IX - Idiota.

Agosto, 3

Meus olhos se abrem e a primeira coisa que vejo é um teto rosa com várias estrelas grudadas no mesmo. Me levanto e olho melhor em volta, cortinas azuis, desenhos por toda parte, ursinhos e brinquedos espalhados pelo chão, estou no meu quarto, na minha casa.

Por que estou aqui?

Abro a porta e caminho pelo longo corredor, passei pelo quarto de meus pais, o banheiro, o quarto do Noah, e finalmente cheguei as escadas.

- Noah? Papai? Mamãe?

Chamo pelos três enquanto desço as escadas, mas ninguém responde.

Ao chegar no andar de baixo tudo está uma bagunça, garrafas de bebida vazias em cima da mesa, brinquedos espalhados pelo chão, e roupas jogadas pelos cantos.

- Stella? Stella!

Uma voz doce e calma me chama do segundo andar, reconheço aquela voz em qualquer lugar, era minha mãe.

- Mamãe!

Subo as escadas novamente, mas ao chegar não vejo ninguém. Observo melhor a minha volta e percebo uma poça de água saindo da fresta da porta do banheiro.

Me aproximo lentamente e giro a maçaneta do banheiro, a porta vai se abrindo sozinha.

A mesma cena de anos atrás.

Minha mãe jogada na banheira, os pulsos cortados e a banheira repleta de sangue, vazando.

- MÃE!

Me levanto da cama em um pulo, minha respiração totalmente acelerada. Olho em volta novamente, estou na casa de Jeff. Foi apenas um pesadelo.

Dou um suspiro longo, tentando aliviar a tensão em meu corpo.

Assim que levanto vou logo ao banheiro, preciso muito de um banho.

Tiro minhas roupas e as jogo na pia, ainda processando a cena que vi naquele pesadelo.

Me olho no espelho, os cabelos brancos misturados com os pretos, os cabelos que herdei dela.

Eu não aguento mais, não aguento mais me sentir culpada, não aguento mais lembrar, não aguento ver ela em mim todos os dias, isso precisa parar. Decisão tomada.

Tomo um banho rápido e troco de roupa, seco meus cabelos da maneira mais preguiçosa possível e saio correndo do quarto para comer alguma coisa. Jeff já estaria acordado, provavelmente.

Sobre ele, bem, já se passaram algumas semanas desde a confusão que ele havia se metido, e felizmente estava bem melhor.

Desde aquele dia um tanto "constrangedor" em que Jeff dormiu em minha cama, nossa relação tem sido um pouco diferente.

Ele já não me tranca mais, não me chama mais de gambá, me deixa dormir até as dez, me ajuda com as tarefas da casa, e vez ou outra até cozinha comigo, e até me deu uma cópia da chave da porta da frente. Ele tem sido paciente, doce e por incrível que pareça, uma companhia agradável.

A única coisa que ele continua me pedindo é para não entrar no cômodo misterioso, e eu respeito. Vez ou outra o vejo entrar ali durante a semana, mas não questiono e nem me atrevo a chegar perto, estamos bem e prefiro que continue assim.

Desço as escadas e chego rapidamente à cozinha. Jeff estava sentado, comendo um sanduíche. Passo direto por já abro a geladeira a procura de algo pra comer.

- Ah, bom dia?

Disse Jeff, um pouco confuso.

- Bom dia.

Bato a porta da geladeira depois de pegar dois ovos e manteiga.

- Dormiu bem?

- Mais ou menos. Esse sanduíche é de que?

- Geleia com pasta de amendoim. Por que?

Me aproximo e arranco um pedaço de seu sanduíche, o enfiando inteiro na boca.

- Ei! Que bicho te mordeu, Stella?!

- Nenhum, só estou com fome. Vou no mercado hoje, quer alguma coisa?

Digo enquanto quebro os dois ovos na frigideira, com o fogo já ligado.

