capítulo quarenta e três
Os cabelos escuros dele estavam um pouco maiores. Naquele pequeno intervalo de tempo, suas olheiras pareceram ter se tornado mais pesadas; como se ele não tivesse dormido bem há dias. Bem como as linhas de expressão do seu rosto, mais profundas e repletas de preocupação. Ele usava roupas sociais, mas sem paletó, apenas calças e uma blusa de botão cujas mangas foram puxadas para cima. Seu rosto estava coberto por uma barba, e seu braço esquerdo estava preso a uma tipoia, devido ao fato do seu ombro ainda estar se recuperando do ferimento de bala. Na sua mão livre e ilesa, ele segurava com determinação a pistola que usara para atirar em Grey.
Nossos olhos se encontraram. Eu vi as chamas flamejantes de raiva e aflição dançarem em suas íris castanhas. As minhas, por outro lado, não transmitiam nada além do mais puro alívio.
— Nikolai... — soprei, minha voz enfraquecida. Ao me ouvir, aquele fogo em seus olhos pareceu diminuir um pouco, e foi amor que eu vi ali.
— Elaine! — ele exclamou correndo para vir até mim. Antes mesmo de me alcançar, seus joelhos falharam, e ele caiu de joelhos ao meu lado. O castanho pouco se importou com o representante do Comerciante de Almas ensanguentado, caído não muito longe de nós e perdendo a consciência, pois ele guardou a arma na cintura e usou aquela mão boa para segurar em meu rosto. Meu coração errou as batidas ao ver a emoção em seu olhar. — Eu encontrei você... Encontrei você...
— Sim, você me encontrou. — choraminguei trêmula.
Então, Nikolai se apressou para me livrar das amarras que prendiam meus braços ao redor da cadeira. E, quando o fez, não pude evitar o misto de emoções que tomou conta de mim e me fez pular em seus braços. Enrosquei-os ao redor do seu pescoço e ele enterrou a cabeça em meu ombro, me segurando firme pela cintura, como se a qualquer momento eu pudesse sumir. Deixei meus dedos brincarem com os fios pretos como carvão do seu cabelo, meu corpo cansado descansado no dele. Um refúgio. Naquele momento, Nikolai era meu refúgio. Minha salvação.
— Eu encontrei você. Encontrei você. — Nikolai repetia, mais para si mesmo do que para mim. Me deixei envolver por ele, pelo seu cheiro, seu toque e as saudades que senti. Não quis pensar no momento complicado em que nosso relacionamento se encontrava, principalmente depois de ter beijado Dimitri. Não. Só queria aproveitar aquele momento, aquele reencontro.
Apenas nos desvincilhamos um do outro quando escutamos o som de passos. Mas quando nos viramos, já era tarde. A porta do galpão estava escancarada, e uma trilha de sangue levava até ela. Grey fugiu.
— Não se preocupe. — disse Nikolai, acarinhando meu rosto. — Vamos encontrá-lo. Agora temos que ir antes que nos encontrem. Os outros estão nos esperando.
Franzi as sobrancelhas, finalmente raciocinando. Como Nikolai chegara ali? Onde estavam Dimitri e minha mãe? E os outros capangas? Não tive forças para perguntar, porém, apenas deixei Nikolai me ajudar a levantar e comecei a caminhar na direção da saída com um braço ao redor do seu pescoço, enquanto ele me segurava pela cintura.
Nos esgueirando discretamente pelos cantos, Nikolai nos tirou da fábrica abandonada e saímos direto na floresta densa que nos cercava. Havia capangas armados do Comerciante de Almas para todo lado, então tivemos que nos esconder, abaixados atrás de alguns caixotes.
— Como vamos sair daqui? — perguntei.
Antes que Nikolai pudesse me responder, Henry, dentro de um carro preto, surgiu por entre as árvores. Eu não vi quem dirigia, mas o gêmeo Tarasova estava no banco do passageiro, atirando em quem estivesse por perto, e se abaixando quando atiravam nele. Sem mais nem menos, o carro preto, que já estava cheio de marcas de bala, rapidamente fez um cavalo-de-pau, parando na frente de onde estávamos escondidos.
— Querem uma carona? — indagou Henry, enquanto Nikolai me puxava para dentro do veículo. Eu mal tinha entrado quando a porta se fechou e o motorista pisou no acelerador. — Segurem firme! — havia fogo na voz de Henry como eu só via quando jogávamos algo. Seu lado competidor e ambicioso devia se mostrar bastante em situações como aquela.
Nikolai abraçou meu corpo fraco e pálido, no tempo que o carro disparava para fora. Olhei para ele, ansiosa, quando vi que a única saída daquele lugar — porque cercado por muros impenetráveis — era por um portão de grade bem fechado. Mas o motorista não parou. Pelo contrário. Ele acelerou ainda mais e fomos de contra o portão, despedaçando-o.
