Capítulo 8
Amor, uma palavra doce,
Que machuca quando arrancada do peito.
Sentir-me-ia melhor se apagada fosse,
Mas infelizmente não há, para esse infortúnio, jeito.
De: Yolanda Morgan
— É pra você — sussurrou.
— Eu? — murmurei, quase sem voz.
Kalel assentiu e pegou os recipientes que estavam sobre a mesinha, para, em seguida, levá-los à cozinha. Eu fui até à porta, ainda confusa. Sabia que se fosse meu tio, teria entrado sem cerimônias. Então, quem poderia ser?
— Oi? — disse, com uma das sobrancelhas arqueadas. — Você por aqui?
— É, Yolanda, não é? — disse.
Era Derek.
— Sim. Quer entrar?
— Não, não precisa. Obrigado. Eu só vim saber como você está. A minha mãe, ela... Ficou preocupada contigo. Tentou te ligar, mas disse que você não atende.
— Acho que descarregou — falei, referindo-me ao celular.
— Eu disse que viria ver como está, perguntei ao seu tio o endereço do seu namorado. Me desculpe se estiver sendo inconveniente, é que eu não aguentei ver minha mãe daquele jeito e...
— Ei — interrompi. — Calma. Está tudo bem, não precisa se desculpar. Diga a ela que eu estou bem, que não precisa se preocupar. Eu só saí correndo porque não gosto de enterros. — Tentei amenizar a situação, para que meu sofrimento não transparecesse. Não queria contaminá-lo com a minha tristeza, notava-se que também estava muito abalado.
Dominic sempre me falava sobre Derek, e sobre a admiração que tinha pelo irmão. Eu sabia muitas coisas sobre ele, como sua data de aniversário, que sempre era comemorada pelo irmão, mesmo de longe. Sabia que havia cursado medicina e se especializado em neurologia. Sabia que não gostava de comida japonesa, e também de dias muito quentes. Talvez ele não soubesse nada sobre mim, mas eu tinha noção do quanto era admirado pelo meu melhor amigo.
Seus olhos estavam inchados, era estranho porque eu não o havia visto chorar durante o enterro, então eu entendi. A saída para me ver foi uma simples desculpa para que a mãe não o visse chorando. Apesar da moradia distante, ele e Dominic eram muito ligados, eu percebi o quanto se sentia mal.
— E você, está bem? — perguntei.
— Sim, eu só... — Ele respirou fundo.
Silêncio.
— Ele era meu irmão, né? — disse, com a voz embargada.
Foi um impulso, sim, eu não abraçaria um estranho, assim, por nada, mas o fiz. Sua estatura, maior que a minha, permitiu que me encaixasse em seu corpo, posicionando meus braços em volta de seu tronco, pela cintura. Era diferente do corpo esguio de Kalel, e também não era como Dominic. Foi um abraço estranho, mas confortável. Senti sua respiração descompassada e notei que chorava. Me segurei para não cair em pranto.
— Ele vai fazer muita falta pra mim também — comentei, em um tom quase inaudível, mas ele escutou.
— Eu sei. Você era muito especial para o meu irmão — respondeu, quando nos soltamos.
— Então, é... Acho que agora eu vou entrar. Preciso tomar um banho, tirar essa roupa suja, tomar um analgésico.
— Espero que fique bem — comentou, segurando uma de minhas mãos pela ponta dos dedos.
— Vou ficar — menti.
— Posso ligar depois, pra saber como está?
— Acho melhor, não. Eu não quero falar sobre esse assunto. Quanto mais me perguntarem se estou bem, pior eu vou ficar.
— Eu entendo — replicou.
— Dá um abraço nos seus pais, e cuide deles. Assim que estiver melhor, eu passo lá para vê-los.
Derek assentiu, sacolejando a cabeça.
— Então, até outra hora.
— Até. — Acenei, esperei que saísse da varanda e fechei a porta.
Escorei minha testa no metal, ainda com a mão na maçaneta. Deixei as lágrimas saírem. Senti Kalel se aproximar e colocar as mãos em minha cintura.
— Kalel, eu... — tentei falar, antes mesmo de me virar, mas meu namorado me interrompeu.
