capítulo trinta e quatro

Limousines pretas nos levaram ao local do evento.

Dimitri, como o organizador do evento, fora antes de todos nós, então no interior daquela luxuosa limousine estavam apenas eu, Amara, os gêmeos e Celine, sendo levados por dois homens de terno altos, musculosos e com expressões assustadoras em suas faces. As poltronas do veículo eram todas pretas, com luzes amareladas decorando-o e uma vasta variedade de bebidas diante de nós. De um lado, Henry serviu a si mesmo um copo de uísque, e uma taça de vinho branco à mãe. Do outro lado da limousine, eu estava sentada entre Celine e Kessie — mas, honestamente, eu me sentia invisível toda vez que a chefe de segurança virava o rosto para olhar Kessie, mesmo que a gêmea Tarasova não percebesse.

— Tem certeza que pegou a garrafa certa e não uma envenenada? — Henry questionou Amara, num tom de brincadeira, e ela balançou a cabeça em negação. Ah é, pensei, recordando daquele fato, Amara envenena garrafas de vinho. Não quis saber que utilidade teriam aqueles vinhos envenenados.

— Você sabe que não.

— Espera, mãe. Você pode mesmo se confundir e pegar uma garrafa errada? — indagou Kessie, genuinamente preocupada. A senhora Tarasova lançou um olhar mortífero ao filho por incitar tal assunto. Henry apenas riu baixinho.

— Não, Kessie, não posso me confundir. — disse ela, com toda paciênca do mundo. — Tem algo que eu uso para diferenciar as garrafas, mas é um segredo.

— Lembrem-me de nunca beber com a Amara se ela estiver irritada comigo. — suas palavras poderiam muito bem ter um tom de zombaria, mas não. Celine expressava pura seriedade, impassividade. Nada. Suas feições transmitiam absolutamente nada.

Passamos por uma fila de carros antes de chegar na entrada. Todos os veículos a nossa frente paravam diante de um tapete vermelho para os convidados saírem. E, para minha surpresa, não havia nenhum paparazzi. Nenhum flash de câmera, ninguém fazendo perguntas inconvenientes. Apenas uma longa e silenciosa entrada mergulhada no silêncio e escuridão da noite.

Por fim, foi a nossa vez. A limousine foi parada perfeitamente ao lado do tapete vermelho, e os dois homens que nos escoltavam nos ajudaram a descer. Mais seguranças já nos esperavam na entrada. O tapete cobria uma longa escada de pedra branca, que levava a uma enorme porta dupla de madeira — a entrada de um gigantesco prédio da cor bege com ornamentos decorando-o, muito parecido com todas as outras estruturas parisienses. Eu não fazia ideia do que nos esperava ali dentro, mas certamente parecia ser deslumbrante.

E era. Dois homens bem-vestidos com ternos elegantes e luvas abriram as portas para nós, revelando uma biblioteca de tamanho descomunal. Uma biblioteca. Com um piso quadriculado nas cores preto e branco, grandes estantes de pedra branca com detalhes dourados, eu me sentia dentro de uma verdadeira pintura renascentista. Cada detalhe fora minimamente pensado, e a quantidade de livros... Andares e mais andares cheios de livros. Eu nunca vira tantos em apenas um lugar em toda a minha vida. Sem contar as pequenas áreas de leitura, com cadeiras elegantes e confortáveis que combinavam com o resto da decoração.

A biblioteca estava cheia. Pessoas — os convidados — vestidas de um jeito formal, assim como nós; o som deles bebendo e conversando se misturava com a música leve que preenchia o ambiente. Todas elas, sem nenhuma exceção, nos cumprimentavam com um extremo respeito e admiração como eu nunca vira antes. Apenas por estar acompanhada dos Tarasova, eu me sentia como parte da realeza. Talvez, de certa forma, fosse. Porque se a máfia fosse um reino, os Tarasova eram a família real e Dimitri era o seu rei.

Eu só não sabia onde eu me adequava naquela hierarquia. Noiva do filho traidor, talvez? Por enquanto, porém, eu seria apenas a amiga da família real. Por enquanto.

— Senhor e senhoras Tarasova. — disse um homem de pele bronzeada, corpo rechonchudo e um nariz alongado, fazendo uma respeitosa reverência com a cabeça a nós. Contudo, não deixei de notar a forma amarga como ele nos encarava, e o sorriso ameaçador que carregava em seus lábios. — Espero que tenham recebido nosso... bilhete.

— Edoardo Bonovichi. Irmão do líder da maior máfia italiana. — Kessie sussurrou em meu ouvido. — Ele é a nossa única ponte com a Itália, porque o resto da família nos odeia. — ela acrescentou com um risinho. 

