Inimigos e novos aliados

Halloween nunca foi a sua data festiva preferida. Não sabia ao certo o motivo por sua aversão ao dia 31 de outubro... Se foi algum chocolate estragado que comeu. Uma fantasia ridícula que fora forçado a usar. Ou se foi alguma pegadinha que tinha feito que dera errado. Talvez fosse algum sinal, uma premonição, sobre o que iria acontecer no futuro. Como aquela data iria se tornar um símbolo para eles. As aberrações.

Sim, Halloween se tornou uma espécie de "dia do orgulho sobrenatural". Era a época do ano que aqueles monstros saiam pelas ruas do mundo todo (sim, até países que antes não comemoravam tal data, agora a adicionaram em seus calendários) sem temer represarias, socializando com humanos...Agindo como se fossem "normais".

"Aquilo era uma grande piada! Eles não são normais, nunca irão se enturmar com os humanos...Serão sempre abominações!" pensou convicto Rafael McCall. Ele acreditava na segregação daqueles seres, talvez dentro de áreas cercadas por muros e arames farpados. Que eles vivessem "felizes" entre os seus!

— Finalmente chegou o dia! — Um homem falou com alegria provocando um sobressalto do agente federal. Estava tão absorvo em seus pensamentos que nem havia notado a chegada dos caçadores no "ponto de encontro" em terreno baldio, localizado nos limites da cidade.

— Sim, — concordou outro — eu já estava ficando enferrujado, sabe? Faz muito tempo que eu não caço e esfolo algum ser sobrenatural...

— Minha coleção de troféus foi confiscada, como vocês bem sabem. — Um homem baixinho, segurando um facão falava enquanto acariciava a lâmina de sua arma — Preciso recomeçar tudo de novo... Lembram que eu tinha pendurado no teto uma cauda de um tritão adulto? As escamas ainda reluzentes. Eu sou mesmo um grande taxidermista.

— Eu tinha uma coleção de presas de vampiros. Fiz até um colar. Era tão lindo...

— E meus tapetes de pele de lobisomem? Depois do tratado, tive que entregá-los as autoridades!

— Sim, eu me recordo de seus tapetes! Você tinha me dado um de aniversário. Um tapete para o banheiro.

— Sim, eu fiz aquele tapete de um filhote de lobisomem. Além disso, filhotes de lobisomens tem a pelagem mais fofa... Dos recém-nascidos são ainda melhores! Eu fazia toalhas de rosto.

Rafael ouvia aquilo horrorizado. Sim, podia não gostar dos seres sobrenaturais, mas não pretendia massacrá-los e usar seus corpos como objetos de decoração, bijuterias ou tolhas de rosto! Não podia esquecer que seu próprio filho era um lobisomem... Talvez, depois de toda aquela confusão, pudesse convencer Scott a se internar na clínica de tratamento, claramente ser um sobrenatural era uma tremenda desvantagem se você é caçado por aquelas pessoas.

A conversa agora tinha se encaminhado para um assunto ainda mais sombrio.

— Devemos agradecer o tratado, sabem?

— Como assim? O tratado de paz extirpou nosso "ganha-pão" e "hobbies"!

— Vejam bem, o tratado permitiu que os sobrenaturais se tornassem mais relaxados, baixassem suas defesas. Vejam essa ridícula cidade Beacon Hill, tantos seres sobrenaturais reunidos em um só ponto! Isso é uma vantagem para nós!

— Oh! Entendo o que você quer dizer... Bem que poderíamos ter instalado bombas pela cidade.

— Nossa! Seria uma boa ideia! Explodir todos aqueles monstros! Uma verdadeira chuva de sangue!

— E os sobreviventes, iriamos caçá-los... Uma a um.

— Cortar suas gargantas.

Rafael estava suando frio. Sim, ele ter feito algumas coisas ruins durante a sua carreira. Liberado informações confidenciais para impressa (em troca de uma boa quantia). Extraviado uma prova ou outra (também em troca de dinheiro). Ter feito vista grossa em relação a corrupção de alguns companheiros de profissão...Mas seus feitos nunca chegaram a tamanho nível de crueldade.

— Está se arrependendo? — Uma voz feminina sussurrou em seu ouvido. O agente McCall quase ter um ataque cardíaco. Não percebera a sua presença, tão pouco notara a ponta da lâmina da possível faca que agora cutucava as suas costelas.