- Ah? No mercado? Mas a dispensa tá cheia. E você tem dinheiro?

- Não, minhas coisas estão com você. Esqueceu? Mas relaxa, vou conseguir de outro jeito.

Jogo a manteiga na frigideira.

- Outro jeito?

- Ah, você sabe... - Ando até a geladeira, pego uma caixa de suco e tomo direto da boca. - do jeito da Stella.

- Cuidado pra não fazer merda...

- Eu não sou amadora Jeff, você sim.

Digo voltando minha atenção à frigideira novamente, vendo que os ovos estavam quase prontos.

- Vai se foder.

- Vai você.

Digo enquanto coloco meus ovos prontinhos em um prato.

É, eu sei que eu e Jeff não temos mais aquela relação de inimigos que definitivamente querem se matar, mas vez ou outra provocamos um ao outro, é inevitável, é a nossa dinâmica.

Me sento ao seu lado, já devorando os ovos com garfo e faca o mais rápido que posso.

- Olha, você tá legal mesmo? Parece que acabou de cheirar cocaína. Além disso eu já falei que a dispensa tá cheia.

- Estou ótima. Só preciso de umas coisinhas.

Digo dando uma das últimas garfadas.

- Coisinhas?

- É, coisinhas. Bom, já acabei, vou me arrumar.

Enfio o último pedaço de minha refeição na boca e volto correndo para meu quarto.

- Garota doida.






[...]





Já estou na porta da frente, de roupa trocada, boné, mochila, chaves de casa e celular em mãos.

- Jeff, vou sair!

- Tchau!

Ele grita da sala de estar. Pelo som de gritos saindo da televisão, ele provavelmente estava assistindo a algum filme slasher de novo.

- Tem certeza de que não quer nada?!

Tento falar mais alto que os gritos da televisão.

- Ah, trás um achocolatado pra mim?!

- Sério isso?!

- Você que perguntou!

- Tá, eu trago! Até mais tarde!

- Até!

Saio de casa e tranco a porta atrás de mim. O dia estava lindo, o lago seguia com a água cristalina e o som da natureza era a única coisa que se podia ouvir.

Começo minha caminhada, que dessa vez não será tão cansativa. Insisti muito pra que Jeff me ensinasse atalhos e caminhos mais rápidos pra que eu chegasse ao outro lado da montanha, é óbvio que insisti até ele ceder.

Usei um desses atalhos e em menos de vinte minutos pude chegar ao outro lado da montanha, agora só faltava chegar a cidade!

Enquanto caminho em direção a cidade decido ligar para Félix.

Tiro meu celular do bolso e disco seu número.

- Félix?

- Stella! Que bom que ligou! Como você tá?

- Indo bem! Olha, vou passar ai na cidade e preciso de umas coisas da farmácia, pode me descolar essa?

- Sempre meu amor! Pode chegar que eu te espero.

- Obrigada amigo, até mais tarde!

- Até, gostosa!

Ele desliga. Parecia bem mais animado que o normal. Provavelmente tem algo para me contar, ele nunca consegue esconder nada de mim por muito tempo.

Depois de um tempo caminhando consigo chegar a cidade. As ruas estavam calmas, como sempre. As coisas nunca são muito movimentadas por aqui na parte do dia, as coisas só ficam boas de verdade quando a noite cai.

Caminho algumas quadras até chegar à farmácia.

Abro a porta e seu sino logo faz "ding, ding".

- Félix! Estou...

- Stella!

Ele pula o balcão e me envolve em um abraço apertado.

- Que saudade!

- Ha, ha! Eu também estava! Desculpa demorar tanto pra conseguir te ver de novo.

- Não tem problema, sei que você só queria ajudar seu amigo.

- Obrigada por entender...

- De nada, linda! Mas então, do que você precisa.

- É, sobre isso, bem...

- Stella?

- Tinta de cabelo.

- Ah, já entendi.

