capítulo trinta e um
— Elaine, conheça minha madrasta, Amara Tarasova. — disse Dimitri. — Agora oficialmente.
Amara.
Sentada diante de nós, na cabeceira da mesa, nos observando com um olhar impaciente, estava Amara.
A senhora Tarasova. A mãe de Kessie e Henry, a madrasta de Dimitri e Nikolai. A matriarca da família. A senhora Tarasova. Amara. Eu estava tão nervosa, e todo esse tempo... "Tenho certeza de que ela já gosta de você" Dimitri me dissera quando estávamos a caminho do salão de festas do hotel. Agora, eu entendia o motivo. Já nos conhecíamos. Já éramos, de certa forma, amigas. Ela mesma me preparara para aquele momento, me treinando nos modos da alta sociedade. Porque Amara era a senhora Tarasova. Amara Tarasova.
Eu devia ter percebido antes. Era óbvio. A forma que ela agia... Como uma rainha. Sem contar a semelhança. A gritante semelhança com os gêmeos. Apesar de ser bem mais velha, Amara tinha aqueles mesmos olhos castanhos escuros de Kessie e Henry, os cabelos crespos e os lábios carnudos e avermelhados. Naquela noite, ela trajava a mais pura elegância e refino, como eu jamais a vira trajar. Seu corpo era desenhado por roupas pretas, uma saia lápis que deslizava até seus tornozelos, e uma blusa social de manga cumprida no mesmo tom, com decote em quadrado e todos os botões fechados. Além disso, as joias que ela usava eram todas peroladas, inclusive aquele esplendoroso colar de pérolas em seu pescoço, o qual, sozinho, poderia ser considerado a oitava maravilha do mundo.
— A senhorita pretende passar a noite inteira me encarando assim, ou vamos no sentar para comer? — disse ela, parecendo estar se divertindo. — Estou absolutamente faminta, e esse jantar parece delicioso.
Olhei para Dimitri ao meu lado, que apenas deu de ombros e soltou uma risadinha, e depois olhei de volta para Amara... Quer dizer, senhora Tarasova. Um misto de surpresa e indignação por não ter percebido antes tomava conta das minhas feições.
— Desculpe, eu... — franzi as sobrancelhas, ainda intercalando o olhar entre os dois. — Eu estou confusa.
— Não é óbvio, minha querida? — indagou Amara, mas Dimitri balançou a cabeça.
— Eu te falei que a minha madrasta tem... umas ideias malucas. — falou Dimitri. — Eu sei que prometi nenhum segredo, desculpe por isso mas... É uma coisa que ela faz.
— Oras, isso não era bem um segredo, não é? — disse Amara. — Eu passei a minha vida toda sendo tratada diferente por ser quem sou. Vim de uma família rica e respeitável, e me casei com um dos homens mais importantes da alta sociedade. E nessa vida de luxos e privilégios, ainda mais quando se é mafiosa, é difícil saber quem são os amigos verdadeiros e quem são os bajuladores e interesseiros. Você é uma garota esperta. Deve estar começando a entender.
— Era como... — disse eu, todas as engrenagens do meu cérebro funcionando a mil. — Um teste.
— Essa é uma palavra muito rude, mas é algo assim. Desculpe tê-la colocado nessa situação, mas você tem que entender que depois de tudo que aconteceu com meu marido e meus filhos... É difícil confiar. Eu queria que você me conhecesse primeiro pela mulher que sou, e não pelo meu título assustador. E, confie em mim, eu sei o quanto assustadora eu posso parecer. Mas, por outro lado... Também queria conhecer a mulher que você é. Não a noiva de Nikolai tentando impressionar a matriarca da família, apenas... Elaine Róson.
— E a mulher que conheceu, eu... Fui bem o suficiente? — uma pergunta sincera.
Um pequeno sorriso maternal surgiu nos lábios de Amara.
— Você tem potencial, Elaine, percebo isso. Mas a única pessoa que pode responder essa pergunta é você mesma. Apenas se lembre que você não deve ser o suficiente para ninguém, a não ser você mesma. — disse ela, me deixando pensativa. Segundos depois, ela bateu palmas para nos apressar. — Vamos, vamos. O jantar não vai se comer sozinho.
Com isso, engoli seco, olhando para Dimitri, que apenas assentiu de modo tranquilizador. Então, ele me acompanhou até o lado direito da mesa, e puxou a cadeira para eu me sentar, depois se sentou no assento na minha frente, do outro lado da mesa — e Amara entre nós, na cabeceira.
No minuto em que nos acomodamos, garçons gentis vieram nos servir o prato de entrada — uma deliciosa salada de camarão — e preencheram nossas taças com um caríssimo e refinado vinho branco. Tentei não parecer muito desesperada ao tomar um bom gole daquele vinho; eu certamente não queria ficar bêbada, mas talvez um pouco de alcoól no meu sistema me ajudasse a passar pela noite com um pouco mais tranquilidade.
