Capítulo 10

Decepção pode ser um abismo sem fundo,
Mas não maior que amar quem se vai.
Eu queria ter sido mais forte que o mundo,
Porém, a tristeza crua, de meu peito não sai.

De: Yolanda Morgan

Às vezes temos a sensação de que nossa vida vai mudar abruptamente e, sem saber de onde virá a grande virada, nos tornamos atentos a todos os lados. Acho que é aí que nos perdemos, pois de onde menos esperamos é que vem a grande mudança. Eu já havia me conformado em deixar minha mãe ir embora para a casa de minha tia, montei uma blindagem emocional e formulei uma base de futuro. Kalel ficaria comigo na cidade até que eu me recuperasse completamente, se é que isso era possível. Minha progenitora, por outro lado, relutou o quanto pôde para não me deixar só, todavia, o poder de persuasão de June era uma coisa de outro mundo. Foram quarenta minutos, quarenta longas voltas do ponteiro para que minha tia conseguisse convencer minha mãe de que era melhor para mim e para ela.

Foi uma semana difícil, eu até narraria minuto a minuto, mas aí eu lhe encheria de fatos maçantes, coisas desgastantes que não tiveram influência em minha vida, ou melhor, coisas que culminaram em um único momento, o da despedida.

As malas já estavam todas prontas, Junne estava com seu esposo, no carro, minha mãe... Ah! Minha mãe. Ela olhava a fachada da casa, contendo as lágrimas que insistiam em fazer sua face de abrigo. Kalel não estava comigo naquele momento e eu preferi dessa forma. Coloquei as mãos em seus ombros e escorei meu queixo sobre uma delas:

— Mãe. Eu vou ficar bem — falei. — Não precisa se sentir culpada.

— Não é isso — me respondeu. — Eu ainda sinto a presença do seu pai aqui... Parece que eu o estou abandonando, e não gosto nada dessa sensação.

— Pensa que eu eu vou ficar aqui. E se ainda houver um pouco dele, nem que seja um tiquinho assim, não vai estar sozinho.

Ela pôs as mãos sobre as minhas e me deu um beijo na testa.

— Eu amo você, minha filha. Não hesite em me ligar. Seja pra qualquer coisa. Se precisar de alguma receita, ou se machucar. É só ligar que...

— Mãe — interrompi. — Eu vou ficar bem — disse mais uma vez, para fortalecer a afirmação.

Eu a ajudei a levar as bolsas que ainda restavam, eram poucas. Uma de praia, que continha seus materiais para artesanato. Era completamente simples, mas tinha um charme incomum. A outra era de pano, presente meu de quando ela e meu pai completaram quinze anos de casados. Na época eu queria ser estilista, confeccionei a bolsa especialmente para ela, não era a coisa mais linda do mundo, mas tinha todo meu amor impregnado em cada dobra de linha.

Depois das despedidas, eu finalmente me encontrei sozinha em frente a nossa residência. Ao invés de vontade de chorar, eu senti raiva. Sim, eu não queria estar ali sem eles, tinha raiva de mim por não conseguir me virar sozinha com minha solidão.

Cada passo em direção à entrada parecia arrancar fora meu coração. Sentia como se mãos se entranhassem em minha carne de maneira feroz, era como se remexessem em meu peito tudo de ruim e injetassem o resultado da amálgama fétida em minhas veias. Abri a porta, a fechei, caminhei até meu quarto e peguei meu livro de poesias.

Senti seu cheiro como sempre fazia, peguei um lápis qualquer e estava pronta para escrever as primeiras palavras, quando fui interrompida. A campainha tocou, duas vezes para ser exata. Pensei em não atender, porém achei melhor ir até o lado de fora ver quem era. Não queria que pensassem que eu estava dentro de casa me entupindo de remédios. Abandonei meu amontoado de sentimentos, jogado sobre o lençol cor de rosa.

Novamente estava eu com a mão na maçaneta, farta de ter que segurar minhas emoções.

— Oi.

