XII - Aceitar.

Agosto, 23

Como eu disse, eu comecei a viver como um animal. No primeiro ano, depois que tudo aquilo aconteceu, eu só queria matar, só queria conseguir calar as vozes do meu irmão, eu vivia em função desse vício e desespero, que infernizavam minha cabeça todos os dias. Aquele foi o primeiro ano que passei meu aniversário sem minha família , não que eu me importasse muito na época.

Pra tentar comer eu roubava ou assaltava. Eu comprava umas porcarias pra comer e dormia em uns hotéis baratos e ruins, já apanhei muitas vezes tentando roubar. Quando não conseguia um dinheiro, ficava um tempo sem comer, e pra dormir, as vezes, me escondia em algum beco, construção abandonada, ou na floresta.

Eu fiquei muito magro nesse primeiro ano, muito mentalmente instável, muito doente. Eu só tinha quinze anos.

Mas, no segundo ano as coisas mudaram completamente. Nesse ano, já com meus dezesseis anos, eu conheci o Josh.

Eu tinha acabado de roubar um bêbado e estava andando até um hotelzinho da Zona escura. Eu vivia pra lá e pra cá usando máscaras cirúrgicas pra esconder minha cara, eu gostava de tira-la só pra aterrorizar minhas vitimas, e a usava pra poder roubar sem ser reconhecido depois.

- Me solta seu velho tarado!

- Você não vai sair daqui até pagar o prejuízo, garoto.

Quando eu estava chegando no hotel, eu ouvi uma gritaria por perto e quis ver o que era. Eu vi o chefe idiota de Josh o ameaçando com uma faca e tentando abusar dele. Eu era viciado em matar, o cara merecia morrer, foi conveniente pra mim.

Obvio que o próximo seria Josh, por mais que ele fosse a vitima ali, obvio que eu estava pouco me fodendo.

- Espera, espera garoto!

Mas, Josh sempre foi muito persistente.

- M-muito obrigada por me ajudar. Q-qual o seu nome? O m-meu é Josh! T-tira essa máscara pra gente...

- Cala boca, seu merda.

- N-não, calma, abaixa essa faca!

EI, QUE PORRA TA ACONTECENDO?!

Do nada uns caras saíram do prédio, e eles viram toda a situação, e ficaram bem putos em ver o velho morto no chão.

- JOSH, O QUE VOCÊ FEZ COM O CHEFE?! E QUEM É ESSE MERDA?!

- C-calma gente, e-eu...

- A GENTE VAI TE MATAR!

- Merda! CORRE GAROTO!

Josh me puxou pelo braço e começamos a correr, eu deixei minha faca cair, e acabei ficando sem nada pra me defender.

Nós corremos feito doidos, os caras estavam armados com facas, canivetes e correntes, se fossemos pegos estaríamos fodidos.

Corremos tanto que acabamos chegando perto de uma das cercas altas da floresta.

- Vai garoto, sobe!

- E você?!

- Não importa, SÓ FOGE!

E eu fugi, fugi sem rumo pela floresta, e fiquei tão perdido na mata que acabei me deparando com a caverna, a caverna que me trouxe pro outro lado dessa montanha.

Com isso acabei ficando mais perdido ainda, não fazia a mínima ideia de onde tinha me enfiado. Eu estava perdido, com frio, cansado, e sem comer ou beber a uns três dias, então eu desmaiei.

- Ah, o-onde eu... - Quando acordei estava dentro dessa casa, deitado no sofá, com as mãos amarradas. - q-que porra é essa?!

- Olha só, você acordou. Como se sente? Eu fiz um sanduíche pra você.

E foi assim que conheci Halph, o dono verdadeiro dessa casa. Ele era um idoso, já nos seus sessenta anos, ele tinha cabelos brancos e uma longa barba grisalha e trançada, nunca esqueço disso. Ao contrário de mim, Halph era  a paciência e a paz em pessoa.

- Que porra é essa?! O que você fez comigo?! ME SOLTA!

- Ei, ei, calma garoto, eu me chamo Halph, eu te achei desmaiado perto da minha casa e me preocupei. Só preciso saber algumas coisas antes de te desamarrar.

- Eu vou te esfaquear até você virar uma peneira se você NÃO ME SOLTAR!

- É, pelo seu "jeito" de falar, posso presumir que esse sangue no seu casaco não é seu?

- Chega mais perto pra descobrir. Ainda posso sujar mais.

- Acho que você não está muito afim de conversa agora. Bom, não vou te jogar lá fora. Pode dormir no sofá hoje, amanhã conversamos.

- QUE?! ME SOLTA!

- Não. Se eu fizer isso você vai me transformar em uma peneira, lembra? Boa noite.

- MERDA!

