Capítulo 38

Eu já me sentia bem melhor, na verdade, a agulha curvada mal colocada no meu braço já doía mais que a cabeça. No entanto, o remédio fora realmente bom. Conseguia andar sozinha, perfeitamente bem, mas a enfermeira fez questão de me acompanhar até a saída.

— Se cuida — disse ela, enquanto eu passava pela porta vai-e-vem de madeira.

— Obrigada — respondi.

Minha mãe estava de pé, com as mãos juntas perto do peito, estava certa de que ela estava orando. Meu tio parecia preocupado, estava conversando com Kalel, que, de braços cruzados, sorriu quando me viu aparecer.

— Graças a Deus, minha filha — falou minha mãe conforme caminhava na minha direção.

— Ai, mãe — disse quando ela me abraçou com força.

— Vocês dois...? — sussurrou em meu ouvido, fazendo um gesto com a cabeça.

Arregalei os olhos em sua direção e ela disfarçou. Fomos até Kalel e John, e depois de eu dizer que estava tudo bem e que eu já estava ótima e pronta para voltar para casa, andamos os quatro até a saída.

Meus olhos foram de encontro ao carro parado do outro lado da rua, eu o conhecia, e o conhecia bem.

— Yolanda — uma voz chamou, vinha do lado direito, perto da entrada de uma lanchonete que havia próximo ao hospital.

— Derek? — Olhei em sua direção, por impulso.

Minha mãe, que estava ao meu lado, segurou minha mão direita com força, John revirou os olhos e Kalel cruzou os braços. Havia pouca gente naquela parte da calçada.

— Posso falar contigo? — perguntou, como se os outros não estivessem ali.

— Olha, eu acabei de sair do hospital, não legal — respondi, dando um passo para trás.

— Eu fiquei sabendo que passou mal, fui até a sua casa, saber do bebê, mas o vizinho disse que...

— Derek, eu não quero conversar com você — repeti.

— Menino, é melhor ir embora — minha mãe disse, ela sempre era carinhosa com todos.

— Vamos embora — disse John.

— Deixa só eu falar com a Yolanda, é que...

— Cara, ela disse que não quer falar com você. — Kalel se impôs e deu dois passos à frente.

A rua estava cada vez mais vazia, o único casal que passava por ela, naquele momento, atravessou a próxima esquina.

— Yolanda — Derek me chamou, ignorando completamente a intervenção de Kalel.

— Olha aqui, deixa ela em paz. — Kalel ficou face à face com Derek. Eu dei um passo à frente.

— Kalel, deixa isso pra lá.

Eu sabia que havia muito mais rancor naquela conversa do que apenas a vontade de fazer com que Derek me deixasse em paz.

— Resolveu ser homem agora? — Derek cruzou os braços, ficando ainda mais próximo de Kalel.

— Você não sabe nada sobre mim. — Meu ex-namorado ergueu o indicador frente à face de Derek, que revidou com um empurrão.

— Kalel, não! — gritei e tentei ir para onde os dois estavam, mas John me segurou.

— Você não passa de um babaca, mentiroso! — retrucou Kalel, devolvendo o empurrão com mais intensidade.

— Leva a Yolanda daqui — John sussurrou para minha mãe, mas eu sacudi a cabeça e me soltei.

Enquanto isso, em minha frente, o calor da discussão dos dois só aumentava. Ao longe, alguns curiosos observavam a cena, sem intenção de se intrometerem nela.

— É a última vez que eu falo, deixa a Yolanda em paz! — Kalel peitou Derek de uma forma furiosa com a qual eu nunca o havia visto.

A resposta foi um sorriso cínico que brotou no canto dos lábios do homem em sua frente, antes de bater palmas duas vezes com ironia.

— Uma bela cena para quem abandonou a namorada e depois ficou ofendidinho porque ela preferiu a mim. — Fez uma pausa. — No fundo ela sabe que eu sou o que ela quer.

Mal pude ouvir o fim da frase, o barulho da colisão entre o punho fechado de Kalel e a face de Derek interrompeu o falatório.

