Capítulo 36
Eu não me lembro muito do que aconteceu entre o tempo que senti a primeira dor e minha chegada ao hospital, só me recordo da figura de John e minha mãe, me sustentando para que caminhasse sem problemas até a entrada. Eu temia pelo meu menino, meu bem-estar só importava pelo bem-estar dele. Fui levada para um consultório afastado, perto de onde ficavam as gestantes prestes a dar à luz. A doutora de plantão aferiu minha pressão sanguínea e os batimentos cardíacos.
— A dor de cabeça é por conta da pressão, está alta demais — disse ela. — É recorrente durante a gestação? — perguntou.
— Não. É a primeira vez — minha mãe respondeu por mim.
— Se alterou por algum motivo, Yolanda?
Olhei para Justine, ao meu lado. Depois voltei os olhos à doutora e assenti.
— Vou te deixar em observação um pouco, está bem? Você vai ser medicada, e vou pedir para que quando sair daqui, repouse e evite estresses.
— Ela vai descansar, sim, doutora. Pode ter certeza — disse minha mãe.
John havia ficado do lado de fora, bem que quis entrar, mas não pôde. Depois de indicar o local onde eu ficaria, a doutora saiu para outro atendimento. Uma enfermeira, que ficou incumbida de cuidar de mim, me ajudou a deitar na cama hospitalar e alocou o acesso em meu braço, para que recebesse o medicamento via soro.
— Vou ali no outro quarto, já volto. Qualquer coisa, peça para que sua mãe me chame — disse ela.
Eu agradeci e assenti.
Comecei a sentir um alívio que percorria todo o meu corpo, a dor de cabeça foi se diluindo aos poucos, perdendo a força.
— Mãe — chamei.
— O que foi, querida? — perguntou.
— Vai lá avisar o tio John de que vamos demorar aqui. Ele deve estar preocupado.
— A enfermeira vai dizer — disse ela. — Agora descansa.
— Mãe — chamei outra vez. — Está tudo bem.
— Eu sei querida. Eu sei.
— Não, eu não estou falando disso — retruquei.
Minha mãe franziu a testa e se aproximou mais.
— Está tudo bem... Se você e o tio John quiserem ficar juntos.
— Não, Yolanda. Não é isso que está pensando.
— Não precisa mentir pra mim, mãe. Vocês dois têm passado bastante tempo juntos, não precisa fingir que é só por minha causa.
— Minha filha — Ela segurou em minha mão —, existe muita coisa que você não sabe.
— Então, pode me contar. Eu já disse que não vou esquentar a cabeça se vocês dois quiserem ter um relacionamento. Ele é solteiro, você não tem mais o papai, não precisa ficar sozinha para o resto da vida.
— Não é sobre isso, Yolanda. — Minha mãe desviou o olhar, parecia incomodada. — Quando você estiver melhor, conversamos.
O silêncio pairou no ambiente, era possível escutar vozes em outros cômodos, barulhos comuns de um hospital cheio.
— Acha que o Kalel mandou a Rosemary ir até a nossa casa? — perguntei, olhando para a bolsa de soro.
— Sinceramente, minha filha — Caminhou ao lado da cama, com os braços cruzados —, não. O Kalel é um rapaz muito bom, eu não acho que seria capaz de uma coisa dessas. Já essa tal de Roselie...
— Rosemary — corrigi.
— Isso. Aquela carinha de menininha da mamãe não me engana, não. Foi te afrontar, isso sim. E sabe por quê? — disse e eu a encarei. — Porque ela sabe que ele ainda gosta de você.
— Ah, mãe. Para com isso. O Kalel não me suporta.
— O ódio é uma linha tênue com o amor, Yolanda. Acha que ele te evita a todo custo, por quê? Ele sabe que se ele se aproximar, não vai conseguir se afastar de você de novo.
— Que seja, eu não sou digna do amor dele outra vez.
— Eu não te criei desse jeito — me advertiu. — Você sempre soube que nós crescemos, erramos, nos arrependemos e mudamos. Todo ser humano já fez uma besteira na vida, você não foi a primeira, não é especialidade sua.
Engoli seco.
— Não se puna mais. Você já pediu perdão a quem devia, agora é olhar para frente e não pisar mais na bola. Se o destino o trouxer pra você novamente, e você ainda gostar dele, eu não quero que você se sabote por culpa. Isso já acabou, e eu ordeno que pare de se lastimar. Chega!