Em pouco tempo eu me soltei e comi o sanduíche que ele tinha deixado pra mim. E foi assim que comecei meus dias aqui. Ele mantinha a porta da sala trancada, pra evitar que eu o atacasse, e não o culpo por isso, já que nos primeiros dias eu realmente tinha forças pra isso.

Ele passou a deixar agua e comida na mesa, enquanto eu dormia, ele fazia isso todos os dias.

Mas, apesar de ter comida, agua e um lugar pra dormir, a cada dia que eu passava preso, meu estado mental piorava.

A cada dia que eu passava sem matar, mais impactante a abstinência ficava e mais altas e frequentes as vozes de Liu ficavam em minha cabeça, eu não conseguia mais ouvir meus próprios pensamentos e comecei a ficar mais insano que antes.

Eu gritava, quebrava coisas, tremia e chorava de desespero todos os dias. Eu me convenci de que tudo que eu precisava, e que resolveria o problema, seria matar alguém.

Mas, Halph me mostrou que existia outro jeito de resolver as coisas.

- Ei, garoto... - Um dia, ele entrou na sala, e eu estava sentado num canto, depois de destruir toda a sala mais uma vez. Eu tremia e chorava que nem uma criança. - levanta, quero que venha comigo.

- N-não chega p-perto de mim. Me deixa em paz!

- Olha, você pode ficar ai, no escuro, se torturando, ou pode me deixar te ajudar.

Eu estava muito fodido, e mesmo que não quisesse a ajuda dele, era óbvio que eu precisava.

Eu me levantei e fui até ele, mesmo meio desconfiado, eu não confiava em ninguém a muito tempo.

- Vem, vou te mostrar uma coisa.

- N-não vai me amarrar?

- Não. Vou confiar em você.

Na minha cabeça ele estava sendo um idiota. Mantendo um psicopata em potencial preso na sua casa, e ainda dando a liberdade pra que andasse livremente na sua própria casa. Na minha cabeça ele era muito burro, e na verdade, ele era muito mais inteligente que eu.

- Ignore a bagunça, não tenho o habito de limpar esse lugar.

Nesse dia, Halph me levou pro seu quarto de pintura, o quarto que estamos agora. Ele era um artista incrível.

- F-foi você que fez tudo isso?

Ele pintava paisagens exóticas, seres humanos deformados, rostos com expressões indescritíveis, e seres estanhos, que não se pareciam com humanos, muito menos com animais, eram todas bizarras, e aquilo me fascinou.

- Sim, era meu trabalho.

E então eu descobri que aquele velho foi, durante muito tempo, um pintor muito bem sucedido, que viajou o mundo todo fazendo exposições das suas obras e vendendo elas pra ricaços idiotas. Durante anos ele ganhou muito, muito dinheiro mesmo.

Ele me disse que suas obras eram famosas pela bizarrice, a ideia era criar representações dos sentimentos humanos, e tentar dar uma forma pra elas, por isso eram tão estranhas.

- E por que me trouxe aqui?

Ele me deu vários pincéis e baldes de tinta.

- Eu quero que você pinte tudo que está sentindo, sem exceção.

- M-mas eu não sei fazer essas coisas!

- Não importa, você não precisa saber, precisa sentir.

E eu fiz a minha primeira pintura. Eu lembro de ter pintado algo muito violento e estranho. Eu coloquei tudo que eu sentia naquela pintura, e na hora eu estava sentindo umas mil coisas o mesmo tempo, então é, meu primeiro quadro foi um caos.

Mas eu me surpreendi quando vi que aquilo realmente me ajudou, quando terminei me sentia mais tranquilo, minhas mãos tremiam menos, a abstinência se fazia menos presente e as vozes pareciam mais "tranquilas".

E naquele dia, eu tive minha primeira noite de sono tranquila.

E hoje eu entendo que eu não "queria" matar, eu só precisava matar, porque não consegui encontrar outro jeito de me manter estável até começar a pintar.

Claro que eu queria me sentir bem todos os dias, então eu comecei pintar todos os dias.

Tudo que eu pintava era violento e sombrio, mas me ajudava a melhorar, e Halph sempre via beleza nas coisas que eu pintava.

- Seus traços tem ficado cada vez melhores.

- Você acha?

- Claro. E que tal tentar um sombreamento diferente quando for pintar o sangue?

Com o tempo ele conseguiu o que ninguém conseguiu, ele se aproximou de mim, e se tornou a única pessoa em quem eu confiava, e gostava.

Eu e ele ficávamos mais próximos a cada dia, ele me ensinou todas as coisas que sei hoje.

- Desiste Halph, eu não sei andar na merda dessa floresta!

- Paciência garoto, com o tempo você vai aprender. Vou te ensinar todos os atalhos que conheço.

- Desde quando tem um lago aqui do lado?!