— Nós caçadores temos um código, regras antigas e rígidas que garantiram nossa sobrevivência nesse mundo povoado por monstros. — Ela continuou — Aqueles que traem a confiança do clã, segundo esse código, são eliminados. Lógico que antes vem a tortura, depois a humilhação e por último a morte...Lenta.

Rafael sequer respirava. Os outros caçadores agora o miravam. Eles e elas sorriam como feras ao observar sua vítima encurralada.

— Kate, pare de brincadeiras. — Alguém disse em um tom severo. A mulher acatou o comando com uma risada divertida.

Um homem idoso se aproximou, usava uma bengala de prata. Fato é que tal senhor não aparentava necessitar daquele apoio, pois caminhava com passos firmes e seguros. Na verdade, se não fosse os cabelos brancos e rugas no rosto, Rafael não o definiria como idoso. Pelo visto, caçadores tinham essa estranha habilidade de parecerem soldados no auge de suas condições físicas.

— Desculpe, papai. — Kate falou, claramente não se sentindo culpada pelos seus atos — Só estava meio entediada...

— Paciência. — Recomentou o velho e se voltando para Rafael, disse — Peço perdão pelos atos de minha filha, Agente McCall. Digamos que estamos a muito tempo esperando por esse momento.

— Está tudo bem, Senhor Argent.

— Ora, pode me chamar de Gerald. Sabemos que você será fiel a nossa causa. Afinal, seria uma tremenda tolice se "acovardar" agora... — Falou isso todo sorridente. Rafael tentou corresponder o sorriso, mas seu rosto só conseguiu exibir uma careta.

— Espero que tenha feito a sua parte. — Outra pessoa falou, ao contrário de Gerald, chefe do famoso clã Argent de caçadores de lobisomens, o outro homem não se preocupou em aparentar cordialidade.

— E-eu fiz sim a minha parte do acordo. — Respondeu McCall, praguejando internamente por ter gaguejado.

— Acho bom mesmo que o tenha feito, varken! (porco).

— Arkadius, acalma-se.

O homem de dourados cabelos, expressão mortífera, muito se assemelhava ao ator Arnold Schwarzenegger devido aos músculos. Rafael tinha total certeza de que Arkadius Van Helsing podia transformá-lo em um purê com alguns socos apenas.

— Ik weet niet of we hem echt kunnen vertrouwen, Gerald. (não sei se podemos realmente confiar nele, Gerald) — Falou Arkadius, algo que Rafael imaginou ser numeroso palavrões...

— Devemos utilizar todas as peças em nosso tabuleiro, Van Helsing. Lembre-se que estamos na vantagem.

— Vantagem? O kanima está escapando de nosso controle...

— Van Helsing... — Gerald sorria, mas seu punho se cerrava em volto da empunhadura da bengala — Eu me responsabilizo pelo meu Kanima, sim?

— Pai, ele só está nervosinho por estar muito próximo do filhinho dele. — Sugeriu Kate toda risonha.

— Que se dane Abraham... Ele só me causa decepção. — Resmungou o homem.

— Sei...Significa que posso ficar com ele? — Questionou Kate lambendo os lábios — Quiçá que possa convencê-lo a se unir a nossa causa. Posso ser bastante persuasiva...Além disso, você poderia ganhar uma nora! A família Van Helsing poderia se unir a família Argent!

— Não creio que meu filho goste do seu tipo, Kate.

— Pena, ele faz meu tipo. — Disse a mulher fazendo biquinho.

Rafael não sabia o que devia lhe causar mais surpresa, o fato daquela mulher de quase 40 anos demonstrar um claro interesse para com garotos menores de idade, ou fato de outros caçadores não demonstrar nenhuma critica ou aversão a tal conduta.

"Estou em meio a loucos..." pensou, mas não podia voltar atrás em sua palavra. Não porque tinha algum tipo de honra, mas sim por temer por sua vida.

"Se esse plano der certo, tudo isso que estou vivendo agora não irá passar de uma lembrança..." tentou se tranquilizar. Suas mãos tremiam ao pegar o cigarro. Almejava afogar suas dúvidas e culpa em nicotina.

O cigarro escapou de seus dedos e caiu no chão sujo de lama.

"Droga...Eu realmente odeio o Halloween".