— Sim, nós recebemos. — disse Amara, num tom igualmente ameaçador. Passivo-agressivo até. — Embora creia que seria muito mais efetivo se os senhores efetivamente combatessem aquela ameaça, em vez de jogar a responsabilidade para nós.

— Ele é problema de vocês. — Edoardo deu de ombros. — Se tivessem matado-o anos atrás, ele não teria se fortalecido a ponto de invadir outros países.

Henry deu um passo a frente para começar a brigar, mas Celine o segurou com um simples movimento do braço.

— Você é muito chata às vezes. — resmungou Henry.

— Não discutiremos essa noite. — disse a chefe de segurança, séria.

— Sim, eu concordo. — Kessie tentou apaziguar a situação com um sorriso. — É uma festa, afinal. Diga-me, senhor, como estão suas sobrinhas?

— Ainda lidando com a perda da mãe. — disse Edoardo, deixando um pingo de tristeza transparecer por sua máscara de seriedade mafiosa. — Donna está um pouco reclusa no quarto, e Prima não sai da arena de treino.

— Prima e Donna? Como o queijo holandês? — a pergunta escapuliu dos meus lábios antes que eu pudesse pensar. Quando todos de repente olharam para mim, eu percebi a besteira que tinha feito. Esse não era um simples homem conversando de forma descontraída numa festa, era um mafioso. E um mafioso que nos odiava, por sinal.

— Quem é você? — indagou ele, analisando-me cima para baixo. Quis enfiar a cabeça num buraco. Mas, diferente de como Nikolai fazia, ninguém respondeu por mim.

— Elaine Róson, senhor. — falei, fazendo uma reverência rápida e nervosa com a cabeça.

Para minha surpresa, o homem gentilmente pegou em minha mão e depositou um sorriso ali.

— Elaine Róson... Encantado em conhecê-la. — disse ele, e eu não pude conter o rubor em minhas bochechas. Edoardo não estava flertando comigo, estava apenas... sendo gentil. O que era surpreendente. — A falecida esposa do meu irmão adorava esse queijo. Eles nomearam a primeira filha de Donna, em homenagem à nossa mãe. A ideia do nome de Prima veio depois. Digamos que meu irmão estava bêbado. — riu fracamente. — A esposa dele acabou adorando a combinação.

— São nomes muito bonitos. Aposto que elas são tão bonitas quanto. — disse eu timidamente, tentando ser igualmente gentil. Edoardo assentiu.

— Elas são. — não pude deixar de notar o brilho em seu olhar... O brilho de um pai, nesse caso tio, orgulhoso. Porque, acima de mafioso, ele era parte de uma família. — Bem mais bonitas que meu irmão, ainda bem. Puxaram à mãe. — brincou ele, e todos rimos.

— Fico feliz que tenha aceitado o convite do meu filho, Edoardo. — foi a vez de Amara de se pronunciar. 

— Nossas inimizades são centenárias, Amara... Mas também fico feliz de deixá-las de lado por uma noite.

Dito isso, o irmão líder da maior máfia da Itália nos lançou um aceno de cabeça e saiu.

— Bem, pelo menos agora sabemos que se precisarmos enviar um espião para a Itália, temos Elaine. — disse Kessie, num tom otimista.

De repente, a música parou e todos escutamos o som de alguém batendo no microfone, vindo de uma área plana alguns degraus acima. Ali era onde a banda estava, mas outra pessoa estava na frente deles. Era Dimitri. Ele estava vestido com um terno preto idêntico a todos os outros, e, ainda assim, parecia mais elegante do que nunca. Seus cabelos escuros como carvão estavam bem penteados, e a mão, cujo pulso carregava um relógio Rolex, segurava um microfone. Olhar intenso e postura pretensiosa, Dimitri, em toda sua glória e esplendor lá em cima, se tornou o centro das atenções: todos se voltaram para ele. Para olhar para ele.

— Boa noite a todos. — começou ele, falando ao microfone. Sério. Ele estava sério, porém ainda conseguia soar quase que arrogante. Charmoso e mafioso, era como eu o definiria. O charme de um mafioso que sabia que dominava o local onde pisava. — Imagino que seja extremamente difícil de não saberem, mas é sempre bom lembrar: meu nome é Dimitri Tarasova, e eu sou o seu anfitrião esta noite. E em todas as outras, se forem sortudos. — acrescentou lançando uma piscadela para mim. Para mim. Ele olhava para mim.

O salão, então, explodiu em palmas. Eu fiz um mesmo, mas um sorriso envergonhado despontava dos meus lábios, e Dimitri percebeu. Queria poder gritar em resposta que ele era um bastardo xavequeiro, mas do jeito que ele era ia acabar gostando.

