não consegui. Estava tragada demais, presa demais, envolvida demais. Oito anos haviam se passado, e o intenso contato visual de Dimitri ainda podia me deixar sem ar. Aqueles olhos azuis talvez estivessem para sempre fadados a ser a minha perdição. Oxigênio faltava-me em meus pulmões, mas meu peito subia e descia numa respiração agitada, o que não passou despercebido pelo olhar de Dimitri. O silêncio se tornou pesado demais, quase que insuportável. Mas eu não conseguia me mover ou falar, não conseguia escapar do feitiço ao qual seu olhar me envolvia.
Dimitri engoliu seco, abrindo e fechando a boca diversas vezes, sem conseguir emitir nenhum som através dela. Meu corpo traía a minha razão, se contraindo para me trazer para mais perto, quando minha mente clamava para eu me afastar. Eu estava assustada, mas aparentemente alguém estava certo ao dizer que atraimos o que tememos.
Resquícios da nossa conexão da juventude... Era o que aquilo era. Toda aquela tensão, aquela atração... Não passava disso, um resquício do que uma vez fomos. Não significava absolutamente nada. Nenhuma tensão sexual com um amante do passado poderia se comparar ao relacionamento estável e cheio de amor que eu tinha com Nikolai.
— Se você realmente quiser se casar com meu irmão... — Dimitri soprou, sua voz soando rouca e fraca, bem diferente da firmeza de minutos atrás. — Pergunte a ele sobre a verdade. Sobre toda a verdade.
E, então, saiu pisando firme e sem olhar para trás.
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23 capítulos e o bicho finalmente vai pegar
como vcs estão?? espero que estejam bem viu :) não esqueçam de beber água
elaine bobinha nem sabe o que a aguarda
o que VCS acham que a aguarda? hora das teorias, podem mandar 😏
beijosss e até o próximo capítulo!
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