- Garoto, você é muito distraído.

Ele era meio curioso e queria saber mais sobre mim, era meio irritante.

- O que houve com seu rosto?

- Não gosto de falar sobre isso.

- Se não quiser, tudo bem, mas se quiser, podemos conversar enquanto pescamos no lago. O que acha?

- Porra, como você é insistente!

Mas o mais importante, ele era um bom amigo.

- Eu fiz uma mas máscara de porcelana pra você. Mas sabe que não precisa usar ela aqui dentro, certo?

- Uau, que foda! Valeu!

- De nada. Mas cuidado, se ela cair vai despedaçar.

- Eu vou cuidar.

Ele me ensinou a controlar minha raiva, a me comportar melhor em público, e foi o homem que me ensinou a ser um homem. Tudo que meus pais não puderam me ensinar, ele ensinou.

- Jeff, não pode tratar uma garota desse jeito.

- Qual o problema?! Eu só assobiei!

- Não acredito que vou ter que te ensinar boas maneiras também.

Ele sabia o que eu já tinha feito com outras pessoas e como eu era perigoso, mas ele não ligava, ele não tinha medo, e pra mim isso era muito estranho.

- Você sabe que eu mato pessoas, né?

- É, eu percebi.

- Você não tem medo de mim?

- Medo? Pessoas matam pessoas desde que o mundo é mundo, você não fez nada que milhares de pessoas já não tenham feito.

- E você não tem medo de que eu te mate?

- E você vai?

- Não.

- Então não. Não tenho medo.

Ele me criou e educou, e o mais engraçado é que isso não era obrigação dele, e mesmo assim ele fez.

Com a ajuda dele e das minhas pinturas,  pela primeira vez as vozes ficaram quietas, eu parei de ouvi-las e pela primeira vez em muito tempo eu conseguia ouvir apenas os meus próprios pensamentos. Durante muito tempo as crises pararam, eu não sentia vontade de matar, apesar de pensar sobre o assunto algumas vezes, mas nada com o que eu me importasse muito. Eu finalmente me sentia estável, eu tinha alguém pra confiar, tinha uma casa e não poderiam estar melhores.

Mas como sempre, eu consegui estragar tudo.

Um dia, eu e ele estávamos pintando juntos, e ele me pediu um favor.

- Jeff, pode pegar minha paleta, por favor? Está em cima da minha cama, eu esqueci de pega-la.

- Beleza.

Quando fui no seu quarto pegar a paleta, eu encontrei uma foto amassada no chão, nela Halph estava abraçado a duas mulheres, uma adolescente e uma adulta.

- Ah obrigada, sempre esqueço de guardar a paleta no lugar certo.

- Halph, quem são essas?

Eu lembro que quando o entreguei a foto, vi sua expressão de paz sumir pela primeira vez.

- Elas eram minha família. Minha mulher e filha.

- O que?

E então ele me contou como sua família foi destruída.

- Minha mulher se chamava Agatha, e minha filha era Emily, elas eram meus raios de sol, as mulheres mais lindas e bondosas que eu já conheci. Um dia minha filha pediu pra ir a uma festa na cidade, eu e minha mulher deixamos. Ela disse que voltaria as dez, mas não voltou. Depois de dois dias desesperados atrás dela, a polícia nos chamou, ela estava na delegacia nos esperando, eu nunca tinha visto Emily tão mal. Ela era linda, e tinha um brilho único, mas parecia que todo seu brilho tinha ido embora, e eu logo entendi o porque. Na festa ela foi encurralada e estuprada. Ela nós disse quem era o estuprador, mas a policia não fez nada.

- Que?! Por que?!

- Porque o garoto era filho do xerife, e nós ficamos destruídos, o garoto arrancou um pedaço da minha filha, ele destruiu o brilho dela, e nada aconteceu com ele. Eu fiquei mal, e minha filha e minha mulher ficaram piores ainda. Minha filha se afogou em uma depressão profunda, eu comecei a beber por não conseguir ajuda-la e comecei a brigar com minha mulher. Um dia, quando eu estava bêbado, esqueci de trancar a porta de frente, e durante a madrugada minha filha tomou vinte comprimidos, saiu de casa e se jogou no lago.

- Puta merda...

- É, foi uma situação muito difícil, eu me senti extremamente culpado e me afoguei mais ainda na bebida, e minha mulher ficou dez vezes pior, ela entrou em um quadro depressivo que nem nossa filha, e eu, como o idiota que era, estava bêbado demais pra fazer algo a respeito. Ela tentou aguentar, mas foi mais forte que ela. Três meses depois da morte de Emily, Agatha se embebedou e se jogou no lago. Eu perdi as duas, do mesmo jeito.

- E o que você fez depois?

