Capítulo XIX
As horas haviam se passado rapidamente, logo a noite caiu sobre o oceano e o Etoille de France que – com meia força – seguia rumando para Halifax, porém teria que entrar em outro canal para chegar até o porto canadense. Às 20 horas e 30 minutos, o jantar foi servido para sobreviventes e passageiros a bordo do navio. Muitos dos passageiros desfrutaram da sobremesa, mas para os sobreviventes não teve nenhuma sobremesa, doce e nem nada, apenas o jantar e só isso mesmo. Mildred e Elena ganharam uma cabine de número quatorze na segunda classe, onde tinha duas camas de solteiro e um banheiro privado. Swane estava suja, com a mesma roupa do dia anterior e não conseguira ganhar nem se quer uma nova roupa e limpa. Assim era do mesmo jeito com a bailarina, que tinha o mesmo sobretudo negro, acompanhado de um vestido branco com um pequeno decote perto dos seios, além de mangas da mesma cor.
— Não vejo logo a hora de tomar um banho. — disse Mildred sentada na beirada da cama. — Estou imunda, além disso, a minha roupa ainda está um pouco molhada.
— Infelizmente vamos ter que ficar assim até chegarmos em Halifax, onde talvez, poderemos ganhar roupas novas de doações. — Elena respondeu. — Isso se houver doações da população de Halifax, para os sobreviventes.
Mildred olhou para Elena, que estava olhando o oceano através da escotilha.
— Tem toda a razão, Elena!
A bailarina não esboçava nada em sua face, além de um olhar distante e sombrio. Simbolizando cansaço e exaustão.
— Estou morrendo de sono! — Comentou a enfermeira. — Bom, eu irei dormir.
Mildred retirou o lençol da cama, deitou-se e se enrolou com o mesmo, depois pousou a cabeça no travesseiro.
— Boa noite, Elena.
— Boa noite.
Em seguida, a luz da cabine foi apagada.
— Durma bem, Mildred! — Elena sussurrou observando o oceano.
A bailarina continuou a observar o mar por mais de duas horas. Logo, a lua foi coberta por nuvens escuras e vários relâmpagos, que cortavam o céu escuro. Às 23 horas e 45 minutos, Elena decidiu ir dormir, deitou-se na cama, enrolou-se com um cobertor e tratou de fechar os olhos. Porém, não conseguia dormir e seus pensamentos centravam-se apenas em Noah, ela sentia falta do doutor, sentia falta da voz dele, do cheiro dele, do gestos dele. Ou seja, sentia falta dele por completo. Elena queria que ele estivesse ali, mas infelizmente ele estava em coma – por indeterminável tempo – e ela não podia fazer nada, além de ter esperança e visitar o mesmo.
— Noah! Eu sinto tanta sua falta. — Ela sussurrou para si mesma. — Queria que você estivesse aqui comigo, me confortando nesse momento de cansaço.
Elena se remexia de um lado para o outro naquela cama estreita, não conseguia dormir e estava ficando atordoada. Ela estava muito cansada e a qualquer momento em que fechava os olhos, um sonho em sua mente começava e isso ficou por alguns minutos, até que ela adormeceu de vez. Diferente das noites anteriores, ela teve um sonho totalmente diferente.
Elena andava sobre o convés do Etoille de France, onde um vento frio e meio tenso vinha do norte, atacando a embarcação. Ela sentia o seu casaco esvoaçar com o vento, além de seus cabelos loiros e escuros. Com passos firmes e apressados, a bailarina se viu presente no convés superior e lá, ao horizonte, um homem se encontrava de costas para ela. Ele aparentava ser Noah.
— Noah! Sou eu Elena! — a bailarina gritou chamando o mesmo.— Sou eu querido. Finalmente eu te encontrei!
O homem se virou e era ele, Noah Zinavoy. O sorriso no rosto do doutor se formou em sua face, apresentando um belo sorriso radiante. Os cabelos castanhos do mesmo, esvoaçavam com o vento e assim era da mesma maneira com o sobretudo marrom – que ele usava.
