Perspectiva
Eu e Bella atualizamos as meninas sem entrar em detalhes complexos e elas pareceram se energizar com ideias novas para solucionar aqueles crimes visto que o passeio investigativo delas não dera em nada. O restante da viagem foi silencioso e não pegamos trânsito, Bella achou melhor sentarmos para conversar com calma na delegacia, todas concordaram sem discussão e então o silêncio dominou o carro e não sei se era porque estávamos cansadas ou perdidas em pensamentos, mas tudo se tornou calmo e quase pacificador. Minha mente estava calma sem pensamentos atordoados até virarmos uma esquina e encarar a construção velha da delegacia, minha mente pulou em posição de guarda e processou toda a conversa dessa madrugada em uma velocidade inimaginável, meus pés formigaram em reposta da inatividade da viagem e meu estomago embrulhou novamente com ansiedade e pavor.
Como se eu estivesse acordado de um transe prestei atenção a minha volta e vi que já estávamos no elevador ainda em silêncio, ouvindo uma música patética de elevador, o que me fez lembrar o dia em que Lucas me carregou do estacionamento para cá, meu corpo se arrepiou por completo com aquele pensamento, meu sangue pulsava forte nas veias e aquele ambiente não combinava em nada com a ansiedade palpável de todas ali.
Estávamos quase no andar certo quando Luana falou numa voz incontida. – Então, quem nós vamos incluir neste assunto? – Continuamos em silencio e ela continuou a falar. – depois de Lucas acho que não devemos confiar em ninguém, vocês viram o que aconteceu da última vez.
- Ninguém. – Bella estava encostada no elevador virada para mim com um dos pés apoiados na parede e sua voz estava com aquele tom sério igual à antes no presídio e ela me encarava com o mesmo olhar profundo dizendo algo que eu não sabia entender. Por que ela não podia ficar normal como todo mundo em um elevador?
- Ezequiel. – disse por fim e o elevador abriu como se eu tivesse dito uma palavra mágica.
Bella levantou uma sobrancelha e eu a encarei dizendo confia em mim com os olhos, ela pareceu entender, porque confirmou com a cabeça e se posicionou para sair, parando um instante para que eu passasse.
Eu entrei a minha sala que parecia que não via há anos e fui imediatamente para a janela, pensamentos iam e viam em minha mente, como um viajante, porém nada se fixava para que eu realmente pensasse em algo. Ouvi Bella sussurrar algo para alguém, depois o som das batidas pesadas de uma bota, provavelmente o delegado, alguém pigarreando, provavelmente Bella ou Luana, as duas eram tão parecidas que eu jamais saberia.
- Ela está em outro mundo de novo? – ouvi alguém dizer às minhas costas, não precisei me virar para saber de quem era a voz de deboche. Luana é claro!
Ouvi um barulho de porta batendo, então me virei, à minha frente havia variedades de expressões o delegado com cara de quem estava com pressa e queria que aquilo terminasse logo, Luana sorrindo com expectativa, Júlia já fazendo anotações e Ezequiel com uma expressão de surpresa, mas sem estragar a elegância que ele implicava em toda expressão facial. Bella como sempre, sentada na minha cadeira com os pés na mesa, olhando para nada específico. Com exceção de Bella o grupo fazia um meio círculo de pessoas silenciosas esperando que eu começasse a falar como em uma palestra.
- Estão todos aqui Lia, por onde quer começar? – Bella tirou as pernas da mesa e sentou inclinada para frente girando as mãos me incitando a começar a conversa, mas confesso que eu não fazia ideia por onde começar.
- Alguém aqui já ouviu falar de um grupo que se autodenomina Ordinem per sex? – finalmente comecei, achando que aquele rumo da conversa era o menos assustador.
Todos se encararam trocando olhares interrogativos, menos Ezequiel que me encarava com uma mão no queixo.
- Eu já, eles são bem reservados, mais até que os Illuminati. – disse Ezequiel deixando todos com uma interrogação ainda maior no rosto.
- Exatamente. – disse começando o assunto que seria longo.
Eu falei tudo que meu pai dissera naquela madrugada, sendo interrompida vez ou outra por Bella que completava as informações que faltavam, provavelmente de alguns momentos em que eu viajei em pensamentos e parei de prestar atenção por instantes. Todos nos olhavam embasbacados, e faziam pergunta vez ou outra, do tipo, Quem faria isso com crianças? Por que matar pessoas em nome de um equilíbrio?
Eu e Bella conduzimos as perguntas com calma até que as perguntas cessaram e todos naquela sala sabiam exatamente o mesmo que eu e Bella.
O silêncio tomou conta da sala enquanto nos encarávamos procurando respostas que não existiam.
- O que esses caras têm com Latim afinal. – disse Luana, fazendo a mesma pergunta que Bella fez no presídio. – e que diabos significa Illius mortiferis? – continuou.
Aquilo me deixou ainda mais nervosa por que vocês são tão iguais? Quis gritar na sala para todos ouvirem, mas consegui me acalmar.
- Significa anjos da morte. – disse calmamente e todos me encararam como se eu fosse algo assustador, Bella notou de imediato o clima da sala e se levantou num estalo da cadeira.
- Ok então, estão todos atualizados, vamos continuar a investigação a partir disto. – Bella bateu as mãos uma contra outra causando um estalo que acordou todos na sala e foi em direção ao mapa com um tabuleiro desenhado nele feito por Lucas, o pensamento me fez arrepiar, será que Lucas era um dos messores?
- Vou atualizar o prefeito, espero atualização a cada duas horas a partir de agora. – disse o delegado saindo da sala em disparada e eu pude identificar as minhas suspeitas. Ele era o dono das botas barulhentas.
- Júlia, café. – Bella disse sem tirar os olhos do mapa. Enquanto Júlia se retirava quase que com a mesma pressa do delegado senti uma pressão na sala, como se Bella tivesse feito tudo calculadamente para sobrar exatamente àquelas pessoas na sala.
- Antes de a reunião começar Lia, o Ezequiel me contou algo que talvez devesse saber. – disse Bella finalmente virando em minha direção.
Eu a encarei passando dela para Ezequiel que percebeu que era hora dele falar.