— Para aqueles que simplesmente decidiram não ler o convite, ou para aqueles que eu decidi fazer uma surpresa, finalmente está na hora de revelar o propósito dessa noite. — prosseguiu Dimitri, enquanto todos escutavam atentamente. — Eu herdei da minha mãe a paixão pela leitura, mas meu pai, em vez de me encorajar, ele me humilhava por ter dificuldades. E eu desisti do que amava. Até eu conhecer alguém, que me estimulou a não querer desistir. Porque nós lutamos pelo que amamos. — ele estava falando de mim. Eu sabia, e meu coração batendo em descompasso sabia também. — Eu lutei pela leitura, e hoje já li tantos livros que perdi a conta. Inclusive aquela seção erótica nos andares superiores, eu adorei. — acrescentou, num tom de brincadeira, fazendo todos rirem.

"Mas eu sei que nem todos tiveram as oportunidades que eu tive. Para se perder nesse mundo dos livros. Principalmente aqueles com dificuldades, como eu. Livros estão longe de ser um bem acessível, pelo contrário, se tornou um privilégio. Sendo que deveria ser um direito. Pensando nisso, eu resolvi pensar numa biblioteca que fosse acessível para todos. Para todos. Vocês estão pisando na primeira Biblioteca Amiga, uma rede de bibliotecas que eu farei questão de espalhar pelo mundo inteiro, principalmente nas áreas menos favoráveis. As Bibliotecas Amigas, como esta, serão bibliotecas cem por cento acessíveis para todos os públicos. Serão gratuitas, construídas para serem acessíveis aos portadores de deficiência auditiva, físcia, visual, mental, múltipla; será acessível aos neurodivergentes e disléxicos, como eu, com mecânismos e profissionais por toda a biblioteca que auxiliarão em qualquer dificuldade que surgir. Sem contar que ofereceremos aulas gratuitas de alfabetização e letramento para todas as idades."

"Esta biblioteca onde estamos já inclui tudo isso e começa a funcionar a partir de hoje, e em breve novas filiais serão abertas por todo mundo. Qualquer doação é bem-vinda." então, ele estendeu a taça de champanhe que segurava com a outra mão, para fazer um bride. "Bibliotecas Amigas por uma leitura acessível à todos."

Dito isso, mais uma vez todos o aplaudiram e celebraram. Os olhos de Dimitri brilharam, e o meu peito se encheu de orgulho. Brilhante... Dimitri era brilhante. Tudo o que ele fazia pelos outros, pelo que ele achava ser certo... E eu sabia que ele estava feliz simplesmente por levar livros ao mundo. Não pela glória, ou pelos elogios, mas simplesmente porque ele queria que os amantes da leitura tivessem tantas oportunidades quanto ele. De fato, o mundo estava longe de merecê-lo.

Assim que o discurso acabou, Dimitri veio direto nos ver, e Kessie correu para abraçá-lo.

— Quem diria que o meu irmãzinho tem tantas boas ideias nessa cabecinha. Provavelmente puxou a mim. — zombou ela, bagunçando seu cabelo. 

— Nem fui tão bem assim, poderia ter sido melhor. — Dimitri deu de ombros. — Eu esqueci parte do discurso, e os filés de peixe que eu tinha encomendado vieram fora da validade...

— Eu estou tão orgulhosa de você, Dimitri. — Amara o interrompeu com um abraço. — Tão orgulhosa, meu filho. — ela acarinhou seu rosto, fazendo-o sorrir. Até eu fiquei emocionada; era a primeira vez que eu via a madrasta de Dimitri chamando-o de filho. — Você é incrível, não duvide disso nem por um minuto.

— Obrigado, mãe.

— Parabéns, irmão. — foi a vez de Henry de abraçá-lo. — Estamos todos orgulhosos de você.

— Sim, estamos. — foi o que Celine disse, séria.

— Vamos, Celine, nem um sorrisisinho? — insistiu Kessie, mas a chefe de segurança apenas bufou, e forçou a si mesma a exibir um sorriso quase que assustador. — Esse é o espírito!

— Por favor, não sorria de novo. — disse Henry, com os olhos arregalados de forma assustada.

— Se te assustou, eu farei novamente.

Enquanto os três falavam, me aproximei de Dimitri para elogiá-lo também.

— Você foi incrível lá. — disse eu, timidamente, tentando não fraquejar com a forma intensa que ele me encarava, sem contar aquele sorrisinho em seus lábios... — Eu estou muito orgulhosa, Dimitri. Você está fazendo a diferença, de verdade.