- Quando me dei conta de que estava totalmente sozinho, eu sofri muito, porque sabia que de certa forma, eu tinha uma parcela de culpa em tudo isso. Eu poderia ter ajudado minha filha, e poderia ter ajudado minha mulher, mas não, eu me fechei em um mundo que criei pra mim mesmo e deixei elas se destruírem. Eu não queria ter o mesmo destino que elas, então tentei parar com o vício em bebida, me concentrei em outras coisas, tentei trabalhar noite e dia na esperança de que isso me anestesiasse. Com o tempo eu tentei me perdoar, e tentei entendê-las. Eu sinto falta delas todos os dias, mas me convenci de que elas ainda estão aqui, e que me protegem todos os dias. Eu as pintei da maneira mais bela possível e pendurei algumas dessas pinturas na casa, eu gosto de lembrar delas dessa forma, lindas, sorridentes e inocentes.

- E o que aconteceu com o cuzão que fez isso com a sua filha?!

- Ele é um homem agora, hoje em dia deve estar na faculdade.

- Halph, você precisa fazer alguma coisa! Esse cuzão destruiu sua família, você não pode deixar ele solto por ai!

- Não importa mais, Jeff. Elas se foram.

Aquele "não importa" me irritou, eu achei a situação muito injusta, e acabei lembrando do que aconteceu comigo. Aqueles meninos cuzões tinham mandado meu irmão pra longe de mim e tentaram me foder depois, e eu fiz eles pagaram o preço. Mas Halph deixou um moleque de merda destruir a família dele e sair empune, aquilo me deixou maluco.

- Não importa? NÃO IMPORTA?! SUA MULHER E FILHA VIRARAM CADÁVERES BOIANDO NA AGUA POR CAUSA DESSE CARA E ISSO NÃO IMPORTA?!

- Jeff, fale baixo, não comece.

- NÃO, VOCÊ QUE NÃO TÁ PENSANDO DIREITO! ESSE CARA NÃO MERECE VIVER E VOCÊ SABE DISSO!

Eu me levantei e sai andando, eu estava muito puto. Halph foi atrás de mim.

- Jeff, volte aqui! O que você pensa que vai fazer?!

- O que eu vou fazer... - Me levantei e peguei a máscara de porcelana que havia ganhado de presente. - vou fazer o que VOCÊ deveria ter feito.

Eu era imaturo, eu achava que já estava "curado" de todos os meus problemas, dentro da minha burrice, eu jurei que estaria fazendo um favor pro Halph, e que matar aquele cara não faria diferença pra mim. Eu não podia estar mais errado.

- Até mais tarde!

Eu abri a porta, decidido a fazer aquilo.

- JEFF!

Halph nunca gritava, aquilo chamou minha atenção, então eu parei.

- Se você fizer isso, eu prometo que você nunca mais vai me ver.

Aquela tinha sido minha última chance...

- Não vou cair nesse seu draminha de merda.

e obvio que eu a joguei fora.

Eu andei pelo caminho que ele havia me ensinado, atravessei a caverna e fui pro outro lado da montanha, indo direto pra cidade. Eu não ouvia vozes, não sentia tormentos da abstinência, eu estava totalmente consciente e sabia o que estava fazendo, e pra mim, eu estava fazendo certo.

Eu fiquei indignado em pensar que um filho da puta daqueles ainda estava vivendo normalmente depois de estuprar uma garota e acabar com uma família.

Era noite de sexta, então a Zona Escura já estava fervendo com as festas, e se aquele filho da puta era filho do xerife, as pessoas com certeza conheciam ele, e sabiam aonde ele estava.

Eu caminhei rápido, e em questão de pouco tempo cheguei no bairro mais podre da cidade.

- Vamos ver se essa coisinha realmente ajuda.

Coloquei a máscara no rosto e vesti meu capuz.

Andei por mais algumas quadras e me deparei com alguém familiar, um cara encostado em um muro, fumando um cigarro, era Josh.

Precisava começar pro algum lugar pra achar o cara, e Josh seria meu ponto de partida. Me aproximei.

- Ei. De boa?

- Eu te conheço, maluco?

- Sou eu. Aquele cara que, b-bem, esfaqueou aquele velho gordo três meses atrás.

- N-nossa, é você cara?! Nem consegui reconhecer seu olhos com essa máscara, bom, eu nunca vi o seu rosto todo pra ser sincero. M-mas em fim, você tá legal?! Não veio tentar terminar o trabalho né?!

É, a máscara era boa.

- N-não, foi mal ai por tentar te esfaquear, e valeu pela ajuda com aqueles cara.

- Ah relaxa, se eu ganhasse um centavo por cada cara que tenta me matar eu já seria milionário. E fica de boa sobre aqueles caras, a gente se resolveu, e na verdade, eu peguei o cargo daquele velho otário, sou chefe daqueles cuzões agora.