- Pegamos o Lucas, ele não fala com ninguém, diz que só fala com você. – minhas feições de pavor apareceram tão rápido que foi impossível disfarçar e eu era especialista em disfarçar sentimentos, pelo menos achava que era. Ajeitei-me trocando o peso dos pés e finalmente arranquei coragem para falar.
- Como?
- Ele é muito esperto e tem comportamento aparentemente militar, nós nunca teríamos o pegado se não fosse por um erro que ele cometeu passando um cartão de crédito em uma loja de conveniência de um posto de gasolina de uma cidade vizinha. – Ezequiel parecia se gabar de um serviço bem feito, mas sem parecer convencido. Ele era elegante em tudo, no jeito de falar, de mexer as mãos, de se mover, pareciam quase calculados iguais os passos artísticos de Bella.
Não, não isso está errado!
- Tem algo errado. – disse em um sussurro.
- Na verdade não, ele está na sala de interrogatório agora mesmo, posso te mostrar. – Ezequiel estava com o polegar apontado para a porta e vi uma pulseira preta de coro em seu punho.
- Quero dizer, se Lucas for um dos messores, como acho que é ele, nunca cometeria um erro tão idiota e se ele é um idiota, por que demorar tanto para usar o cartão se ele estava fugindo? – disse olhando para o chão enquanto milhões de pensamentos dançavam nos meus olhos deixando-os embaçados.
- Talvez deva conversar com o ele. – disse Luana olhando para Bella
- Chega de lunáticos por hoje, amanha a Lia conversa. – Bella olhava com olhos mortais para Luana por ter dado a ideia.
-Talvez você pudesse parar de agir como mãe da Lia e deixasse-a fazer o que deve como investigadora. – retrucou Luana.
Opa! Espera um pouco, Luana está discutindo com Bella? Parte de mim quis parar e assistir com certa excitação, como uma criança louca por uma peça de teatro, mas outra parte de mim automaticamente se repreendeu por um pensamento tão maldoso.
- Me leve até ele. – respondi confiante, olhando para Ezequiel com cuidado para não encarar Bella, mas não tive a mesma sorte com Luana, olhei por um instante e lá estava a cara de vitória encarando Bella com um risinho parecidíssimo com o de Bella.
Não importa para onde Ezequiel iria me levar, eu quase fui correndo quando ele abriu a porta, as duas que eu deixei para trás pareciam prestes a explodir, como aquele pássaro preto do Angry birds.
- Que? - ouvi Luana dizer atrás de mim, então eu acelerei de vez o passo.
Ezequiel me levou para exatamente a mesma sala que eu estava quando fui interrogada como suspeita ao que pareciam anos atrás.
Eu entrei na sala e uma confiança se alojou nos meu corpo ao ver Lucas sentado na minha frente com o rosto cansado, cheio de olheiras, um corte no canto da boca com sangue já seco de um provável tapa forte que deve ter levado de alguém, ver ele destruído desse jeito me deu forças para fazer tudo que eu tinha que fazer ali.
Ele me encarou e sorriu um sorriso tão assustador que eu dei um passo involuntário para trás fazendo com que ele inclinasse a cabeça para o lado como um cachorro quando ouve algo interessante exatamente do mesmo jeito que eu sonhara na campina há dias, e foi naquele momento que toda minha coragem desapareceu e um suor gelado tomou conta da minha testa.
Ah pelo amor de Deus, você encara seu pai, isso não deve ser pior. Minha consciência era sempre inconveniente, mas nisso ela tinha razão, meu pai era muito mais assustador, Lucas era peixe pequeno.
Senti minhas forças voltarem e antes que ela desaparecesse eu olhei para Ezequiel que acenou positivamente para mim e então saiu. Antes que eu perdesse a coragem comecei o interrogatório, sabendo que Ezequiel estaria do outro lado do espelho ouvindo tudo e me ajudaria se algo fugisse do controle. Eu estava armada, eu estava sem correntes nas mãos amarradas à mesa, não entendia por que estava com medo, mas eu estava.
- Seja muito bem-vindo de volta Lucas. – disse com calma e um sorriso de canto exatamente como meu pai fazia, me arrependi no momento em que fiz isso, mas agora já era tarde e Lucas me olhou com um pouco de surpresa me deixando na vantagem.
- Confesso que me impressionou você descobrir minha Sacra Messis tão de pressa. – Lucas tinha uma voz baixa, séria e lívida, completamente diferente do Lucas bobo e confuso que eu conhecera no começo da investigação e que me enganou muito bem, eu sentia pena dele de alguma forma.
- Vou encarar como um elogio. - minha voz saiu com mais firmeza que eu esperava e eu me endireitei ao sentar na cadeira de frente para ele.
- Não deveria. – ele retrucou com mais firmeza, e de repente senti que deveria ter deixado de ser teimosa, como sempre, e ouvido Bella. Encarar dois loucos em uma noite só era cansativo e algo me dizia que eu iria enlouquecer junto.
Lucas se inclinou mais para perto me fazendo recuar imediatamente, o que gerou um sorriso sarcástico dele, como se estivesse provando um ponto. Foi então que eu percebi, toda a história que meu pai contara era real, eu de certa forma duvidara desde o início, mas com o reconhecimento do Ezequiel pelo nome e a cerimônia vindo da boca do Lucas, tudo ficou mais confirmatório. O que significava que eu estava no meio de loucos e ia ter que me esforçar para não perder a cabeça. Um ódio se instalou pelas minhas têmporas e fez minhas mãos tremerem, eu precisava acabar logo com isso antes que mais mortes ocorressem. Se ele queria jogar, então iríamos jogar.
- Então, Lucas. Já que está preso, quem vai continuar com a cerimônia? – eu o encarei segurando seu olhar de surpresa, ele devia estar confuso por eu não ter perguntado sobre o que era sacra messis, ao invés disso eu disse o que era na pergunta. Isso era um jogo para ele eu podia sentir isso, conseguia ver em seus olhos, ele tinha o mesmo olhar que meu pai.
- Parece que seu pai abriu a matraca finalmente. – Lucas sorriu para mim, seu sorriso parecia pontas afiadas de micro agulhas, meu rosto formigava toda vez que ele o fazia.
- A Illius messores não é um total mistério na verdade. – menti.
