Capítulo 14

Seu sorriso é a luz da minha vida,
A sua boca é o sol do meu caminho,
Perdido estava e tu também, perdida,
Contigo aqui, não me sinto mais sozinho.

Para: Yolanda Morgan

O barulho da água caindo na pia, sobre algumas louças, era a única coisa que eu ouvia. Na verdade, eu pouco enxergava. Já era o quarto dia que eu estava deitada na cama, envolta no cobertor azul, abraçada ao livro de poesias. De certa forma, ir à casa de Dom e entrar em seu quarto, abriu em mim um poço de lamentações sem fim.

Meu tio tentava de todas as formas fazer com que eu saísse do estado em que me encontrava, até mesmo comprou material e tentou fazer um brigadeiro, sem efeito, já que eu não fazia mais que me levantar da cama para ir até o banheiro. Eu havia dito a minha mãe que ficaria só, mas John fez questão de me fazer companhia. Acho que sua presença lá me fazia sentir ainda mais falta do meu pai, eu só não dizia isso porque sabia que também era importante para ele estar ali, era a maneira de tentar distrair a cabeça e não pensar em toda a tragédia.

Eu usava o mesmo pijama amarelo, meus cabelos já estavam oleosos e eu me sentia fraca. A única coisa que conseguia comer eram algumas frutas que meu tio levava até mim, ainda assim, somente quando o estômago doía pela falta de comida.

Assim que terminou de lavar as louças da tentativa de almoço, tio John foi até meu quarto para, mais uma vez, tentar me fazer sair de lá. Temia que eu entrasse em depressão profunda, e tinha razão, eu também não saberia lidar com alguém que estivesse na minha situação.

Ele abriu a porta devagar, pensou um pouco e então começou aquela rotina que eu já conhecia:

— Yolanda... Sua mãe ligou, disse que você não atendeu o telefone.

Com toda certeza, pudera, o aparelho não via carga há tempos.

— O Kalel também ligou para o telefone fixo. Queria saber se está bem, e também o porquê de não atender as ligações.

Continuei parada, sentindo aquela vontade de chorar que não passava. Menos de um segundo era o bastante para perder o ar, já estava sem forças para reagir.

***

— Dominic, você me paga, seu filho da mãe! — eu dizia olhando para o barro presente em meu sapato seminovo, que um dia fora branco, mas naquele momento era uma mistura de cores escuras.

— Você que quis vir atrás de mim, sua chata — retrucou ele, virando-se um pouco para trás, enquanto segurava as alças da mochila que estava nas costas.

— É isso que as melhores amigas fazem — respondi e olhei para o meu sapato outra vez, com a face contorcida em um falso choro. — Meu sapatinho — choraminguei.

— Acho que já estamos perto — ele falou.

— Perto de onde? Do fim do mundo? Nárnia? Setealém? Porque nesse buraco eu duvido que tenha algo que valha essa caminhada horrenda.

Dom riu contido, soltando o ar pelo nariz.

— Aliás, por que o senhor queria vir pra cá sozinho, mesmo? — questionei, olhando para a estrada que se estreitava à frente.

— Primeiramente, eu não te chamei porque sei que não gosta desse tipo de coisa.

— É, tem toda razão.

— Então, eu só queria caminhar um pouco, depois tomar um banho na cachoeira ali na frente.

— Espera! Ah, puta que pariu, Dominic. É sério que tu tá me levando pra água? É isso, agora eu estou mesmo morta. A minha mãe vai arrancar a minha pele em vida, é isso mesmo.

— Menos drama, Yoyo. Você veio porque quis, eu não te obriguei. E se quiser voltar o caminho é o mesmo da vinda — retrucou, ainda com aquele sorriso cínico nos lábios.

— Eu não vou, e eu vim porque... porque... eu preciso conversar contigo. — Meu tom de voz esmoreceu.

Ele parou e esperou que eu o alcançasse.

— Aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu, Dom. Eu fiz aquilo, outra vez...

— Yolanda, você...

— Calma, tá?! Não briga comigo ainda, eu só estou te contando porque é a única pessoa em quem eu posso confiar.

Dominic bufou exasperado. Era a única coisa que o fazia perder a paciência comigo.

— Tá, mas você tomou as providências depois? Você sabe que...

— Dom, não adianta mais.

— Por quê?