— Não precisa me dizer nada. Só sai dessa porta e senta aqui.
Ele me deu sua mão e eu voltei para o ponto de partida, o sofá.
É uma dor sem tamanho, não é algo que suma com um comprimido. Foi como se me desferissem facadas diversas, dispersas por meu corpo frágil. Não imaginava um futuro sem eles. Até mesmo o casamento com o qual sonhava quase todas as noites, não fazia mais sentido sem meu pai para segurar minha mão enquanto a marcha nupcial fosse tocada. Não fazia sentido, sem Dominic como um dos meus padrinhos. Não faria sentido apagar os dois dos meus sonhos futuros. Não existe borracha para a vida real. A imagem deles ainda permanecia impregnada nos meus desígnios mais profundos, ainda que embaçadas ou em preto e branco.
— Vou tomar um banho — disse e me levantei em um impulso.
***
— Pai. Acha que um dia eu vou embora dessa casa? — perguntei, sentada no sofá, aconchegada em seus ombros.
— Quando se casar, formar uma família, não vai querer ficar aqui com esse velho babão.
— Eu não vou abandonar vocês. Nunca nessa vida. O Kalel que se acostume, porque eu não saio daqui.
Olhei para seus rostos e notei que seus olhos estavam cheios de água.
— Falei alguma coisa de errado? — perguntei.
— Errado? — Deu um sorriso. — Eu só não consigo entender o porquê desse apego todo.
— Nós temos uma casa feliz, eu amo vocês, não tem motivo pra ir embora.
— Eu amo você demais, minha filha — falou.
Me surpreendi, não era de dizer esse tipo de frase. Limitei-me a responder:
— Eu também, pai. Eu também.
***
Já havia perdido a noção de quanto tempo estava embaixo do chuveiro. Apenas despertei do transe quando Kalel bateu na porta do banheiro, preocupado.
— Yolanda! Tá tudo bem aí?
— SIM! — respondi. — Já saio.
A verdade é que, por mim, ficaria ali pelo resto da vida. Não estava de pé, assim que entrei no box, deixei meu corpo escorregar pelo azulejo e me sentei no chão, embaixo da água. Assim permaneci, até que ele me chamasse.
Quando criei coragem de me levantar e desligar a água, percebi que meus dedos estavam todos enrugados. Senti como se fosse uma visão do futuro. Depois de certa idade, sem nenhuma das pessoas que um dia amei, sozinha, sentada em uma varanda afastada. Doeu.
Me sequei com cautela, para não ferir ainda mais os machucados das mãos. Coloquei um vestido amarelo, desbotado, de alças finas e tecido mole. Estava já há um tempo na casa de Kalel, e eu gostava de usá-lo, era confortável.
Penteei meus cabelos e saí do banheiro. Percebi a porta do quarto aberta, ele estava sentado na ponta da cama, com as mãos no rosto. Mais uma vez eu não tinha sido capaz de enxergar além de mim mesma. Ele e meu pai tinham uma relação de pai e filho, como eu fui capaz de não perceber que também estava sofrendo com aquela tragédia.
Coloquei meu celular para carregar, no criado mudo ao lado da cama. Sentei-me ao seu lado, sem dizer nada. O envolvi com meus braços e o puxei para que deitássemos. Já era quase noite, a luz estava apagada. Nos abraçamos e ficamos ali, sofrendo em sintonia... Não sei se por conta dos olhos inchados, mas o sono começava a dar seus sinais. Eu piscava devagar, Kalel passava sua mão sobre meus cabelos úmidos enquanto suas lágrimas também abandonavam sua face e caíam sobre o travesseiro.
— Dorme, amor — murmurou.
Fechei os olhos e assenti. Enfim consegui descansar...
Acordei já com o sol entrando pelas frestas da janela fechada. Um som nada agradável incomodava meus ouvidos. Kalel esfregava os olhos e bocejava, enquanto eu, ainda sonolenta tateava o móvel ao lado da cama. Era meu celular que tocava. Deslizei o ecrã e atendi:
— Oi — falei, não havia visto quem era.
— Oi, é a tia Junne. Vem aqui pro hospital, precisamos conversar.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top