capítulo trinta e nove
Não precisei dizer nada quando voltei.
A mulher e Dimitri já me esperavam no carro, e no minuto em que entrei no banco de trás e fechei a porta atrás de mim, o olhar do líder da máfia Tarasova, através do retrovisor, se voltou para a expressão devastada em meu rosto. Ele soube. No instante em que viu o meu estado, Dimitri soube. "É ele?" foi o que disse. Mais uma afirmação do que uma pergunta. Soprei um "sim" em resposta, sem conseguir falar muito mais. Se tentasse, era provável que desabasse em lágrimas. Eu estava verdadeiramente me segurando para não chorar.
Dimitri me deu espaço sem nem eu ter que pedir, e eu fiquei quieta durante todo o trajeto de volta para a pequena instalação de quarto, cozinha e banheiro no aeroporto privado dos Tarasova ali em Miami. Ele me perguntou se eu estava pronta para falar, e eu assenti sem hesitar. Precisava colocar o que eu sentia de lado e priorizar o fim dessa guerra. O fim do Comerciante de Almas, do meu pai...
Fizemos mais uma videoconferência com os irmãos de Dimitri e Celine, e eu fiz um breve resumo de tudo que aconteceu, focando, principalmente, nas palavras que meu pai dissera. Nunca se sabe quando algo poderia ser mais útil do que o imaginado. De acordo com Dimitri, depois os três iriam repassar aquelas informações para os outros mais tarde, numa reunião durante a madrugada.
Eu estava fisicamente na sala quando Dimitri, Kessie, Henry e Celine começaram a discutir táticas de guerra e o que fazer em seguida, mas a minha mente estava em outro lugar. Fiquei encolhida numa poltrona, abraçando as minhas pernas, e me permitindo digerir aquelas emoções. Mas não chorar. Não. Eu não poderia me dar ao luxo de chorar, especialmente na frente deles. Mais do que nunca, eu precisava ser forte, ou me tornaria inútil, vulnerável. A última coisa que eu queria era ser inútil.
Meu pai era um homem mau. Se os papéis fossem reversos, e ele estivesse com uma pessoa que Dimitri amava, ele certamente não hesitaria em usá-la como refém.
Era, de fato, hora do almoço, mas não comi. Dimitri e os outros que estavam conosco fizeram alguns sanduíches na cozinha, mas não estava com fome. Nem com vontade de mastigar. Então, decidi sair um pouco para respirar.
O aeroporto particular dos Tarasova ficava no litoral. No topo de um pequeno planalto de pedras, o qual tinha fácil acesso a uma praia ao redor. Depois de sair da instalação, acabei me vendo caminhando em direção ao som do mar. Desci aquelas pedras escuras e deixei meus pés tocarem na areia quente enquanto eu caminhava em direção ao azul das ondas. Me sentei no chão, num suspiro, deixando a água roçar na parte debaixo dos meus pés. A água estava extremamente gelada, e o frio me fez estremecer.
Olhando para a linha de horizonte onde o azul do ocano encontrava o azul do céu, pensei em como era diferente a sete, dez, vinte anos atrás. Em vez dos dois buracos solitários ao meu lado, estariam meus pais. E não esses estranhos com quem eu atualmente dividia meus genes, não. Meus pais. Aqueles que costumavam ser meus melhores amigos. Aqueles que eu amava acima de tudo, e me orgulhava de ser filha. Eu queria tanto ser como eles... Orgulhá-los. Meus pais eram os meus exemplos. Mas agora... Eu tinha destruído meu relacionamento com a minha mãe, e o meu pai... Meu pai era o Comerciante de Almas.
— Aamir estava quase comendo todos os sanduíches, me agradeça por conseguir salvar um deles.
A voz de Dimitri me tirou completamente dos meus devaneios. Olhei para trás, apenas para vê-lo se aproximar de mim com um daqueles sanduíches em sua mão.
— Esta praia está ocupada?
— Tem espaço em qualquer lugar. — falei gentilmente, como se silenciosamente o permitisse que ele sentasse, mas sem tirar os olhos do horizonte. E assim Dimitri o fez.
— Eu sei que essa pergunta vai soar estúpida, mas... — ele suspirou profundamente antes de continuar. — Você está bem?
