Capítulo 12
Quem dera fosse tão fácil,
Apagar de mim sua presença.
Seu olhar tão calmo e grácil,
Afoga-me o resto da vida nessa sentença.
Para: Yolanda Morgan
O silêncio acompanhado do tilintar de garfos e facas jamais fora tão agoniante. Eu estava completamente concentrada em minha refeição, pois se deixasse meus pensamentos vagarem, decerto que perderia a fome de imediato.
— Fez no forno? — meu tio questionou enquanto comia.
— Uhum — respondi com a boca cheia. Depois, beberiquei um gole do suco natural que John havia levado para nosso almoço.
Quando soube da partida de Kalel, meu tio prontamente se ofereceu para ficar um tempo comigo. Era como uma presença paterna, de fato. Justo ele que queria ficar afastado de todos, foi para um dos bairros mais cheios de crianças levadas que gritavam praticamente o dia todo pelas calçadas.
— O rapaz vai demorar a voltar? Deu alguma data?
— Não exatamente. Na verdade, eu acho melhor que fique bastante tempo por lá. Sabe, tio, eu queria que ele me escolhesse, primeiramente. Eu sei que o dinheiro vai ser bom pra nós dois depois, mas eu precisava dele aqui. Agora eu quero tentar me reerguer sem a presença do Kalel, pelo menos por enquanto.
— Não o ama mais?
— Amo. Amo muito. Mas ele não está aqui. E eu só tenho ao senhor e a mim mesma — retorqui e empurrei o prato vazio para o centro da mesa.
— Eu vou tirar aquelas coisas do seu pai, do quarto. Acho melhor você sair um pouco, não vai te fazer bem ficar aqui vendo tudo aquilo.
Eu pensei em dizer que não, mas seria um clichê desnecessário. Eu realmente não queria sentir o cheiro de meu pai, mais do que já sentia em todos os cômodos da casa.
— Vou dar uma volta — falei. — Quando voltar eu lavo a louça.
— Vai a pé? Quer ir no meu carro?
— Não, vou de bicicleta. Faz tempo que não ando.
— Quer dinheiro pra comprar alguma coisa? — perguntou, atencioso como sempre foi.
— Não, tio. Obrigada. Eu tenho.
Coloquei os pratos na pia e deixei a cozinha. Em meu quarto, separei uma peça de roupa confortável e acabei por vestir-me com uma calça jeans e uma camiseta preta. O tempo não estava muito quente, então, por precaução, amarrei um casaco amarelo na cintura. Era o casaco que Dom mais usava. Avisei meu tio que já estava saindo, ele me respondeu com um “não volta tarde!” e eu prossegui.
Na garagem, peguei minha velha bicicleta. Ela tinha uma cestinha pintada de rosa, joguei minha carteira dentro e assoprei um pouco da poeira sobre o selim.
As primeiras pedaladas estavam meio descoordenadas, mas logo peguei o jeito. Era o primeiro momento em que eu não sentia vontade de chorar, foi um grande avanço. Desci o trecho íngreme até o centro da cidade e, uma vez lá, diminuí a velocidade e apenas apreciei as ruas, estabelecimentos, casas e demais construções.
A praça central não estava muito cheia, para ser sincera, era possível contar nos dedos de uma mão só a quantidade de pessoas que estavam lá.
Parei minha bicicleta perto de um dos bancos e fui até o carrinho parado no meio da praça, o cheiro doce que vinha dele era como um guia. Não sabia o que estava à venda, só sabia que queria.
Quando me aproximei, notei vários potes de palha italiana. Abri minha carteira sem pensar duas vezes, pedi um deles, paguei, agradeci e voltei para junto de meu veículo não motorizado.
Abri o recipiente de plástico e minhas narinas foram invadidas por aquela explosão gordurosa.
Comecei a comer quadradinho por quadradinho, parecia uma compulsão. Mal olhava para os lados, tamanha era minha afoiteza em comer os pedaços do céu.
