Capítulo 21

— Bom dia, Yoyo.

Engoli seco, Dominic me chamava daquele jeito e eu não sei se estava pronta para que o irmão falasse comigo daquela maneira, mas Derek estava tão bem em frente ao fogão, preparando panquecas, que eu preferi não criar um clima esquisito. Apenas sorri e me sentei, com as mãos nas bochechas.

— Cadê o tio John?

— Está lá fora, mexendo no carro dele. Disse que quando o café estiver pronto, ele vem — respondeu, colocando uma panqueca pronta sobre o refratário e a massa de outra na frigideira. — Animada para o reencontro do ano? — perguntou.

— Ansiosa, mas não de uma forma boa — falei.

— E a saudade do amor? — brincou.

— Eu sinto, mas eu sei que provavelmente vamos ter um embate por causa dessa situação, então já estou me preparando.

— Sabe — começou —, eu acho que você não deveria pensar nisso por agora. Sofrer por antecipação. — Colocou o recipiente sobre a mesa e sentou-se de frente para mim. — Ele te ama, não é? — Eu assenti. — Então, não tem porque ficar receosa. Além do mais, se for te deixar mais tranquila, eu posso falar com ele. Explicar o porquê de eu estar aqui com vocês.

— Não precisa, isso é coisa minha — murmurei. — Eu tenho que resolver sozinha.

Escutei passos no corredor, era John. Ele semicerrou os olhos quando notou que estávamos “sussurrando” demais.

— Iam tomar café sem mim? — questionou retoricamente e se sentou.

Eu servi as xícaras postas e comecei a comer em silêncio. Era um dos meus pratos favoritos, mas parecia que descia arranhando a minha garganta. O garfo passeava pelo prato, fazendo com que o mel se espalhasse sobre a superfície plana do alimento. Eu amava panquecas com mel, infelizmente o meu organismo pedia comida, e minha alma, a morte.

— Tá muito ruim? — Derek perguntou.

— Não, eu só não estou com muita fome. Acho que... — Ouvi meu telefone tocar. — Licença.

Levantei correndo e fui até o aparelho, que estava entre as cobertas, eu ainda não as havia dobrado.

— Alô. — Atendi correndo sem nem mesmo observar quem chamava.

Oi, minha vida.

— Ka-kalel, o-oi.

O que foi? Aconteceu algo?

— Não, amor. Eu só não esperava uma ligação sua a essa hora da manhã.

— Eu só queria te avisar que já estamos perto da entrada da cidade. Daqui a pouco eu passo lá em casa, pego meu caminhão e vou aí te ver. Não vejo a hora, estou morrendo de saudade.

— Mas já?

— Uou... Não era essa a reação que eu esperava.

— Perdão, é que eu acabei de acordar — menti. — Então eu te espero. Preciso contar uma coisa.

Não me assusta, Yolanda.

— Fica tranquilo. Só vem que aqui a gente conversa.

Desliguei a chamada e voltei para a cozinha, com o coração na mão.

— Derek, será que a gente pode conversar rapidinho? — o chamei e recebi um olhar mortal de meu tio.

— É claro — respondeu prontamente, bebericou um gole de café e se levantou. — Vem.

Eu o segui até o seu quarto, ele fechou a porta e ofereceu a cama, já arrumada, para que eu me sentasse. Não entendia como era tão organizado, uma coisa que eu nunca fui. Àquela hora seu cômodo da casa já parecia esterilizado até nos cantos das paredes.

— Eu vou te falar de uma vez, pra causar o mínimo de estrago possível. — Respirei fundo. — Se o Kalel quiser alguma satisfação sua, do porquê de estar aqui, não se altera, tá bom? Eu vou tentar conversar com ele numa boa.

— Não esquenta, Yoyo. — Ele se sentou ao meu lado e segurou minha mão sobre sua perna, envolvendo-a entre as suas duas palmas. — Já disse que eu quero ser seu amigo, eu estou fazendo de tudo pra que não se sinta sozinha, o fato de me parecer fisicamente com meu irmão é só um detalhe. Você é incrível e eu quero que sinta que pode confiar em mim.

Eu virei meu rosto e olhei nos seus olhos claros, descendo até seu nariz, sua boca e transitando meus olhos pelo maxilar desenhado.