- Ah, entendi. Mas cara, com que porra você trabalha?!

- Traficante e assassino de aluguel.

- Assassino de aluguel? Então você é exatamente quem eu preciso.

- Quer contratar um serviço?

- Não. Só quero saber se você sabe o nome do filho do xerife.

- O filho do xerife?! O que você quer, cara?

- Ele tem umas merdas pra acertar. Você sabe, ou não, o nome dele?

- S-sei. O cara se chama Mark.

- E como ele é?

- Não lembro direito, tem um tempo que não vejo o cara, que eu me lembre ele é ruivo e tem olhos castanhos. Um colega meu disse que ele fez uma tatuagem no braço.

- E onde eu acho ele?

- É, ai complica, ele vive saindo pra festas, nunca fica num lugar só, m-mas ele não tem carro, então vive andando com a viatura do pai a noite, o veadinho gosta de se exibir. Isso ajuda?

- Vai servir. Valeu por essa.

- Ei e-espera ai!

Ele me agarrou pelo braço e eu me afastei assustado, odiava que as pessoas me tocassem.

- Desculpa. Eu só queria te entregar isso... - Ele me entregou um tipo de cartão, totalmente branco, apenas com um numero escrito a mão. - foi mal, os cartões de visita acabaram, só tenho isso. Queria dizer que desde que o velho morreu eu tive que despedir uma galera, e bom, tenho precisado de uma galera no meu "serviço de aluguel", e você tem potencial. Eu pago uma grana boa, e pros melhores, pago uma grana do caralho. Se quiser participar, é só me ligar.

- Eu faço minhas merdas sozinho.

- Não tem ninguém te obrigando, é só uma oportunidade.

- Eu não preciso disso.

- Mas pode precisar.

Só virei as costas o ignorando, e fui embora atrás do desgraçado.

Depois de ficar pelo menos umas duas horas olhando cada carro que passava, e ficar encarando cada cara de cabelo ruivo que eu via, eu finalmente achei o lugar que ele poderia estar.

Em um bairro um pouco mais descente, uma festa rolava em uma grande casa de dois andares. Ironicamente, uma festa a fantasia, então não seria difícil me misturar. Tinha uma viatura estacionada na frente da casa.

- Bingo.

Entrei, tentando parecer o menos suspeito possível, fingi conhecer todos ali.

- Ei, e ai cara, tá fantasiado de que? Michael Myers

Um cara aleatório, á meio chapado, chegou dando tapinhas na minhas costas.

- É, i-isso ai.

- Pensando bem eu nunca te vi por aqui. Qual é teu nome?

- E-eu sou aluno de intercâmbio.

Mentir não era meu forte, mas eu fui aprendendo.

- Ah sim, é faz sentido. Bem vindo então!

- Valeu. V-você sabe se o Mark veio?

- Ah! Você já conhece o Mark?

- Bom, ainda não, m-mas falaram que ele estaria aqui, então eu queria dar um oi.

- Ah, já saquei, quer se apresentar pro queridinho da turma né? O filhinho do xerife, cara, que inveja dele.

Acertei em cheio.

- É, tipo isso. Onde ele tá?

- No andar de cima, fumando um com a Cassy, passa lá! Vai que ele "divide" ela com você.

- Vou dividir a sua cara no meio.

- Ein? Disse alguma coisa cara? Tá o maior barulho aqui!

- Nada, só disse obrigado. Valeu ai, curte a festa.

Subi as escadas, havia um banheiro e uma outra porta do lado, eu sentia um cheiro estranho vindo de lá, e uma musica alta.

Entrei sem bater.

- Ei, sabe bater não?!

E fui recebido pelo próprio. Cabelo ruivo, olhos castanhos e tatuagem no braço.

- Foi mal. Você que é o Mark?

Ele puxou um de seu baseado.

- Quem quer saber?

- Sou aluno novo. Me falaram que vocês tinham um pra fumar, fiquei afim.

- Ah, então você curte fumar um?

- Aham.

- Ouviu essa Cassy? Ele também curte! Por que não disse antes porra?! Senta ai com a gente.

Me sentei na casa, uma das meninas bolou um baseado e me entregou

- Não vai tirar isso da cara?

Fiquei puto, mas era uma festa a fantasia, então tentei me convencer de que as pessoas não desconfiaram. Tirei a máscara.

- Uou, maquiagem foda. Senta ai, bora curtir, esse aqui é do bom. Ai, Cassy! Pega uma bebida pra gente.

A loira levantou e saiu do quarto sem questionar, em pouco tempo ela voltou com uma garrava de whisky nas mãos.

- Agora que ficou bom!

Ele pegou a garrafa e a virou na boca.

- Quer um gole, mano?