- É, você já conhece a história.

- Olha amiga, você tem o dia livre hoje? Que tal a gente sair no meu intervalo pra conversar sobre isso? Já faz tanto tempo que você largou essa ideia, com certeza tem um motivo pra você ter voltado a pensar nisso.

- Ah, eu só quero mudar meu visual, não é nada de mais...

- Stella, eu te conheço. Você é a última pessoa NO MUNDO, que eu conheço, que se importa com esse tipo de coisa. Com certeza aconteceu alguma coisa, e você não vai embora até tomar um café comigo e contar o que tá acontecendo, entendeu?

- Tá bom, você me venceu. Mas eu não tenho dinheiro.

- Deixa que eu pago pra você hoje linda. Temos muito o que conversar.

- Fechado.

Esperamos seu horário de intervalo chegar, e assim que chegou, saímos da farmácia e fomos a nossa confeitaria favorita. Chegando lá, Felix pediu café e um pedaço de cheesecake, eu pedi café e duas fatias de torta de limão.

- Parece que alguém não tomou café.

- Eu sai com pressa, só comi dois ovos.

- Entendia. Mas sem mais enrolações! O que rolou pra você voltar a pensar nisso do nada? A última vez que você cogitou isso foi anos atrás.

- Eu tive um pesadelo noite passada. Eu vi ela morta, de novo.

- Na banheira?

- É.

- Nossa, faz tempo que você não tem esse pesadelo. O que será que aconteceu?

- Eu não sei. Eu só sei que não importa quanto tempo passe eu continuo me culpando pelo que aconteceu, mesmo sem os pesadelos, eu a vejo todos os dias, a vejo todos os dias em mim, nesses cabelos. Eu não quero mais olhar pra isso, eu me sinto uma merda toda vez que olho pra mim mesma.

- Stella, você não pode se culpar pra sempre, ela já estava muito doente, não foi culpa sua. Sua mãe fez a escolha dela, você não pode se condenar por isso.

- Eu sei que não, mas me olhar no espelho me faz lembrar dela todos os dias.

- Stella, presta atenção... - Félix pega minhas duas mãos e as segura. - Você não é sua mãe, nem seu pai, você é a Stella! Seus olhos, seu cabelo, suas cicatrizes são partes de quem você é! Independente do que você tenha herdado ou não dela, você sempre será a Stella.

Ele continuou.

- Eu sei que o passado machuca, você sabe o que meus pais biológicos fizeram comigo, eu também senti muita dor e me senti horrível com tudo isso, e mesmo que eu seja sangue do sangue deles, eu sou e sempre serei eu. Você é linda, seus cabelos são algo único que não é todo mundo que tem, pense nisso!

Eu me sinto mais confortada ouvindo as palavras de Félix, mesmo que ainda queira manter minha decisão, eu fico feliz que ele queira me ajudar.

- Mas o cabelo é seu, estou apenas te aconselhando, se você quiser pegar a tinta na farmácia pegue, se isso for aliviar sua dor, eu não vou te impedir.

- Obrigada Félix, não sei o que faria sem você...

- Estaria igual a uma gata borralheira revirando latas de lixo por aí, mas é, eu também não sei o que seria de mim sem você!

- Vai se ferrar, idiota!

Digo tentando conter minha risada.

- Inclusive! Eu ia me esconder por mais um tempinho, mas não consigo. Tenho algo pra te contar!

- Não me diga. O que é dessa vez?

- Arranjei um namorado!

- Sério? Meus parabéns Félix!

- Obrigada! Ele mora aqui na cidade! E adivinha, trabalha nessa confeitaria!

- Não brinca? Que incrível! Posso conhecê-lo?

- Eu até queria, mas hoje ele está de folga. Na próxima eu te apresento ele!

- Que pena!

- Mas, falando em homens, você ainda não me contou nada sobre esse seu "amigo distante" ai. Ele é bonito?