Finalmente me virei para encará-lo, o azul de seus olhos encontrando minhas íris castanhas.
— Você está? — respondi com uma pergunta, genuinamente preocupada.
— Isso não é sobre mim...
— É sim. — o interrompi. — Descobrimos quem é o homem que fez... ainda faz todas essas coisas horríveis. E, ainda por cima, é o pai de uma amiga sua... Não consigo imaginar como você está se sentindo. Eu estou tão envergonhada, eu sinto muito. Muito mesmo. — a cada palavra eu começava a falar mais rápido, meu nervosismo tomando conta.
— Eu estou irritado, Elaine, essa é a verdade. — disse ele, aquele sentimento deixando transparecer no seu tom de voz. — E eu continuarei irritado até o momento que conseguir acabar com ele de uma vez por todas. Descobrir sua identidade vai apenas nos ajudar a chegar mais perto disso, mas sim, talvez eu esteja um pouco mais irritado, porque aquele homem falhou com você como pai! Você não merecia isso, nada disso.
— Nem você.
— Eu não escolhi nascer Tarasova. Ele escolheu se tornar o Comerciante de Almas e falhar com você, e com sua mãe. E fico ainda mais irritado de saber que eu tenho que dar um jeito nele. Só tenho medo que você não me perdoe por isso.
— Nunca. — afirmei. — Eu quero o fim dele tanto quanto vocês. Pelo que ele fez com vocês... — minha voz falhou, embargada. Pensei em Aaron. Em Celine. Em todas as outras vítimas do meu pai. — Eu sinto muito.
— Olhe para mim, Elaine. Olhe nos meus olhos. — uma ordem gentil. Eu não a cumpri. Estava ocupada tentando esconder em minhas lágrimas. — Elaine. — continuei desviando o rosto, então ele teve que me segurar delicadamente para que eu o encarasse. — Por favor, por favor, nunca se culpe pelo que seu pai faz, ou pelo que ele é. Ninguém está chateado com você. Não se culpe.
— Como eu posso não me culpar?
Oferecendo-me um sorriso triste, Dimitri fez da mesma forma que eu dias atrás, e colocou a palma de uma de suas mãos em meu peito, indicando meu coração.
— Porque você não é seu pai. Eu conheço você. Você é Elaine Róson, e é boa. Nada disso é sua culpa.
Aquelas palavras pareceram ser o estopim. Eu queria falar mais, contudo, as lágrimas que estavam entaladas pareceram sair de uma vez. Escondi meu rosto em minhas mãos para que Dimitri não me visse chorar, mas me senti estranhamente confortável e segura quando ele me envolveu em seus braços, acarinhando minhas costas e repetindo frases reconfortantes como "Pode chorar, está tudo bem", "Bota tudo para fora", "Eu estou aqui, você está segura comigo", "Vai ficar tudo bem, eu prometo".
Chorei até cansar, como se pudesse sentir a falta de água em meu corpo, e me afastei, buscando ar para preencher os meus pulmões.
— Desculpa, eu não queria surtar dessa forma. — murmurei, levantando a mão para enxugar minhas lágrimas. Porém, Dimitri foi mais rápido e fez aquilo por mim, usando seu dedão.
— Não tem que se desculpar pelo que sente. Está tudo bem. — ele me ofereceu conforto com um sorriso. — Além do mais, vamos fazer como Kessie e pensar no lado bom, com o tanto que você chorou daria para acabar com a sede no mundo.
Não pude conter a risada.
— Quem diria que bastaria uma garota com problemas com o pai para resolver as questões hidroconflitivas. — disse eu, entrando na brincadeira.
Dimitri, então, se afastou sorrindo ao notar a melhora no meu humor — realmente, chorar era bom para liberar o que estava sentindo —, e voltou a segurar o sanduíche que estivera em seu colo.
— Eu não estou com muita fome, então pensei que pudéssemos dividir um. — sugeriu ele, indicando o alimento em suas mãos. Ele tentava soar descontraído e até dissera aquela desculpa para dividir, mas... Eu vi a preocupação em seus olhos.