— Olá Elena! Que bom lhe rever, realmente é muito bom. — Disse o doutor. — Olha só você! Está uma maravilha com esse sobretudo.
A bailarina sorriu tímida.
— Eu sinto tanta saudade de você! — Elena disse.
Em seguida correu para um abraço, mas o doutor levantou a mão em sinal de “pare”.
— Não Elena, eu não posso lhe abraçar! — O doutor disse em tom de tristeza. — Perdoe-me, eu não posso!
A bailarina ficou confusa.
— Mas porquê? Porquê Noah?
Os olhos do doutor ficaram marejados, e Elena estava completamente confusa.
— Adeus Elena! Cuide-se e nunca se esqueça de mim. — disse o doutor com um sorriso fraco no rosto. — Adeus Elena.
— Noah?
— Argh! — gritou o doutor em sinal de dor.
Em seguida, ele arregalou os olhos, se ajoelhou e desabou debruço no chão de madeira do convés. Elena não entendia nada.
— Está surpresa?
Era ele, Matthew Wormwood, ele estava com um sorriso maldoso no rosto, além disso, limpava a sua faca com uma flanela e gargalhava várias vezes.
— Morra Noah Zinavoy...
Elena despertou em um susto e sentou-se na cama, ela estava ofegante e suava com bastante frequência. Ela se sentou sobre a cama e encostou as costas na parede, tentando ficar menos ofegante. Logo depois, um relâmpago clareou tudo ali no local e fez com que a bailarina se assustasse.
...
Logo alguns minutos depois, Elena já se encontrava na porta do consultório do doutor Priest, onde decidiu visitar o jovem doutor. Ela soltou um suspiro forte e pesado, a bailarina girou a maçaneta – torcendo para que a porta estivesse destrancada – e abriu a porta, onde avistou um cômodo escuro e que era iluminado com bastante frequência por relâmpagos. Com o clarão, ela pôde enxergar um lampião e uma caixa de fósforo em cima de um balcão. Elena foi até lá e acendeu o lampião, onde segurou o mesmo com a mão direita e começou a caminhar sobre o cômodo escuro. Mais uma vez, um relâmpago clareou todo o local e mostrou onde estava o jovem doutor, ele estava lá, deitado sobre a maca e enrolado com uma coberta bem quente, a fim de manter o mesmo aquecido.
Com passos lentos e calmos, Elena se aproximou do doutor e logo estava presente ao lado do doutor, ela pôs o gás do lampião mais forte – a fim de ter mais luz –, puxou um banquinho de madeira e se pôs presente ao lado de Noah. Ela apertou a mão dele, beijou a mesma e permaneceu ali ao lado dele.
— Noah! — Ela disse para o mesmo. — Eu tenho tanto medo de te perder para sempre. Eu tenho tanto medo!
Em seguida, Elena caiu aos prantos e pousou a cabeça na beirada da maca. Para ela, ele aparentava estar morto, mas na verdade, era apenas um sono que poderia durar cerca de quinze horas... Ou não. Elena empurrou uma maca e posicionou a mesma ao lado de Noah, onde deitou-se na maca e segurou na mão do doutor. Ela – com os olhos marejados – sorriu para ele e ali permaneceu ao lado dele, onde acabou adormecendo.
[...]
Liverpool
Almirantado Britânico
06 horas e 30 minutos
Passaram-se 24 horas do naufrágio do Queen América, porém, a notícia com alguns fatos concretos só chegou para Liverpool no dia seguinte da tragédia, onde grandes jornais – inclusive o de grande sucesso na cidade, The Daily Mirror* – anunciava a tragédia afirmando que o número de mortos circulava entre 700 e 1.165 pessoas, porém, outros diziam que era entre 500 e 900 mortos. Mas não se sabia qual dos dois diziam a verdade. Enquanto isso, no escritório do primeiro lorde do Almirantado, Winston Churchill*, ele recebe o jornal daquela manhã onde o título da primeira página se destaca dizendo: Queen América afunda após ser torpedeado por submarino alemão na costa canadense. Os números de mortos ainda são incertos. Até que o capitão da INB, Phinneas Price, adentrou no local.