Pisquei algumas vezes, deixando que o brilho molhado dos meus olhos escorresse e mordi o lábio inferior. Minha mãe se sentou na poltrona ao meu lado e pegou o celular, que estava dentro da bolsa. Minhas pálpebras começaram a pesar e eu senti meus sentidos se desligarem, um por um...
Um jardim muito extenso, era como eu defino o que vi. Estranho, pois quase nunca lembro dos meus sonhos, mas aquele se impregnou em minha mente e eu nunca mais o esqueci. Talvez pela infinidade de sensações que tive naquele lugar, naquele jardim infinito. Eram rosas, dos mais variados tipos, me lembrei imediatamente do meu livro favorito de poemas, aquele no qual eu rabisquei os meus primeiros versos. A minha autora favorita amaria aquele lugar, era isso que eu pensava. Ao lado, um fileira de tulipas azuis, e uma imensidão de gérberas que desciam e subiam pelos colinas que eu enxergava. Algumas borboletas brancas batiam suas asas sobre as plantas, e o cheiro que vinha das árvores era de chocolate.
— Não foi até nós, hoje — disse uma voz afetuosa, em minhas costas.
— Pai? — Virei-me e pude encarar a sua figura.
Estava tão clara, tão calma, emanava uma luz intensa que parecia vir de trás de seu corpo. Não demorei a me jogar em seus braços, eu me recordo até hoje de como foi o calor daquele abraço. Ele sorriu, eu sentia o seu peito subir e descer, era como se respirasse. Mas como?
— Pai, eu tenho tanta coisa pra te contar, eu...
— Sh! — Me interrompeu. — Eu sei de tudo. Você sempre me conta — ele disse.
— Quer dizer que você ouve as coisas que eu falo lá no...
— Sim, minha menina. Eu ouço tudo. Eu ouço o que você diz, eu sinto quando chora. Mas eu não gosto muito dessa parte — comentou.
— O senhor está bem, pai? — perguntei com os olhos marejados, olhando para ele dos pés à cabeça.
— O que lhe parece? — Ele sorriu.
— Eu nunca o vi tão bem em toda minha vida — respondi e o abracei outra vez.
— Muitas coisas nós não entendemos. — Ele segurou em minha mão e começou a caminhar, eu o segui. — Mas é besteira ficar sofrendo e lamentando por quem já foi — falou. — Existe uma coisa chamada "saudade", ela é até boa, e faz bem sentir saudade, mostra que existe amor. Mas obsessão por quem já partiu, isso não é nada bom.
— Está dizendo isso por que eu pus o nome do bebê de Dominic Joseph?
— Não, minha filha. Estou dizendo isso porque eu não quero que você o trate como se fosse nós dois. É uma homenagem muito bonita, mas isso não o transforma em quem já partiu. Nós vivemos uma vida maravilhosa ao seu lado, e agora nós estamos em uma eternidade maravilhosa aqui — falou. — Essa criança merece ter a própria felicidade única, uma que não seja o peso de ser uma nova versão de nós dois.
Eu anuí e dei um sorriso, havia compreendido o que ele queria dizer.
— E cadê ele, pai? — perguntei.
— Ouvi dizer que recebeu uma tarefa — respondeu.
— Tarefa?
— É. Não costuma acontecer muito isso por aqui, mas acho que tem a ver com subir de patamar ou algo do tipo. Antes de sumir, ele disse alguma coisa como "continuar em espírito a missão que ele tinha na terra." — Meu pai se abaixou, pegou uma rosa e me entregou. — E por falar nela, você já passou tempo demais aqui.
— Mas, pai. Eu preciso...
— Yolanda — Ele segurou meu rosto —, está na hora. Eu te amo. — Deu um beijo em minha testa e eu senti o chão ceder, mas de uma forma suave.
Meus pés flutuaram por alguns instantes, as mãos, antes amparando a rosa, tornaram-se vazias, e eu pude sentir o colchão abaixo de meu corpo. Meus dedos foram a primeira parte do meu corpo que consegui mover. Às pálpebras foram em seguida, mas ainda estava tudo muito embaçado. Estiquei o meu braço um pouco, ainda com a visão turva, e toquei a mão que estava sobre a cama, procurando algo físico real no qual me agarrar para voltar à realidade. Uma onda de voz percorreu minha garganta e eu balbuciei:
— Mãe.
Senti o suor frio que emanava da pele e apertei a mão com mais força, enquanto notava a visão limpar e a figura se aproximar mais de mim, da minha face.
— A sua mãe foi tomar um café, você dormiu bastante.
— Kalel...
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top