Capítulo Nove
Derick Evans:
O sol da manhã entrava pelas frestas da cortina, criando pequenos feixes de luz que dançavam pelo quarto. O som suave do vento lá fora e o farfalhar das árvores pareciam distantes, como um eco gentil que mal quebrava o silêncio aconchegante da casa. Meus olhos se abriram lentamente, ajustando-se à claridade que começava a iluminar o quarto.
Eu me virei na cama e vi Charles ainda dormindo ao meu lado, seu rosto relaxado, quase sereno. Ele parecia tão tranquilo, a respiração lenta e constante, e por um momento, fiquei ali apenas observando-o, sentindo um calor no peito que só aumentava quanto mais eu o olhava. A luz do sol acariciava seus traços, destacando cada linha suave do seu rosto, e, naquele instante, parecia que o tempo havia desacelerado.
Eu não sabia quanto tempo fiquei ali, apenas apreciando a quietude do momento. Havia uma paz rara naquele silêncio, como se o mundo lá fora não pudesse nos alcançar, pelo menos não agora.
Com cuidado, me inclinei e deixei um beijo suave na testa dele, apenas o suficiente para sentir o calor de sua pele sob meus lábios. Charles se mexeu levemente, abrindo os olhos devagar, piscando contra a luz que começava a inundar o quarto.
— Bom dia — ele murmurou, com um sorriso sonolento que fez meu coração acelerar um pouco mais.
— Bom dia — respondi, minha voz baixa, quase como se não quisesse quebrar a calma que nos envolvia.
Ele estendeu a mão, entrelaçando os dedos nos meus, e me puxou para mais perto. Aquele gesto simples, o toque de suas mãos, me fez sentir que, não importa o que o dia trouxesse, estaríamos juntos, como sempre.
— Dormiu bem? — perguntei, minha cabeça agora repousando em seu peito, sentindo o ritmo constante de seu coração.
— Com você aqui? Sempre — ele respondeu, a voz ainda rouca de sono, mas cheia de carinho.
Ficamos assim por um tempo, apenas aproveitando a tranquilidade da manhã, sem pressa de levantar. Havia algo de mágico nesses momentos, quando o mundo parecia nos dar uma pausa, como se dissesse que o futuro poderia esperar só um pouco mais.
Mas eu sabia que, eventualmente, o dia nos chamaria. As memórias da noite anterior, do encontro com meus pais, ainda pesavam levemente em meus pensamentos. Não tinha respostas definitivas, e o caminho à frente ainda parecia nebuloso, mas, com Charles ao meu lado, sentia que, de alguma forma, conseguiria lidar com o que viesse.
— Pronto para enfrentar o dia? — ele perguntou, finalmente quebrando o silêncio, sua mão ainda traçando pequenos círculos nas minhas costas.
Eu suspirei, olhando para ele com um sorriso suave.
— Com você? Sempre.
Charles me puxou levemente para mais perto e, com aquele olhar cheio de carinho que sempre me derretia, me deu um beijo suave nos lábios. Era o tipo de beijo que não precisava de palavras, apenas a conexão entre nós. Quando nos separamos, ele sorriu, aquele sorriso tranquilo que parecia dizer que, não importa o que o dia trouxesse, nós enfrentaríamos juntos.
— Vamos levantar — ele disse, a voz agora mais desperta. — Temos um longo dia pela frente.
Eu assenti, ainda sentindo o calor do beijo em meus lábios, e lentamente nos levantamos da cama, prontos para enfrentar mais um dia. Por mais que as sombras do passado ainda pairassem, com Charles ao meu lado, eu sabia que cada dia era uma nova oportunidade de deixar o que ficou para trás e construir algo melhor.
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O restante do meu dia foi preenchido com as rotinas do trabalho. Pacientes entrando e saindo, consultas, exames, tudo parecia se desenrolar como em qualquer outro dia. No entanto, minha mente vagava de vez em quando, voltando aos momentos com Charles pela manhã, o conforto que ele sempre me proporcionava.
Quando a hora do almoço chegou, descobri que Charles tinha uma reunião importante e não poderia almoçar comigo. Aproveitei a oportunidade para me encontrar com meu tio, que havia vindo ao hospital por outro motivo. Ele sempre foi alguém com quem eu podia contar para ter uma conversa leve, e, às vezes, conselhos sábios.
— Derick! — ele me cumprimentou com um sorriso caloroso quando nos encontramos na recepção. — Que tal almoçarmos juntos? Faz tempo que não conversamos direito.
— Parece uma ótima ideia — respondi, feliz por termos a chance de passar um tempo juntos.