— Eu confio, Derek — respondi baixinho. — Obrigada por tudo que tem feito, pelas poesias, pelo cuidado. Você é uma pessoa muito especial... Pra mim. — Sorri.

— Vem cá. — Ele abriu os braços e eu me encaixei em seu abraço. — Vai dar tudo certo. — Beijou o topo de minha cabeça, enquanto eu sentia o perfume amadeirado que provinha de sua camisa branca.

Nos desvencilhamos.

— Eu escrevi mais uma coisa. — Ele se esticou e tirou um pedaço de papel que estava debaixo do travesseiro. — Me perdoe se não ficou como eu gostaria, é que foi... Difícil demais escrever isso sem chorar.

— Por quê, Derek? — inquiri, encarando o papel dobrado.

— Eu fiquei imaginando tudo que você significava pro Dom, e agora tudo o que significa para mim. É estranho, mas eu não sei explicar. Parece que eu já te conheço há muito tempo.

— Eu senti isso mesmo enquanto lia, e sabe uma coisa? Eu acho incrível como você consegue me decifrar assim — afirmei. — Não fica assim, não precisa ter medo de ser invasivo.

— Eu já estou sendo.

— Não está. Não se é invasão quando a pessoa permite. — Sorri para ele que correspondeu da mesma forma.

— Eu vou lavar a louça enquanto você lê. Depois a gente conversa, acho que você precisa se preparar para rever o seu namorado — falou e se levantou. — Fica à vontade aí.

O Sol já começava a despontar e o calor que ele fazia me fez sentir desconfortável pela blusa de frio amarela que usava, aliás, eu detestava a cor daquela blusa, deveria tê-la jogado fora e não a levado para lá. Fiquei apenas com a camiseta azul de bolinhas brancas e desdobrei o papel com cuidado.

Os seus olhos, seu sorriso,
Sua boca, seu perfume,
Sua presença é o que eu preciso,
Para que com a latente dor, me acostume.

Aquela poesia fora demasiado esquisita, era linda, mas tenho que concordar que não parecia de um simples amigo. Que “amigo” repararia em traços como minha boca, meus olhos, meu perfume?

Senti um aperto no peito, não queria magoá-lo se, por acaso, sentisse algo a mais por mim. Expirei, dobrei o papel e guardei-o dentro do sutiã.

“Mais tarde eu vejo isso com mais calma” pensei.

Levantei de sua cama, me olhei no espelho que havia no canto, perto de algumas malas e, nesse momento, ouvi a buzina que eu tanto conhecia, era Kalel. Eu acredito que o medo que sentimos de perder quem amamos é um dos sentimentos mais fortes que temos, seja para a morte ou para alguma situação, como era o caso. Eu tinha medo de perder o meu namorado, mas também não queria perder o amigo que estava fazendo tão bem a mim. Eu deveria lidar com aquilo e isso pesava toneladas sobre minhas costas.
Saí o mais rápido que pude, queria ser eu a dizer o que estava havendo ali, eu sabia como conversar com ele, conhecia suas manhas.

Passei pela cozinha às pressas, pela sala e por fim desci as escadas. Kalel estava conversando com meu tio, de braços cruzados, apontando para o carro de Derek que se encontrava estacionado na parte interna do quintal.

— Aí, fala com ela — disse John quando me percebeu chegar, interrompendo o assunto.

— Oi, meu amor — disse e dei um beijo estalado em seus lábios.

— Oi, Yolanda.

“Yolanda”

Engoli a saliva presente em minha boca e criei coragem para começar.

— Será que a gente pode conversar um pouco, antes de entrarmos.

Ele assentiu com uma expressão indecifrável, na verdade, eu decifrei sim, só não tinha coragem de admitir para mim mesma o quanto o havia chateado com aquilo.

O puxei até mais perto do portão e ele se escorou no portal onde ficavam as dobradiças.

— Meu tio já deve ter te falado sobre...

— O irmão do Dom.

— É. — Eu disse. — Olha, ele pediu pra vir e eu não tive como dizer que não, ele...

— Não precisa explicar nada. — Me interrompeu. — Eu estava vindo pra cá, parei no mercado, encontrei a dona Ophelia.

