IV - Face do Mal.
Julho, 2.
Já faz um mês que vivo com Jeff, e admito que por mais que minha situação seja uma grande merda poderia ser bem pior. Desde o dia em que nos "conhecemos" Jeff não tem sido uma pessoa violenta, pelo menos não comigo. No início ele não confiava muito em mim, então em qualquer lugar da casa que estivesse, ele estava atrás, e não o culpo, também não confiaria em mim mesma, já pensei em usar as facas da cozinha para fatiá-lo umas duzentas vezes, mas já desisti dessas ideias, pois ao longo do tempo pude criar um plano que, para mim, funcionaria muito melhor.
Quero mostrar ser confiável, fiel e leal a ele, quero conquistar sua confiança o suficiente para ele acreditar que pode me levar ao mundo lá fora novamente, ou baixar a guarda, e assim que essa oportunidade surgir eu irei fugir, e minha primeira parada será a polícia! Mas até lá, tenho aproveitado esse tempo para observar seus comportamentos e atitudes.
Na rua ou em casa, Jeff está sempre de máscara, nunca vi seu rosto e acho que será assim até o dia de minha fuga. Quando Jeff passa o dia em casa, faz questão de ficar atrás de mim, simplesmente para encher meu saco! Ele fala por horas sobre seus filmes de terror favoritos, vídeos de pessoas se acidentando, ou às vezes, piadinhas, flertes e cantadas de mal gosto. De longe, esse filho da puta mascarado é uma das pessoas mais IRRITANTES que eu já conheci.
Mas, admito que apesar de parecer um belo idiota, ele também tem um lado que me assusta. Normalmente Jeff faz questão de me avisar quando vai sair, seja de dia ou de noite, e sempre volta com mantimentos, como comida, remédios e etc, mas às vezes, ele simplesmente sai sem avisar, e são sempre nessas "saídas suspeitas" que Jeff volta ensopado de sangue. É claro que isso me assusta, mas ainda tem coisas piores. Durante a noite Jeff tranca a porta de meu quarto, que por azar é ao lado do seu, ouço coisas quebrando, Jeff gritando, e as vezes até mesmo sons que podem se assemelhar a choros ou risadas, em noites como essas eu mal costumo dormir.
Nos dias seguintes a essas noites, Jeff costuma passar o dia inteiro trancado em um cômodo no qual sou proibida de entrar. Assim como nossos quartos, ele fica no andar de cima, uma porta vermelha vibrante, trancada a sete chaves, que sempre chama minha atenção quando passo por ela.
Todos os dias me pergunto o que tem atrás daquela porta. Uma sala de tortura? Tem alguém preso lá? O que tem de lá de tão chocante? O que Jeff guarda lá dentro? Bom, eu não tenho ideia.
Desde que cheguei aqui Jeff impôs algumas regras; Primeira regra, entrar no quarto de Jeff é proibido; Segunda regra, Entrar no quarto misterioso é proibido; Terceira regra, me recolher antes de meia noite; Quarta regra, nada de celular.
É isso mesmo, faz um mês que não me comunico com ninguém no mundo lá fora, todos os dias eu morro de preocupação com Felix e principalmente com Noah, já tiverem noites e mais noites em que chorei até pegar no sono, de saudade e preocupação, mas estou tentando ser o mais forte possível para que tudo que planejo dê certo, para que Jeff confie em mim, para que eu finalmente possa fugir dessa casa.
O "lado bom" é que durante os dias fico muito ocupada com toda a limpeza da casa, por isso os pensamentos ruins não ocupam minha cabeça, até porque com Jeff falando em minha orelha, fica difícil pensar em qualquer coisa. Mas, no tempo em que estive aqui, limpei cada canto dessa casa, cada cômodo, e puta merda, essa casa é imensa! Biblioteca, cozinha, sala de jantar, salão principal, sala de estar, área de serviços, só de lembrar fico zonza!