- Ah, não valeu.

- Você que sabe.

Eu nunca tinha fumado maconha antes, então sem saber merda nenhuma do que eu estava fazendo, puxei o fumo com toda força, obvio que eu tossi.

- Ei, Mark, você conhece alguma história de terror?

Sua "putinha" loira, a tal da Cassye, veio perguntando a ele.

- Muitas, meu pai vive falando. Vocês sabem, ser chefe da policia rende umas histórias bem bizarras.

- Tipo?

- Hm, tem uma bem recente, de uns dois anos atrás. Ele entrou numa casa em que toda a família tinha sido morta. A mulher, o marido e o filho mais novo.

Eu fiquei quieto, mas desconfiei, eu tentei controlar, tentei parecer tranquilo. Minha respiração começou a pesar, e eu comecei a sentir aquela sensação de novo, aquela força sobre humana e ódio subindo pelas minhas veias.

- Nossa, e quem faria uma coisa dessas?

A loira burra perguntou enquanto tomava um gole da bebida.

- Ele disse que os pais tinham mais um filho, o mais velho, só ele teria sobrevivido. Falam que ele "desapareceu".

- O que você acha que aconteceu com ele, gatinho?

- Sei lá, e não dou a mínima. Só é uma pena a mãe deles ter morrido, a velha era muito gostosa.

É, aquilo foi meu limite, senti o ódio tomar conta de mim e o sadismo vir a tona, a partir dali seria prazeroso matar aquelas pessoas. Eu levantei, peguei a garrafa e a bati na parede, a quebrando na metade.

- Chega dessa porra.

Corri pra cima da loira e cortei seu pescoço em um só golpe, pra sufoca-la no sangue e evitar que ela gritasse.

- QUE MERDA É ESSA CARA?!

- Você é mesmo um merdinha irritante, Mark.

- POR QUE VOCÊ FEZ ISSO?! QUEM É VOCÊ?! QUE MERDA EU TE FIZ?!

- Me fez? Não, você não me fez nada. Mas fez a outra pessoa.

- QUE?! E-EU NUNCA FIZ NADA PRA NINGUÉM!

Ver aquele desgraçado mentir daquele jeito só me deixou mais puto, e só me fez pensar que seria ainda mais prazeroso mata-lo.

- Ninguém? Acho que essa sua cabecinha de merda ficou meio afetada pela maconha. Ou você só tá fingindo que não se lembra da Emily?

- E-emily?! Ai, m-merda, c-cara eu não fiz nada, eu juro. M-me deixa ir embora por favor.

- Eu acho bom você parar de mentir, tá começando a me irritar, e muito.

- E-eu juro, eu n-não fiz nada c-com ela.

Cravei a garrafa em sua calça, direto em sua virilha.

- AH! SEU DESGRAÇADO! PORRA!

- Tem certeza de que não se lembra, Mark? Olha, eu ainda posso arrancar seu pau fora e te fazer engolir se você não falar a verdade. E ai? O que vai ser?

- ARG! TÁ, EU COMI AQUELA VAGABUNDA! MAS E DAI? ELA MERECEU!

Retirei a garrafa.

- AH, PORRA!

- Era só o que eu queria ouvir.

- M-ME DEIXA IR SEU PSICOPATA!

- Nossa, como você tá branco, tá um trapo. Talvez uma soneca te ajude a sentir melhor.

- O-o que?!

- Vai dormir, seu tarado de merda.

Cortei sua garganta, o assisti se debater na cama, engasgar em seu próprio sangue, dando seus últimos suspiros.

Não me senti nenhum pouco arrependido.

Quando finalmente parou de se mexer, tirei seu celular do bolso, e liguei para a polícia.

- Departamento de Polícia, como posso ajudar?

- O xerife está?

- Sim, senhor. Mas ele não pode atende agora. Alguma emergência.

- Avisa pra ele que o Mark não tá muito bem.

- O que? Como assim?

- Vocês não são policiais? Rastreiem a porra do telefone e venham ver vocês mesmos. Boa noite.

Eu me sentia ótimo, aquele cenário me fazia sentir ótimo. Eu me sentia incrível por ter feito tudo aquilo sem ouvir vozes, e sem tratar aquilo como um vício. Eu fiz porque estava com raiva, não, na verdade eu fiz porque eu quis, e isso me fazia sentir incrível.

Eu ouvi trovoadas do lado de fora da casa, ia começar uma tempestade.

- Hora de vazar.

Eu coloquei minha máscara e sai pela janela do quarto, que dava no quintal dos fundos. Eu corri o mais rápido que pude pra voltar pra casa. Eu sabia que Halph estaria puto comigo, mas me convenci que quando ele descobrisse o que eu fiz com aquele cara, ele ficaria feliz.

