capítulo trinta e seis
O porto de Miami era definitivamente o lugar mais sujo que eu já estivera em toda a minha vida.
Estacionamos a uma distância segura, mas perto o suficiente para que Celine e Henry conseguissem captar tudo que fosse dito através do aparelho de escuta. Então, faltando cinco minutos para duas da manhã, todos olharam para mim, como se analisassem se eu estava prestes a desistir, desmaiar ou tomar coragem e ir. Honestamente, eu sentia um pouco dos três. Minhas mãos suavam frio e estavam tremendo, enquanto meu coração batia tão rápido que ele facilmente poderia sair pela boca. Eu queria desistir. Eu realmente queria. Mas não faria isso.
— Apenas... fique calma, respire e se lembre de tudo que lhe falamos. — disse Kessie, segurando em meus ombros de forma reconfortante.
— Se qualquer mínima coisa que parecer suspeita, não hesite em nos acionar que nós imediatamente entraremos lá e daremos uns belos chutes nas bundas deles. — foi o que Henry falou, e eu não soube dizer se ele estava sendo honesto ou se apenas queria me acalmar com alguma brincadeira.
— Não morra. — ordenou Celine. Não um pedido, uma ordem. Assenti.
— Eu já volto. — foi o que eu disse antes de sair do carro, tentando assegurá-los que eu ficaria bem, mesmo que eu mesma não tivesse certeza disso.
Assim que a brisa gélida da noite atingiu meu corpo, estremeci. Eu estava tão perto do covil do inimigo, tão assustada, com frio...
— O que quer que aconteça, prometa que vai deixar alguns capangas para nós lutarmos. Afinal, nós queremos um pouco da diversão também.
Soltei uma risada. Dimitri.
— Devia voltar para o carro. — disse eu, olhando para o Tarasova de olhos azuis parado diante de mim naquela rua deserta e mergulhada na escuridão da madrugada. — É perigoso demais ficar exposto assim, principalmente tão perto dele.
— Eu tinha que desejar boa sorte cara a cara, não com um monte de assentos, equipamentos, irmãos e uma chefe de segurança irritada no caminho. — argumentou ele, dando um passo a frente. — Eu sei que você consegue, está bem? Todos nós sabemos. Mas preciso que você acredite em si mesma.
— Eu acredito. — assenti, num suspiro. Mas aquilo era mais para reafirmar a mim mesma do que para responder Dimitri. Eu acredito, eu consigo...
— Então, vá lá e acabe com eles. — disse Dimitri, depositando um beijo rápido em minha testa. — E cuide-se.
— Eu vou.
Não me dei ao luxo de virar para trás para olhar para Dimitri uma última vez antes de seguir na direção do porto.
O lugar era muito sujo. E fedido. O porto era gigantesco, repleto de contentores que provavelmente levavam as mais variadas cargas ilegais. Ao longe, eu conseguia escutar o som do oceano agitado e os navios cargueiros que ali deveriam estar. A entrada era protegida por grades reforçadas e dois homens, além dos outros que ficavam de olho tudo das torres de observação. Um misto de cheiro de sujeira e maresia tomou conta dos meus pulmões, enquanto o silêncio gélido — tirando o som de passos e de pessoas andando — cortava o ambiente.
De repente, uma luz forte e branca cegou minha vista, me forçando a cobrir meu rosto com o braço. Era um dos homens na torre de observação apontando uma lanterna para mim, percebi.
— Quem está aí? — gritou ele, não se dando ao trabalho de esconder a grosseria em seu tom.
— Elaine Róson! — exclamei de volta para ninguém em específico, pois a luz me impedia de ver. — Eu sou Elaine Róson e venho aqui em nome dos Tarasova para o encontro marcado pelo seu chefe.
Escutei gargalhadas.
— Os irmãozinhos Tarasova realmente ficaram tão assustados que tiveram que mandar esse passarinho. Que patética. — escutei outro deles falar, e quis me enterrar no chão.
Eu acredito, eu consigo...
— Entre. — ordenou o primeiro, a lanterna foi apagada e as grades imediatamente foram abertas. Mas eu estava longe de ter liberdade, pois dois outros homens com cicatrizes perto dos olhos se aproximaram enquanto eu ainda me acostumando com a falta de luz e me puxaram pelos braços para dentro. Eu não dei nem três passos, porém, e um outro com um sorriso maquiavélico repleto de dentes tortos e podres surgiu, colocando uma venda dos meus olhos.
Tentei reclamar e desviar do toque das suas mãos sujas em meu rosto, mas estava totalmente imobilizada.
— É por precaução. — disse um deles, ríspido. — Fique feliz que não iremos inspecionar suas roupas em busca das armas que sabemos que você está levando. Mas lembre-se que eu não pensarei duas vezes em arrancar sua mão se tentar usá-las.
Estremeci.
— Não me toquem. — tentei me soltar em vão, e eles riram da minha voz assustada.