Félix perguntou com malícia.

- Félix!

- O que? Só fiquei curioso! Você some por quase três meses e me aparece falando que tá passando um "tempinho na casa de um amigo"? Agora eu quero saber de tudo!

- Ai, meu deus. Tá, ele é bonitinho.

- É?! E como ele é?

- Ele é alto, tem os cabelos pretos na altura do ombro, olhos azuis, e até que é fortinho...

- Hm, você está muito observadora pra quem está falando só de um amigo...

- Ah? N-não, claro que não!

- Ah vai, já deve ter rolado um clima!

- Não, Félix. P-para de inventar!

- Ai! Tá bom, tá bom. Mas me conta mais sobre ele! Qual o nome dele? Ele é legal? Do que ele gosta?

- Calma, calma! Uma coisa de cada vez! Bom, o nome dele é Jeff, ele é meio chato as vezes, mas sabe ser legal; ele faz algumas brincadeiras só pra me irritar, mas as vezes ele consegue ser engraçado; ele gosta muito dos filmes de terror do gênero slasher; ele tem uma voz boa de se ouvir, e quando ele tá calmo parece ainda mais agradável; ele gosta de falar sobre documentários criminais e eu acho bem fofo o jeito como ele fala com tanta propriedade e conhecimento sobre o assunto; ele é gentil quando quer e tem um sorriso bonito...

De repente percebo que me peguei viajando em meus pensamentos e esqueço completamente da presença de Félix.

Olho nos seus olhos novamente, e o mesmo estava literalmente boquiaberto.

- D-desculpa, eu acabei dando uma viajada sem querer.

- Cara, você tá MUITO AFIM DELE, STELLA!

Félix não controla o volume de sua voz e todos na confeitaria As pessoas em volta nos encararam.

- Felix! F-fala baixo!

- Ah! Desculpa! Mas meu deus, isso foi muito fofo! Eu nunca vi você falar assim de ninguém!

- Para com isso! Eu não gosto dele! E-eu só conheço ele muito bem, só isso!

- Então por que você ficou fazendo cara de boba apaixonada enquanto falava dele?

- Eu não fiz cara de boba apaixonada.

- Se você pudesse se olhar no espelho na hora, com certeza diria o contrário.

Senti minhas bochechas esquentarem.

- Vai a merda, Félix!

- Meu deus, você está totalmente caidinha por ele!

Será que Félix estava certo? Será que aquele sentimento indefinido sobre Jeff, que eu realmente não sabia o que era, seria paixão?

- Eu não estou! Eu acho...

- Que fofos! Olha, eu sei que essa coisa de paquera nunca foi seu forte, então você deve estar meio confusa, mas é só você pensar consigo mesma e tirar suas próprias conclusões! Precisa pensar com si mesma e tirar suas próprias conclusões. Por mais que pra mim, a resposta seja clara.

- Ai Deus, eu só me fodo.

- Relaxa amiga, não é tão ruim, além disso, nem mesmo você sabe o que sente por ele.

- Acho que preciso de tempo pra pensar.

- Imagino. Eu queria poder ficar mais tempo pra te ajudar, mas precisamos voltar pra farmácia, meu intervalo tá acabando... - Ele disse enquanto olhava para o relógio de seu celular. - vamos?

- Vamos.

Durante a caminhada Félix me contou um pouco mais sobre seu namorado, ele parecia ser um cara decente, e fico feliz por isso, Félix sempre teve um dedo muito podre pra homens.

- Bom, você ainda quer a tinta de cabelo

Félix perguntou, com a caixa do produto em mãos.

- Quero...

Pego a caixa em suas mãos e coloco na bolsa.

- Só pensa no que eu te falei, tá bem? Você não é a sua mãe, e a culpa não é sua.

- Eu sei, mas preciso tomar essa decisão sozinha.

- Eu entendo. Mas independente do que você escolher, eu vou ficar contigo!