— Kalel, eu disse pra você ficar na sua casa hoje — falei. Nem dei tempo de meu namorado explicar os motivos que o levavam ali, o que foi um erro de minha parte, talvez...

— A gente precisa conversar, Yolanda.

— Entra. — Abri mais a porta e fiz sinal para ele.

Assim que estávamos na sala, me sentei e ele fez a mesma coisa, só que do lado contrário ao meu, em uma poltrona.

— Aconteceu alguma coisa? — questionei, eu conhecia aquele olhar.

Ele sempre ficava daquele jeito quando fazia alguma burrada ou então quando iria me pedir algo inconcebível, bem, eu não estava totalmente errada.

— Na verdade, não. Quer dizer, pode acontecer. Eu preciso que seja compreensiva Yolanda, e me escute primeiro. Tente entender que eu quero o melhor pra nós dois e...

— Kalel! — sustei sua fala. — Por favor, só diz o que está acontecendo — pedi, já sem paciência.

— Sabe o cara pra quem eu levo as cargas?

Assenti.

— Ele me fez uma proposta. Uma proposta irrecusável, vida.

— E que proposta é essa?

— Então, ele... Ele quer que eu transporte uma carga grande, só que no caminhão dele.

— E pra onde vai a carga?

— Manhattan — respondeu. — Seremos três motoristas, porque ele precisa que a carga chegue o mais rápido possível, então não vamos parar. Mas a grana é muito boa, o suficiente pra eu ficar quatro meses em casa, sem fazer nada.

— E por que você está nervoso desse jeito?

— É que eu vou amanhã.

Aquelas palavras caíram como uma bomba em tudo que eu havia planejado para o meu luto. Sabia a distância de nossa cidade até o destino de Kalel, e tinha total ciência do quanto ele demoraria para voltar.

Fiquei em silêncio e desviei o olhar, sem saber o que falar.

— Yolanda, se eu for vou poder ficar mais tempo contigo depois — tentou tornar a notícia menos amarga.

— Mas eu preciso de você agora, Kalel, não depois.

— Acontece que...

— O que?

— Eu já aceitei — murmurou, com constrangimento.

— Eu não acredito nisso! Você, mais que ninguém, sabe como estou sofrendo agora.

— Meu amor, é por nós dois!

— Não é! — Me levantei. — Por nós dois você ficaria aqui, não iria embora. Por nós dois você nem pensaria na possibilidade de aceitar essa proposta.

— Pode ficar com seu tio enquanto eu estiver fora, serão só algumas semanas. — Gesticulou, vindo até mim.

— Não são só algumas semanas, são as piores semanas da minha vida.

Silêncio. Só o silêncio poderia preencher o vazio que se instalou entre nós. Eu morria de raiva, estava decepcionada. Ele tentava me convencer, e quem sabe não estivesse certo, talvez fosse melhor que ele conseguisse o dinheiro para que depois ficássemos juntos por um longo período, apenas na presença um do outro. Mas eu não conseguia enxergar o que ele tentava enfiar na minha cabeça. Estava amargurada demais para aceitar qualquer tipo de abandono.

— Eu te amo, Yolanda. Por favor... — suplicou em sussurros.

Eu sacodia a cabeça enquanto pressionava os lábios, movendo os olhos de um lado a outro, já sem forças para discutir.

— Tudo bem, Kalel — concordei. — Pode ir. Eu... Eu me viro aqui, enquanto você não volta.

— Meu amor... — Ele se aproximou e me envolveu em seus braços, eu não correspondi como Kalel esperava, mas tentei não parecer insensível. — Eu prometo  que te ligo todos os dias, e vou dirigir o mais rápido possível pa...

— Não! Pelo amor de Deus — interrompi. — Já não basta o que aconteceu com o Dom e o meu pai. Não quero perder você também. Vai com cuidado. — Engoli todos os meus sentimentos, era o certo a se fazer. — Eu vou esperar por você.

"Vou esperar por você"

Quem dera houvesse sido tão simples...

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