capítulo quarenta e oito
Nada foi encontrado no clube.
Outras pessoas que trabalhavam para os Tarasova acompanharam Celine na busca, verificando cada entrada e saída de forma discreta, além de terem conversado com os donos sobre a lista de pessoas presentes ali. Cada nome foi checado, mas nada suspeito foi encontrado.
Paranoia minha, de fato. O clube estava seguro. São Francisco também.
Nesse meio tempo, fomos levadas por precaução para a mansão Tarasova. Nenhum dos irmãos, nem Henry ou Dimitri estavam lá. Assim que entramos, Kessie desabou no sofá, imediatamente roncando e mergulhada num sono profundo. A senhora que tinha nos recebido soltou uma risadinha, e disse que já estava acostumada com isso.
Então, ela nos levou para um quarto de hóspedes num dos andares superiores. Para conseguirmos subir as escadas, Naira teve que apoiar seu braço ao redor do meu ombro, pois ela estava muito mais sonolenta do que eu. Ao entrarmos no cômodo a gentil senhora nos ofereceu mudas de roupas — pijamas confortáveis —, café e água. Naira estava quase dormindo, mas eu aceitei.
— Vamos, ponha seus braços para cima ou eu farei cócegas em sua barriga. — dizia eu, rindo, ao tentar ajudar minha amiga a trocar de roupa. Eu podia até estar um pouco bêbada ainda, mas cuidar de quem eu amava vinha em primeiro lugar.
— Está bem. — ela bufou.
Assim que colocou o pijama, Naira desabou na cama numa posição incrivelmente desconfortável. Por isso, tive que ajeitá-la para que não ficasse com dor no dia seguinte e a cobri com aqueles lençóis confortáveis.
Eu nunca estivera nos quartos da mansão Tarasova antes. Desse modo, quando me sentei numa mesinha no canto do cômodo, já usando pijamas e uma xícara de café na mão, me deixei observar o local enquanto o efeito da bebida passava.
Aquele cômodo era a perfeita reprodução de um quarto de princesa em um luxuoso palácio. O chão era coberto por tapetes grossos e ornamentados — que provavelmente eram importados e deveriam valer uma fortuna. A cama no centro era enorme, com lençóis em tons de dourado, branco e marrom, assim como o resto do lugar. Um elegante dossel branco pendia pelos lados da cama, e havia tantos travesseiros que eu tinha perdido a conta. Sem contar o lustre de ouro que pendia no centro do teto, apenas uma pequena demonstração da imponência e suntuosidade presente ali. O novo se misturava com o velho ali, como uma recriação moderna de um quarto da realeza neoclássica. Era de tirar o fôlego, realmente.
E, quando eu menos esperava, já estava amanhecendo.
No instante que os primeiros raios de sol atravessaram as altas janelas do quarto, escutei Naira roncar, o que me fez soltar um risinho. E o sorriso que marcou os meus lábios não desapareceu. Como se o calor do sol tivesse penetrado em meu peito, senti meu coração se aquecer em amor e felicidade. Meu casamento. Era o dia do meu casamento.
Batidas na porta me fizeram saltar no lugar. Porém, antes que eu pudesse dar permissão para entrarem, Celine adentrou no quarto como um furacão. Em passos rápidos e firmes, ela atravessou o cômodo até estar diante de mim, olhou para minha amiga dormindo e depois se voltou para mim dizendo:
— Aparentemente você vê coisas quando está bêbada. O clube está limpo. Verificamos várias vezes para ter certeza. Vasculhamos a cidade também. Vamos reforçar a segurança, mas apenas como precaução.
Assenti, engolindo seco enquanto tentava processar todas aquelas informações. Não pude deixar de respirar um pouco mais aliviada, porém. Seguros... Estávamos seguros. Por enquanto.
— Que bom... — esbocei um sorriso triste, minha voz saindo como um sopro.
Celine rapidamente arrastou a outra cadeira da mesa e sentou-se perto de mim, seu rosto sempre carregando uma expressão indecifrável. Ela pigarreou.
— Você está bem?
Tive que me conter para não arregalar os olhos, surpresa com a pergunta.
— Estou.
— Não parece.
Respirei fundo, cabisbaixa.
— Algum dia isso vai parar? Esse medo de virar na esquina e encontrar alguém que não queira?
— Não. — respondeu Celine, na lata. Mas antes que eu pudesse me desanimar ainda mais, ela prosseguiu: — O medo estará sempre aí. Mas é você quem decide o quanto ele a dominará.
— O que isso quer dizer?