- Obrigada Félix, eu te amo.

Digo o abraçando forte.

- Também te amo sua maluca. Não queria mandar você ir embora, mas meu chefe vai chegar daqui a pouco, mais tarde nos falamos. Pode ser?

- Claro, te aviso quando chegar em casa. Até logo, Félix.

- Até, Stella.

Vou em direção a porta e antes de abri-la me viro para olhar para Felix uma ultima vez, e ao olhar, percebo no frigobar ao seu lado.

- Espera, Felix!

- O que foi?

- Você tem achocolatado?





[...]





Estou quase chegando em casa, está entardecendo, acabei demorando mais que o esperado já que me perdi algumas vezes, fiquei pensando sobre as coisas que Félix falou sobre Jeff, será que ele está certo?

Eu nunca parei pra pensar sobre o quanto já fiz por Jeff, o quanto já me preocupei, e o tanto que já pensei nele...

Finalmente chego em casa. Entro e tranco a porta atrás de mim.

- Jeff, cheguei!

- Estou na cozinha!

Vou em direção a cozinha.

- Eu trouxe seu... - Jeff está suado, sem camisa, com os cabelos penteados pra trás, bebendo uma garrafa de água. - ah! O-o que você tá fazendo vestido assim?!

Sinto minhas bochechas esquentarem.

- Ah, isso? Eu sai pra correr.

- Entendi...

Disse, olhando para o chão, evitando olhar pra ele.

- Você tá legal?

- Ótima, não é nada.

- Ha ha, por acaso te deixei sem graça? Ah qual é, não é a primeira vez que você me vê sem blusa. Que bicho te mordeu? Meu charme finalmente te conquistou.

- Não fiquei sem graça, só não esperava por isso. E não vem com esse papo de charme pra cima de mim de novo!

Tiro meu boné e o arremesso em Jeff, que agarra o mesmo antes de acerta-lo.

- Boa sorte na próxima, bonequinha.

- "B-bonequinha"?!

Quanto mais ele fala, só piora, e a minha vergonha só aumenta. Eu quero sumir.

- Ah vamos, eu só quero tirar uma com a sua cara! Sério tem alguma coisa estranha com você hoje

- Não tem nada de estranho comigo.

- Aham sei. Olha, mudando de assunto, tá chegando a hora da janta. Tem alguma coisa em mente?

- Sei lá. O que você quer?

Digo, tentando me controlar, não posso parecer um poço de nervosismo.

- Ah não sei, pensei que a gente poderia só fazer uma pipoca e assistir aquele documentário que largamos na metade no outro dia. Pode ser?

- Tá bom, eu vou fazer a pipoca e tomar um banho. Você pode pelo menos deixar minha mochila no meu quarto, por favor?

Digo jogando minha mochila para ele.

- Claro.

O mesmo agarra rapidamente a mesma e sai do cômodo.

- Puta merda...

Dou um longo suspiro para digerir o que acabou de acontecer. É verdade, eu já vi Jeff sem blusa antes, mas dessa vez parece diferente...

Pego o pacote de milho no armário, despejo na panela com um pouco de óleo, fecho a tampa da panela e acendo a boca do fogão.

Enquanto ouço o barulho do milho estourar, pego meu celular do bolso e mando uma mensagem para Felix.

- Cheguei em casa.

Depois de alguns segundos ele visualiza a mensagem e responde.

- E como estão as coisas com o tal do Jeff?

- Cheguei aqui e ele estava sem camisa, todo suado.

- E você amou né?

- Vai a merda.

- Ha ha! Desculpa. Mas olha, se você for afim dele não tem problema. Não é como se você estivesse cometendo um crime, né?

Que coisa irônica de se dizer.

- É, talvez.

- Fica tranquila, vai dar tudo certo! Vai me falando como vocês estão, beleza?

- Beleza.

- Até mais tarde! Tenho um encontro com meu homem agora!