Fomos a um restaurante próximo ao hospital, um lugar tranquilo, onde a comida era boa e o ambiente acolhedor. Enquanto o cheiro de comida fresca nos envolvia, sentamos em uma mesa perto da janela, onde a luz do sol iluminava suavemente o ambiente.
Conforme o almoço seguia, conversamos sobre várias coisas: trabalho, família, e claro, Charles. Meu tio sempre gostou de ouvir sobre nós dois, e eu podia ver nos olhos dele a satisfação ao perceber como nossa relação era sólida.
— Sabe, Derick — ele disse, depois de uma pausa entre as garfadas —, você está diferente. Positivamente. Desde a última vez que nos vimos, parece mais tranquilo, mais em paz. Eu acho que Charles tem muito a ver com isso, não?
Sorri, concordando em silêncio. Era verdade. Apesar de todos os desafios que ainda me cercavam, especialmente em relação aos meus pais, eu sabia que, com Charles, havia encontrado um apoio inabalável. Almoçar com meu tio trouxe uma sensação de normalidade ao dia, um lembrete de que, além de todas as dificuldades, havia momentos como aquele — momentos de simplicidade e conexão.
— Ele tem, sim — respondi finalmente, com um sorriso leve. — Charles me faz sentir que posso enfrentar qualquer coisa.
Meu tio assentiu, com aquele olhar sábio de quem já viveu muito.
— É bom ter alguém assim. E é ainda melhor ver você tão bem, meu sobrinho.
O resto do almoço foi tranquilo e cheio de boas risadas, e quando voltamos ao hospital, eu me sentia renovado. Sabia que ainda havia muito a enfrentar, mas, com minha família e Charles ao meu lado, sentia que podia seguir em frente com confiança.
— Derick, sei que seus pais vieram te ver ontem — meu tio disse de repente, e eu congelei. As palavras dele me pegaram de surpresa, e o peso do assunto caiu sobre mim mais uma vez. — Não vou dizer para perdoar eles ou nada do gênero. Eu, mais do que qualquer pessoa, sei como você ficou quando eles viraram as costas e te abandonaram, acreditando naquele idiota.
Senti meu corpo relaxar um pouco ao perceber que meu tio não estava me pressionando a tomar uma decisão imediata. Ele sempre foi alguém com quem eu podia ser honesto, e sabia que ele entendia o que eu estava passando.
— Eu não vou perdoar de imediato — respondi, minha voz firme. Não era que eu nunca os perdoaria, mas esse processo não seria rápido, e não seria simples.
Meu tio sorriu, um sorriso orgulhoso e compreensivo.
— Esse é o meu garoto — ele disse, com aquele tom caloroso que sempre me fazia sentir protegido. — Acredita que eles até vieram falar comigo também? Queriam saber como você estava. Mas você sabe que eu não confio muito em quem já me magoou uma vez. Então, pedi para um dos meus assistentes investigar o motivo real por trás dessa aproximação repentina, depois de tanto tempo.
Ele pegou o celular do bolso e o estendeu para mim, me deixando ler o conteúdo da tela. Meus olhos correram pelas informações, e uma sensação de incredulidade e raiva começou a se formar.
— Eles estão quase falindo — meu tio disse, enquanto eu lia. — As ações da empresa estão em uma situação péssima, um desastre total. — Ele fez um gesto exagerado com as mãos, como se estivesse jogando as ações no lixo, o que me fez soltar uma risada curta, apesar da seriedade da situação. — A única coisa que ainda mantém a empresa de pé é a parte que seu avô deixou para você e para mim.
Eu me lembrei vagamente dos detalhes desse testamento. Meus avós paternos haviam dividido tudo igualmente entre meu pai e meu tio Erick, e quando eu nasci, deixaram uma parte para mim. Meu tio, sempre respeitoso e independente, nunca tocou nesse investimento, assim como eu. Seguimos caminhos completamente diferentes: ele abriu sua própria empresa, e eu fui para a área da saúde, eventualmente me tornando enfermeiro.
Agora, estava claro como cristal. Meu pai não estava tentando se reconciliar por arrependimento ou por algum desejo sincero de reconstruir nossa relação. Ele queria nossa permissão para vender as ações e salvar a empresa.
— Então é por isso que estão atrás de mim... — murmurei, sentindo uma mistura de desilusão e fúria crescer. — Não é sobre tentar se redimir, não é sobre a família. É só sobre dinheiro.
— Exatamente — meu tio disse, balançando a cabeça. — Eles precisam de você agora, porque essa é a única saída que veem. E é por isso que vieram me procurar também. Mas eu já disse não. Eles precisam entender que algumas coisas não podem ser compradas, nem consertadas com promessas vazias.
