capítulo trinta e cinco
Era cinco da manhã quando nos reunimos.
A festa tinha acabado de encerrar, e já estávamos de volta no apartamento do hotel de Paris, na sala à prova de som de Amara. Todos sentaram nos mesmos lugares de antes, conforme eu pedira, enquanto me observavam ficar de pé para, finalmente, dizer a ideia que eu tivera.
— Então... Estamos todos aqui. — disse Celine. Em outras palavras, ela queria dizer: fala logo, garota.
— Pode dizer, Elaine. — disse Dimitri, oferecendo-me um sorriso reconfortante. Então, engoli seco, olhando para cada um deles, ainda com as roupas de festa, antes de tomar coragem para dizer-lhes:
— Eu... eu estava pensando. — comecei, timidamente. — O Comerciante de Almas marcou um encontro no Porto de Miami. É uma armadilha, sim, mas é uma armadilha para vocês. Qualquer integrante da máfia Tarasova que colocar os pés lá corre o risco de morrer e começar uma guerra, mas um civil... — respirei antes de continuar. Eu não sabia como eles reagiriam. — Especialmente a noiva de um Tarasova...
— Não.
Dimitri me interrompeu antes que eu pudesse terminar. Olhei para ele, indignada, mas o único Tarasova de olhos azuis apenas me lançou um olhar sério, mortífero, mas eu sabia que ele estava com medo por trás daquela máscara de severidade.
— Não. — ele repetiu, tentando soar um pouco mais gentil.
— Eu não entendi. — disse Kessie, confusa. Enquanto isso, eu e Dimitri nos batalhávamos com o olhar, o seu mar azul contra as minhas íris castanhas. Nenhum de nós ousou recuar. — Olá? Alguém vai me responder.
— Eu quero ir no encontro. — expliquei. — No encontro com o Comerciante de Almas no porto de Miami.
— Não. — disse Dimitri, mais uma vez, pondo-se de pé.
— Você só sabe falar isso? — rebati.
— É perigoso demais, Elaine. Eu não posso pedir que faça isso. Você nem é integrante da máfia.
— Exatamente por isso, Dimitri! — exclamei, tentando fazê-lo entender. — Se eles me matarem, estarão matando uma civil qualquer.
Dimitri soltou uma risada amarga.
— E você pensa que eles ligam?
— É um risco que eu estou disposta a correr para ajudar.
— Bem, eu não. — disse ele, seu rosto enfurecido marcado pelo seu maxilar tensionado quando ele voltou a se sentar com os braços cruzados. — Eu não colocarei você em risco.
— É uma pena que eu não estou pedindo. — rosnei. Eu nunca soara tão intransigente em toda a minha vida.
— Vocês dois, acalmem-se. — disse Amara, suas palavras soando mais como uma ordem do que um pedido.
— Eu não vejo porque não. — foi a vez de Kessie se pronunciar. — Podíamos deixar ela tentar. E ficar por perto no minuto que algo der errado.
— E se chegarmos tarde demais? — indagou Dimitri, o mais puro pavor expresso em seu olhar.
— Dimitri está certo, é suicídio, Kessie. — falou Celine, mas não brigando; não, ela estava simplesmente explicando.
— Podíamos simplesmente chegar baleando todos eles. — sugeriu Henry.
— Isso também não. — negou Dimitri.
De repente, escutamos um longo suspiro, vindo da mulher sentada na outra ponta da mesa.
— Confio que vocês tomarão a decisão certa. — disse a senhora Tarasova, pondo-se de pé. Apesar de suas palavras, ela olhava especificamente para mim. Você tem potencial, ela me dissera certa vez. Talvez estivesse na hora de eu usar aquele potencial para algo útil. — Preciso me deitar.
— Como saberemos se é a decisão certa? — indagou Henry, e a sua mãe esboçou um sorriso discreto.
— Ora, é a decisão que terá minha aprovação.
Dito isso, ela saiu, deixando quatro mafiosos e uma garota intrometida que queria ser útil para tomar aquela decisão. Eu podia até ter caído de paraquedas naquela situação, naquela guerra, mas não significava que eu tinha que ignorar o que estava acontecendo quando eu claramente podia ajudar. Não tínhamos certeza do que aconteceria naquele encontro, mas talvez eu pudesse... Pudesse negociar, ganhar tempo. E algo me dizia que eu não seria ferida. Era um grande pressentimento, e eu simplesmente não podia ignorá-lo.
— Alguém quer fazer os prós e os contras disso? — perguntou Kessie, conseguindo exibir um sorriso enquanto tirava um bloquinho de notas e uma caneta da sua bolsa. O resto de nós se entreolhou, sem saber por onde começar.
— Anote aí como contra: risco de morte. E, como um pró equivalente, coloque que isso deixaria nosso irmão bem puto. — resmungou Henry e sua gêmea anotou.
— O risco de morte deveria ser suficiente para nem considerarmos isso. — disse Dimitri, mas Kessie fez um sinal com a mão para que ele se calasse.
— Não é sua vez, irmãozinho. — disse ela. — Nós sabemos que Elaine pode morrer, ser sequestrada, usada como refém, torturada e todas essas outras coisas não muito agradáveis.