- Até!

Desligo o celular e o coloco em meu bolso novamente. Meu deus, o que eu fiz pra merecer tudo isso?

Olho para a panela, o barulho havia parado, sinal de que a pipoca já estava pronta. Apago o fogo e retiro a panela cuidadosamente.

Agora precisava tomar um banho.

Subi as escadas e fui em direção ao meu quarto. Minha mochila estava em cima da cama.

Vou tomar um banho, molhar o cabelo e depois usar a merda daquela tinta.

Independente de tudo que Félix tenha falado, eu ainda sinto que isso é o certo a se fazer. Eu não mereço me parecer com ela, não depois do que eu fiz.

Entro no banheiro e tiro minhas roupas, jogando-as no cesto de roupa. Entro embaixo do chuveiro começo meu banho.

Será que vou me arrepender? Fazer isso vai resolver meu problema?

Depois de alguns minutos embaixo da água quente, finalmente termino meu banho.

Saio de toalha e abro meu armário em busca de algo pra vestir. Coloco uma blusa de manga comprida e shorts de pijama.

Meu cabelo ainda estava úmido, hora de pegar a tinta. Vou até a mochila a abro o zíper da mesma, mas a tinta não estava lá.

- Mas o que...

- Procurando por isso?

Me viro e vejo Jeff encostado no vão da porta, com o produto em mãos.

- O que você tá fazendo com isso?

- Eu que te pergunto. Por que comprou essa coisa?

- Não te interessa.

- Uou , calma, não precisa se irritar comigo. Eu só achei que a mochila estava vazia demais pra alguém que acabou de voltar do "mercado".

Disse ele fazendo aspas com os dedos.

- Tá eu não fui, e daí?

- Eu só quero entender por que você tá tão esquisita, só isso.

- E por que você quer saber?

- Sou curioso.

Eu não quero brigar com ele, e não quero explicar toda a história pra ele, só quero resolver meu problema em paz.

- Jeff, por favor, me dá a tinta.

Ele entra no quarto e vai em minha direção, ficamos parados frente a frente, olhos nos olhos.

- Eu te dou, se me disser o porquê de você ter "comprado" essa coisa.

Não adianta, ele não vai me devolver se não der pelo menos um motivo a ele.

- Eu quero pintar meu cabelo, pronto. Agora pode me devolver.

- Hm, não.

- Que?! Jeff me devolve logo, você disse que me devolveria.

- Você não precisa disso.

Estou começando a me irritar.

- Como não preciso?! O que você sabe sobre mim pra dizer o que eu preciso ou não preciso?!

- É verdade, eu posso não saber muito bem seus motivos, mas eu já te conheço a um tempo. Você acha que eu não percebi?

Meu corpo gela no mesmo minuto.

- Percebeu o que?

- O jeito como você vive de cabelo preso, como você sempre sai de boné nas ruas, como você evita se olhar no espelho. Eu já percebi que você não gosta de si mesma.

Fico sem palavras no mesmo momento. Eu sei que convivemos um com o outro a um certo tempo, mas conhecendo Jeff, eu realmente achei que ele não se importava ou se quer percebia nisso, tanto que ele me chamou de "Gambá" durante um bom tempo...

- Eu sei que sou meio babaca as vezes, e que te chamei por um apelido não muito simpático por um bom tempo, mas... - Ele passa uma de suas mãos por meus cabelos molhados. - eu nunca disse que você, ou seu cabelo era feio.

- Você tá delirando...

- Não, não estou. Eu sei que sou muito otário em grande parte do tempo, mas eu falo sério.

- Não perde seu tempo tentando me convencer.

- Não quero te convencer de nada, só quero evitar que você faça uma idiotice. Além disso, ser diferente não é necessariamente ruim.

Ele diz, ainda passando suas mãos por meus cabelos. Sinto nossos corpos se aproximarem.