— Quando voltarmos a São Francisco, lhe mostrarei minha adega de vinhos. É simplesmente... divina. — comentou Amara para mim. — O que estamos bebendo é um Château d'Yquem de 1811. Um dos melhores e mais caros vinhos na história da região francesa de Bordeaux.
— A senhora entende mesmo de vinhos. — murmurei.
— Por favor, senhora? — ela riu. — Não, minha querida, me chame de Amara e "você". Afinal, estamos em família, não é? — acrescentou, gentilmente colocando sua mão sobre a minha, onde a aliança de noivado de Nikolai deveria estar. Assenti.
— Vinho e aviões... Você tem um gosto muito peculiar, Amara. — disse Dimitri, em tom de brincadeira, bebericando sua bebida. — Isso aqui é suco se comparado ao que tomamos em casa.
— Nunca vou entender seu gosto e de seus irmãos por aquela bebida tão grosseira. Uísque. — resmungou ela, pronunciando o nome da bebida como se fosse um palavrão.
— Disse a mulher que faz veneno com seus vinhos.
Quase me engasguei com a minha bebida, tentando não demonstrar choque ao escutar aquilo. Contudo, honestamente, nem me dei o trabalho de perguntar sobre aquilo.
— Então... — pigarreei, tentando mudar de assunto. — Como era Dimitri na infância? Ele lhe dava muito trabalho?
— Eu era um anjinho. — afirmou Dimitri, mas Amara negou com uma risada.
— Trabalho é pouco. — disse ela. — Dimitri adorava pregar peças. Em todo mundo. Comigo, com os funcionários, os professores e colegas de classe. E Kessie e Henry sempre ajudavam. Quase todo mês eu era chamada na escola para discutir sobre algo que o "trio do terror" aprontara.
Não pude conter a risada só de imaginar os três irmãos Tarasova dando trabalho para Amara.
— Em minha defesa, era sempre muito engraçado. — disse Dimitri.
— Para vocês, talvez. Mas para aquela pobre professora, por exemplo, que passou dias tendo que lavar os ovos da cabeça...
— Desculpe, Amara. — respondeu o único Tarasova de olhos azuis, ainda sorrindo e mantendo seu tom de brincadeira.
— Para ser sincera, eu amava as peças que vocês pregavam. Meus filhos realmente sempre souberam se divertir.
— E Nikolai...? — ousei perguntar, não tendo certeza se era um bom momento para falar sobre aquilo.
— Nikolai... — Amara suspirou, e eu percebi que, naquele momento, várias memórias deveriam estar passando por sua mente. — Ele era uma criança complicada, reservada. Calado. Muito calado. E sério. Tinha muitos traumas, devido ao que aconteceu com sua mãe. Eu sempre tentei me aproximar dele, e ele me rejeitava. Mas eu sempre fui muito compreensiva. Diferente de Dimitri, Nikolai se lembrava da mãe e nunca... Nunca aceitou muito bem o meu casamento com seu pai.
Fiquei calada, processando aquilo. A história de Nikolai... Ele nunca me explicou muito bem.
— Amara, acredito que Elaine não sabia muito bem da história. — disse Dimitri.
— Não precisa me contar se não quiser... — logo falei, eu realmente não queria causar uma inconveniência.
— Por favor, você é da família agora. Eu insisto. — afirmou a senhora Tarasova, convicta. — Veja bem, eu vim de família rica, como mencionei agora a pouco. Nossas famílias queriam unir eu e Andreas num casamento arranjado. Seria extremamente vantajoso para ambos os lados, principalmente porque a minha família estava falindo e ninguém sabia. Mas... tinha um problema. Andreas estava perdidamente apaixonado por uma moça de família humilde.
— Lalila. — disse Dimitri e, pelo seu olhar triste e distante, eu soube. Lalila era a mãe de Dimitri e Nikolai. O curso que sua mãe fizera na faculdade fora um dos motivos que levaram Dimitri a renomear aquele barco de Flor-de-lis, lembrei.
— Sim, Lalila. — assentiu Amara, sorrindo tristemente. — Lalila era linda. Tinha um cabelo tão escuro quanto a noite, e era tão branca quanto um fantasma, mas era linda. E tinha olhos azuis... tão brilhantes. Lindos olhos azuis. — daí que Dimitri herdou a cor de seus olhos, pensei — Amava ler. Era impossível vê-la sem um livro. Na época, estava estudando em Stanford, assim como nós, mas com uma bolsa integral; ela queria ser professora de literatura. Éramos todos muito jovens, nós três. Apenas vinte e dois anos.