— Atrapalho? — Ouvi uma voz masculina familiar, e por um instante imaginei ser Dominic, mas ele estava morto. Ou talvez, estivesse mais vivo do que eu pensava.
— Oi. Derek, né?
— Isso — falou, dando a volta no banco e sentando-se ao meu lado.
— Aceita? — perguntei, ofertando-lhe o doce.
— Ah, não. Obrigado. Estava passando, vi você aqui. Só vim perguntar como está, já que não quis me dar seu telefone — lamentou.
— Não me entenda mal, eu só achei melhor esperar um pouco.
— Nada, não esquenta com isso.
O som da minha mastigação já começava a incomodar-me. As palavras demoraram a sair.
— Sabe, eu estou com um tempo livre — falei. — Meu tio está tirando as coisas do meu pai, lá de casa. E eu não sei se aguento passar por isso — expliquei.
— E está sugerindo o quê, exatamente?
— Queria visitar seus pais, se não for incômodo — tampei o pote de palha italiana.
— Imagine! Eles vão gostar de ver você, é uma distração — respondeu.
Só então eu observei seus olhos, as olheiras e as bolsas de água abaixo das pálpebras. Ensaiei perguntar sobre suas noites mal dormidas, mas antes que dissesse algo para me arrepender depois, me calei. Derek parecia meio anestesiado, olhava para um ponto fixo e o mantinha por um longo tempo.
— Vamos? — chamei-o, certa de que fazia bem em despertá-lo do transe.
— Vamos. Eu estou de carro, quer pôr a bicicleta nele?
— Não, pode ir. Eu vou pedalando atrás — afirmei.
— Então eu vou a pé, ao seu lado. Não é tão longe, mesmo. Depois voltamos aqui e eu pego o carro. Só preciso pegar a bolsa com o remédio que minha mãe pediu.
— Ah, claro. Vai lá, eu espero.
Derek correu até o automóvel e voltou com a sacola nas mãos.
Pegamos a rua de trás, perto do mercado, e começamos a caminhar em silêncio. Depois que se perde alguém isso se torna recorrente, ficamos sem muito o que dizer. Qualquer coisa pode desencadear uma lembrança ou soar de maneira negativa, então por vezes aquele tipo de momento era a melhor opção.
Quando já estávamos quase na rua de acesso à casa, ele coçou a cabeça e alisou os cabelos, pigarreou e quebrou o momento sem fala:
— Eu queria... Me desculpar por ter ido à casa do seu namorado aquele dia — começou. — Estava tão desnorteado que não pensei que ele poderia não gostar de ter um homem te chamando.
— Não se preocupe com isso. Além do mais, o que ele poderia falar? Acabamos de perder uma pessoa em comum — recalcitrei. — É normal nos darmos apoio — continuei, enquanto empurrava a bicicleta.
— O Dom falava muito de você — murmurou.
— Ele foi a melhor pessoa que entrou na minha vida — respondi, olhando para a frente.
Derek segurava a sacola preta de maneira desajeitada, de maneira que a caixa de comprimidos batia em sua perna direita a todo momento.
— Nossa... Mas... Pensei que o seu namorado fosse — falou, parecia querer saber mais sobre minhas relações afetivas.
— É diferente. O Kalel é meu primeiro amor. Tem a paixão. Sabe que os cientistas dizem que a paixão tem prazo de duração?
Ele me olhou.
— Então eu estou me permitindo viver a paixão, pode ser que daqui um ano ela acabe. Mas o que eu sentia, ou melhor, ainda sinto pelo Dom, é algo completamente elevado. Ele era como um irmão, como uma outra metade de mim. Dominic era um pedaço da minha alma que vagava pela Terra, ou eu era a dele. Eu não trocaria nossa amizade por qualquer clichê de fim de tarde. Não que o meu namoro seja — salientei. — Eu só acho que ele era importante demais pra ir embora tão cedo.
Só então percebi que havia falado demais, já estávamos no portão. Encostei minha bicicleta perto da cerca de madeira branca e nós dois entramos. Lá estava mais uma dificuldade que eu teria de superar...
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