— Pode se esconder no medo, ou enfrentá-lo. Se escolher a segunda opção, caso algum dia você vire na esquina e encontre alguém indesejado... — ela estendeu as mãos gesticulando como se fossem garrafas. — Você será capaz de enfiar suas unhas no pescoço da pessoa.
Arqueei uma sobrancelha.
— É isso que você faz?
Ela deu de ombros.
— Você pode não ser parte da máfia, mas seu pai ainda é o Comerciante de Almas, e Nikolai é o seu futuro marido. Isso é motivo suficiente para que você treine conosco.
Franzi as sobrancelhas, confusa. Celine queria... me treinar? Para lutar e... usar armas?
— Isso é um convite?
— Se estiver disposta a aceitar.
Não... não era uma má ideia. Se eu queria parar de me sentir inútil nessa guerra, talvez estivesse na hora de começar a me defender.
— Pense sobre isso. — disse Celine, pondo-se de pé. — Por enquanto, eu tenho um presente para você. De casamento.
— Celine dando presentes? — falei, exagerando no tom de surpresa. — Eu nem sabia que você gostava tanto de mim assim.
— Aparentemente todos os Tarasova não conseguem ficar longe de você, então eu meio que aprendi a gostar. — quase. Eu quase notei um tom de brincadeira em sua voz. Celine, então apontou com o queixo para a porta. — Venha comigo.
Celine nos levou para fora da mansão. Atravessamos aquele grandioso campo verde na entrada, até chegar numa elegante cabana marrom e preta do outro lado do lago, perto do arvoredo que cercava toda a propriedade. Celine tirou uma chave do bolso e abriu a porta de entrada para mim.
— É aqui que eu vivo. — explicou ela. — Às vezes. Eu passo a maior parte do tempo da mansão.
Rústica era definitivamente a palavra que eu usaria para definir a cabana. Decorações simples, mas elegantes, com a madeira prevalecendo por todo o local. Havia um numeroso estoque de bebidas numa estante da cozinha, e uma lareira recém-apagada. Celine nos levou para o outro lado da casa, onde descemos alguns degraus para chegar numa área aberta e gramada, contudo, coberta com um teto de vidro.
Nessa área, havia um cercado. E, dentro desse cercado, tinham seis casas de cachorro, todas feitas na cor preta. Com apenas um assovio de Celine, os donos daquelas casinhas se apresentaram, correndo para fora e esticando seus corpos em nossa direção. Seis. Seis cães da raça doberman pretos, fortes e musculosos, com coleiras pratas, orelhas erguidas para cima e dentes assustadores.
Então esses... Esses eram os cães de Celine.
— Conheça Major, Annika, Sergei, Ares, Maquiavel e... Lulu. — disse Celine, apontando para cada um deles.
— Eles são... lindos? — eles eram, de fato. Mas também podiam ser tão assustadores quanto a dona. Menos o último. Lulu estava com a língua para fora, e parecia fofo demais para me causar medo. Um total contraste com o primeiro, Major. Uma parte da sua orelha estava rasgada, o que partiu meu coração. Ele era o mais sério de todos, e deveria ser o mais velho também.
— Sim, eles são. — disse ela, um tom de orgulho evidente em suas palavras. — Eles eram todos cachorros de rua, órfãos. Major, por exemplo, teve sua orelha cortada por uns bêbados nojentos que acharam engraçado fazer aquilo com um cão indefeso. Eu os encontrei em várias partes do mundo quando ainda eram filhotes e os trouxe para serem treinados. São leais, companheiros, extremamente protetores e ótimos rastreadores. São inteligentes, obedientes e até mesmo violentos, treinados para seguir meus comandos. E eu faço de tudo para eles terem tudo do melhor.
Tive que conter o sorriso ao imaginar Celine jogando a bola para eles pegarem, ou simplesmente dando afeto aos animais.
— Você é como a mãe deles. — zombei, fazendo-a me lançar um olhar mortífero.
— Eu sou a dona deles.
— Você ama eles. Está nos seus olhos.
Celine revirou os olhos.
— Está parecendo a Kessie falando. — disse ela. — Bem, agora que conhece meus cães, tem outro que preciso que conheça.
Então, Celine nos levou de volta para dentro e, ao lado do sofá, percebi que havia outra casinha de cachorro. Uma menor, e com travesseiros confortáveis dentro. A chefe de segurança se abaixou e estalou os dedos, chamando quem quer que estivesse lá dentro.
— Vem, garoto. Vem.
Rapidamente, um doberman filhote também saiu dali. Ele era tão pequeno e bonitinho que cheguei a ficar emocionada.
— Meu Deus, que lindinho! — falei, abismada.