Eu o olhei, sentindo a gratidão crescer em meu peito. Saber que meu tio estava do meu lado, e que ele havia rejeitado qualquer tentativa de manipulação, me deu força. Por tanto tempo, eu me senti perdido e traído pela minha família, mas ele sempre esteve ali, me apoiando de uma maneira que eu nem sempre percebia.
— O que você vai fazer? — ele perguntou, me observando com aquele olhar sábio.
Suspirei, o peso da decisão pairando sobre mim. Eu não queria que meu relacionamento com meus pais fosse reduzido a negócios, mas, ao mesmo tempo, não podia ignorar o que havia acontecido. Não sabia se estava pronto para confrontá-los com essa nova revelação, mas sabia que precisava pensar com clareza.
— Não sei ainda — admiti, olhando para o celular dele e devolvendo o aparelho. — Mas eu vou lidar com isso. E quando fizer, será do meu jeito.
Meu tio assentiu, um sorriso leve de aprovação surgindo em seu rosto.
— Sei que você vai fazer o que é melhor para você — ele disse. — E se precisar de qualquer coisa, estou aqui. Sempre estarei.
Eu sorri de volta, sentindo-me um pouco mais leve. Não tinha todas as respostas, mas sabia que, com meu tio ao meu lado, eu enfrentaria qualquer coisa que viesse.
Então, ao longe, ouvi um som alto de algo caindo, e imediatamente olhei para o lado, assim como todos no restaurante. O barulho chamou a atenção de todos os curiosos ao redor. Foi aí que notei que a origem do tumulto era o empresário que eu conheci recentemente, o tal Ronaldo Rossi. Ele até almoçou comigo outro dia. À sua frente, uma mulher chorava e se desculpava repetidamente com ele.
Ronaldo, com uma calma impressionante, estendeu um lenço para a mulher enquanto se abaixava para pegar os talheres que haviam caído no chão. Com gestos gentis, ele a ajudou a se levantar, oferecendo algumas palavras de consolo. A cena tinha um ar quase fraternal, e Ronaldo, com um gesto que surpreendeu a todos, deu uma boa quantia em dinheiro ao garçom para compensar o transtorno. A forma como ele lidou com a situação foi admirável.
Olhei para o meu tio, que, observando a cena, começou a digitar algo em seu celular. Notei que Ronaldo deve ter sentido o celular vibrar no bolso, pois o pegou rapidamente enquanto passava com a mulher para fora do restaurante, provavelmente para continuar a conversa em um lugar mais privado.
— Então essa é a famosa Lídia de quem ele havia comentado antes — murmurou meu tio, atraindo minha atenção. Eu olhei para ele, confuso.
— Quem é Lídia? — perguntei, tentando entender o que ele sabia sobre a situação.
— Desde que conheci Ronaldo, temos conversado bastante sobre negócios e até sobre coisas pessoais. Ele me falou da irmã dele, Lídia — meu tio começou a explicar, enquanto ainda observava a porta pela qual Ronaldo e a mulher haviam saído. — Ela foi atrás do sonho de ter uma carreira no mundo da música e acabou abandonando a própria filha quando ainda era pequena. Ronaldo cuidou da sobrinha desde a infância, e parece que agora Lídia reapareceu, pedindo desculpas e querendo a ajuda dele para se reconectar com a filha.
Fiquei surpreso com a história. Era difícil imaginar que alguém poderia abandonar o próprio filho e, ao mesmo tempo, me perguntei que tipo de arrependimento alguém como Lídia estava carregando para voltar depois de tanto tempo.
— E ele vai ajudar? — perguntei, ainda intrigado pela forma como Ronaldo havia lidado com a situação, sem qualquer traço de raiva ou ressentimento.
Meu tio deu de ombros, guardando o celular no bolso.
— Não sei. Ronaldo é um cara difícil de ler. Ele pode parecer distante às vezes, mas tem um bom coração. A julgar pela maneira como ele tratou Lídia agora, eu diria que ele pelo menos está disposto a ouvir o que ela tem a dizer.
Fiquei pensativo por alguns momentos, observando a porta por onde eles haviam saído. A história de Ronaldo e sua irmã parecia complexa, cheia de feridas do passado, não muito diferente da minha própria com meus pais. O que me fez refletir: será que, com o tempo, as pessoas realmente podem mudar e buscar redenção? E, se sim, até onde somos capazes de perdoar e dar uma segunda chance?
— Parece que Ronaldo tem sua própria batalha familiar — murmurei, mais para mim mesmo do que para o meu tio.
— Todos temos, Derick — ele respondeu, lançando-me um olhar sábio. — Todos temos.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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