Capítulo 30
Sete dias se passaram depois de minha visita ao cemitério e eu senti que, depois da tragédia, aqueles foram os dias em que mais me aproximei de minha mãe. Trocamos o dia de filme, e ao invés de vermos no sábado, optamos pela sexta. Ter meu tio em nossa casa era bom. Ele sempre foi um homem bem humorado e, mesmo que estivesse triste e sofrendo, tentava nos alegrar todos os dias. Fosse com suas piadas ou o seu jeito largado e descontraído.
Era uma da madrugada, eu sabia exatamente a hora porque não parava de encarar o relógio, minuto a minuto. Não conseguia dormir.
— O que você ‘tá fazendo aí a essa hora, menina? — John tentava manter os olhos completamente abertos. Ele passou por mim, sentada em uma das quatro cadeiras da mesa e foi até a geladeira. Serviu-se um copo de água e se sentou também. — Precisa conversar? — questionou em sussurros.
Suspirei. Aquilo estava me matando.
— Na verdade, eu preciso — admiti.
— Tem a ver com o lugar onde você foi semana passada?
Eu olhei para o relógio mais uma vez, uma e quatro.
Balancei a cabeça em negação e pressionei os lábios.
— Quer me dizer? — Ele gesticulou com as mãos sobre a mesa, fazendo com que o copo se movesse alguns milímetros de lugar. — Sabe que eu estou aqui pra ajudar. Eu e sua mãe queremos o seu bem.
— Não, a mamãe, não. — Eu o interrompi. — Por favor, eu preciso que isso fique só entre nós. Eu não quero preocupar mais a minha mãe.
— Está me assustando, Yolanda.
Mais uma vez eu encarei o relógio. Uma e seis.
— Não precisa ficar assustado, tio John. Eu só não quero meter a minha mãe nisso por enquanto.
— Então me fala! — murmurou.
Senti meus órgãos se contraírem dentro do corpo, como se eu fosse esmagada de dentro para fora. Eu precisava externar e confiava em meu tio o bastante para isso, mas eu tinha medo. Ele me encarava quase que puxando as palavras para fora de minha boca.
— Tio. Faz duas semanas que... Eu descobri que eu... Eu... — Gaguejei.
— Anda, menina — falou em tom de ordem. Eu pedi que abaixasse a voz colocando o indicador sobre a minha própria boca.
— Tio, eu... Estou grávida.
Quase pude ver o queixo de John ir contra a mesa. Ele arregalou os olhos e bufou. Seus dedos encontraram seus cabelos e ele pressionou os lábios, olhando para o alto.
— Tem certeza? — Voltou a me olhar.
Anuí.
— Você... é... Como eu vou perguntar isso?
— Se eu sei de quem é? — questionei, ele fez que sim. — Sim. Eu sei — respondi e olhei para baixo.
— E então? — Moveu a cabeça em minha direção, como se fosse um interrogatório. — De quem é?
— De quem é o quê? Vocês dois não vão dormir, não? — Minha mãe apareceu no corredor, com o hobby jogado sobre o corpo de maneira desleixada e os cabelos bagunçados.
Engoli seco.
— De quem? Ah, não, mãe — menti. — O tio me perguntou pra quem é. Estava falando de um poema que eu fiz — disse.
— Essa hora? — Ela olhou para o relógio. — Eu não sei vocês, mas eu preciso dormir. Com esse cochicho todo, está meio complicado
— Desculpa, mãe. — Me levantei. — Boa noite, tio. Amanhã eu te digo para quem é a poesia.
Ele me olhou de soslaio enquanto eu deixava o cômodo. Dei um beijo na bochecha de minha mãe e fui para o meu quarto. Eu realmente não queria ter aquela conversa com ela naquele momento. Eu não sabia nem mesmo se eu iria permanecer ali naquela casa, naquela cidade. Eu quis sumir e me esconder, cada dia mais eu tinha a certeza de que aquilo seria mais aparente. Quem iria me aceitar?
Foi uma tentativa falha de dormir. Eu virei para todos os lados possíveis, contei carneiros, ovelhas, bois... Nada adiantou. Como se já não bastasse, também uma azia me acometeu. Precisei empilhar todos os travesseiros que tinha até que formassem uma espécie de paredão atrás de mim, onde me escorei.
Consegui cochilar em alguns momentos, mas as imagens de tudo que eu fiz sempre me atormentavam.
Havia descoberto a gravidez há dias, mas consegui manter tudo em sigilo absoluto. Enjoei, vomitei e senti sono. Senti medo, fome e tristeza. Tive raiva, vontade de chorar e de me jogar de uma ponte. Não sabia a linha que separava as minhas emoções das emoções causadas pelos hormônios. E o pior, eu estava completamente perdida quanto àquela situação. O pai deveria saber? Eu deveria contar ou deveria esperar?
Eram tantos questionamentos.
Minha relação com minha mãe estava tão boa, eu sabia que ficaríamos em um clima completamente estranho e pesado depois da notícia.
Nada, nunca, jamais está tão ruim que não possa piorar. Como eu iria cuidar de uma criança? Eu não tinha forças nem para cuidar do meu próprio coração machucado.
Horas e horas entre a insônia e um sono leve, vi o Sol brotar outra vez. De dia eu não me sentia tão mal quanto na parte noturna. Era quando os sintomas eram mais fortes, era quando eu me lembrava do que estava acontecendo comigo. Era quando os piores pensamentos permeavam minha cabeça.
Levantei, lavei o meu rosto, pus um conjunto de moletom e preparei o café da manhã. Esperei os dois acordarem e se juntarem a mim, à mesa. Pior que o medo da reação de minha mãe, era passar por tudo aquilo sozinha. Estava decidida.
— Hm! Que cheiro bom — disse ela, enquanto se sentava.
John também não demorou muito a aparecer, depois de lavar o rosto, sentou-se conosco.
— De pé tão cedo, minha filha? — Minha mãe disse enquanto puxava duas panquecas para o seu prato.
— Não consegui dormir.
— Precisa ver o que é isso aí. Perder noite de sono não te faz bem, não.
Meu tio apenas me encarava com os cotovelos apoiados no tampo da mesa. Ele não iria falar, mas me fazia sentir mal apenas pela forma com que me olhava.
— Vocês dois estão estranhos — ela comentou. — Vão me falar o que está acontecendo?
— A Yolanda não deve estar se sentindo muito...
— Não, tio. Deixa. — Interrompi. Olhei para minha mãe e respirei fundo. — Mãe, eu preciso te contar uma coisa.
— Não estou gostando desse tom. O que foi? — Ela abandonou o garfo sobre o prato.
Eu fiquei estagnada por alguns segundos. Era o momento que marcaria o início de outra fase em minha vida. Eu queria que ela me ajudasse, mas não queria que soubesse.
— Anda, Yolanda! Parece que viu fantasma.
Eu realmente estava pálida e com uma expressão deveras estranha. Não era possível decifrar o que habitava na minha cabeça naquele momento.
— Mãe.
— Fala logo!
— Mãe. Eu vou ter um filho.
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