Eu não queria colocar todas as minhas peças em evidência, mas também não podia deixar de jogar. Lucas pareceu surpreso, mas seu rosto de surpresa desapareceu tão rápido quanto veio.
- Igreja nenhuma é um mistério, aliás, é propriedade pública. – Lucas se inclinou ainda mais, ficando mais próximos de mim, e dessa vez me esforcei para não afastar o encarando nos olhos. – O que a igreja faz é que na verdade está o mistério. – continuou ele sem tirar os olhos de mim.
Eu fiquei chocada com a facilidade que ele tinha de me tirar do sério, precisaria estar um passo a frente se quisesse sair dali com informações.
- Você tinha mais três mortes para cometer. Por que quis ser preso? – comecei.
- Quem disse que quis ser preso? – Lucas retrucou com um sorriso no canto da boca.
- Você. Quando passou um cartão de crédito numa loja de conveniência. – disse me inclinando mais para perto dele, mesmo que sem vontade.
Lucas enrugou a testa, afastou se recostando à cadeira. Minha consciência fez uma dancinha da vitória que duraram segundos até ouvir estalidos das mãos de Lucas batendo uma contra outra ecoando um barulho irritante pela sala.
- Ao menos um mistério você resolveu a tempo detetive. – Lucas estava olhando para mim com expectativa, atenção era tudo que ele parecia querer.
- Fica difícil resolver alguma coisa com você ouvindo todos os meus passos. – disse sem toda firmeza na voz que eu empregara minutos atrás.
- Não se defenda Detetive, fica feio para você. – Lucas balançava a cabeça e sorrindo, como um avô corrigindo uma neta e piscou um olho sorrindo.
Aquela expressão de Lucas me trouxe uma sensação estranha no estômago, um embrulho e uma vontade constante de vomitar. Então, sem nenhum barulho desnecessário, puxei disfarçadamente o ar pelas narinas e deixei que o ar me enchesse até ficar sentir o efeito tranquilizador que aquilo me proporcionava. Lucas ainda me analisava como quem analisa uma pintura rara de um museu velho e eu quase fiquei enjoada novamente.
- Corta o papo-furado Lucas, vamos logo ao assunto. Qual é a mensagem? – eu o encarei e ele ficou novamente surpreso, deixa-lo surpreso me trouxe uma alegria interna inexplicável, quase a mesma alegria que seria vê-lo sangrando em uma cadeira sem conseguir pedir ajuda. O pensamento me deixou perplexa. Como eu poderia pensar algo assim? Talvez toda malignidade do meu pai refletisse em mim por alguma vingança de Deus ou coisa assim. Esse segundo pensamento me deixou mais perplexa que o primeiro.
Lucas encarava como se eu fosse alguma aberração agora e eu estava sem paciência.
- Mensagem? – disse ele levantando uma das mãos em questionamento.
- Se você é um dos Messores, o que você já confirmou que é, você tem experiência o suficiente para não ser tão idiota em ser pego por algo que até um assaltante ralé saberia. O que me deixa com uma única alternativa, significa que se você QUIS ser pego, só pode ser porque precisava passar uma mensagem para alguém, como você disse que só falaria se fosse comigo, essa mensagem obviamente é para mim.
- Essa história é muito linda Detetive, mas não tem muito fundamento. – Lucas falava com desdém e pouca curiosidade.
- Corta essa Lucas. – ele sabia que eu estava certa, ele quem disse sobre a Sacra Messis e não negou quando disse que ainda faltavam três mortes, ou ele estava enrolando, e no caso a pergunta seria por quê? Ou eu estava errada esse tempo todo, essa segunda opção me arrepiou os pelos da nuca e me causou ansiedade extrema.
- Ok Detetive, você me pegou. Eu realmente tenho um recado para você, eu só esperava que ficássemos mais tempo conversando, sabe lá quando vou poder conversar com alguém novamente. – Lucas fez beicinho, igual criança quando ouve um não e não gosta da resposta. O que ele dissera era realmente verdade, Lucas iria para prisão e não conversaria com mais ninguém, os messores não deviam fazer amigos, ou qualquer outra coisa enquanto treinavam ou coisa assim? Não é como se eles vivessem numa bolha, era? Esse pensamento me deixou triste de alguma forma, eu precisava sair dali logo, antes que pirasse de uma vez por todas.
- A mensagem Lucas. – disse perdendo a paciência.
Lucas sorriu, mostrando os dentes amarelos e sem vida que eu não notara antes e me olhou fingindo timidez.
- Certo. – Lucas me olhou detestando acabar com a nossa conversa, respirou profundamente e continuou. – “O mal não pode vencer o mal. Só o bem pode fazê-lo”.
Que?
- Espera um minuto. – disse levando as mãos ao alto e sorrindo nervosamente antes de continuar. – você está me dizendo que você veio até aqui, fez todo esse estardalhaço para recitar Leon Tolstoi?
Lucas me olhou interrogativamente abandonando levemente sua maldade nos olhos e imprimiu um olhar de uma criança abandonada e cansada que me deixou em alerta.
- Olha Detetive eu faço o que me mandam desde muito novo, não estou aqui para discutir o conteúdo da mensagem.
Eu o olhei com uma genuína pena, que passou assim que lembrei tudo que ele fizera. Lucas devia ter dupla personalidade, não era possível que sua personalidade se alternasse tanto.
- Ok Lucas, por que não fazemos o seguinte? – disse me aproveitando do seu breve momento de fraqueza. – se você me contar quem são os responsáveis por essas mortes, nós podemos fazer um acordo. O que acha? – disse tentando ganhar terreno.
Lucas voltou com seu sorriso assustador. Aquela mudança de comportamento repentina me deixava amedrontada, não saber se alguém é realmente mal ou realmente bom é pior do que um assassino escancarando a verdade na sua frente.
- Desculpa detetive, minha vida vai melhorar mil vezes mais agora, eu vivia recebendo ordens, fazendo mulheres se calar e limpando a sujeira que elas faziam por uma fé que nos enfiaram pela garganta desde que nascemosi. A prisão são minhas férias adiantadas, não me entenda mal, não é que eu não acredite na minha fé, eu só estou nadando em águas tranquilas aqui. – ele me olhou com compaixão, então foi quando reparei que suas expressões não alcançavam completamente os olhos, como se ele tivesse sido treinado para esboçar sentimentos que na verdade nunca sentiu.