- Se ser diferente não é tão ruim, então por que você escondia seu rosto?

- Não confunda as coisas, você não sabe o que aconteceu. Minhas cicatrizes são uma idiotice que eu mesmo causei. Só quero evitar que você faça algo que vá se arrepender depois.

Nossos corpos estavam próximos, próximos demais. Sentia meu coração bater forte e acelerado em meu peito, minhas mãos suavam frio e minha respiração falhava.

- Se serve de alguma coisa, eu gosto delas...

Jeff tinha uma expressão suave, tranquila, e olhava fixamente em meus olhos enquanto deslizava seus dedos por meus cabelos.

- Stella, posso te perguntar uma coisa?

Estávamos tão perto que pude sentir sua respiração em meu rosto.

- Pode...

- Seria uma idiotice te beijar agora?

Meu corpo paralise, nem consigo pensar em minha resposta, ela simplesmente sai da minha boca.

- Seria.

Um pequeno sorriso se forma em seu rosto, e ele semicerra seus olhos.

- Então eu sou mesmo idiota.

Suas mãos tocam gentilmente meu rosto e nossas bocas se encontram.

Seu beijo era leve, suave, quente...

Eu senti todo meu corpo arrepiar, parece que tudo dentro de mim simplesmente se desfez.

Ele me agarrou pela cintura e aprofundou o beijo, sentir meu corpo colado ao seu tornava tudo melhor.

Tudo parecia perfeito, senti como se nossas bocas juntas fossem duas peças de quebra-cabeças que se encaixavam perfeitamente.

Jeff se afastou lentamente, separando nossas bocas.

Seus olhos azuis olhando profundamente para os meus, seus lábios ainda entreabertos, eu era capaz de sentir os batimentos de seu coração com seu peito colado ao meu, sua respiração ainda estava quente e pesada, tudo isso me fez querer beijá-lo de novo. Não acredito que eu ainda queria mais desse filho da puta.

- Uau... - Ele disse, ainda olhando em meus olhos, com suas mãos em minha cintura. - imagino que agora você queira me estrangular por isso.

- Sabe, por incrível que pareça, não.

- Jura?

- Juro, não estou puta com você.

- B-bom, então, o que quer fazer agora?

É a primeira vez que vejo Jeff nervoso desse jeito.

- Hm, ainda quer ver aquele documentário?

Ele riu, sem graça.

- Boa ideia...- Ele diz tirando uma mecha de cabelo do meu rosto. - sabe, eu gostei de te beijar.

- G-gostou?

Fico sem graça mais uma vez.

- Gostei...- Senti suas mãos apertarem minha cintura mais uma vez. - posso fazer de novo?

Ele me olhava de uma maneira que nunca havia olhado antes, ele parecia tão tranquilo, tão manso, eu não conseguiria dizer não.

Ele me beijou mais uma vez, e mais uma vez meu corpo inteiro se desmontou por ele.

Depois de um tempo, nossas bocas se separaram mais uma vez.

- Vou querer fazer isso mais vezes... - Ele disse enquanto limpava um fio de saliva no canto de minha boca. - se você não se importar.

- Acho que não tem problema.

Ele sorriu novamente.

Eventualmente descemos as escadas e fomos em direção a sala assistir ao documentário que ele havia comentado mais cedo.

Foi divertido, comemos pipoca, saboreamos um bom sorvete, e até achei graça do quão feliz ele ficou quando dei o achocolatado que peguei a ele. Vez ou outra eu flagrava Jeff me encarando por alguns bons segundos, mas não me sentia mal com isso, não senti maldade no jeito que ele me olhava.

Em determinado momento eu senti sua mão se aproximar da minha, e não impedi o processo. Nossas mãos se entrelaçaram e eventualmente me senti confortável para encostar minha cabeça em seu ombro, coisa que ele também não impediu.

É, talvez, só talvez, Félix esteja certo. Pode ser que eu goste um pouco dele.

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