— Exato, suicídio. — pontou Celine.
— Mas, por outro lado, o Comerciante de Almas vai querer mesmo mexer com a princesinha dos Tarasova? — arqueei uma sobrancelha com as palavras de Kessie e ela se virou para me explicar: — É como eles estão te chamando. Eles sabem que você é valiosa. Eles podem até te usar como refém e te ameaçar, mas eles não vão te machucar. Não correndo o risco de atiçar a ira de vários outros mafiosos. Edoardo pode até não gostar de nós, mas ele se sentiria atingido como se tivessem ferido suas próprias sobrinhas, eu tenho certeza. E ele é apenas um exemplo. Nós somos os Tarasova, vocês esqueceram? Outras máfias menores se ajoelham de diante de nós, nos respeitam. O Comerciante de Almas não arriscaria mexer conosco. Não enquanto ele não conseguir uma nova autorização de joelhos do nosso líder.
Precisei de alguns segundos para processar aquilo. Valiosa? Eu nem sabia que eu era tão importante e comentada assim.
Dimitri suspirou, parecendo refletir sobre aquelas palavras. Ele sabia que Kessie estava certa, mas tinha que ter certeza.
— Ainda assim, ele é um psicopata. — foi Henry quem disse. — Imprevisível. Digamos que Elaine entre lá e consiga falar com um representante dele por uns... quinze minutos e, de repente, ele se enjoa dela, o que seria, honestamente, um insulto e praticamente impossível de acontecer, mas digamos que ele decida fazer algo não tão agradável, ignorando tudo que você acabou de nos dizer. O que faremos?
— Vamos por uma escuta nela. — sugeriu Celine. — É arriscado e vai contra as regras dos mafiosos, mas é uma maneira de garantir que entraremos no minuto que ela precisar, já que estaremos escutando tudo.
— Pode dar certo, Dimitri. — insistiu Kessie. — O tempo que ela tiver lá dentro certamente vai nos render alguma informação valiosa. Ou quem sabe até não conseguimos definir alguns acordos? A guerra é inevitável, mas podemos negociar para que qualquer ataque ou luta aconteça longe dos civis.
— Por favor, Dimitri. — foi a minha vez de me pronunciar, encarando-o tão intensamente quanto ele me encarava. — Ainda temos tempo para me preparar, mesmo que sejam só algumas horas. Eu posso conseguir.
— Eu sei que pode, Elaine. — ele suspirou, pensativo. — Eu sei que pode. Mas eu nunca vou me perdoar se você se machucar.
— Então, garantiremos que essa menina maluca que quer entrar no covil do inimigo não se machuque. — disse Celine, e eu a agradeci com um aceno de cabeça.
Dimitri respirou fundo, assentindo.
— Acabe com eles, Elaine.
.
Não dormimos. Se quiséssemos chegar em Miami com tempo de sobra, precisávamos estar no aeroporto particular da senhora Tarasova às duas da tarde, pois eram quase dez horas de voo partindo de Paris. Então, nos preparamos durante o nascer do sol até o momento em que embarcaríamos no jatinho.
Celine me vestiu em roupas parecidas com as suas, preta e armada da cabeça aos pés. Era estranho para alguém que estava acostumada com cores pastéis e vestes leves, mas eu sabia que era importante. Kessie me ajudou a prender meus cabelos num rabo de cavalo, e Henry me entregou o aparelho de escuta para esconder dentro do meu bolso. Eu só torcia para que ninguém encontrasse.
Amara e Dimitri apenas observavam com um misto de preocupação e orgulho em suas faces. Não soube dizer qual estava prevalecendo, mas certamente reparei nos momentos em que ambos esboçaram pequenos sorrisos. O sorriso de Amara era certamente de orgulho, mas o Dimitri... poderia ser muito bem porque ele gostava da forma como a roupa ficava justa em minha bunda, eu nunca saberia.
Passamos algumas horas e mais o almoço inteiro repassando como agir, o que dizer e o que não dizer, e como reagir dependendo da situação. Por exemplo, se me ameaçassem, eu deveria fingir indiferença, como se tivesse certeza que aquilo não me atingiriam. Ou então, caso tentassem fazer comentários inapropriados, eu deveria comentar sobre às vezes que Celine quebrara as mãos dos capangas do Comerciante de Almas por diversão; aparentemente foram muitas vezes, e eles o temiam bastante.
Eu estava tremendo quando chegamos no aeroporto, começando a repensar todas as minhas decisões de vida, inclusive esta. Tudo poderia dar muito certo e eu poderia poupar a vida de muitos civis, e ainda ganhar tempo, ou então... Tudo poderia dar muito errado e aquela seria a última vez que eu colocaria os pés num avião.
Entretanto, Amara pareceu perceber meu nervosismo e rapidamente segurou em minha mão. Eu sabia que ela precisava cuidar de Paris e, por isso, não viria conosco, mas aquilo não me impedia de temer que eu nunca mais fosse vê-la.
— Antes que pergunte, vocês tomaram a decisão certa. — disse ela, me oferecendo um sorriso. Acabei não me contendo e a abracei.