Por mais que eu tentasse, não conseguia esconder o que eu realmente sentia todo aquele ódio nas minhas veias, parecendo escapar por sob a pele e impregnar o ambiente que ficava pesado a cada minuto.
O tempo parecia ter parado e lembrei-me de todas aquelas mulheres inocentes mortas ao acaso e meu sangue pareceu querer se extravasar das veias, meu rosto ficou fervendo e meus pés e mãos formigava, aquilo tudo parecia uma nova versão do sentimento de ódio que eu jamais sentira. Então, sem pensar, levantei com um impulso da cadeira e dei um soco no rosto de Lucas com toda a força que eu consegui reunir, minha mão pulsava com uma dor latente, como se eu a tivesse batido na parede. Ele foi com o impulso do soco para trás e voltou para a posição original por causa das algemas que o amarravam à mesa. Escorreu sangue de seu nariz e então ouvi a porta atrás de mim se escancarar. Ezequiel me olhava com a boca serrada, os olhos brilhantes e Bella logo atrás, os dois me olhavam com preocupação disfarçada nos olhos.
- Levem-no daqui. – Ezequiel disse por fim para dois guardas que apareceram na porta sem nenhuma expressão no rosto.
Luca riu me forçando a encará-lo, quando o fiz sua risada se tornou uma gargalhada. Aquela cena era horrível, sangue escorrendo do nariz para a boca e manchando seus dentes a mostra. Aquela imagem cena doentia me fez lembrar o pinguim do Batman, um personagem de HQ, alguém que teve oportunidade para fazer o mal, mas era só mais um fracassado, o que deixava a situação triste e irritante.
Lucas passou por mim enquanto era levado pelos guardas, porém ele não parava de me encarar, até mesmo quando ele estava de costas para mim tentou virar para me encarar ainda gargalhando, mas não conseguiu. Quando ele saiu pela porta consegui ouvir suas gargalhadas diminuindo, até sumir por completo.
- Eu disse que não era para ela conversar com ele hoje. – disse Bella depois de um silêncio assustador na sala.
- Não é como se o cara não merecesse Srta. Gonzales. – Ezequiel me encarava sem olhar para Bella que estava atrás dele, e ela balançou as mãos com violência mexendo a boca sem produzir som, Quem é esse cara?
Ouvir o sobrenome de Bella era algo novo, eu nunca ouvia o que me fez pensar se essa delegacia era a única diferente do planeta, que tratava as pessoas intimamente demais. Eu e Bella éramos tão próximas que eu não imaginava a chamando pelo sobrenome. Isso era obviamente anormal, tirando o delegado Costa, que todos chamavam pelo sobrenome, menos nós, Bella sempre arranjava apelidos para as pessoas, no caso do delegado Costa era algo como, chefe, delegado, cabeça branca, todo poderoso, e por ai vai.
Ezequiel percebeu que não falaríamos nada e se moveu em direção à porta. Bella saiu de seu caminho, enquanto víamos Ezequiel se encaminhando, provavelmente para minha sala, Bella parou do meu lado, mas não olhou para mim nenhum momento.
- Belo soco de direita garota. – ela pegou minha mão machucada para examinar e meu corpo todo pareceu retesar ao toque, por mais tensa que eu já estivesse e por mais rápido que meu coração parecia bater quando Bella me tocou esses sintomas triplicaram me deixando zonza.
- Vem vamos cuidar disso. – Bella deu um empurrão leve nos meus ombros e me guiou até minha sala, quando entramos ela foi em direção a mesa e abriu a terceira gaveta e me encarou com um Kit de primeiros socorros na mão que ela mesma tinha dito que era inútil quando eu comprei. Deu vontade confronta-la sobre o assunto, porém eu vi uma figura sentada em uma cadeira no canto da sala e lembrei que Ezequiel tinha ido para aquela direção.
- Belo soco - disse Ezequiel sem olhar em minha direção.
Bella veio em minha direção e pegou minha mão machucada, minha vontade era de afastar, mas sabia que seria pior resistir. Aquela reação ao toque de Bella me tomou novamente, mas se abrandou depois de alguns segundos.
- Não foi? – disse Bella confirmando as palavras de Ezequiel com a cabeça e rindo levemente.
Bella limpou meu machucado com álcool me fazendo suspirar um “ai” quase inaudível e então assoprou. Eu revirei os olhos diante aquela ação, primeiro porque parecia uma mãe cuidando da filha que caiu de bicicleta e foi chorando para casa a procura de ajuda, segundo que o álcool deveria limpar o local para que não entrasse nenhuma sujeira ou bactéria na corrente sanguínea, Bella assoprou jogando bactéria no local que ela acabara de limpar, aquilo deixava todo o serviço anterior desperdiçado. Bella me olhou com olhos indecifráveis e se preparou para enfaixar.
Luana e Júlia entraram pela porta e eu quase afastei minha mão, como se o que eu estava fazendo, parecesse de certa forma, proibido, Bella segurou mais forte minha mão e me encarou com uma interrogação genuína no rosto até seguir meus olhos e ver as novas integrantes da sala, ela terminou de enfaixar minha mão colocando a fita micropore como toque final e deu duas tapinhas na mão enfaixada.
Júlia trazia três copos de café da Starbuck’s tentando equilibra-los entre suas mãos, ela entregou o do meio para Bella que foi se sentar na minha cadeira que há tempos ela dominara. Júlia me encarou com dois cafés ainda na mão.
- Diz que um desses é meu. – disse a ela quase em suplica.
Julia olhava do meu rosto para minha mão abismada como se eu tivesse carregando algum animal morto ou algo do tipo.
- É verdade? Diz que é verdade. – disse Luana em um entusiasmo que me deixou automaticamente de mau humor.
Júlia entregou um dos cafés para mim e se afastou com um olhar acusador.
- O que vamos fazer agora? – Bella mudou o assunto da sala o que me causou extremo alivio, não queria mais falar sobre isso, por outro lado, falar sobre uma sociedade secreta parecia ainda pior.
