capítulo trinta e três

Dimitri, Henry e Kessie se entreolharam, suas faces tomadas por um misto de raiva e preocupação.

— Notícias ruins, eu suponho. — disse a senhora Tarasova, num tom quase que indiferente. Já está acostumada, pensei.

— Se quisermos notícias boas, temos que garantir que a cabeça daquele verme esteja numa bandeja. — rosnou Henry, tomando um gole enfurecido da sua bebida.

— Do jeito que vocês falam, às vezes parece que até gostam da guerra. — disse Kessie, indignada.

— Você é tola se pensa que há outra forma de resolver isso. — rebateu Henry, fazendo a gêmea bater a palma da mão contra a mesa, produzindo um estrondo. Eu nunca a vira daquela forma.

— Eu não sou tola. — afirmou ela, e eu quase pensei que um sorriso pudesse ter se formado nos lábios de Celine. Quase. — Nós lutamos. Lutamos sim, e eu morreria lutando com garras e dentes se fosse preciso. Mas nós lutamos por um motivo. O mundo em que nós vivemos é totalmente fodido, mas nós não fazemos o que ele faz. E quando machucamos ou matamos é por um motivo. Não machucamos por machucar, nem matamos por matar. É por um motivo. Para proteger os nossos e impedir caras como ele. E no minuto em que esquecermos esse motivo, estaremos perdidos com um mar de cadáveres sem motivo ao nosso redor. Por pura ganância e sadismo. Vocês sabem o quão fácil é para pessoas como nós para nos perdemos dessa forma. Vocês sabem.

— Eu tenho certeza que nenhum de nós vai se tornar Aleksander, o Tarasova louco, irmã, mas obrigada pelo lembrete. — disse Dimitri, tentando acalmar os ânimos com um tom brincalhão. Henry respirou fundo. — Agora, por favor, podemos todos escutar o que Celine tem a dizer.

Todos se voltaram para a chefe de segurança.

— Para isso, teremos que ir para a sala à prova de som de Amara. — disse ela, e um sinal de preocupação passou de relance pelo olhar da senhora Tarasova.

— Muito bem. — falou ela, pondo-se de pé e engolindo seco. Todos acompanharam, a seguindo para fora da sala de jantar. Menos eu. Era uma reunião da máfia, não tinha porque eu pensar que seria envolvida. Então, continuei sentada, brincando com o almoço no meu prato por ter perdido a fome, até que escutei Dimitri me chamar:

— Vamos logo, Lis, não podemos esperar o dia todo. — disse ele, sorrindo gentilmente para mim. Tão gentil que, quando me toquei, já estava assentindo e indo em sua direção.

A sala à prova de som de Amara ficava do outro lado do corredor da porta que dava para o apartamento. Eu nunca tinha visto um cômodo tão bem decorado. Os tons de vermelho e preto se chocavam perfeitamente com os de cinza e branco. Logo diante da entrada, avistava-se um grande tapete circular e felpudo, na cor branca, um oposto do piso preto. No canto da sala, uma mesinha de vidro guardava garrafas vinho, além de algumas taças reluzentes que pareciam valer mais que um órgão humano.

Na parede onde estava a mesa, meu olhar artístico não demorou a perceber um gigantesco quadro de Amara sentada no centro com seus quatro filhos — Kessie e Henry, ainda recém-nascidos, estavam em seu colo; o bebê Dimitri estava no chão, se divertindo com um tubarão de pelúcia; enquanto Nikolai estava de pé, longe de todos e sério. A pintura fora feita no mesmo estilo que retratos de reis e rainhas do século XVIII.

Além disso, havia uma discreta, porém assustadora, porta de madeira no canto da sala. Não ousei perguntar aonde aquilo levava.

O local era retangular, o que proporcionava uma mesa de reuniões cumprida ali. Novamente, Dimitri sentou-se na cabeceira, com Henry e Kessie de cada lado. Me coloquei ao lado de Kessie, e Amara sentou-se na outra ponta da mesa. Celine, por sua vez, não se deu ao trabalho de sentar. Ela apenas se posicionou de pé entre Henry e uma cadeira vazia, e jogou um pacote marrom no meio da mesa.

— A máfia italiana entregou isso aos nossos homens hoje. Disse que precisava chegar a nós com urgência. O pacote passou pela inspeção e, como eu estava por perto, veio direto para as minhas mãos. No minuto em que abri eu peguei o primeiro trem para correr para cá. — explicou ela, cada palavra deixando seus lábios com fúria, da mesma forma como um dragão expele fogo.