— Pegue-o no colo. — instruiu Celine, me deixando confusa. — Vamos, chame ele para o seu colo.
Franzi as sobrancelhas, sem entender, mas o fiz mesmo assim.
— Vem cá, garoto. — me ajoelhei no chão e dei batidinhas no meu joelho. O cãozinho não hesitou em vir até mim, e eu o trouxe para meu colo. Eu estava tão perdida em sua fofura que quase não percebi quando Celine falou:
— É seu.
A encarei, espantada.
— O quê?
— Ele foi treinado para seguir seus comandos e proteger você. Usamos suas roupas para ele identificar seu cheiro. Agora que você vai se casar achei que fosse uma boa ideia... Sabe, ter alguém cuidando de você.
Eu estava tão animada que nem parei para pensar em como eles conseguiram minhas roupas. Olhei para o animalzinho, depois para Celine, meu coração repleto de felicidade.
— Obrigada. — murmurei. — Muito obrigada, Celine. Eu prometo que vou cuidar dele também.
— Sem problema. — ela se aproximou, acarinhando o cachorro em meu colo. — Quer nomeá-lo?
— Claro. — respondi, animada. — Eu tive um peixe uma vez. Eu o nomeei como Michelangelo. Talvez eu possa fazer isso de novo. Dar para essa fofura o nome de um pintor.
— E que pintor seria esse?
— Hum... — murmurei, pensativa. — Quem sabe... Salvador Dalí? — dei de ombros. — Seria até mesmo poético.
— Então esse é o Salvador?
Assenti.
— Salvador.
.
Eu estava uma pilha de nervos.
Uma verdadeira pilha de nervos.
Assim que Naira e Kessie acordaram, nós fomos buscar a minha mãe e partimos para o salão de beleza. Ficamos lá quase a manhã toda. Ao ficarmos prontas, uma limousine branca veio nos levar para o lugar do casamento, e agora eu estava esperando no meu camarim a hora de entrar.
Eu tinha tomado um calmante. Tomara também suco de maracujá. Até mesmo um gole de champanhe. Mas nada conseguia parar a minha agitação, minhas pernas trêmulas e minhas mãos suando frio.
Eu tinha falado com Nikolai pelo telefone, o que me tranquilizava um pouco. "Basta dizer sim" disse ele "e tudo isso acabará. Estaremos casados e você poderá mandar o nervosismo catar coquinho". Eu ria toda vez que me lembrava, mas ele estava certo. Era só caminhar até o altar — segurando bem firme na mão da minha mãe para garantir que eu não cairia —, dizer sim e ir para a festa. Em tese, nem era tão difícil. Mas na prática.
— Você consegue. — murmurei para mim mesma, me olhando no espelho pela milésima vez em cinco minutos. — Você consegue, Elaine.
Eu estava deslumbrante. Minha mãe até mesmo chorara quando me vira pronta. Meu vestido — feito pela minha melhor amiga — era tomara-que-caia, com decote de coração e mangas transparentes e bufantes. O vestido todo branco com detalhes de minúsculas bolinhas no mesmo tom era apertado na cintura, e descia rodado até o chão. A saia tinha tantas camadas que eu me sentia como um bolo de casamento; mas um bolo bem bonito. Se eu pudesse, vestiria apenas aquela roupa pelo resto da minha vida. Eu não conseguia parar de tocá-lo, como se fosse bom demais para ser verdade. A sensação era de estar vestindo nuvens em minha pele.
A maquiagem era rosa e prata, elegante, mas não muito carregada, perfeita para um casamento de manhã. Dessa vez, eu fiz questão de mostrar minhas sardas. E nunca tinha me sentido tão bonita.
Pelo espelho, vi a porta do camarim se abrir. Os azuis, cabelos pretos tão escuros quanto seu terno, Dimitri adentrou no lugar, quase me fazendo descontrolar minha respiração. O acompanhei com o olhar; ele não se aproximou, apenas recostou na parede e continuou me encarando através do espelho.
— Você está linda. — disse ele, num tom divertido como sempre. Apenas sorri timidamente em resposta.
— Você também não está nada mal.
— A diferença é que você é a noiva. Você tem que ser a pessoa mais bonita nesse lugar.
— E eu consegui alçancar isso?
Dimitri olhou para o chão antes de me encarar novamente. Um sorriso divertido e indecifrável despontava dos seus lábios.
— Honestamente, acho que você poderia aparecer usando um saco de batatas e ainda seria a pessoa mais bonita de qualquer lugar que fosse. — ele deu de ombros. — Mas não estou aqui para discutir sua beleza, e sim lhe entregar isso.