Eu ainda não entendo que conexão Jeff tem com essa casa, ou como ele a conseguiu, já levantei algumas teorias, mas para mim a mais plausível é a de que ele sempre viveu aqui. Está casa é cheia de quadros nas paredes, e todos tem algo de semelhante, em todos os quadros vejo sempre as mesmas duas musas juntas, em roupas, lugares ou posições diferentes, mas sempre as mesmas, e juntas, duas mulheres lindas de cabelos longos e pretos, pra mim, parecem quadros de família. Talvez Jeff já tenha tido uma família, talvez mãe e irmã, talvez esposa e filha, mesmo que eu o ache novo para ter filhos, mas quem sabe...
Mas independente do que for, a casa não deixa de ser linda, e ter um teto pra morar já é alguma coisa. Eu ainda estou tentando descobrir aonde fica essa casa, das janelas só vejo montanhas, floresta, e um lago, e eu não sou nenhuma idiota para ir lá fora e testar a paciência de Jeff, não por enquanto.
Bom, enquanto faço este pequeno "resumo" de minha experiência, mais um dia cheio de tarefas se inicia.Me levantei devagae da cama, olho para o relógio de ponteiro, seis da manhã em ponto.
- Merda, queria que tudo fosse um pesadelo.
Disse enquanto me espreguiçava na cama. Todos os dias, às sete em ponto, Jeff aparece para destrancar meu quarto, por isso opto por acordar às seis, para arrumar meu quarto e tomar um banho quente, para começar bem o dia.
Depois de enrolar um pouco, finalmente me levanto para começar meus afazeres, arrumo minha cama, guardo as roupas que Jeff me deu, pego novas e entro no chuveiro.
Ao terminar meu banho, seco meus cabelos e coloco uma muda de roupa. Tenho quase certeza que as roupas que Jeff me forneceu são dele, ou talvez daqueles que ele matou. A maioria das blusas ficam extremamente grandes e os shorts e bermudas vivem caindo, mas né, que opção eu tenho.
Depois de pronta e de deixar meu quarto organizado, me sento em frente a penteadeira para prender meu cabelos. Observo minhas mechas brancas por um tempo, tento fazer algum penteado que as esconda, mas nunca consigo, isso me irrita tanto.
Enquanto estou em uma guerra contra meu cabelo, ouço a porta destrancando.
- Bom dia, Gambá.
Disse Jeff, abrindo a porta, ainda meio sonolento.
- Já pedi para parar de me chamar assim.
Levanto-me e passo pela porta, o ignorando.
- Mal humor a essa hora da manhã? Eu estava ansioso pra te acordar.
Disse em um tom galanteador, enquanto me perseguia pelas escadarias da casa.
- A é? E por que? Você tem outra lista de cantadas ruins pra contar hoje?
- Ainda não sei como você é tão resistente ao meu charme.
- Charme? Sua cara é de porcelana.
- Não seja tão dura com minha máscara. Que eu saiba, mulheres gostam de mistério.
- Sabe do que eu realmente gosto, Jeff?
- Hm, o que?
Jeff toma uma postura curiosa.
- Sossego. Agora me deixe fazer o café da manhã, em paz.
Tento ignorar sua presença, correndo para a cozinha. Odeio me estressar logo de manhã.
- Você fala como se odiasse minha companhia. Que cruel.
E eu odeio, mas tem coisas que são melhores quando a gente não fala, principalmente quando se trata de seu sequestrador.
O dia mal havia começado e Jeff já estava testando minha paciência, andando atrás de mim de um lado para o outro.
Chegando na cozinha preparo meu café da manhã, e como sempre, ele está logo atrás de mim, sentado na mesa, observando meus movimentos. É esquisito? Sim. Já me acostumei? Não tenho escolha, né?
Faço um prato com waffles, manteiga e mel, meu café da manhã favorito.
- Aceita?
- Não valeu, já tomei café da manhã.
- E você não tem nada de mais importante pra fazer ao invés de ficar sentado ai me vendo comer?
- Você sabe que eu gosto de te observar.
- Esquisito.
- Estou só te admirando.
Uma das coisas que mais me irrita em Jeff é seu senso de humor, ele jura ser a pessoa mais engraçada do mundo, ele sabe o quanto isso me irrita, por isso continua.