— Ah, a princesinha não gosta de vendas? — zombou alguém, mais risos. Um segurava meu braço, outro segurava o outro braço, meus olhos estavam vendados e eu estava completamente à mercê deles.
Talvez tenha sido uma má ideia. E meus batimentos acelerados concordaram.
Perdi a noção de quanto tempo andamos. Mas, durante todo o percurso, eu ainda conseguia escutar homens zombando de mim e o mar não muito longe. Até que tudo parou. Silêncio. E uma porta se fechou. Continuamos seguindo em frente, eu podia sentir que estava num corredor fechado. Uma porta se abriu e fui jogada para dentro. A porta se fechou atrás de mim antes que eu pudesse me por de pé. Os risos pararam no minuto em que a porta fechou. Imaginei que, seja lá onde estivesse, era aprova de som.
Engoli seco, trêmula ao me levantar.
— Tire a venda.
A voz que soou pelo cômodo fez todo o meu corpo estremecer. Tinha algo nela... diferente das outras. Os homens que me trouxeram eram capangas, mas o homem diante de mim naquele momento... Era um líder. E aquela fora sua ordem. Simples, mas contendo um certo tom de ameaça por trás. Engoli seco e fiz o que foi pedido.
Estava numa pequena sala quadrada. Bem pequena mesmo. Só tinha espaço para uma mesa de metal do centro, com uma cadeira de cada lado. A sala toda, seu piso, paredes e teto, era feita de uma pedra cinzenta, suja, velha e desgastada, com algumas manchas de sangue para todo lado. Havia apenas uma lâmpada no teto, que, ainda por cima, era fraca e piscava a cada alguns segundos. Uma sala de interrogatório. E, com interrogatório, eu queria dizer "tortura". Não podia negar que estava aterrorizada da cabeça aos pés, mas não deixei transparecer ao encarar o homem diante de mim.
Alto. Ele era alto. Seu rosto era alongado, assim como suas grandes orelhas e seu queixo triangular. Parecia que alguém o esticara para cima. Era bem mais velho que eu, no mínimo uns quarenta anos, as rugas e as linhas de expressão fortes em sua face demonstravam isso. Era um homem bruto, mas elegante. Suas grossas sobrancelhas tão pretas quanto seus cabelos contribuíam para sua expressão facial indiferente, mas ameaçadora. E seus olhos... olhos de formato amendoado fino, com íris de cor cinzenta. Tudo nele era cinza. Seu terno feito sob medida, suas luvas, seus olhos, e uma pequena faixa de cabelo, provavelmente devido à idade. A cicatriz dele era maior que a de qualquer outro capanga: começava no topo da sua sobrancelha direita, atravessava aquele olho e descia até sua bochecha. Além disso, ele tinha em sua boca um palito de dentes e me analisava como se eu não passasse de um brinquedinho novo.
Não conseguia parar de pensar na possibilidade de estar diante do verdadeiro Comerciante de Almas no tempo que tentava controlar meus batimentos em descompasso.
— Muito bem. — disse ele, assim que removi minha venda. — Gosto de garotas que obedecem minhas ordens.
— Não estou aqui para que goste de mim. — murmurei, tentando manter a voz firme. E falhei. Observei ele conter o riso.
— Que tal ficarmos confortáveis? — sugeriu o homem, tirando o paletó cinza e o colocando sobre sua cadeira antes de sentar na mesma, restando, assim, em seu corpo, apenas a blusa preta social de botão, a qual ele puxou as mangas para cima, o colete, a gravata e as calças sociais; tudo no mesmo tom de cinza. — Sente-se. — ele indicou a cadeira do outro lado da mesa. Não era um pedido.
Odiei ter que seguir seu comando, mas o fiz mesmo assim. Assim que me sentei, ele continuou me encarando por alguns segundos, estudando-me, até.
— Então... — ele quebrou o silêncio, num suspiro. — Esta é Elaine Róson. A noivinha do ex-mafioso Tarasova.
— Sou eu. É só olhar nos jornais e revistas se quiser confirmar.
Um sorriso malicioso despontou dos lábios do homem e ele balançou a cabeça.
— Ah, Elaine... — ele emitiu vários estalos com língua. — Não é do jornal que te conhecemos. Não é do jornal que o Comerciante de Almas te conhece.
Engoli seco.
— Então, você não é...
— Ah, não, não, não. — ele balançou a cabeça em negação mais uma vez, se ajeitando na cadeira. — Eu sou um mero representante. Pode me chamar de Grey.
— Este realmente é seu nome ou é apenas mais um apelido? — questionei, minha confiança aos poucos começando a surgir.
— Se eu gostar de você o suficiente posso até contar. — respondeu Grey, lançando-me uma piscadela que quase me fez vomitar ali mesmo.
— Pensei que fosse conhecer seu chefe.
— Eu não me preocuparia com isso se fosse você. Pode até não conhecê-lo, mas ele certamente te conhece. E não, não é do jornal, ou das revistas.