— Ótima ideia. — murmurei, sorrindo levemente. Então, ele tirou dividiu o sanduíche e me entregou o menor pedaço; não pude deixar de agradecer mentalmente por isso. Brindamos nossos alimentos como se fossem bebidas e me permiti comer. Comi por mim mesma, para me manter forte. Eu precisava de forças com tudo que acontecera nas últimas semanas, e com o que ainda viria pela frente.
— Eu sinto falta da praia. — confessou Dimitri, assim que terminamos. — Depois de tudo que aconteceu... Eu literalmente tenho hotéis na beira do mar e não tenho tempo para a praia.
— Bem... — um sorriso travesso começou a despontar dos meus lábios. — Estamos na praia agora.
Antes que Dimitri pudesse processar o que eu dissera, joguei um pouco de água nele, apenas de brincadeira.
— Ei! — ele reclamou, jogando água em mim também, bem mais forte do que eu.
— Esse que é o grande e poderoso líder da máfia Tarasova? — zombei, já que estávamos agindo como verdadeiras crianças. — Não aguenta nem um pouco de água.
Eu estava obviamente brincando, e Dimitri entrou no jogo.
— Acho que você precisa de outro banho. — disse ele, pondo-se de pé, enquanto eu gargalhava.
— Não! — exclamei, rindo quando ele estava prestes a me segurar e jogar na água. — Vai ter que me pegar primeiro.
Ameacei correr para longe, mas Dimitri me alcançou antes que eu pudesse dar o primeiro passo. Ele me segurou pela cintura, me girou no ar e caímos juntos na água. Ambos ríamos intensamente.
Por um instante, parecia como nos velhos tempos.
.
Um instante, apenas.
Logo voltamos para a realidade, para a máfia e o Comerciante de Almas. Quando retornamos enxarcados para a instalação, tivemos que nos apressar para tomar banho e trocar de roupa. Partiríamos de volta para São Francisco somente na manhã seguinte, porque uma tempestade estava prevista para essa noite, no entanto, havia algo que eu precisava fazer antes. Conversei com Dimitri sobre aquilo, e ele concordou plenamente.
Eu precisava tirar minha mãe de Miami, e levá-la comigo.
Meu pai me ameaçou, me disse para dormir de olhos abertos. Como eu poderia ter certeza de que ele não a machucaria para me atingir? Ele não se importou de mantê-la presa a ele todos aqueles anos, pensando que o marido era inocente. Como eu poderia garantir que tudo não fazia parte de um plano para usá-la caso precisasse? Eu não conhecia mais meu pai, mas sabia o suficiente do Comerciante de Almas para não duvidar dele. E mesmo que meu pai decidisse não usar ou ferir a minha mãe, Miami ainda era uma zona de guerra entre máfias. Ela não estava segura ali.
Naquele momento, São Francisco era o lugar mais seguro. Porque nós estaríamos lá, e sem nenhum vestígio do maior mafioso do país. Entretanto, eu não a forçaria a ir comigo. Explicaria o máximo sobre a situação sem colocá-la em risco, mas não a forçaria a nada. Eu realmente estava disposta a consertar nosso relacionamento e levá-la comigo, mesmo que fosse no meu tempo e gradualmente, apesar disso, eu não poderia fazer nada se ela preferisse não valorizar isso e ficar.
Estremecia só de pensar na minha mãe sozinha em Miami, com o meu pai e seus capangas por toda a cidade. Os Tarasova não protegê-la ali. Céus, eles não poderiam nem ficar ali.
Quando nos dirigimos para o minúsculo apartamento da minha mãe naquela tarde, eu realmente torcia para ela aceitar.
Dimitri me acompanhou pelas escadas, sempre usando seu disfarce. Toda vez que ele sentia eu mais agitada que o normal enquanto andávamos, ele fazia questão de tocar de leve sua mão em meu braço. Um lembrete de que ele estava ali e que eu não estava sozinha. Ainda assim, eu sabia que minha mãe era minha responsabilidade, e que Dimitri estava lá apenas como apoio.
Vi quando ele lançou um olhar para rua por cima do ombro.
— Viu algo? — indaguei.
— Não tenho certeza. — sua resposta foi suficiente para fazer meu coração disparar de medo. — Vou mandar Aamir e os outros darem uma olhada.