Mas eu era imaturo demais pra perceber que Halph não era como eu.

- HALPH, EU CHEGUEI!

Tirei a máscara e sai correndo para o andar de cima, no quarto de pintura.

- VOCÊ NÃO VAI ACREDITAR NO QUE... - O quarto estava vazio, todos os seus quadros estavam cobertos por panos, no canto do cômodo. - Halph?

As únicas telas que ainda estavam descobertas, eram as minhas, e em uma delas tinha algo colado, um bilhete.

- Que?

Eu o arranquei e comecei a ler.

" Jeff, meu garoto, eu sei que você não vai me perdoar por isso, mas você fez sua escolha, e eu também fiz a minha, mas antes de executa-la, eu queria te deixar essas palavras.

Eu venho te observando nos últimos meses, e reparei uma coisa. Você pode não acreditar, mas eu acredito que no fundo do seu coração, à bondade. E sabe porquê? Porque mesmo você 'sendo esse caos', eu como o velho que sou, consigo ver nos seus olhos o mesmo brilho que eu via nos olhos da minha filha, eu acredito que você ainda tenha uma faísca de bondade dentro de si. Talvez algo fez com que você a perdesse, talvez você não saiba, ou não acredita que ela exista, mas eu acredito.

Eu sei que você vai duvidar de mim, sei que vai pensar que é impossível ser bom depois de todas as coisas que fez, e tudo bem, duvidar de si é um ato natural do ser humano. Mas, eu espero que um dia você encontre alguém que consiga reviver seu brilho e despertar sua bondade, alguém que faça você querer ser outra pessoa, que faça você querer ser melhor, porque você é, e pode ser melhor. Mas infelizmente eu não sou, e não posso ser esse alguém, eu não tenho a força necessária pra isso, não sou eu quem vai te mudar.

O que eu pude fazer, eu fiz, te ensinei o que sei sobre o mundo lá fora, te ensinei o que fará de você um homem, e te ensinei tudo que queria ter ensinado pra minha filha. Preciso te agradecer pelo tempo que passamos juntos, você fez a vida de um velho artista triste se tornar mais colorida, obrigado por ter aparecido, mesmo que você quisesse me matar em um primeiro momento, obrigado de qualquer forma.

Eu sei que fui covarde, e que falhei com minha filha e mulher, mas eu não vou fazer isso de novo.

Adeus Jeff, espero que possa me perdoar, apesar da escolha ter sido minha. E espero que você encontre esse alguém tão precioso que te ajude a reencontrar e despertar o brilho que você perdeu, todos merecemos ser felizes. Continue pintando, e se lembre de mim.

Quando eu encontrar minhas meninas vou falar de você pra elas. Emily vai gostar de você.

De seu amigo, Halph. "

Não demorei nada pra entender, era obvio.

- Não, não, NÃO!

Eu corri, tropeçando pelas escadas e caindo pelo degraus. Eu lembro que senti o sangue escorrer pelo meu nariz, mas não dei a mínima.

Eu sai de casa, estava escuro e chovendo, eu escorregava, caia, me sujava de lama, levantava e continuava correndo, eu lembro de chorar desesperado, e que as lágrimas só se misturavam com a chuva como se não fossem nada.

E então eu cheguei ao outro lado do lago, onde ficava o cais que costumávamos pescar.

- HALPH! HALPH?!

Quando me aproximei, a única coisa que achei foi seu casaco boiando na água, e foi quando as vozes voltaram a falar.

"A culpa foi sua Jeff."

- N-NÃO, NÃO, NÃO, NÃO!

"Vê o que você fez? Você me matou, matou o papai, a mamãe, e a única pessoa que te aceitou depois de tudo isso. Você destrói tudo que toca, irmãozinho"

- N-NÃO É VERDADE, E-EU ME-MELHOREI, EU ME LIVREI DE VOCÊ! E-EU SÓ Q-QUERIA AJUDAR ELE!

"Se livrar de mim? Você nunca vai se livrar de mim. Você não vai ajudar ninguém. Você não serve pra ninguém, você só serve pra uma coisa..."

- D-DE NOVO NÃO, M-ME DEIXA EM PAZ, CALA A BOCA E ME DEIXA EM PAZ!

" Você só serve pra matar Jeff, você só bom em acabar com a vida das pessoas."

- MERDA! SAI DA MINHA CABEÇA!





[...]