~***~

— Ficar esperando instruções uma ova!

Ela resmungou enquanto forçava a sua passagem na multidão de turistas no centro da cidade de Beacon Hills. Era difícil ir contra o fluxo, mas ela estava tentando. Se fosse em outra época, se deixaria levar pelo povo...Afinal, provavelmente a correnteza de gente iria levá-la a algo divertido. Mas, não era por buscar diversão o motivo de estar ali.

Finalmente conseguiu transpor o grupo de pessoas, alcançando a esquina da avenida principal. Havia barracas por todos os lados. Apresentações locais. Podia observar um palco montado na praça central... Tantas pessoas, humanos e sobrenaturais, tantos cheiros. Será que poderia farejar alguma ameaça?

Insegura levou a mão a seu casaco de couro. Sentiu levemente o cabo de sua arma oculta na vestimenta.

"Esse é mesmo o cúmulo do ridículo...Uma lobisomem depender de uma arma para se defender!" pensou meio irritada consigo mesmo. Talvez devesse ter seguido o comando de Peter e ficado na mansão esperando por...

— Com licença. — Alguém segurou o seu pulso, forçando a sua mão para longe da posição que ocupava anteriormente. Longe de sua arma.

— O que... — Ela falou em meio a um rosnado furioso. Como não notou a presença dele?

Um rapaz a observava sem aparentar temor ao ver os olhos dourados que ela exibia. Ele sabia que ela era um lobisomem, mesmo assim não se afastou. Pelo contrário.

— Você tem licença para portar isso?

— O que? Licença?

— Sim, para andar armada.

Ela piscou uma e outra vez. Aquele papo...Parecia que estava sendo detida por algum policial. Mas, o rapaz que a segurava usava roupa "normal". Agora que estava realmente prestando atenção, notou o uso de óculos escuros, mascará que cobria o nariz e boca e boné surrado. Aquele erro clichê de "policial disfarçado" ou melhor a paisana. E ele não estava sozinho. Atrás do rapaz havia mais uns seis homens e mulheres usando semelhante "código de vestimenta". Se eles estavam tentando parecer com um simples e inocente civil, sem levantar suspeitas para si estavam falhando desastrosamente.

Ela tentou não rir... Mas também falhou deastosamente.

— O que? — O rapaz parecia irritado — Eu fiz uma pergunta! Caso não queira responder, devo conduzi-la para as autoridades...

— Bem, eu adoraria ser conduzida a essas autoridades.

O rapaz abaixou os óculos, exibindo confusos olhos azuis.

— Collins! — Um dos "civis" cutucou o homem que a imobilizava.

— Eu disse para não usar o meu real nome... Que adianta estarmos disfarçados se você insiste em usar meu nome real?! — Ralhou para o outro em um sussurro.

— Mas, Collins...Ela é a chefinha.

— Chefinha?

Collins voltou seu olhar para a lobisomem que segurava, ela, por sua vez, sorria satisfeita.

— Sou Laura Hale. — Esclareceu sorrindo ainda mais.

— H-Hale... — Collins gaguejou a soltando rapidamente.

"Collins? Oh...Ele é o policial transferido!" analisou Laura mirando com mais interesse o homem. Ela recordava vagamente do policial, afinal o mesmo foi transferido poucos dias antes da chegada de Rafael McCall. Eles sequer haviam sido apresentados, tão pouco tiveram uma festa de boas-vindas. Era compreensível que o novato não a tenha identificado.

— Você foi suspensa. — Collins disse — Digo, desculpe por mencionar tal fato, senhora Hale.

— Não, você está certo. Eu fui "afastada" temporariamente da força policial de Beacon Hill... Mas isso não me impede de exercer o meu dever como policial e também membro da alcateia Hale. — Explicou aos seus colegas — E quanto a vocês? Por que estão...Assim.

Ela fez um gesto mirabolante com a mão, abrangendo as roupas dos seus companheiros.

— Tecnicamente não devíamos estar aqui. — Falou uma mulher, Laura identificou a recepcionista da delegacia — O agente McCall dispensou toda força... Disse que estávamos de folga.

— Todos?! Folga? — Laura não conseguiu conter o rosnado ao saber daquela informação — Mas...E o patrulhamento da cidade? E a segurança do evento?