"Andreas e Lalila estavam apaixonados, aquilo era um fato. Andreas era obcecado por ela. Mas nossas famílias, principalmente a minha, que precisava do dinheiro... Eles não gostaram nada disso. Mas a situação piorou quando Lalila ficou grávida de Nikolai. Então, o pai de Andreas ameaçou sumir com Lalila e com o bebê caso ele se recusasse a se casar comigo. Desesperado para ficar com sua amada, Nikolai aceitou. E eu também. Era óbvio que eu queria me casar por amor, mas... Minha mãe estava com câncer, precisávamos do dinheiro para pagar o tratamento. Assim, pelos mais diversos motivos, menos amor, eu e Andreas nos casamos."
"Mas, honestamente, eu me sentia como se eu fosse a amante. Andreas e Lalila dividiam um quarto, e cuidavam juntos do lindo filho que crescia. E eu apenas assistia. Felizmente, nós três conseguíamos manter um relacionamento amigável, eu e Lalila chegamos a ser boas amigas. Ainda assim, era difícil, mas fiz aquilo pela minha família. E faria tudo de novo se fosse necessário."
"Nossos pais nos pressionavam para gerarmos herdeiros. Mas, quatro anos depois, foi Lalila quem engravidou primeiro, de Dimitri. Eu não fiquei para trás, e meses depois engravidei dos gêmeos. Durante todos aqueles meses de gestação... Eu via como Andreas olhava para seus filhos com Lalila. Eram... 'bastardos', por assim dizer. Mas eram seus favoritos. Temi que um dia aquilo acabasse mal e ele me abandonasse, então comecei a trabalhar. Na máfia mesmo. Para ser independente de Andreas."
"Mas... tudo mudou quando Dimitri nasceu. Tudo... Tudo mudou. Isso porque, semanas depois, eu e Andreas fomos ao médico para fazer um ultrassom de rotina, ver se estava tudo certo com os gêmeos. E Lalila ficou na mansão com os meninos." Amara e Dimitri se entreolharam, e eu soube que agora era a parte mais triste da história. "Naquele dia, houve um incêndio, Elaine, numa parte da mansão Tarasova. Por sorte, todos os funcionários estavam na outra parte no momento, e só tivemos alguns feridos. Mas Lalila e os meninos... Estavam na parte do incêndio. E ela morreu para salvar seus filhos. Certamente, o ato mais honroso e respeitável que eu já vi."
"Mas Andreas... Ele enlouqueceu. Talvez eu nunca saiba o exato motivo que o levou a desprezar tanto Nikolai, mas tenho certeza que aquele pobre menino que viu a mãe morrer no fogo não merecia isso. Desde que perdeu o amor da sua vida, tudo que Andreas se importava era em garantir que seus filhos, principalmente o favorito, fossem melhor do que ele mesmo foi. Para que nunca falhassem, como ele sentia que tinha falhado. Ele exigia demais de Dimitri, Kessie e Henry... Demais. E desprezava Nikolai. Eu odiava aquilo, odiava a forma como ele decidiu agir, e sempre cuidei dos quatro igualmente, como se todos fossem meus filhos. E, de certa forma, são. Sabendo da vida perigosa que levávamos, certa vez Lalila e eu prometemos uma a outra que, caso algo acontecesse com uma de nós, a outra cuidaria dos nossos filhos. E foi o que fiz. E faço até hoje."
"Nikolai errou bastante com o que fez, mas eu não seria uma boa mãe se o deixasse de lado por causa disso. Ele pode me rejeitar o quanto quiser, mas eu continuarei considerando-o como filho. E uma mãe nunca desiste de seus filhos. Eu o perdoei porque sabia que ninguém mais faria, e não os julgo por isso. Porém, eu não posso recebê-lo de braços abertos. Assim como não devo desistir dele, também preciso proteger os outros. A traição dele fez os três mais novos passarem por coisas terríveis e eu simplesmente não posso, como mãe, ignorar isso. Nikolai terá um longo caminho para se redimir, mas não vou desistir dele." ela olhou para mim. "E algo me diz que você também não vai."
.
Para minha sorte, Dimitri logo mudou de assunto para algo mais leve. A história que Amara me contara... Era muito para processar. Eu sentia muito pela família Tarasova. Por tudo que viveram, por tudo que ainda viviam... E continuavam. Caíam e se erguiam incessantemente. Era admirável, até.
Todavia, tentei não pensar muito naquilo durante o jantar. A refeição estava maravilhosa, e a companhia era melhor ainda. Amara pareceu orgulhosa ao perceber que eu recordava das suas dicas de etiqueta, e eu fiquei feliz por ter me dado bem com ela. Dimitri também.