— Obrigada por tudo, Amara. — murmurei, e ela fez questão de me abraçar firmemente de volta.
— Isso não é uma despedida, minha querida. Você vai se sair muito bem, e ainda vamos beber muitas garrafas de vinho juntas.
Ri com o seu comentário e me despedi dela uma última vez antes de subir no avião com a ajuda de um dos homens de Dimitri que nos acompanhava.
— Odeio que esse seja o motivo de estarmos no jatinho juntas. — escutei Kessie falar, me puxando para sentar ao seu lado, eu na janela, enquanto Dimitri e Henry se sentavam mais lá na frente. — As minhas festas no céu são incríveis. Mas não se preocupe, ainda festejaremos muito juntas.
— Eu espero que sim. — falei, rindo fracamente.
— Descanse um pouco. — disse Celine, sendo a última a entrar e se sentando na nossa frente. — Ainda faltam dez horas, você precisa descansar.
Assenti, fechando os olhos e me acomodando na parede do avião onde ficava a janela, mas realmente acreditei que não fosse conseguir dormir. Porém, o cansaço me atingiu antes mesmo do avião decolar.
.
Acordei com um barulho de movimento. Pessoas se movimentando. Precisei de alguns segundos para lembrar de onde estava. Nós céus. Voando para me encontrar com o maior criminoso e mafioso dos Estados Unidos. Uma luz dourada incomodou meus olhos, pela janela pude ver que o sol estava se ponto. Quando consegui abrir meus olhos completamente e me situar, estranhei que Kessie não estivesse ao meu lado, e nem Celine na frente. Na verdade, outra pessoa estava no assento diante de mim.
Dimitri.
— Desculpe, não queria te acordar. — sussurrou ele, me oferecendo um sorriso gentil. — Houveram algumas... mudanças de lugar, por assim dizer.
Olhei para o outro lado do jatinho, e lá estavam Celine e Kessie lado a lado, dormindo juntas. Kessie estava com a cabeça encostada no ombro de Celine, que, por sua vez, segurava firmemente na coxa da gêmea Tarasova.
— Como isso aconteceu? — sussurrei em resposta, tentando conter o risinho. Estava começando a pensar que aquelas duas tinham mais entre elas do que imaginávamos. Ou melhor, elas mesmas não sabiam que tinha algo acontecendo.
— Elas disseram que iam conversar e dormiram em menos de três segundos. — explicou Dimitri. — E, como Henry está lá na frente conversando com o novo piloto sobre algum jogo de basquete, pensei em me juntar a você aqui em vez de ficar segurando vela.
Ri fracamente, assentindo com a cabeça em compreensão.
Era um lindo fim de dia. Lindo de verdade, digno de ser uma obra de arte. Dimitri e eu estávamos olhando para o horizonte dourado beijado por pinceladas de nuvens brancas, enquanto aquela luz refletia em nossos rostos. Eu poderia não ver, mas estava certa de que meus olhos castanhos brilhavam no sol tanto quanto os dele. Nós dois brilhávamos à luz do sol poente; era tipo de cena que parecia ter saído de uma pintura.
E, ainda assim, Dimitri olhava para mim. Apenas para mim.
— Desculpe pela forma como agi mais cedo. — disse ele, genuinamente desculpando-se. — Eu coloquei meu medo na frente do seu lívre arbítrio, e prometo que vou tentar ao máximo para que isso não aconteça novamente. Eu só continuava pensando que, se algo acontecesse a você, Nikolai se sentiria da mesma forma como eu me senti quando você por causa da máfia oito anos atrás. Como se essa... maldição tivesse tirado algo bom de mim. E esse sentimento subiu à minha cabeça, bloqueando a minha razão. Eu estou morrendo de preocupação, Elaine, você não faz ideia, e a culpa vai me consumir e me destruir se algo acontecer. Mas eu não posso, de jeito nenhum, proibir você de fazer coisas, ou ficar chateado quando você quer fazer algo. Eu fui imaturo, tolo e um canalha, e espero que você me perdoe. Ou pode me dar um tapa e nunca mais olhar na minha cara, porque eu entenderia totalmente.
Como se aqueles raios tivessem penetrado em meu peito, eu senti meu coração se aquecer e se iluminar com aquelas palavras. Então, me inclinei para frente, para colocar minhas mãos sobre as dele, que repousavam em seu joelho, e o olhei diretamente nos olhos.
— Está tudo bem. — disse eu, com um sorriso compreensivo. — Eu não quero deixar você preocupado, mas eu sei que preciso fazer isso. E vou com certeza me sair muito melhor sabendo que você está ao meu lado.
— Sempre, Elaine. — ele segurou firmemente em minhas mãos, sem quebrar o contato visual. — Sempre estarei ao seu lado.
Ficamos daquela forma até os raios solares darem lugar à escuridão da noite.
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perdão pelo sumiço, massss eai gente como vcs estão?
eu to viciada no livro que eu to lendo (the love hypothesis) e vcs? o que vcs estão lendo atualmente? fanfic, livro fisico, hq, pode ser qualquer coisa
bjsss e até o próximo capítulo!!
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