— E...?

— Ela me perguntou se eu já tinha visto como vocês estão, falou que estava se sentindo culpada pelo filho ter saído da casa dela porque ela enxergava o Dominic nele e já estava deixando isso transparecer. Depois me disse que se sentia melhor por saber que ele estava com vocês. Eu entendo o que aconteceu, Yolanda.

Meu queixo quase foi ao chão.

— Então quer dizer que você não está chateado? — perguntei.

— Não, Yolanda. Não estou. Até porque vocês não estão tendo uma relação nem nada, só estão morando na mesma casa que o seu tio.

Meu peito gelou.

“E se ele descobre dos poemas?” pensei.

— Eu amo você — falei e o abracei, e pela primeira vez naquele dia, ele me correspondeu.

— Também te amo, minha paixão. — Sua mão repousou em minha nuca e eu senti o gosto da boca macia que eu tanto amava.

— Vamos sair um pouco? — o chamei.

— Claro — respondeu com as mãos em minha cintura. — Onde o amor da minha vida quer ir?

Cheguei perto do seu ouvido e sussurrei:

— Faz tempo que não vamos ao nosso lugar.

Era verdade, depois da morte de meu pai e Dominic, eu só pensava em morrer, sexo já nem fazia sentido para mim. Mas naquele momento, o misto de coisas que eu sentia atiçou o meu desejo, eu precisava dele junto a mim de todas as formas.

— A gente pode ir só pra conversar — ele falou e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. — Eu sei que você não está bem, não precisa fazer isso — murmurou.

— Eu quero. — Dei um beijo em seu maxilar e segurei em sua mão. — Vamos ali dentro, vou pegar minha bolsa e uma blusa de frio.

Bom, vocês já sabem onde estava a blusa de frio, não é? Eu não me recordei, infelizmente...

Subimos as escadas e eu ouvi o barulho de Derek arrumando a cozinha. E mesmo que eu não quisesse, era por lá que tínhamos que passar.

— Bom dia — disse Derek, secando as mãos em um pano de prato e a  estendeu a Kalel.

Meu namorado, para meu alívio, correspondeu de uma maneira cordial.

— Procurando alguma coisa, Yolanda? — questionou o irmão do meu melhor amigo.

— É... Eu não lembro onde tirei a minha blusa.

— Eu acho que deixou lá no meu quarto.

Oito palavras. Oito palavras que mudaram completamente a feição do meu companheiro, tudo estava indo tão bem, por que esqueci a maldita blusa amarela no quarto dele?!

— Obrigada, Dom... Digo, Derek. Vou pegar. Licença. — Estava completamente desnorteada.

Peguei a blusa e voltei no mesmo pé, eu senti que se não fosse rápida o bastante aconteceria uma tragédia. Eles se encaravam como lutadores de UFC antes do combate.

— Vamos — eu disse, enquanto colocava a blusa de cor duvidosa em minha cintura com um nó.

— Volta pro almoço, Yolanda?

— Não! — respondi com certa ignorância no tom da voz.

Segurei a mão de Kalel e nós saímos rápido. Pelo menos eu tinha pressa.
Assim que entramos em seu caminhão, ele escorou as mãos no volante e olhou para a frente, balançando a cabeça de maneira negativa.

— Olha, eu sei que você deve estar pensando milhões de coisas agora, mas não é nada disso.

— Yolanda, eu confiei em você.

— E pode continuar confiando, a minha blusa estava lá porque ele estava me mostrando uma coisa que escreveu — comecei a explicar.

— Aí você leu tanto que sentiu calor. Entendi — disse ele, de forma irônica.

— O Derek me entregou o papel e saiu, eu fiquei lá sozinha, aí tirei minha blusa de frio. Eu nem lembrava que tinha deixado lá — argumentei. — Eu amo você, Kalel. Por favor, eu estou dizendo a verdade.

Silêncio.

Coloquei minha mão sobre a dele e aproximei meu corpo, me ajeitando no banco largo.

— Eu preciso tanto de você.

— Então me prova que eu posso confiar em você, Yolanda.

— O que quer que eu faça?

Ele ficou calado por alguns segundos, ensaiou alguma coisa e por fim criou coragem.

— Vem morar comigo... Na minha casa.

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