— Bem... — começou Amara, pondo-se de pé num suspiro, após a sobremesa. — Receio que devo me retirar. Sabem muito bem como eu valorizo meu sono da beleza. Muito obrigada por comparecer ao nosso jantar de encontro oficial, minha querida Elaine.
— Eu que agradeço, Amara. — respondi com um aceno.
— Divirtam-se, mas não muito. — ela nos lançou uma piscadela antes de sair.
— Boa noite, Amara! — eu e Dimitri exclamamos em uníssono, rindo em seguida.
— Uau, ela é... incrível. — murmurei. Uma exemplo de pessoa fenomenal, era o que Amara era. Tudo que ela passara pela família... Desejei um dia ter um pouco da força dela.
— Eu sei. — falou Dimitri, sorrindo orgulhoso para a mulher que ele considerava como mãe.
— Admiro vocês. — disse eu, simplesmente. O único Tarasova vivo de olhos azuis assentiu.
— Obrigado.
De repente, a música leve que preenchia o local encerrou, e outra começou a tocar. Meus ouvidos musicais logo a reconheceram. Strangers In The Night, Frank Sinatra. Uma versão apenas com a melodia, sem ninguém cantando. Observei, então, quando Dimitri fechou os olhos e se deixou embalar pela música.
— Eu amo essa música. — murmurou ele.
— Eu também. — fora a música que dancei com meu pai na minha festa de quinze anos, ou minha "quinceañera", como minha avó chamaria; claro, só havíam dois convidados, meus pais, mas, ainda assim, foi maravilhosa. — É perfeita para...
— Uma dança? — completou Dimitri, forçando um sorriso triste para mim. Assenti em compreensão. Kessie me dissera que ele não dançava mais, devido ao trauma da música da aula de dança, mas, talvez...
Dimitri observou atentamente quando eu me levantei e caminhei até ele, estendendo gentilmente a minha mão em sua direção.
— Dança comigo? — pedi. Apenas um pedido.
— Eu não danço mais, Elaine... — disse Dimitri, fitando o chão. Mas, carinhosamente, segurei em seu rosto para que me olhasse, como ele mesmo fizera tantas vezes anos antes.
— Não pense nos passos que você aprendeu naquela aula. Não pense naquela música. Apenas... No aqui. No agora. Por favor. Comigo.
Para minha surpresa, Dimitri segurou em minha mão e eu o puxei para dançar comigo. Cercado por aquela iluminação das centenas de velas, Dimitri aproximou nossos corpos, seu rosto encostando no topo da minha cabeça, e sua mão nervosa e receosa repousando minha cintura, enquanto a outra estava entrelaçada com a minha. Não dei a ele tempo de liderar a dança, e tomei o controle, nos embalando ao sou da música.
— Deixa que eu comando... — minha voz não passava de um sopro. Estávamos tão perto que eu não duvidava que ele poderia escutar até meus batimentos. — Foque em estar aqui. Comigo. Está seguro comigo, Dimitri. Eu prometo. Eu estou aqui. E não vou a lugar nenhum.
Senti Dimitri relaxar um com aquelas palavras e, para acalmá-lo ainda mais, comecei a cantarolar a letra da música. Strangers in the night... Baixinho, cantando de coração. Something in your eyes was so inviting... Apenas para ele. Something in your smile was so exciting... Cantaria apenas para ele. It turned out so right for strangers in the night... Continuei cantando até o fim daquela música, até que Dimitri tivesse relaxado totalmente.
— Sabe... — sussurrou ele. — Você foi a última pessoa com quem dancei. Naquele luau.
Nossa, fazia... Tanto tempo.
— Pense naquele luau, então.
Um sorriso malicioso surgiu em seus lábios.
— Com prazer. — disse ele, me fazendo rir fracamente.
— Eu queria... Queria poder ter conhecido sua mãe. — comentei.
Ele levou alguns instantes para responder.
— Eu também.
— Mas... — me distanciei um pouco para olhá-lo nos olhos, sem nunca parar de nos embalar ao som da música. — Onde quer que ela esteja... Sei que está orgulhosa de você.
Mais uma vez, vi aquele brilho retornar para o olhar de Dimitri.
Naquele exato instante, escutamos o relógio cuco soar no canto da parede. Minutos. Passavam poucos minutos para meia-noite, para o fim do meu aniversário. Não foi só isso que escutei. Meu celular dentro da minha bolsa. Apitando. Uma notificação.
— Antes que o dia acabe... — disse ele, se inclinando para sussurrar em meu ouvido. — Feliz aniversário, Lis.
•
amara é a madrasta do dimitri 😱😱
eai gente tudo bem?? perdão pelo atraso do capítulo, tava assistindo round 6
ksksks mentira gente é que eu to mt ocupada
enfim gente o que vcs acharam da história dos tarasova?
beijosss e até o próximo capítulo!
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