Ninguém ousou nos seguir quando saímos dali.
— Está bem, baixinha? — Henry me perguntou, se virando para me olhar. Assenti, alegre por vê-lo.
Seja lá para onde estávamos indo, certamente era longe. Trinta minutos percorrendo aquele caminho no meio da mata, me deixei levar pela sensação de segurança que os braços de Nikolai me proporcionavam e peguei no sono.
.
Acordei quando o carro parou.
— Chegamos. — Nikolai sussurrou em meu ouvido, depositando um beijo no topo da minha cabeça.
Nikolai me ajudou a sair do carro. Arfei, quase cambaleando para trás de surpresa, ao ver o que me esperava ali. Era uma espécie de acampamento. Homens e mulheres que trabalhavam para os Tarasova. Mais de cinquenta deles. Todos armados, vestidos com ternos. Nenhum capanga do Comerciante de Almas por perto. Alguns médicos analisavam os feridos. Tentei não imaginar como teria sido aquela luta de resgate. As paredes do galpão deveriam ser a prova de balas, já que não conseguira escutar nada.
— Mas esse não é... território dele? — indaguei à Nikolai, sem ter coragem de usar o nome, ou melhor, apelido, do meu pai.
— Ele tinha Dimitri como refém. — explicou meu talvez noivo. — Nós tínhamos plena autorização de resgatá-lo. Então, montamos esse acampamento o mais próximo que pudemos e esperamos o momento certo de atacar.
— Nós? — arqueei uma sobrancelha. Nikolai fora banido da máfia e, até onde eu sabia, ele se recusava a participar de qualquer coisa que a envolvesse.
— Nós. — ele assentiu, com um sorriso. — Eu posso querer o máximo de distância dos negócios dos meus irmãos quanto possível, mas... Mexeram com você. E não tem nada que eu não faria por você.
Antes que eu pudesse responder, vi a silhueta de alguém disparar em minha direção e me envolver num abraço.
— Você me deu um baita susto, meu Deus! — exclamou a pessoa. Kessie. — Nunca mais faça isso.
— Vou tentar evitar me tornar refém na próxima vez. — ironizei, sorrindo ao vê-la. Kessie me abraçou mais uma vez, tão forte que eu pensei que fosse destruir minhas costelas.
— Você sabe que eu odeio meu irmãozão, não sabe? — disse ela, olhando para Nikolai. Franzi as sobrancelhas, confusa e ele bufou.
— Você está dizendo isso por dizer ou...
Kessie revirou os olhos com as palavras do irmão.
— Óbvio que estou dizendo isso por um motivo, bobinho. Eu odeio você, mas eu não sou hipócrita. Eu ia agradecer por tudo que fez hoje.
Por um segundo, jurei que vi os olhos de Nikolai brilharem.
— Continue.
— Você é muito convencido, Nick. Mas Elaine tem que saber. — Kessie se virou para mim. — Dimitri enviou um sinal para nós no minuto em que Grey assumiu o comando do avião. Infelizmente para nós, Nikolai é o melhor rastreador, também é o seu noivo e ex-parceiro do seu pai maluco. Então, nós ligamos para ele, que não pensou duas vezes em ajudar. Esse chato aqui. — ela colocou a mão no ombro do irmão. — Descobriu em qual dos esconderijos do Comerciante de Almas vocês estavam apenas pelo horário e lugar em que Dimitri enviou um sinal. E veio até aqui conosco. Como nos velhos tempos.
— Não se acostume muito. Eu gosto da vida de cidadão pacato. — apesar das palavras de Nikolai, eu vi o sorrisinho que se formou em seus lábios. Ele estava arrependido do que fizera anos atrás, e provavelmente só se afastara porque acreditava que ninguém nunca o perdoaria. Mas eu vi nos seus olhos. Ele sentia falta dos irmãos. Internamente, torci para que eles se resolvessem. Amara o perdoara e Kessie estava começando. Talvez fosse uma questão de tempo para Dimitri e Henry fazerem o mesmo.
Eu estava orgulhosa de Nikolai. Ele se arrependera, mudara. E me salvara.
E também salvara... Espera. E Dimitri e minha mãe?
— Onde eles estão? — indaguei à Kessie, a preocupação estampada em minha voz e em minha face entregando a quem eu me referia.
— Com os médicos. — disse ela, apontando para duas tendas, onde eles estavam. Na tenda da minha mãe, ela estava sentada numa maca, recebendo soro na veia e bebendo água, enquanto alguém verificava sua pressão.