Ninguém abriu o pacote até chegar nas mãos de Dimitri. Ele não hesitou em abri-lo e olhar o que tinha dentro, mas eu imediatamente vi aqueles sentimentos de ódio, surpresa e medo tomarem conta das suas feições. O único Tarasova de olhos azuis engoliu seco, e eu vi os músculos do seu maxilar se tensionarem na mais feroz expressão de ira. Não disse nada, apenas jogou o que tinha lá dentro na mesa para vermos. Um papel branco de mais ou menos dez centímetros de largura e quinze de altura.

— Aquele filho da puta está pedindo uma bala no meio da testa, não é mesmo? — um tom de escárnio amargurado dominava suas palavras.

Henry foi o primeiro a olhar. Sua reação foi muito parecida, e seus olhos se escureceram em raiva. Então, ele passou para Kessie, arfou de preocupação e soltou um palavrão. Enfim, o papel chegou até mim. O problema era que estava longe de ser um papel. Era uma fotografia. De um lado era branco, mas do outro lado...

Fiquei enjoada com o que vi. A foto de um homem, jogado no asfalto, usando apenas calças jeans. Morto. Seus olhos estavam bem abertos, repletos de pavor. Aqueles olhos... Como os de Michael. Pavor. Puro pavor. Mais um rosto que eu não esqueceria, que voltaria para me assombrar em meus pesadelos. Mas aquela... Nem era a pior parte. Havia algo escrito em seu corpo. Escrito na sua barriga com um líquido vermelho... sangue. Não quis imaginar de onde vinha. O que importava era o que estava escrito: Porto de Miami. Amanhã. 2h.

Fiquei uns bons segundos encarando aquela fotografia, meus olhos arregalados; estava abismada, enjoada. Não sabia quanto tempo mais ia aguentar aquela imagem sem vomitar, então passei para Amara. Ela foi mais contida, mas exprimiu tanta surpresa e preocupação quanto eu.

— A foto veio com um bilhete dos italianos. Dizia "Essa guerra é de vocês. Deem um jeito nesse assassino de civis." — disse Celine, o que fez meu coração se apertar.

— Num território que não é seu, fazendo isso civis... — ponderou Henry. — Sabemos que só existe um mafioso que faria algo assim tão descaradamente...

— Então, quer dizer que o Comerciante de Almas quer marcar um encontro? — rosnou Dimitri. Apenas um civil inocente... morto por uma guerra que não tinha nada a ver com ele. Sua família provavelmente nunca saberia o que lhe aconteceu realmente. Mas, diferente dos Tarasova, o Comerciante de Almas não se importava com isso. — Kessie, mande assistência à família dele. Tudo que precisarem, os dê. Pelo resto de suas vidas.

Kessie assentiu.

— Ele realmente quer marcar um encontro? — questionou Kessie, suas sobrancelhas franzidas em aflição.

— Ele não teria feito algo tão chamativo se não quisesse. — disse Celine. — Ele nos quer no porto de Miami amanhã às duas da manhã.

— Céus! — exclamou Amara, como se falasse um xingamento. Estava preocupada com os filhos, com certeza. Mas, por outro lado, aquilo, o perigo... Era parte da vida que viviam.

— Eu digo que devemos ir e fazer justamente o que Dimitri disse: colocar uma bala na cabeça dele. — resmungou Henry.

— Não. — afirmou Dimitri. Seu tom fora severo de uma forma que eu nunca vira antes. Era o tom do líder da máfia. — É uma armadilha.

— Faz sentido. — disse Celine.

— Uma armadilha? — a gêmea Tarasova questionou, tão confusa quanto eu. — Porque seria uma armadilha?

Amara encarava algum ponto na mesa, pensativa.

— É o território dele. — disse ela. Dimitri assentiu.

— Pensem comigo. Nós temos regras estritas de respeito mútuo que dizem que podemos matar o mafioso e seus capangas que entrar nos nossos territórios sem autorização, e ainda começar uma guerra por isso. O único motivo pelo qual ninguém interferiu quando o Comerciante de Almas fez isso anos atrás, foi porque nosso pai se ajoelhou e autorizou. Mas nós não temos isso. Se qualquer um da máfia Tarasova colocar os pés num território não-autorizado, principalmente um tão importante quanto o Porto de Miami, seremos mortos e uma guerra se inicia contra nós sem interferência de ninguém. O Comerciante de Almas foi esperto, sabe que queremos evitar uma guerra e um encontro poderia proporcionar isso. Ele esperava que esquecêssemos das regras e que entrássemos no seu território para fazer exatamente o que eu falei. Matar e começar uma guerra "autorizada".

— Droga, odeio quando você está certo. — disse Kessie, e Henry bufou.

— O que faremos, então? Simplesmente vamos ignorar tudo isso?

— Você tem uma ideia melhor? O que pretende fazer, mandar civis no nosso lugar? — replicou Celine, fazendo Henry se calar de imediato.

— Está decidido. Não agiremos em relação à isso. — ordenou Dimitri.