Senti meu estômago embrulhar. Ele devia... Devia só estar querendo mexer com a minha cabeça. Não podia aceitar a ideia de que o Comerciante de Almas era alguém que me conhecia. Não. Ele só estava querendo mexer comigo. Henry e Celine me alertaram muito bem que isso poderia acontecer.
— Por que ele não está aqui, então? — indaguei, tentando soar o mais atrevida e despreocupada que consegui. — É tão covarde que tem que mandar um representante? Não consegue ficar cara a cara com um "passarinho"?
Grey riu.
— Ele está, digamos... impossibilitado de vir. Por forças externas.
— O que isso quer dizer? — franzi as sobrancelhas, confusa. Que tipo de força externa poderia impossibilitar o maior mafioso dos Estados Unidos. — Ele está preso por algum acaso?
A minha pergunta fora uma brincadeira, mas o silêncio de Grey... era uma resposta.
O Comerciante de Almas estava preso.
Até que fazia sentido. O Comerciante de Almas sumira depois que fora delatado e uma força-tarefa incorrupta o atacou, sete anos atrás. Na mesma época que... Meu coração deu um salto.
Na mesma época que meu pai foi preso.
— É... — Grey pigarreou, mas meus olhos estavam arregalados e meu rosto estava pálido como se eu tivesse visto um fantasma. — Pode-se dizer isso.
— Imagino que você não vá me dar mais informações sobre seu chefe. — consegui murmurar, tentando me recompor. Grey balançou a cabeça em negação. — Por que esse encontro foi marcado?
— Vai descobrir em breve. — disse ele, sorrindo de maneira travessa. Quis arrancar aquele sorriso. — Por agora... vamos aproveitar a companhia um do outro. — acrescentou, relaxando na cadeira. — Me conte sobre você. Já vi que não gosta de vendas, mas tem alguma coisa que esse... como você disse? Ah, sim. Passarinho. Algo que goste, passarinho?
— Nada que venha de você. — rebati, praticamente cuspindo as palavras. — Me diga logo o que temos a discutir aqui, porque eu tenho alguns tópicos. Primeiro, quero que...
— Woah, woah, woah. — Grey me interrompeu. — Mais que passarinho apressado e atrevido. E ainda quer fazer exigências. Esqueceu que sou eu que mando aqui?
— Então, pare de perder meu tempo. — rosnei. A gargalhada de Grey que seguiu minhas palavras foi bem mais alta e intensa que as outras.
— Ai, passarinho... Você me mata de rir. — disse ele, em meio aos risos. O encarei, um misto de ódio e confusão em minha face. — Você ainda não percebeu ainda, não é? Esse é o único motivo de estarmos aqui.
Suas palavras me atingiram como um balde de água fria. Não. Não, não, não, não, não...
— Não.
— Sim. — ele assentiu, sorrindo de uma maneira tão maquiavélica que eu tive certeza de que a visão assombraria meus pesadelos. — Acha que eu não sei que tem um batalhão de homens Tarasova nos cercado? Agora, uma perguntinha: — ele se inclinou para sussurrar — Quem está cuidado de São Francisco?
Não... Não podia ser...
Reagi antes mesmo de pensar. Saltei da cadeira, correndo para o canto da sala para pegar o aparelho de escuta em minha cintura e colocar perto da boca. Precisava que eles me escutassem claramente.
— É uma distração, protejam São Francisco! — gritei, mas logo senti as mãos cobertas por luvas cinzas de Grey me segurarem pelos ombros, me fazendo virar. Fogo ferveu em seus olhos quando ele viu a escuta. — Repito, era tudo uma distração, protejam São...
Não pude terminar a minha frase. Quando vi, a mão de Grey já estava em meu rosto, o tapa forte me fazendo cair de joelhos no chão. A escuta voou para longe e minha bochecha ficou vermelha e ardendo. Nunca senti meu coração bater tanto.
O som de algo se quebrando. A escuta. Grey pisara nela, a destroçando em milhões de pedacinhos.
— Passarinho estúpido. — resmungou ele, se abaixando para me segurar pelo pescoço, cortando meu suprimento de ar. Comecei a me engasgar e lágrimas escorreram pela minha face, temendo que o rosto assustador e feroz do homem cinzento fosse a última coisa que eu veria antes de morrer. — Se não fossem pelas ordens do Comerciante de Almas de não te machucar, eu a mataria agora com as minhas próprias mãos.
O Comerciante de Almas... tinha uma ordem para não me ferir?
Não tive tempo para pensar sobre isso, pois Grey tirou uma arma da cintura e me atingiu na cabeça com a parte de trás dela.
E tudo ficou escuro.
.
oiee gente, td bem?
sumi mas voltei hihi
alguém tem alguma teoria que gostaria de compartilhar?? to curiosa pra saber o que vcs pensam
bjsss e até o próximo capítulo
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