- Depois daquele dia eu passei a ter vergonha das minhas cicatrizes e de tudo que eu fiz, eu percebi que eu era só um sádico dependente que destruía tudo que gostava. E eu sabia que depois disso voltaria a matar, por isso jurei pelo Halph que a partir daquele dia, mataria apenas aqueles que realmente mereciam morrer. Estupradores, pedófilos e etc. Eu continuei morando aqui, mas fui ficando sem dinheiro pra comida, as vozes voltaram e eu voltei a ter crises de abstinência. Eu precisava de dinheiro, então aceitei a oferta de trabalho que Josh me deu, eu virei um assassino de aluguel, o melhor que Josh já teve, e comecei a ganhar muita grana. Eu precisava muito desse dinheiro e precisava controlar a vozes de algum jeito, as pinturas já não eram mais o suficiente. Eu expliquei minhas condições pra Josh e ele aceitou, então, meus "clientes" são só pessoas que não merecem viver. Eu sei que não era isso que Halph queria, mas é tudo que eu posso fazer.

- Jeff, e-eu...

- Por isso tive dinheiro pra comprar o carro e manter essa casa. É por causa de tudo isso que saio algumas noites e só volto quando amanhece, por isso que vivo sujo de sangue, tenho crises algumas noites ou grito de madrugada, por isso que as vezes me tranco nesse quarto e tento encontrar algum controle pintando quadros. Já fazem alguns anos, então aprendi a me controlar, mas as vezes é bem difícil. Bom, acho que isso é tudo.

- Por que? Por que me contou tudo isso?

- Desde o dia que eu vi sua cicatriz, eu tenho pensado sobre essa coisa de confiança. Eu sei algumas coisas sobre você, o suficiente pra saber que você não é uma ameaça pra mim e que de certa forma, posso confiar em você. Mas você não tem nada disso, você não sabia quem eu era, o que eu fiz, e o que houve comigo, e bom, agora você sabe, e agora pode decidir se acha que eu sou uma ameaça pra você, e se pode confiar em mim.

- Jeff, não posso decidir isso sozinha...

- O-o que?

- Eu entendo que você fez muitas coisas, coisas que não foram boas, e eu sei que não posso ignora-las, mas já fazem nove anos, aquele Jeff não é o Jeff que eu conheci, o Jeff que eu conheço é esse que tá aqui agora, me mostrando seu lado mais vulnerável, e me contando todos os seus segredos, mesmo que isso não seja fácil. Você não é mais um menino, você virou um homem. Eu não quero que você seja uma ameaça pra mim, e quero poder confiar em você, mas isso não depende só de mim, depende de você também.

- Me desculpa Stella, mas eu não sei...- Suas mãos começam a tremer de novo, e as lágrimas escorrem por seu rosto. - e-eu ferro com tudo que eu gosto e destruo todo mundo que tenta chegar perto de mim, eu n-não quero fazer isso com você, m-mas eu não controlo, eu não sei o que vai acontecer. M-MERDA! EU NÃO CONSIGO RESOLVER NADA!

Jeff se levantou em um pulo e começou a destruir tudo a sua volta, todas as suas pinturas.

- J-JEFF, CALMA!

Me aproximei e o agarrei por trás, apesar de ser muito mais forte que eu, consegui joga-lo para o outro lado, evitando que ele destruísse mais coisas.

- Se acalma!

- COMO?! TÁ VENDO?! EU DESTRUO TUDO!

- EU NÃO LIGO!

- C-COMO?!

- EU NÃO LIGO! EU VOU CORRER O RISCO! EU PREFIRO CORRER O RISCO DO QUE IR EMBORA!

- O o-que?!

De repente seu tom de voz muda, e ele se cala por alguns segundos. Quando finalmente se acalma, nos sentamos no chão, ele agarra meus braços com força e olha no fundo do meus olhos.

- Por que você não liga?

- Porque eu gosto de você, seu idiota... - Senti uma mistura de sentimentos inexplicáveis, que só me fez sentir vontade de chorar. - eu não vou embora.

Ele me olhou com uma expressão mais tranquila.

- Eu achei que você me odiaria, depois de saber das coisas que eu fiz.

- Bom, talvez eu te odiasse um pouquinho lá no início, mas depois de tudo isso, acho que não consigo mais te odiar, nem se eu quisesse, idiota.

- Você é maluca, sabia?

- Eu?

- É. Tem que ser meio maluca pra gostar de mim, mesmo depois de saber tudo isso.

- Talvez eu seja mesmo, mas acho que a essa altura não me importo.

- Nem com os riscos?

- Nem com os riscos.






*
Oi gente, autora aqui! Antes de qualquer coisa, perdão pelo atraso e pelo TAMANHO desse capitulo, mas espero muito que tenham gostado! Eu vou melhorar a rapidez na produção dos capítulos, as vezes é difícil conciliar estudos, vida social, fanfic e rede social ao mesmo tempo, mas estou fazendo meu melhor! Espero que tenham gostado deste cap! Por favor, deixe seu comentário me dizendo o que achou! Quero saber se estou realmente andando no caminho certo (espero que sim)! Um beijo, bom fim de semana e até sexta que vem!

<3

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