- Precisamos investigar é isso que vocês fazem, certo? – Ezequiel estava alfinetando, mas o que ele disse não deixava de ser verdade, tínhamos muita informação e nenhuma pesquisa que dessem pistas decentes.
- Júlia conseguiu alguma coisa do que eu pedi? – Disse Ezequiel, o que me deixou curiosa, era sempre Bella que pedia as coisas para Julia, nunca alguém de fora do caso, aquilo me irritou um pouco, mas passou tão rápido quanto veio. Ezequiel só queria ajudar.
Sim. – respondeu Júlia, olhando para Bella amedrontada. Bella não a encarou de volta então ela resolveu continuar, agora olhando para mim. – Ezequiel pediu para eu fotografar as cenas dos crimes anteriores com uma luz negra, para ver se tinha os símbolos no chão, como nos crimes do seu pai e ele estava certo, realmente havia.
Eu a encarei, quase largando o copo de café da mão, mas a minha necessidade por cafeína era tão grande que eu segurei com mais firmeza que antes. Eu estava exausta, cafeína era a única coisa que me manteria em pé.
- Tenho perguntas. – Luana levantava a mão pedindo sua vez como na escola.
Eu a encarei esperando.
- Certo. – começou ela. – O seu pai confessou vários crimes. Se eles ocorrem a cada dez anos como ele pode matar tanta gente?
- Foram dez crimes no total, existem outros casos idênticos, não fechado nas fichas junto com a do meu pai, porém aconteceram muito antes do meu pai estar vivo, por isso a ideia do meu pai ter um plagiador foi automaticamente aceita, já desconfiaram antes que meu pai havia sido um plagiador naquela época. – disse relembrando as informações que eu recolhi no dia em que eu e Bella revisamos o caso no meu apartamento. Nós não conseguimos falar sobre nossas descobertas na época, mas agora parecia se encaixar perfeitamente com a história.
- Pois é, porém há um erro de datas aí. – Júlia começou a revirar suas anotações antes de continuar. – os primeiros crimes do seu pai, ocorreram quando ele tinha por volta dos vinte anos, depois aos trinta e cinco ele cometeu de novo quatro mortes e apenas cinco anos depois matou sua mãe?
- Não faz sentido - sussurrou Luana, completando os pensamentos de Júlia.
Foi quando o esclarecimento que eu tanto esperava veio em disparada pela minha mente, minha mente voltando a trabalhar a todo vapor, me deu um pouco de adrenalina para trabalhar, meu corpo cansado pareceu odiar a ideia mas minha mente corria em pensamentos, como se fossem partes separadas de uma mesma matéria.
- Minha mãe era a ultima vitima, era a escolhida pela sociedade para a cerimônia de sacrifício. – eu olhava a todos sem conseguir focar em ninguém especial, enquanto mais adrenalina foi liberada pelo meu corpo. – Isso é tão óbvio agora.
Todos me olhavam como se eu fosse à nova louca depois de Lucas.
- Nos ilumine então. – Luana disse.
- Meu pai se casou com a vítima. – todos abriram a boca formando um “O” com os lábios, até mesmo Bella que parecia estar em outro mundo desde que as duas entraram.
- Você está brincando certo? – Luana fez uma interrogação no rosto junto com a pergunta e olhou para todos na sala, porém ninguém retribuiu o olhar.
- Se eu sou a última vítima, como o que está parecendo, significa que meu sangue é de uma das cinco famílias, assim como minha mãe.
- Por que você acha que é a última vítima? – perguntou Ezequiel que parecia ter sido esquecido no canto da sala.
- Por que o Sexto só dá dicas de xadrez para os membros da ordem. – disse pensando no dia em que ele entrou na minha casa e me deixou um café da manhã e um bilhete com dicas de uma possível próxima jogada.
- Se o que você está falando é verdade, então os assassinatos acabaram de começar. – Júlia dizia mais como uma afirmação do que uma pergunta, eu ia responder, porém algo inexplicável aconteceu, Júlia soltou algumas lágrimas e levantou o rosto incrivelmente vermelho ao mesmo tempo em que Luana revirou os olhos.
- O que foi agora? – Foi à vez de Bella falar com impaciência.
- Eu sou uma perita e deveria estar coletando escarros e fios de cabelo de uma cena cheia de informações, não tirando fotos com luz negra de pentagramas com símbolos diabólicos. – Júlia estava praticamente aos berros quando a porta se abriu e eu pensei mais um para o circo imediatamente.
O delegado entrou com os olhos furiosos procurando alguém pela sala.
- Você socou uma pessoa? – O delegado estava praticamente aos berros quase alcançando o tom anterior de Júlia.
- Eu. – comecei a falar mais fui interrompida pelo Ezequiel.
- Eu insisti que ela entrasse na sala, mesmo depois de saber que ela estava sobre grande estresse, à culpa é toda minha. – Ezequiel dizia com calma e serenidade e pareceu um passarinho cantarolando no meio de uma tempestade, ou seja, completamente anormal.
- Não me importa quem fez, vão todos para casa! – ele me encarou. – Ninguém funciona sem descanso. – disse por fim e fechou a porta em uma batida ensurdecedora.
Todos pareceram ignorá-lo, pois voltaram a me olhar na espera de mais respostas.
- Meu pai era um membro dos messores, tenho certeza. – comecei a andar de um lado para o outro da sala, batucando os dedos no queixo com impaciência, mas ninguém pareceu se importar. – ele deveria estar trabalhando em uma sacra messis, minha mãe era obviamente a última vítima, visto que ele tinha matado quatro outras antes dela.
- As vítimas lembram muito sua mãe na época e pareciam ter por volta da mesma idade. – Bella me olhava com intensidade, provavelmente para ver se as palavras que acabara de fala tinham me machucado, mas não machucaram, eu tinha notado quando comecei a investigar aquele caso, mas fiquei com medo de colocar aquilo em palavras na época.
- Sim. E se minha mãe foi a ultima, ela tem que ter sangue de um dos Ordinem per sex, pois meu pai comentara que os quatro sacrifícios iniciais serviam como uma espécie de balança para equilibrar a morte que realmente tem importância para cerimônia, à morte de um dos membros do Ordinem per sex. – eu parei de andar de um lado para o outro por um segundo, para encarar todos na sala, ver se todos tinham e entendido, mas o rosto de interrogação de todos parecia dizer o contrário.