— Os agentes de McCall serão os responsáveis. — Informou Collins, demonstrando desprezo com aquela decisão.

— Mas vocês estão aqui... — Notou Laura.

— Collins deu a ideia... — Revelou um dos polícias. Collins corou levemente ao ser meio que "acusado" daquele plano.

— Eu convoquei, meio que informalmente, os policiais da delegacia para fazer a segurança do evento. Não achei certo de que os agentes federais tomassem conta da situação...Sem falar que... Isso pode parecer desacato e insubordinação, mas creio que o agente McCall não possa proteger essa comunidade e tão pouco cumprir com honestidade a sua função.

— Ohh... — Laura arqueou as sobrancelhas, nenhum pouco surpresa com a conclusão sobre a conduta de Rafael McCall. Na verdade, estava mais surpresa pela a iniciativa do novato e da sua evidente inteligência em julgar o caráter de alguém.

— Desculpe. Posso ter falado demais. Não é certo fofocar sobre seus superiores, Senhora Hale. — Collins pigarreou, evitando o olhar de curioso da Hale.

— Pode fofocar o quanto quiser, Collins. — A lobisomem disse — E eu estou aqui pelo mesmo motivo que vocês... Acho que podemos unir forças, não é mesmo? Juntos podemos cobrir um espaço maior e buscar por mais pessoas suspeitas!

O pequeno grupo de policiais assentiu, animados.

— A ideia do disfarce também foi sua Collins?

— Sim, senhor Hale — Assentiu hesitante — Nós não devíamos estar aqui...

— Bem... — Laura se aproximou do jovem polícia. Esse, por sua vez, se afastou a passos atrapalhados até sua costa colidir com o muro. Collins engoliu em seco ao perceber que a mulher estava a poucos centímetros dele. O que devia dizer? Será que a havia irritado? Bem, ele meio que tentou imobilizar a segunda no comando da delegacia de Beacon Hills! A herdeira da alcateia Hale! Sim, Cody Collins estava bem ferrado...

— Eu vou fazer uma sugestão. — Laura retirou o boné de Cody, afundando seus dedos nos cabelos castanhos do rapaz. Por alguns segundos os olhos da Hale se fixaram nos olhos do humano. Collins paralisou, pretendo a respiração. Collins chegou a uma estranha conclusão: Laura Hale além de ser uma poderosa mulher...Era...Muito bonita.

Laura sorriu (será que tinha lido o pensamento do policial Collins?) e desarrumou os cabelos antes alinhado do outro. Depois descartou os óculos escuros que usava.

— ... Tente parecer menos suspeito, sim?

Collins tentou falar. Na primeira tentativa nenhuma voz saiu, mas já na segunda:

— Obrigado por sua sugestão, senhora Hale.

— Ah! Mais uma coisa. — Laura cutucou o peito de Collins que engoliu em seco, esperando que a lobisomem não percebesse o acelerar dos batimentos de seu coração.

— Sim, senhora Hale?

— Senhora é minha mãe. Sério, não me chame de senhora... Faz parecer que sou muito velha, algo que não sou. Além disso, pode também levar a conclusão errônea de que estou comprometida, casada, namorando, ficando...Ou algo do tipo. Devo enfatizar que estou bem livre, sabe?

Collins não sabia se devia responder ou se aquilo era um tipo de pergunta retórica. Resolveu arriscar.

— E como devo chamá-la? Senhorita Hale?

— Só Laura, o que acha? — Ela sorriu.

— Boa...Digo, bem...Quero dizer...Acho legal. — Collins queria bater a cabeça na parede, estava parecendo um idiota.

— E posso chamar de Cody? Ou Collins?

— P-pode me chamar do que você quiser.

Isso arrancou uma risada da lobisomem.

— Melhor não me dar muita liberdade, Cody... Você não sabe as consequências de não impor limites a Laura Hale. Posso ser bem feroz, sabe?

E falando isso ela se afastou, deixando um muito abobado policial para trás.

— A chefinha não é nada sutil. — Cochichou um dos policiais do grupo, os outros apenas assentiram em concordância.

~~**Palavras da autora**~~

Opa! Será que temos um novo casal?

O que acharam do Collins?

E quanto aos inimigos...Pelo visto, todos foram revelados.

O que será de Abraham com o pai dele na cidade?

Enfim...A tensão está aumentando.

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