Não muito longe dela, em outra tenda, uma médica limpava os ferimentos de Dimitri, que estava no sono como a minha mãe, e deitado numa maca, tentando se levantar, mas a mulher o impedia. Seu rosto estava todo vermelho e cheio de roxos e cortes, assim como seu pescoço, onde supus que Grey o enforcara com as próprias mãos. A mão de Dimitri, por outro lado, estava enfaixada até o pulso, e lembrei que o representante do meu pai dissera que tinha a torcido.
— Mas você deveria verificar um médico antes...
— Não. — interrompi Kessie. — Eu preciso vê-los.
Ela assentiu, compreensiva.
Nikolai não hesitou em me ajudar a ir até eles. À minha mãe, primeiro. Assim que me aproximei, meus olhos se encheram de lágrimas. Dois dias... Eu tinha passado dois torturantes dias não fazendo ideia do seu estado, apenas presa naquela cela úmida e suja, me deteriorando pouco a pouco. Mas ali, vendo-a bem na medida do possível depois de tanto tempo sem saber, eu não aguentei. O pior ainda era pensar que ela passara pelas mesmas coisas que eu. Tudo graças ao odioso do meu pai.
Um dia. Um dia eu me vingaria por aquilo.
— Mãe... — murmurei, entrando na tenda. Ela sorriu para mim, seus olhos castanhos se enchendo de lágrimas.
— Elaine... — choramingou ela, me puxando para um abraço fraco. Estava tão frágil quanto eu. — Quando eles buscaram eu e Dimitri daquelas salas onde estávamos presos, e ninguém encontrou você... Eu achei... — um soluço. — Achei que tivesse te perdido.
— Estou aqui, mãe. — assegurei, tentando conter minhas próprias lágrimas. Então, minha mãe se voltou para Nikolai, seu braço magro se estendendo para segurar na mão dele.
— Muito obrigada. Por não desistir da minha filha e voltar para lá por ela.
Não consegui evitar a expressão de surpresa e emoção que tomou conta do meu rosto. Eles tinham resgatado Dimitri e minha mãe. Provavelmente tiveram que trazê-los logo para cá para não serem pegos, eu entendia. Era arriscado voltar e me procurar, ainda tinha o risco de eu nem estar mais viva. Mas Nikolai o fez mesmo assim.
— Eu nunca a deixaria para trás. — disse ele, fazendo meu coração errar as batidas.
Então, deixamos minha mãe descansar e fomos para a tenda de Dimitri. Quando chegamos, Celine e Henry estavam lá, discutindo sobre algo no canto.
— Que bom que não está morta. — disse Celine à mim.
— Digo o mesmo.
— Elaine? — Dimitri, deitado na maca, percebeu minha presença ao escutar minha voz.
Assim, Nikolai me deu espaço para que eu falasse com seu irmão. Me aproximei dele, ficando ao seu lado, e gentilmente colocando a mão em seu rosto, para não machucá-lo.
— Você está horrível. — falei, em tom de brincadeira. Mas o alívio e a tristeza em meus olhos, além das lágrimas que ameaçavam cair diziam outra coisa.
Dimitri riu fracamente.
— Eu sou durão. — ele deu de ombros. Devastado. Ele estava devastado. Por tudo que acontecera, pelos homens que perdera, e pelo que nós três tivemos que passar. — Você e sua mãe estão bem? — apenas assenti. — Eu teria voltado para te buscar, mas sabe como é, eu quis um tempo da sua chatice.
Foi a minha vez de ri. Foi rápido porém, pois meu peito ardeu com a ação. Dimitri teria voltado por mim, mesmo machucado. Eu sabia disso. Alguém tinha o impedido.
— Dois dias não foram suficientes?
— Eu não posso mentir para você, Elaine. Foram alguns dos piores dois dias da minha vida. — murmurou ele. — A única coisa que me manteve vivo foi saber que você e sua mãe não poderiam ser feridas. Elaine, eu sinto...
— Não. — balancei a cabeça em negação. — Não termine essa frase. Não tem que se desculpar. Não é sua culpa. Apenas foque em ficar bem.
— Elaine, está certa. Se você não se cuidar eu e Kessie vamos levar uma bronca da mamãe de novo. — disse Henry.
— Odeio estar vulnerável assim. — murmurou ele. — Eu estou bem. E logo logo vou estar chutando capangas do Comerciante de Almas.
Ofereci um sorriso à ele.
— Eu sei que vai.
.
Foi Nikolai quem me acompanhou até a minha tenda, onde um médico e uma médica me esperavam. Eu não estava exatamente ferida e eles não podiam me oferecer o que eu realmente precisava — um banho —, mas me deixaram trocar de roupa e me higienizar, e depois passaram uma pomada nos meus pulsos vermelhos devido ao aperto das cordas. Eles me examinaram, me deram remédio para dor e me colocaram para receber soro intravenoso. Eu estava fraca, mas ia ficar bem.