- Mas por que procurar pessoas parecidas com a quinta vítima? – Foi a vez de Ezequiel perguntar, ele não estava olhando para nada específico, mas parecia realmente se interessar em uma resposta.
- Não sei se é o que eu penso, mas essa sociedade parece obcecada por ordem e equilíbrio, se a ideia é equilibrar a balança, a igualdade entre os meios é essencial - ninguém pareceu me entender, então achei melhor tentar uma nova abordagem. - as vitimas precisam ter certa semelhança, como se as cinco juntas formassem um desenho. – eu pausei olhando novamente para todos na sala, que pareciam ter chupado limão. - um pentagrama, por exemplo, têm as cinco pontas iguais, certo? Digamos que cada ponta represente uma mulher, se as mulheres são iguais às pontas das estrelas automaticamente seriam iguais, mesmo formato, mesmo tamanho, agora imagina cinco mulheres diferentes, teríamos cinco pontas distintas, formando uma estrela nada convencional, sem harmonia entre elas.
Estavam todos me olhando, menos Ezequiel que parecia querer socar alguém ou algo.
- Você quer dizer que o único motivo dessas quatro mulheres morrerem é porque tiveram a infelicidade de parecer com o sacrifício deles? – Ezequiel pareceu decepcionado com a minha explicação.
- Exatamente. – disse num tom um pouco mais baixo depois de ver sua expressão de dor talvez. Foi quando me ocorreu que eu não sabia nada sobre ele ou sobre o que exatamente o instigou a participar tão fisicamente das investigações.
- Quer dizer então que se a quinta pessoa morrer logo evitaríamos a morte de duas pessoas inocentes? – A pergunta de Ezequiel interrompeu meus pensamentos e me assustou ao mesmo tempo.
- Quer matar Lia para acabar logo com isso? – Luana fez a pergunta que estava em minha mente, eu não queria que tivessem colocado aquelas palavras em voz alta, mas queria ouvir a resposta.
- Poderíamos escondê-la e espalhar na mídia que ela morreu, sei la, qualquer coisa. – Ezequiel agora parecia desesperado.
- Precisamos de um corpo e um Messore, não é tão simples. – Respondi ignorando o fato de que estávamos falando sobre minha morte, forjada ou não, a ideia me aterrorizava.
- Podemos fazer um acordo com Lucas, para ele fingir sua morte e tirar uma foto ou algo assim. – Ezequiel levantou da cadeira e eu dei um passo para trás sem pensar.
- Que diabos têm na sua cabeça? – Bella levantou quase junto com Ezequiel que olhou para ela assustado, ele parecia cansado e desesperado, eu não entendia por que, era horrível tudo aquilo, mas víamos coisas assim o tempo todo, não deveria ser o primeiro inocente a morrer em um caso complicado, era uma situação infeliz, mas não inédita.
- Eu não sei o que a srta. Matarazzi tem de especial, mas não deveria causar mortes de inocentes. Se o sangue de todos das seis famílias foram amaldiçoados, que morram, mas que deixem os que não fizeram nenhum pacto com nada em paz.
- Ok. Já chega. – Bella deu a volta na mesa e se aproximou do Ezequiel ficando a centímetros do rosto dele, Bella era alta e não ficou na desvantagem da aproximação, o olhar próximo um do outro causou uma energia negativa quase palpável no ambiente.
- Ezequiel se eu pudesse ter parado esse ciclo de assassinados antes juro que faria, mas não pude, porém agora que temos mais informações é provável que isso acabe e todos e não ocorra mais morte. – suspirei desanimada e vi Ezequiel relaxar os ombros, porém Bella parecia um tanque fortemente armado à prova de balas. – Eu posso ser o gatilho para as mortes, mas se não fosse eu seria outra pessoa, a raiz do problema está em uma sociedade regida pela insanidade, eu sou só outra vitima. – era incrível como eu conseguia manter a calma, mesmo depois da inexplicável e implícita ameaça de Ezequiel. Eu deveria ficar assustada com tudo aquilo, mas o olhar de tristeza de Ezequiel me trouxe mais uma dor familiar do que medo ou ódio.
- Eu sei, desculpa Liatris. – disse ele por fim, antes de se retirar da sala.
Bella me olhou e levantou os ombros, sem entender o que tinha acontecido.
- Ele te chamou de Liatris? – Luana olhava para porta sem realmente entender um detalhe ridículo, tudo bem que ele chamava todo mundo pelo sobrenome, mas uma hora ele iria parar com aquilo, afinal a convivência sempre deixava as coisas mais pessoais.
- Isso não podia ficar mais louco. – Julia resmungou ao meu lado.
Luana se retirou da sala, parecendo preocupada e Bella ainda me olhava.
- Você está bem? – Bella parecia preocupada e tocou em minhas mãos quase imperceptivelmente ainda com preocupação nos olhos.
Eu me afastei com uma súbita raiva, Bella só encostava-se a mim quando a Luana não estava e isso me deixava furiosa. Ela pareceu não entender a minha carranca e eu não me importei, só queria sumir daquele lugar e organizar minhas ideias.
- Algo está errado. – sussurrei indo em direção ao telefone na minha mesa.
- O que houve? – Eu ignorei Bella deixando a pergunta no ar e peguei o telefone depois de mexer em umas anotações na minha gaveta.
- Tem algo muito errado nessa história. – minha mente de repente pareceu rodar a mil por hora.
- Lia, o que você está fazendo? – Bella estava carrancuda e mal humorada com o mesmo semblante que ficava todas as manhãs, então desviei o olhar, ignorando novamente a pergunta e ouvi o barulho de alguém tirando o telefone do gancho no outro lado da linha.
Quem é? – disse uma voz mal humorada do outro lado da linha, fazendo Bella parecer uma criança emburrada.
Superintendente Rocha? – disse tentando soar o mais naturalmente firme possível.
- Quem fala? – ouvi um bufar e depois um suspiro de paciência.
- Meu nome é Liatris, sou perita forense do departamento criminal de Santos, só liguei porque estamos trabalhando em um caso grande sobre um assassino em série e preciso saber se vocês gostariam de se envolver? – ouvi uma respiração mais forte no outro lado da linha e um silêncio.