— Porque... Porque eu tô grávida.

Sua face empalideceu e eu quase o vi desmaiar. Ele me encarava como quem observa um psicopata.

— Dom, pelo amor de Deus, diz alguma coisa.

— Yolanda você... Tem... Tem um bebê aí dentro. Você sabe o quão grave isso é?

— Eu sei, Dom. Por isso eu precisava falar com você.

— Quantas vezes eu disse pra vocês usarem camisinha ou você tomar um remédio. Yolanda. Isso não é brincadeira.

— Dom, me escuta, eu...

— Yolanda, você sabe que...

— DOM! — o interrompi. — Por favor, não faz isso ficar mais difícil.

— Tudo bem... — Ele respirou fundo, sacodiu a cabeça e olhou para cima. — Yolanda, sua desgraçada — falou alto quando percebeu o sorriso maldoso que habitava em minha boca.

— Você é muito idiota — eu dizia rindo.

— A hora que me matar do coração você vai ver.

— Ah, foi legal, vai? Admita que eu sou uma ótima atriz — falei. — Além do mais, não é de tudo mentira, a gente fez sem proteção outra vez. Mas pela graça do Pai, — olhei para o céu e juntei as mãos. — A minha bandeira vermelha foi hasteada hoje pela manhã.

Ele voltou a caminhar, parecia se sentir bobo por ter acreditado na minha zombaria.

— Você me paga, escuta o que eu estou dizendo, vai me pagar — repetia enquanto chegávamos à margem.

***

— Minha filha, eu não quero ver você morrer aí dentro — meu tio disse, parecia muito preocupado. — Eu pedi pra uma pessoa vir aqui falar contigo e te convencer de uma coisa.

Eu virei o tronco e o encarei.

— Me convencer, de quê?

— Eu acho que seria bom você ir pra minha cabana. Lá não tem isso tudo de lembrança, é perto da natureza, além do mais são novos ares.

— Tio, eu só quero ficar aqui, sentindo a minha dor — rebati e percebi que os olhos dele ficaram cheios de água, foi uma surpresa. — Tio... — chamei quando percebi sua feição se contorcer.

— Yolanda você não sabe como isso está me machucando — ele falou com a voz embargada. — Eu estou tentando manter meus cacos no lugar para que você tenha um apoio, mas está muito difícil. — Ele desabou, nunca o havia visto chorar daquela forma.

Me levantei correndo, deixando até mesmo meu livro de poesias jogado, com as páginas abertas. Fui até ele depressa e o abracei.

— Me perdoe, tio John, eu só... Só...

— Não tem pelo que se desculpar, menina — falava em soluços. — Tá doendo demais, Yolanda. O seu pai era a única família que eu tinha. Sem ele eu não tenho ninguém. Estou me sentindo tão sozinho...

— Tio, você não está sozinho, me ouviu? — Segurei seu rosto. — Eu estou aqui, eu sou sua família também.

— Ver você assim só piora as coisas. Me sinto um inútil — continuava a dizer, chorando. — Nem mesmo consigo fazer você comer. Tentei preparar alguma coisa que você gostasse, mas não consegui nem te fazer levantar da cama pra ver o que era. Te esperei na mesa... Desculpa por parecer insensível, eu só queria que saíssemos dessa, juntos.

— Tio, por favor, me ouve. Eu prometo que vou tentar, está bem? — Eu também já não continha mais as lágrimas.

Vê-lo daquela foi uma das piores sensações da minha vida. Ele nunca chorava, e no dia da tragédia derramou umas poucas lágrimas. A fortaleza, na verdade, tinha um ponto fraco, e esse ponto fraco era eu.

O acalmei e sequei um pouco seu rosto.

— Quem você disse que vem me ver?

— Eu chamei aquele rapaz, o irmão do seu amigo. 

— Derek? Mas, por que ele? Nós nem somos íntimos. Se o senhor não pôde me convencer, não seria ele.

— Não sei. Ele me pareceu uma boa pessoa, está passando por isso também.

— Tudo bem, tio. Eu vou tomar um banho para recebê-lo — falei. — E o senhor, pode fazer um café forte pra nós? — Dei um sorriso fechado, que ele correspondeu passando os dedos calejados sobre os olhos.

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Pra quem não pegou a referência, vou deixar a música aqui.

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