Nikolai se posicionou diante de onde eu estava sentada na maca, ficando entre minhas pernas e colocando as mãos em meus joelhos. Havia...lágrimas em seus olhos, e por isso ele não conseguia me encarar. A única outra vez em que o vi chorar foi quando me contou a verdade sobre seu passado e dos Tarasova.
— Eu tive tanto medo de perder você... Isso me consumiu.
— Eu estou aqui agora. — coloquei minhas mãos sobre as dele. Nikolai analisou meus pulsos, o vermelho deles e vi a raiva transparecer em seus olhos. — Eu estou bem, Nick.
— Eu deveria tê-lo matado. Grey, o Comerciante de Almas, a Víbora Branca, os capangas... Deveria tê-los matado. Todos eles, anos atrás.
— Não... não pense no passado. Não importa mais. Pense no agora. Estamos juntos novamente. Vamos acabar com isso de uma vez por todas. Vamos vingar todos que eles feriram. — engoli seco, sabendo que, no minuto em que eu dissesse aquilo, não teria mais volta. Mas não hesitei. Ergui o rosto, confiante. — Vamos... vamos matar Comerciante de Almas e todos que o ajudarem.
Nikolai assentiu, nosso ódio alimentando o fogo que nos cercava.
— E vamos fazer isso juntos. — disse ele. — Não ligo se estou banido. Está na hora de eu assumir meu sobrenome e fazer algo de bom por essa família. Por você.
— Juntos. — repeti, vendo Nikolai suspirar tristemente em seguida.
— Eu quero que esse juntos seja muito mais que parceiros, Elaine. Vou entender se precisar de mais tempo, mas não estou pronto para desistir do nosso amor. — falou ele, sendo honesto, o que fez meu coração se partir em milhões de pedacinhos.
— Nick, eu... — me engasguei nas palavras. Antes de tomar qualquer decisão, eu precisava contá-lo. — Eu beijei Dimitri.
Eu esperava raiva, decepção, amargura. Todavia, em vez, disso, Nikolai lentamente colocou sua mão ilesa em meu rosto e beijou o topo da minha cabeça com um sorriso.
— Eu sei.
Quase me engasguei em minha própria saliva. Como ele sabia?
— Ou melhor, eu imaginei. — Nikolai prosseguiu explicando. — Você partiu para a cidade do amor com seu primeiro amor. Mas, honestamente, eu não ligo. Você mesma disse. Passado é passado, Elaine. E, se você realmente quiser deixar seu passado com ele para trás, sem nenhuma pressão, apenas porque quer, eu ficaria mais que honrado em ajudá-la a construir um futuro. Juntos. Pode levar tempo, mas podemos ir devagar. Recomeçar. Devagar. Sem grandes passos.
Talvez... talvez aquilo fosse o que eu precisava. Não exatamente me afastar de Nikolai, nem me casar com ele. Recomeçar nosso relacionamento, pouco a pouco, enquanto meu coração se reorganizava e a antiga chama acendida com Dimitri se apagasse.
A dúvida era: eu queria que essa chama se apagasse?
— Estaria disposto a fazer isso? Começar do zero, ir devagar, por mim?
— Tudo pela minha talvez senhora Tarasova, num futuro bem distante. — brincou ele, e não pude deixar de sorrir. — Mas você está cansada. Apenas... pense sobre isso.
Fui sincera quando concordei com a cabeça.
Amara certa vez me dissera que a escolha certa seria aquela a qual ela concordasse.
Será que ela concordaria em tentar de novo com o homem amável e seguro por quem eu me apaixonara no último ano? Ou me diria para correr o risco de explorar o meu passado com Dimitri, o líder da máfia Tarasova?
Era isso que eu teria que descobrir.
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oiee gente! mais um capítulo hoje hein
vamo bater um papinho aqui
sei que esses últimos capítulos (esse principalmente) tão dando uma vibe de triângulo amoroso. e eu sei que muita gente não gosta de triângulo amoroso. MASSSSSS por favor não desistam da história 😭😭🤚
eu mesma não gosto de triângulo amoroso. de verdade, não gosto. vocês acham que eu ia escrever algo que eu não gosto?
já está acabando o livro (ele termina no cap 50) e logo logo vocês vão entender do que eu to falando. por favor POR FAVOR não desistam 🥺
por enquanto é isso, espero que estejam bem, lembrem de beber água e tomar banho durante toda a semana, não só no sábado
ah e se vcs tivessem no lugar da elaine, qual Tarasova gostosão vocês escolheriam? 😏
beijosss e até o próximo capítulo
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