- Vocês estão pedindo ajuda? – a voz dele pareceu ainda mais ríspida.
- Não, é só cortesia profissional. – respondi arranjando uma desculpa de ultima hora. O Superintendente pareceu notar, pois sua voz saiu metade ríspida metade curiosidade. - Então dispenso sua oferta. – Fez-se silêncio novamente.
- Mais alguma coisa? – agora sua voz definitivamente era de curiosidade.
- Só mais uma. Um federal do seu departamento Ezequiel, pediu para eu entrar em contato caso houvesse novidades a respeito de uma investigação em aberto, mas não consigo contatá-lo, talvez possa me ajudar. – pronto, minha jogada estava feita, se Ezequiel estivesse planejando algo eu saberia.
Ezequiel? – ele pareceu vacilar por um minuto depois de ouvir o nome. Esperei ate ele continuar, mas ele parecia querer uma confirmação, eu estava prestes a dar, quando ouvi sua voz fria e ríspida de novo.
- Ele está de licença, não está em serviço. – Xeque-mate, Ezequiel estava obviamente mentindo, mas por que entraria em um crime por conta própria? A não ser que...
Ouvi o Superintendente me chamar algumas vezes no telefone e eu voltei a me concentrar.
- Desculpa, não ouvi. – eu esperei ele repetir a pergunta, porém ele parecia pensar melhor sobre.
- Perguntei se em qual caso ele está interessado. – sua voz parecia aborrecida e curiosa ao mesmo tempo.
Eu sei que precisava saber a verdade sobre Ezequiel, mas por mais que minha razão dissesse o contrario, meus instintos diziam que eu podia confiar em Ezequiel, me arrependi automaticamente da estupidez impensável que eu acabara de fazer.
- Caso de incêndio, estamos desconfiando de um incendiário, o 3º batalhão de bombeiros estão no ajudando. – O Superintendente pareceu não cair na minha desculpa, pelo silêncio e meu eu crítico deu chibatadas nas costas pela estupidez.
- Algo mais? – respondeu ele finalmente.
- Só. Desculpa tomar seu tempo. – antes que eu pudesse dizer algo mais, a linha do outro lado ficou muda e eu encarei o telefone por alguns segundos antes de devolvê-lo ao gancho. Assim que o fiz, olhei para frente, e lá estava ela, mãos para cima em interrogação e uma cara furiosa.
- Que merda você fez Lia? – ela bateu as mãos na perna e girou com as mãos no cabelo, realmente indignada.
- O Ezequiel está mentindo, eu só queria...
- E você não pensou em perguntar para ele? – Bella me interrompeu com sua voz um pouco mais controlada.
- Ele poderia mentir. – meu tom era de desculpas, mas não era sincero, eu realmente não queria ferrar o Ezequiel, mas ele estava mentindo.
- Ou não. – Bella me olhava impaciente vestindo o novo comportamento que tinha comigo, desde que eu a rejeitei, nervosa, furiosa e sem se importar. Depois de alguns segundos ela girou e foi em direção à porta.
- Eu... – comecei, mas Bella já tinha saído.
Aquilo era estranho, porque a Bella que gostava de mim em qualquer circunstância, mesmo se eu estivesse errada ela estaria do meu lado, me apoiando ou me ajudando a resolver. Essa nova Bella aplicou definitivamente a filosofia do “tanto faz”.
“O mal não pode vencer o mal. Só o bem pode fazê-lo”. Acordei pensando nessa frase, o que é irônico porque fui dormir com essa mesma frase na cabeça, o que o Lucas trouxe como mensagem me deixou, no mínimo, perturbada. Levantei do sofá do escritório sem saber o que fazer, adoraria continuar trabalhando para afastar todo meu drama pessoal, mas precisava urgente de um banho, de repente meu cabelo parecia precisar de uma água e um shampoo. Eu peguei uma pequena que eu guardava na segunda gaveta da escrivaninha com coisas que eu precisaria caso passasse a noite lá um dia e fui para o chuveiro do banheiro da academia que eu usava todos os dias depois do treinamento de autodefesa quando era recruta. O lugar estava assustadoramente silencioso, mais do que eu esperava mesmo sendo umas cinco horas da madrugada. Lavei demoradamente meus cabelos e tomei o maior banho da história, eu poderia chorar aqui, ninguém veria e a água corrente levaria tudo embora, mas eu não conseguia, simplesmente não conseguia.
A primeira coisa que eu reparo depois de passar pelo escritório abandonado é uma peça de xadrez em cima da minha escrivaninha que não estava lá quando eu saí para tomar banho, o medo invadiu meu peito e a minha vontade era de jogar-me pela janela e acabar logo com isso, talvez Ezequiel estivesse certo em dizer que eu deveria morrer logo, apesar de ser óbvia que a estrela dos messores nunca faltaria uma ponta. Estaria louca se pensasse que com a minha morte tudo iria parar, mas estava cansada.
Eu mal tinha notado que estava encarando a janela quando ouvi um barulho atrás de mim e me virei bruscamente.
- Pensando em se matar? – Bella estava segurando algumas sacolas e me encarava da cabeça aos pés.
Eu a encarei sem responder, não estava com o humor apropriado.
- Olha me desculpa por ter saído daquele jeito ontem, eu estava nervosa com tudo que aconteceu. – Bella tirou as coisas da sacola e pareceu ser um belo café da manhã.
Eu não tinha percebido o quanto estava furiosa com ela, até vê-la. Ela simplesmente saiu andando. Já que minha casa não era uma opção segura depois de tudo que aconteceu estava implícito que eu dormiria na casa dela e ela sabendo disso me deixou sem teto e sem segurança. Lógico que eu não deveria me importar já que não sou exatamente uma donzela em apuros, mas mesmo sabendo disso minha raiva não diminuiu.
- Você está bem? – Bella me encarava com o rosto inocente de dúvida o que me deixou ainda mais estressada e cansada de tudo.
- Agora você se preocupa? – eu a encarei e um silêncio dominou a sala.
- Olha! eu já pedi desculpas. – Bella encarou a mesa e notou a peça de xadrez q eu notara assim que cheguei.