Quando terminei meu waffle, lavei minha louça e mais algumas que o preguiçoso largou na pia.
- Então, tem alguma tarefa pra hoje que não sejam as de sempre?
- Na verdade, sim, preciso que coloque as cortinas do seu quarto para lavar e passe minhas blusas.
- Minhas cortinas? Por que?
- Faz um tempo desde a última vez que as lavei, elas são meio antigas e podem acumular poeira, e quem sabe alguns bichinhos, e acho que você não quer nada que não seja eu rastejando pelo seu quarto a noite. Né?
- Primeiro, eu vou limpar; segundo, você é bem convencido, não acha?
- Primeiro, obrigada Gambá; segundo, está se fazendo de difícil pra chamar minha atenção?
Ele é INSUPORTÁVEL.
Tento ignorar esses comentários nojentos e apenas cumprir minha função de merda. Me irrito mais ainda em lembrar que preciso seguir suas ordens.
- Vou recolher as cortinas, enquanto isso fica ai com seus pensamentos esquisitos.
- Você que sabe. Se precisar de mim, estou na sala vendo filme.
- Não vou precisar.
- Mas vai sentir saudade.
- Tchau Jeff!
Neste momento fomos cada um para um lado, Jeff foi para a sala, e eu ao segundo andar para resolver logo esse problema, e poder focar em minhas outras tarefas.
Subo as grandes escadarias já pensando a quanto tempo essas cortinas não são lavadas, e como passarei o resto do dia espirrando por conta de uma provável crise alérgica.
Passo pelo quarto de Jeff, o corredor misterioso, e chego à porta do meu quarto.
Ao entrar encaro as grandes e compridas janelas, que chegam perto de alcançar o teto. Para remover as cortinas preciso tirar a trava de seu varão, o que claramente não alcanço.
- Merda, como vou alcançar essa coisa?
De repente meus pensamentos são interrompidos...
- GAMBÁ, DESCE AQUI!
Gritou Jeff do andar de baixo.
- Já vai! Não gritar!
Saio de meu quarto, já imaginando o que Jeff queria desta vez. Ando pelos longos corredores, e tudo parecia bem até algo me chamar atenção.
Paro em frente ao corredor da porta misteriosa, a mesma que tem chamado minha atenção desde que cheguei aqui, a mesma está entre aberta. Não lembro de ter visto a mesma aberta quando passei aqui antes.
Olho para ambos os lados, ninguém, me concentro no som, silêncio total, Jeff não está por perto e não tem nada que me impeça. Eu conheço as regras da casa e sei que não devo entrar, e não vou, mas se essa porta continuar aberta, Jeff pode criar outra conclusão.
Me aproximo em passos lentos, conforme me aproximo sinto um cheiro forte vindo da fresta, um cheiro que me é familiar mas que não sou capaz de identificar. Paro em frente a porta, eu devo fechar, eu preciso fechar, mas o que Jeff esconde atrás desta porta?
Levanto minha mão em direção a maçaneta, a abrindo um pouco, sou capaz de ver algo vermelho, espalhado pelos cantos.
- O que é...
Sinto uma mão gelada me puxar pelo punho.
- QUE MERDA VOCÊ PENSA QUE TÁ FAZENDO?!
Diz Jeff, aos berros. Ele bate à porta com força, enquanto me puxa para longe da mesma.
- VOCÊ ABRIU?! O QUE VOCÊ VIU?!
- Ai! Eu não vi nada, ela já estava aberta! Agora me solta!
- MENTIROSA! FALA LOGO! O QUE VOCÊ VIU?!
Ele agarrava meu punho com mais e mais força, fazia tempos que o via tão irado e violento, vê-lo assim me apavorava.
- ME SOLTA, JEFF!
Na tentativa de me livrar de suas mãos, uso meu outro braço e dou uma cotovelada em seu rosto, foi quando vi sua máscara ir ao chão, se quebrando em pedaços
Jeff se afastou, parecia estar em choque, ele olha para sua máscara, em pedaços no chão, em seguida olha para mim.