— É o mínimo que eu devo fazer. — respondeu ele, passando a mão pelos cabelos.

— É mais do que muitos fazem.

.

Depois daqueles cumprimentos, voltamos a aproveitar a festa. Conversamos, rimos, bebemos. Kessie até mesmo conseguiu me puxar para dançar, algo que eu não planejava fazer. Então, decidi explorar um pouco do lugar, aquele oceano de livros que nos cercava. Eu estava analisando os clássicos da literatura quando, de repente, me deparei com Celine diante de uma das estantes. E, pela primeira vez, eu vi algo em seu rosto.

Tristeza.

Eu pretendia deixá-la sozinha e não incomodá-la, mas o destino — e a gravidade — pareceu formar um complô contra mim, pois eu acabei tropeçando para trás nos saltos, e, ao usar uma estante de apoio, acabei derrubando alguns livros. Celine me encarou tão rápido quanto um predador atacando sua presa.

— Desculpe, não queria te incomodar. — esbocei um sorriso sem graça. — Está... tudo bem?

Celine suspirou, como se considerasse se deveria falar comigo — ou melhor, me aturar — ou dar meia volta e ir embora.

— Era o meu livro favorito quando eu era criança. Minha mãe lia para mim todas as noites. — disse ela, jogando em minha direção um livro. Tive um pouco de dificuldade em pegá-lo, mas assim que o fiz, olhei para a capa. A Bela e a Fera.

— O que aconteceu com ela? — perguntei, tentando me aproximar.

— O que você acha? — disparou Celine, me encarando. — O Comerciante de Almas aconteceu.

Engoli seco. Eu não fazia ideia da história de Celine.

— Não precisa falar se não quiser, mas caso queira... Estou aqui.

Celine respirou fundo, colocando aquele livro de volta na prateleira.

— Não é uma história de livro nem nada disso. Eu, meu pai e ela fomos sequestrados. Eu tinha dezoito. Meu pai... Não faço ideia do fim que ele levou. Minha mãe e eu fomos separadas e forçadas a fazer as coisas terríveis que acontecem nas festas secretas do Comerciante de Almas. Fiquei naquilo por dois anos, até o dia em que eu fui jogada num caminhão para ser transferida de lugar. Os Tarasova me acharam. Procurei minha mãe, e ela estava morta.

Não havia nada além de ódio... Puro ódio na face e nas palavras de Celine. E aquele ódio tinha um motivo. Até eu senti meu corpo ferver em raiva e empatia pela chefe de segurança. Não duvidava que, se aquele canalha estivesse na minha frente, eu não tiraria sua vida com minhas próprias mãos. Era assustador pensar naquilo, mas era verdade.

— Do fundo do meu coração, Celine eu... Eu sinto muito que isso tenha acontecido com você. — falei e fui honesta. — Você e nem ninguém merecem passar por isso. Eu sei que não sou muito útil, mas o que eu puder fazer para impedir que isso aconteça com qualquer outra pessoa, eu vou. Sem hesitar.

Celine assentiu.

— Eu não gostava de você, sabia? — de repente, todo o seu ódio se dissipou. Podia ver quase que... diversão em sua voz. Quase.

— É, eu meio que percebi entre a primeira e as outras cinquenta vezes que você olhou como se quisesse me matar. — brinquei.

— Eu estava errada sobre você, Elaine. Pensei que fosse uma princesa mimada e ingênua, casando com o merdinha do Nikolai por dinheiro, ou algo assim. Quero dizer, você é inênua, mas não da forma que eu pensava. Eu não gosto de Nikolai, por ele ter trabalhado com o Comerciante de Almas, e não queria que ele tivesse um final feliz, então estava torcendo para você fugir quando descobriu a verdade. Mas você não fugiu. De nenhum de nós. Você ficou e ainda está disposta a ajudar. Tenho que admitir que ganhou meu respeito por isso.

— Isso significa muito para mim. — disse eu, sorrindo para ela, enquanto meu coração se aquecia com suas belas palavras.

Foi quando uma luz se acendeu em minha mente. 

Se eu queria tanto ajudar, ser útil... Tinha algo que somente eu poderia fazer.

— Eu conheço esse olhar. — comentou Celine.

— Precisamos reunir o pessoal. — falei. — Eu tenho uma ideia.

.

ai gente eu pessoalmente achei esse capítulo muito fofo

eai gente como vcs estão? eu, por exemplo, estou curiosa para saber qual foi a ideia da elaine.

vcs já foram em alguma biblioteca que se parecesse com a biblioteca do dimitri? eu nunca, infelizmente (nem tem biblioteca na minha cidade).

bjsss e até o próximo capítulo!!

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