De repente, me lembrei de algo.
— Da última vez que vim aqui, com Nikolai, senti como se estivesse sendo observada.
Dimitri me encarou tentando esconder a preocupação.
— É provável que os capangas dele fiquem vigiando sua mãe. Precisamos ser breves.
Assenti.
Minha mãe não estava me esperando, por isso, tive que bater na porta algumas vezes antes de escutar um "já vou!" impaciente vindo de dentro do apartamento.
Minha mãe ficou boquiaberta ao me ver no minuto em que abriu a porta. Ficou ainda mais atônita quando percebeu que eu estava com meu namorado de adolescência, e não com o meu noivo. Como se tivesse visto um fantasma. De certa forma, era. Fantasmas do passado.
E agora precisávamos enfrentar os fantasmas do presente.
— Filha... — ela murmurou, soando atordoada. — O que faz aqui? E com... — franziu as sobrancelhas, provavelmente tentando lembrar do nome. — É Dimitri, não é?
— Mãe... — disse eu, num suspiro. — Precisamos conversar.
Assim que entramos, minha mãe nos serviu um copo de chá. Então, nos sentamos na mesma mesa apertada em que eu apresentei Nikolai a ela, e comecei a contar tudo. Tudo, desde o início. A poupei de detalhes sórdidos e violentos, e de qualquer informação que pudesse nos comprometer mais tarde, caso ela fosse sequestrada e forçada a falar. O que eu faria de tudo para que que nunca acontecesse. Mas estávamos em guerra, e o marido dela era o líder do outro lado. Todo cuidado era pouco.
— Então... — disse ela, engolindo seco, quando terminamos de falar. — Seu pai... É o maior mafioso dos Estados Unidos e eu estou correndo risco aqui em Miami?
— Sim. — assenti tristemente.
— E vocês querem me levar para São Francisco porque é mais seguro lá?
— Sabemos que é difícil assimilar tudo isso e ter que deixar sua cidade tão depressa, mas faremos de tudo para ser temporário. — falou Dimitri. — Posso oferecê-la um emprego, segurança e moradia se decidir aceitar.
— Por favor, mãe. — murmurei, me inclinando para segurar em suas mãos. Ela olhou para onde eu a tocava, e depois para meus olhos. Por um instante, jurei que vi uma lágrima escorrer por sua face. — Eu não vou aguentar se algo acontecer a você, sendo que poderia ter sido evitado. Deixe o papai de uma vez por todas e fique comigo. Não tem mais nada para nós aqui em Miami, mas eu estou te pedindo, como sua filha, que fique comigo. Eu preciso de você segura. Eu preciso de você.
Honesta. Eu estava sendo honesta. Minha mãe não tinha culpa, assim como eu. Ela escolheu acreditar no meu pai anos atrás, e isso acabou com o nosso relacionamento, mas agora... Agora ambas sabíamos a verdade. E eu não podia ressenti-la por ter escolhido acreditar na inocencia do homem que amava. Ainda seria um longo caminho para consertar aquilo entre nós que se quebrou, e eu estava disposta a percorrê-lo. Mas não podia fazer isso sem ela ao meu lado.
— Eu preciso de você também, querida. — choramingou ela, me puxando para um abraço. Fiquei um pouco nervosa e surpresa a princípio, mas não demorei a corresponder.
Nos braços da minha mãe, depois de tanto tempo... Chorei mais uma vez. Um choro fraco e silencioso dessa vez. E, pela forma que senti meu ombro e meus cabelos ficarem um pouco molhados, minha mãe chorava também.
— Então... Você vem para São Francisco conosco?
Mesmo depois de tudo que havíamos contado, minha mãe conseguiu exibir um sorriso. Um sorriso triste, mas um sorriso.
— Claro, querida. Eu vou.
Me permiti respirar aliviada. Não estávamos nada perto do que costumávamos ser, mas... era um começo.
Foi quando eu escutei um disparo.
.
eita bbs
eai gente como vcs estão?
reparem como a elaine disse que era "amiga" do dimitri aaaa essa friendzone deles ta me matando
agr que sabemos quem é o comerciante de almas, alguém tem alguma teoria sobre o que vai acontecer depois?
bjsss e até o próximo capítulo!
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