- Que merda é essa? – Bella pegou uma luva na minha gaveta e pegou a peça como se fosse um alienígena pocket.
- Não sei estava aí quando voltei do banho.
- E não estava antes? – ela soltou a peça e a luva da mão e foi correndo atrás do computador.
- O que está fazendo? – eu perguntei me aproximando da mesa.
- Vendo as câmeras de segurança, ou esse cara é muito corajoso ou muito burro, a delegacia é um campo minado em termos de segurança. – Bella passava as imagens das câmeras em modo acelerado até que demos de cara com alguém vestido um capuz, passando pela segurança com uma espécie de crachá.
- Que merda é essa? – Bella desacelerou as imagens e selecionando para rodar várias juntas, como a entrada, o elevador, o corredor e a sala.
- Vocês quase se esbarraram. – Bella apontou a hora que estava no monitor e tinha cinco minutos de diferença de quando eu saí para tomar banho e de quando a pessoa com capuz entrou na minha sala, um arrepio preencheu meu corpo e meu estomago revirou.
Eu direcionei meu corpo para a mesa e comecei a abrir as embalagens do café da manhã, tinha pães fresquinhos e esquentados com manteiga na chapa e um café ainda fumegando, eu ataquei a comida.
- Que bom que o fato de um estranho te deixar presentes na sua mesa não te deixa sem fome. – Bella me encarou incrédula e parecia transtornada, como o fato de alguém invadir minha sala fosse impossível, eu mesmo consigo imaginar no mínimo cinco formas de entrar aqui sem ser vista, até porque qualquer um que saiba roubar uma carteira consegue esbarrar em alguém e roubar um crachá de identificação.
- Aproveita que você está no computador e pesquisa igrejas antigas e que tenham torres, pela cidade.
- Não vou perder meu tempo perguntando por que, mas seria legal se você expressasse suas ideias em palavras.
- Qual é a peça na mesa? – tomei um gole bem forte do meu café, deixando a ultima palavra abafada.
- Torre. – respondeu ela com um aumento quase imperceptível das cordas vogais nas ultimas palavras, indicando uma pergunta.
- Exatamente, eu não tenho certeza, mas dado à história do xadrez e todo esse vício pelo jogo eu desconfio de uma igreja, só isso.
- Não custa nada checar. – Bella pegou o telefone e apertou um numero de discagem rápida. – Oi, sou eu. Preciso da equipe aqui, alguém entrou na delegacia e deixou um presente na mesa dela. – pausa - Não é logico que não é um corpo. – Bella suspira impaciente. – Só vem logo para cá. – disse desligando por fim.
- Problemas no paraíso? – perguntei assumindo que era a Luana no telefone.
- Sou estressada desde que minha mãe resolveu me tirar da sua barriga e me colocar nessa espelunca que chamam de mundo, nasci estressada e talvez morra assim, seu poder de dedução foi ridículo agora.
Eu a encaro, Bella era realmente a pessoa mais estressada que já conheci no mundo, não que eu tenha conhecido muita gente, parte de mim desejava que sua ignorância fosse porque elas brigaram, mas ela realmente era daquele jeito e agora meu provável ciúme estava fazendo criar situações inexistentes Ficamos ali uns trinta minutos, Bella digitando e eu batucando a mesa, até que minha paciência estava começando a ir para o ralo.
.- Existe uma igreja que bate com a descrição que você procura. – a voz dela pareceu um estrondo depois do silencio constrangedor que estava na sala.
- E qual a descrição que procuro? – disse beliscando um pedaço do pão dela.
- Velha com torres e assustadoramente misteriosa. – Bella percebeu meu roubo, tirou o pão da minha mão com violência e começou a comê-lo. Eu acho que fiz bico pela forma que ela parou de comer e me ofereceu um pedaço.
- Vale a pena investigar. – eu neguei o pedaço de pão com as mãos e me levantei colocando o distintivo no bolso e a arma no coldre da calça.
Luana entrou desesperada na sala e encarou a mesa imediatamente.
- Você é rápida. – disse direcionando-a para a peça que ela estava à procura.
- Moro aqui perto na verdade, já chamei a Júlia e o Zeke.
- Zeke? – perguntei olhando para as duas.
- Bem melhor que Ezequiel. – respondeu Bella levantando os ombros com pouca importância.
- Nós estaremos na igreja do canal 4, não saia da sala até alguém vir investigar e chama o perito em tecnologia para ver se consegue ampliar e visualizar algo que pareça um rosto, nós estamos sem pista aqui qualquer coisa vai ajudar. – Bella pegou o café e encarou Luana enquanto ela fazia careta.
- Posso falar com você um minuto? – Luana estava encarando Bella então presumo que a conversa não era comigo.
- Te espero no elevador. – me inclinei para pegar o resto do meu café e fui em direção à porta.
- Porque não foi para casa ontem? – perguntou Luana e quase um sussurro para Bella.
Estranho Bella não ter “ido para casa ontem”, não conseguia parar de pensar nisso no caminho para o elevador, onde diabos ela estaria?
- Sentiu minha falta? – Bella me disse próximo ao meu ouvindo me fazendo pular de susto.
- Por que não dormiu em casa? – perguntei fingindo não me importar enquanto apertava o botão do elevador.
- Você também? – Bella de repente pareceu um pouco mais estressada que o de sempre, então eu comecei a rir, aquela situação era completamente nova para mim, nunca precisei dividir Bella desde que a conheci e fazer isso era estranhamente doloroso.
- O que? Só estou curiosa. – eu a encarei com um sorriso no rosto até forçar ela sorrir também e então o elevador chegou.
- Eu não posso simplesmente lidar com a minha vida da minha maneira agora, de repente todos se interessam com o que eu fiz na noite anterior. – Bella cruzou os braços como se impedisse de assimilar qualquer coisa que eu dissesse a partir daquele instante.
- Lógico que pode, mas que é curioso é. – disse terminando meu café em um sorriso, eu também adorava perturbar ela, com tudo que andava acontecendo tinha esquecido como era legal.
Bella parou por um minuto ao sair do elevador e me encarou. – essas risadinhas significam que seu ódio por mim passou?
- Não força. – respondi jogando o copo de café no lixo próximo.
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