— Sejam cuidadosos. — avisou Amara. — A recusa de um convite, por mais brutal que seja... Nunca acaba bem.

— Deixe que eu arco com as consequências.

Dimitri e seu pensamento de que é responsável por cuidar de todos sozinho...

— Bem, já que está decidido... — disse Kessie, num suspiro triste. — Acho que está na hora de se arrumar para o evento.

.

Kessie e eu ficamos horas nos arrumando. Estilistas, maquiadores e cabeleireiros vieram nos arrumar, e nenhum deles estava satisfeito até que estivéssemos absolutamente parfaits. Eu me troquei pelo menos umas cinco vezes antes de conseguir a aprovação deles em relação ao vestido — vestidos esses trazidos pelos estilistas de diversas lojas de marca —, pois ele devia combinar não apenas com o meu corpo e meu tom de pele, mas também com a minha maquiagem e joias.

O escolhido era... de tirar o fôlego. Tinha um belíssimo tom escuro, todo feito de brilhantes. A parte de cima era apertada, marcava minha cintura e meus seios de modo que os favorecia. Minhas costas porém, estavam expostas ao frio da noite, pois não havia nenhum tecido as cobrindo. Falando em tecido, a saia era formada de várias camadas de tecido que escorriam até o chão — e depois, arrastando nele — de forma esvoaçante. Eu estava deslumbrante, vestida numa medida equilibrada entre sensual e delicado. Se o meu vestido do jantar com a senhora Tarasova era o azul pastel da manhã, naquele evento eu estaria vestida com a noite estrelada.

E, se eu era a noite, Kessie era o sol. Seu vestido era brilhante como o meu, mas da cor dourada, para combinar com a flor decorando seus cabelos crespos. Ao ficarmos prontas, ela me puxou para ficarmos diante do espelho juntas, então pude deixar de sorrir com o resultado; bem como aqueles que nos arrumaram, que começaram a nos elogiar e nos aplaudir, o que me fez rir fracamente, minhas bochechas corando. Surpreendentemente, os maquiadores não haviam escondido minhas sardas, e, mesmo assim, eu me sentia... bonita.

— Você não faz ideia do quanto eu senti saudades disso. — disse Kessie, enquanto terminávamos os últimos detalhes. Eu estava diante do espelho, colocando meus brincos, e ela cuidadosamente passava batom em seus lábios.

— De que? Passar batom? — indaguei, num tom de brincadeira, e ela riu.

— Não sua bobinha! De passar tempo com você. Você se lembra daquele dia em que eu te convenci a passar uma tarde inteira testando maquiagens que eu tinha visto naquelas revistas de moda?

Não pude conter a gargalhada.

— E os delineados que você fez em nossos olhos ficaram incríveis. — lembrei.

— Elaine, eu tenho que admitir... — ela suspirou, vindo em minha direção. — Fiquei arrasada com a forma que você me olhou quando viu a arma em minha perna naquele dia.

— Não se preocupe com isso. — balancei a cabeça em negação, oferecendo um sorriso. — Eu estava digerindo tudo aquilo. Um pouco assustada com o que tinha acontecido naquela noite. Mas você é minha amiga, Kessie. — coloquei a mão em seu ombro. — A máfia é a última coisa que poderia mudar isso. Eu nunca a julgaria por isso. Nunca.

— Eu sei. Eu sou uma ótima amiga. — ela deu de ombros, sorrindo de maneira brincalhona, e me abraçou.

De repente, escutamos alguém pigarrear da porta aberta do quarto onde nos arrumávamos.

— Celine. — Kessie cumprimentou a chefe de segurança com um sorriso. Ela usava suas típicas roupas pretas de couro e as unhas que mais pareciam garras pintadas de vermelho-sangue. — Você está absolutamente adorável esta noite. — disse a gêmea, no seu tom divertido de sempre. — Esse couro é novo?

Por um milésimo de segundo, quase pude ver uma certa surpresa expressa no olhar de Celine.

— Sim. É novo. — ela respondeu, impassível. As duas se encararam mais uma vez, sem dizer nenhuma palavra uma a outra. Até Celine pigarrear mais uma vez. — Os carros já chegaram. Estamos esperando lá embaixo.

— Bem, nós não queremos deixar ninguém esperando, queremos? — falou Kessie, buscando nossas bolsas sobre a mesa e me entregando uma delas. — Pronta para seu primeiro evento Tarasova?

Apesar de tudo, não houve nenhuma outra resposta que passou pela mente a não ser aquela:

— Com certeza.

.

oieee gente, tudo bem?

desculpem pelo sumiço kk to meio bleh da cabeça mas se vcs quiserem fazer alguma pergunta adoraria responder!

bjsss e até o próximo capítulo

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