— Tio, separa! — gritei.

— Eles precisam se resolver. Deixa. O Kalel sabe o que está fazendo — respondeu pondo o braço em minha frente, para que eu não interferisse, e olhando para os dois.

Derek estava tentando se defender, e apesar da musculatura, parecia menos habilidoso. Dois golpes no abdômen de Kalel foram o máximo que conseguiu desferir, depois levou três no rosto.

— Seu filho da puta! — disse Kalel entre os dentes enquanto se livrava das mãos de Derek presas em seus braços e acertava mais uma sequência de socos descoordenados em seu rosto.

Linhas de sangue já escorriam dos dois, mais de Derek que de Kalel, que apenas tinha dois arranhões ao lado da boca e um na sobrancelha. Já o outro sangrava nos lábios e o nariz também já estava rubro pelo líquido espesso.

— Tio, por favor! — implorei.

— John, separa! — minha mãe também pedia.

Os dois ainda estavam no chão, engalfinhados, quando meu tio deixou nós duas e foi até eles, tentar apartar a briga que já era assistida por cerca cinco ou dez pessoas, além de mim e da minha mãe.

Foi uma missão complicada, por três vezes John tentou puxar a camisa de Kalel, fazendo com que soltasse Derek. O rapaz estava quase sem consciência no chão.

— Chega, Kalel. Vai matar ele! — bradou John com a maior força sendo exercida por suas mãos grandes e brutas.

— Desgraçado! — Kalel continuava se debatendo para não deixar a briga acabar, Derek apenas se esquivava.

— Meu filho, chega. — Foi a vez de minha mãe pedir.

Era como se um anjo soprasse nos ouvidos do meu ex-namorado. Ele parou de se movimentar com brutalidade e arrastou o corpo para o lado. Erguendo-se em seguida e ficando completamente de pé. Ele limpava o sangue do rosto enquanto minha mãe me prendia para que não corresse até a confusão.

— Acabou — disse John, empurrando com cuidado Kalel para  o lado onde nós estávamos, depois se abaixou ao lado de Derek.

— Acho que... Ah! — O rapaz caído contorceu a face. — Meu nariz quebrou.… Yolanda — me chamou. Seu olhar era de súplica.

— Tio — falei e John me encarou. — Ajuda ele a chegar lá dentro do hospital. — Ele voltou a pôr a mão no rosto e tentava se levantar. Me soltei de minha mãe e caminhei até Kalel. — Você tá bem? — perguntei baixinho, levando meus dedos finos até o seu rosto manchado. — Acho que não foi muito profundo — completei. — Vem, a gente te ajuda.

— Ele não quer mais você, sua imbecil! — Derek deu um sorriso, mesmo sujo de sangue e sentindo dor por todas as partes do corpo.

— Do que chamou ela? — meu tio questionou retoricamrnte.

Eu engoli em seco.

— Deixa, tio — falei.

— Se vira. — Meu tio se levantou, saiu do lado dele, que foi amparado por outras pessoas que estavam no local, e caminhou até nós.

Kalel apoiou-se nele, que era mais forte que eu e minha mãe, mas eu continuei ao seu lado, com uma das mãos em seu abdômen.

— Consegue andar até o carro? — meu tio perguntou.

Kalel assentiu e contraiu a face, ele mancava. Fomos os quatro até o automóvel de John, onde colocamos Kalel sentado no banco de trás. Ele não parecia ter nada grave e se recusou a ir para o hospital, decidimos levá-lo para nossa própria casa.

— Depois eu mando um colega meu vir buscar seu caminhão. Não se preocupe. — Meu tio bateu a porta e sentou-se no banco do motorista, ao lado de minha mãe, e girou a chave na ignição.

— Ei... não... liga — se esforçava para falar —, pro que aquele idiota....

— Sh! — O interrompi. — Deixa isso pra lá. 'Tá bem mesmo?

Ele anuiu e eu pus uma das mãos em seus ombros.

— Não pensa nisso agora. Eu vou cuidar de você.

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