Eu vi, eu vi o rosto de Jeff. Sua pele era pálida, sua boca tinha grandes cicatrizes que formavam um largo sorriso peculiar de orelha a orelha, seus olhos azuis me fitavam de forma feroz e assassina, eu só vi um olhar tão mortal como esse uma vez. Acho que cavei minha própria cova.
O mesmo pega sua máscara no chão cobrindo seu rosto novamente, em seguida passa a andar em minha direção. Eu cruzei a linha, eu com certeza ultrapassei seus limites, estou morta.
Ele para a minha frente e me encara por alguns segundos, nunca havia visto Jeff daquela forma antes, eu queria fugir, queria correr, mas minhas pernas simplesmente não saiam do lugar, como se meu corpo não quisesse obedecer a meus comandos.
Jeff levanta sua mão e tranca a porta atrás de mim, colocando a chave em seu bolso.
- Volta a trabalhar, agora.
Jeff vira as costas para mim e vai embora.
Que PORRA acabou de acontecer?!
[...]
Eu estava morta, o dia passou extremamente devagar, como se as tarefas se multiplicassem infinitamente. Para variar, durante todo esse tempo meu cérebro fez questão de ocupar todos os meus pensamentos com os acontecimentos de hoje de manhã.
Minhas emoções estão uma puta bagunça, sinto minha consciência pesada, eu sabia que era errado, sabia que era proibido, eu provavelmente acabei com toda a confiança que Jeff poderia ter em mim, acabei de jogar dois meses no lixo, mas que merda!
Além da frustração de ter cagado em todo meu plano tenho outras preocupações péssimas. O rosto de Jeff ficou cravado em minha mente desde que o vi, seus olhos eram tão profundos, seus cabelos densos e escuros caíam sobre seu rosto branco como neve, e aquelas cicatrizes, o que falar sobre elas? Tão marcantes, tão misteriosas, tão ele.
Eu não senti medo de seu rosto ou suas cicatrizes, o que realmente me preocupa é que de alguma forma eu gostei do que vi, eu gostei desse Jeff.
Eu deveria estar assustada? Deveria achar repugnante? Como eu deveria ter reagido? Por que gostei do que vi?!
Meus pensamentos são interrompidos pelo som de alguém batendo na porta de meu quarto, obviamente era Jeff, meu coração dispara e meu corpo gela, depois do que aconteceu ele não falou absolutamente nada o dia todo, Jeff é mais assustador quando fica calado.
Me levanto e vou até a porta.
- Sim?
Digo enquanto abro a porta, com minhas pernas trêmulas. Eu me deparo com seu rosto novamente, e mais uma vez meu corpo se desconstrói, meu coração dispara, minhas mãos tremem e meu estômago embrulha.
- Vou trancar a porta, já fez tudo que precisava aqui fora?
Ele disse em um tom frio, sem provocações, sem brincadeiras bobas e sem apelidos idiotas, talvez eu prefira o Jeff idiota mesmo.
- Sim, já fiz.
- Ótimo. Vou sair amanhã, precisa de alguma coisa?
- Não, estou bem.
- Você que sabe. Vá dormir e...
- Jeff espera... - Seguro a porta antes que o mesmo a feche. Eu quero dizer algo, talvez pedir desculpas, talvez dizer o que senti quando vi seu rosto, mas no fim das contas eu não sabia o que dizer. - esquece, não é nada, boa noite.
Jeff me encara por alguns segundos como se soubesse que tenho algo a dizer, mas parece que preferiu não questionar, ele apenas fecha a porta e passa a chave.
Ando até minha cama e me jogo de bruços na mesma.
- Porra, qual o meu problema?!
Vários. Eu nunca tinha travado dessa forma na frente de alguém, não entendo o que aconteceu comigo. Eu tenho tantas perguntas sobre mim, sobre esse cara, sobre nós dois. Por que ele não me matou? Por que tanta fixação comigo? Quero saber o que ele tanto quer de mim, e principalmente...
E o que aconteceu com seu rosto?
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