Capítulo 39

— Sh... Deixa eu limpar isso aqui — falei, passando o algodão umedecido sobre o corte na face de Kalel. — Não deveria ter feito isso.

— Ele está pior. — Kalel deu uma risada curta e pôs a mão sobre o abdômen.

Por um momento parei de movimentar a mão sobre seu rosto e olhei fixamente os seus olhos. Tanto tempo não tinha aquele contato com Kalel, mesmo ferido ainda me parecia tão lindo.

— O que foi?

— Nada — respondi e me afastei um pouco.

Ele desviou os olhos e os pousou sobre minha barriga, que estava à frente de seu tronco. Permaneceu dessa forma por alguns segundos ininterruptos.

— É normal? — perguntou.

— O quê? — questionei com a sobrancelha esquerda arqueada.

— Não sei. Do nada parece que... Eu não sei...

— Espera. — Desdobrei o joelho e fiquei em pé, completamente. Coloquei os materiais de primeiros socorros sobre a outra poltrona e voltei a ficar em sua frente. — Me dá sua mão — Estiquei meu braço, Kalel ainda parecia desconfiado —, anda! Dá a mão.

Os seus dedos encontraram os meus, ainda um pouco medrosos. Ele estava indo contra os seus princípios, contra o seu orgulho e o seu ego, mas eu consegui perceber a inquietação e a vontade de fazer aquilo. Ela era maior que os seus desejos superficiais.

— Sente. — Pus a palma da mão direita dele sobre a lateral esquerda do meu ventre.

Ele engoliu em seco, parecia tímido como da primeira vez em que me roubara um beijo.

— Não precisa ter medo, só esquece que existe esse monte de camadas entre vocês dois. — Dei uma risada curta e ele a tomou como incentivo.

Kalel se ajeitou no sofá e pressionou a mão com um pouco mais de carinho sobre minha barriga. A encarava como se fosse algo de outro universo, tentava entender como aquele fenômeno acontecia dentro de mim. Eu percebi tudo isso enquanto observava suas pupilas. Enquanto o via perdido em pensamentos indecifráveis, senti um movimento pequeno que podia ser notado pelo toque. Kalel ergueu os olhos arregalados.

— Você gostou do carinho do papai, Dom? — perguntei com um meio sorriso formado no canto dos lábios. — Você gosta, não é?

— Foi ele que mexeu?

— Foi sim. Ele gostou de você, ao que parece. Ou quer te bater — brinquei.

Kalel sorriu. Eu sentia tanta falta daquele sorriso quando fazia minhas piadas idiotas.

— Eu... posso? — Moveu o pescoço em direção à minha barriga e eu assenti.

Meu ex namorado colou a orelha direita acima de onde suas mãos estavam e eu notei seu pomo de Adão subir e descer duas vezes. Ele estava nervoso, ansioso, mas eu sabia que ele precisava daquele contato próximo com o nosso filho.

— Yolanda — disse ele enquanto se afastava. Sua mão segurou a minha e ele indicou o sofá para que eu me sentasse. — Eu queria pedir perdão mais uma vez pelo comportamento da Rose. Eu não sabia que ela iria fazer uma coisa dessas.

— Não esquenta. Já foi — respondi e movi meu corpo em sua direção, ficando ainda mais perto de seu braço. — Eu tenho é que te agradecer por me defender daquele jeito. Fiquei com medo de que se machucasse.

— Eu não iria deixar te incomodarem outra vez. Mesmo que eu saiba o que aconteceu entre vocês e... — Kalel expirou.

— Será que agora você vai me deixar explicar o que aconteceu?

— Olha, Yolanda. O seu tio me contou. Eu juro que tentei encontrar alguma coisa que justificasse o que você fez, mas não existe. Eu sinto muito.

— Eu sei — falei, tomando a culpa inteiramente. Era minha. Eu sabia. — Mas eu queria dizer que eu nunca deixei de amar você, em nenhum momento. Eu fui uma idiota, eu não mereço perdão e nem quero. Não vou pedir algo que eu sei que não é meu merecimento. Mas eu quero que tenhamos uma relação saudável, por esse bebê. Ele não tem culpa de nada do que eu fiz. Fui uma completa imbecil, mas ele não sabe disso.

— Com isso eu concordo, Yolanda. — Ele moveu a cabeça para baixo, com os lábios levemente contorcidos. — Eu acho que somos maduros o bastante para separarmos as coisas. Além disso, quero ser mais presente em todas as etapas. Quero ir com você a todos os exames, consultas, compras. Quero fazer parte da vida de vocês como o pai que o Dom merece.

Meu coração se aqueceu quando o ouvi pronunciar tais palavras. O que mais me entristecia era saber que eu havia jogado fora o meu relacionamento com um rapaz incrível por conta de um capricho, carência e falta de discernimento. Me entreguei a Derek sem nem mesmo saber se, no futuro, ele seria a pessoa maravilhosa que mostrou-se no começo. Óbvio que, em dado momento, eu já sabia que era praticamente impossível que ele fosse uma pessoa digna.

— Então... — Eu envolvi os dedos de Kalel entre as palmas das minhas mãos, como uma concha, molhei os lábios e encarei o mais profundo de suas íris. — Você aceita ser meu amigo?

Kalel esticou os lábios para os lados, deixando sua face machucada ser estampada por um sorriso vivo e acolhedor.

— Eu prometo ser o melhor — falou. — Você é a mãe do meu filho. Sempre vai ser um pedaço de mim.

— Kalel. Eu só queria te pedir uma coisa. — Contraí a expressão. — Será que pode manter isso entre nós? Essa nossa amizade e as outras coisas. Depois do que a Rosemary disse, eu não sei se quero ela participando do que tiver relação com o Dominic.

— Eu vou conversar com ela sobre isso. E se te deixa mais confortável, prometo mantê-la longe de tudo que estiver ligado ao bebê.

— Obrigada, Kalel — eu falei, ao tempo em que estendia os meus braços.

Ele correspondeu-me com um abraço fraterno, enquanto eu repousava a cabeça em seu ombro. Era o começo de uma amizade. Uma amizade que eu queria que fosse algo mais. Na verdade, eu gostaria de voltar no tempo e apagar todos os meus erros, mas que graça teria a vida se pudéssemos apagar todas as nossas experiências? Elas nos fazem quem nós somos, e eu era uma humana arrependida, cheia de remorso, mas que tinha uma certeza: fazer tudo certo com o bebê, para que ele se orgulhasse da mãe que tinha.

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