Dimitri ergueu uma gravata azul para mim, o que me fez finalmente me virar para ficar cara a cara com ele.
— O que eu deveria fazer com isso?
— Kessie me mandou te entregar minha gravata, ela disse que noivas tem que estar usando algo azul. Algum tipo de tradição de casamentos.
Ah. Fazia sentido. Kessie provavelmente entraria em combustão se eu não seguisse algumas daquelas tradições.
— Não posso pedir que fique sem gravata apenas por isso.
— Não se preocupe. Eu insisto. — ele estendeu ainda mais a gravata, fazendo com que eu a pegasse.
Olhei para a peça azul escuro em minhas mãos, depois para meu reflexo no espelho.
— Eu nem tenho onde colocar.
— Pode amarrar na perna.
— Eu não vou conseguir alcançar minha perna.
— Deixa que eu faço então.
Nem tive tempo de protestar. Dimitri pegou a gravata de volta e se ajoelhou diante de mim, pronto para se aventurar no mar de tecidos.
— Isso é um vestido ou uma cebola cheia de camadas? — zombou ele, erguendo a minha saia e me fazendo rir. Não consegui enxergar o que ele fazia, mas senti suas mãos ásperas contra minha pele macia e, de repente, algo foi amarrado em meu tornozelo. — Pronto.
Quando Dimitri ficou de pé, nossos olhares se encontraram. E, por um instante, eu jurei que pude ver toda a nossa história refletida em suas esferas oceânicas.
— Case com ele e seja muito feliz, Elaine. — disse ele, nada além de sinceridade em sua voz quando beijou minha bochecha e se direcionou para a saída.
— Espera! — o chamei, fazendo-o parar já com a mão na maçaneta. Deixei que seu olhar intenso tomasse conta de mim, que ele visse em minha alma. Eu estava certa quando pensei que, não importava quanto tempo passasse, aquela imensidão azul sempre mexeria comigo de formas inexplicáveis. — Me chame de Lis. Me chame de Lis uma última vez.
Dimitri sorriu, triste.
— Adeus, Lis.
E finalmente eu me senti pronta para me casar com Nikolai.
.
Minha mãe veio me buscar. Estava na hora.
Segurando firme em meu braço e repetindo que eu conseguria e falando o quanto estava orgulhosa de mim, minha mãe me guiou até o local do casamento. Naira minha madrinha, nos aguardava atrás das portas; ela entraria pouco antes de nós.
Mas Naira... Naira não parecia bem. Estava pálida, trêmula, como se estivesse prestes a vomitar ou desmaiar. Então, me aproximei dela, preocupada, e segurei em seu braço para fazê-la me encarar.
— Naira, você está bem? Precisa se sentar, ou de um copo d'água? Podemos pedir mais alguns minutos...
— Não. — disse ela, olhando diretamente nos meus olhos. Pude ver as lágrimas que ameaçavam cair e a tristeza em seu olhar. — Eu estou bem. Eu só... Elaine, eu...
— Está tudo bem, estou aqui. — ofereci um sorriso gentil.
— Desculpe, eu... — ela enxugou as lágrimas. — Não sei o que deu em mim. Acho que um pouco de saudades dos meus pais, só isso.
Me senti uma péssima amiga. Estava tão animada com o casamento que nem pensei... Não pensei em como Naira deveria se sentir. Se algum dia ela se casasse, ela não teria nenhuma família para comemorar com ela, ou pais para levá-la ao altar. Nem sua filhinha recém-nascida para carregar as alianças...
— Ah, Naira... — a envolvi num abraço forte. — Eu sinto muito. Quer conversar sobre isso? Eu realmente não me importo de atrasar alguns minutos.
— Não. — negou ela mais uma vez, convicta. — Eu estou bem, eu juro. Nikolai está te esperando.
— Qualquer coisa eu estou aqui.
Ela suspirou e deixou escapar palavras que eu não fazia ideia do que significavam:
— Esse é o problema.
Antes que eu pudesse processar aquilo, as portas se abriram, a música nos invadindo. Naira não olhou para mim ao entrar na cerimônia. Então, tudo que eu pude fazer foi segurar nos braços da minha mãe e esperar a minha hora de entrar também.
— Pronta? — indagou ela. E não havia uma sombra de dúvida quando respondi:
— Pronta.
•
não vou nem enrolar e vou direto ao ponto; bem-vindes aos últimos 3 capítulos do livro.
o de hoje, mais um que será postado na quarta e um na sexta-feira. preparem-se.
agr que o aviso foi dado... como vcs estão? as aulas ou o trabalho de vcs já começou?
bjss e até quarta-feira pra o penúltimo capítulo!
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