— Ainda é uma grande notícia, Price! — disse Churchill, depois dando uma boa tragada em seu charuto.
— Com certeza, senhor!
Price se aproximou da mesa e Churchill caminhou até a janela, onde observou a mesma.
— O primeiro-ministro quer uma investigação. — Ele avisou observando a rua pela janela. — Eles questionam a casa e o exterior, se fizemos de tudo para proteger o Queen América e se poderíamos ter feito mais.
Winston virou-se em direção a Price.
— Naturalmente, é de extrema importância que nenhuma culpa ou ato de negligência seja do Almirantado.
— Concordamos com uma investigação. — Price disse com a mesma expressão de sério. — Não temos nada a esconder.
— Eu espero, Price!
— Demos ordens precisas ao capitão Hoffman, mas parece que ele infelizmente escolheu não obedecê-las. — Phinneas disse abrindo um sorriso maléfico. — Estive estudando seu curso, mas ele agiu de maneira incompetente ou se estava com os alemães. Não sabemos!
— Vamos descobrir e com toda a certeza ele será analisado.
— Estamos fazendo um relatório sobre ele, Churchill!
— Muito bom! Agora, tem um outro aspecto deste caso. — Winston disse caminhando sobre a sala. — O governo Alemão justificou o ataque alegando que o navio transportava munições e isso, com toda a certeza da ciência, explodiu e fez com que o navio afundasse mais rápido.
— Ou não, o navio pode ter sido torpedeado apenas uma única vez e talvez, o capitão tenha feito com que a munição explodisse e causasse o naufrágio mais rápido! — Price disse. — Iremos interrogar todos os tripulantes que sobreviveram ao naufrágio, farei muitos questionários e pressionarei os mesmos, até eles dizerem a verdade.
— E quiserem dizer a verdade? O que irás fazer?
— Acredito que com uma grande quantia em libras esterlinas, eles irão dizer a verdade de uma vez por todas.
— Bom trabalho, Price!
[...]
— Elena... Elena
Aquela voz calma, embargada, suave e meio grossa invadia os ouvidos da bailarina, fazendo com que ela rapidamente identificasse de quem era. Se contorceu preguiçosamente e decidiu abrir os olhos calmamente, logo vendo ele, olhando para ela com um sorriso fraco no rosto e com os olhos brilhando. Com a cabeça enfaixada, ele sorriu fraco para ela que respondeu da mesma maneira.
— Bom dia, querida!
— Bom dia!
— Como se sente?
— Esquisito! — Ele respondeu. — O que aconteceu?
— O Queen América afundou, você foi baleado duas vezes por Matthew, foi operado a bordo de um barco salva-vidas por uma enfermeira. — Elena respondeu e Noah ouvia tudo. — Um navio chamado Etoille de France nos resgatou e os demais sobreviventes e o doutor deste navio disse que você ficaria em coma, por tempo indeterminável.
— Nossa, aconteceu tanta coisa!
Noah sorriu e depois, levou a mão ao seu peitoral em busca do cordão com uma cruz no pingente.
— Estás procurando por isso? — Elena disse retirando o cordão de dentro do decote de seu vestido.
— Estou sim! — Respondeu ele e Elena entregou o cordão ao doutor. — Muito obrigado, querida!
A bailarina sorriu. Depois, eles começaram a fitar o teto e entrelaçaram as suas mãos.
— O que vamos fazer daqui para frente? — Elena perguntou. — Onde iremos morar? Onde iremos viver? Com que condições iremos nos sustentar?
Noah olhou para ela.
— Eu ainda não sei, mas quando chegarmos em Nova Iorque, irei rapidamente garantir um outro emprego. — Respondeu Zinavoy. — Irei fazer de tudo para que não possamos passar dificuldades. Está bem?
Elena olhou para ele e sorriu.
— Está bem!
Em seguida, a porta se abriu e revelou, Priest, Mildred e Jack, ambos com olhares curiosos – por terem ouvidos as vozes dos mesmos através da porta – fitando Noah. Um sorriso logo se formou nas faces de Swane e John, que rapidamente se aproximaram do doutor.
— Você está bem? — Mildred perguntou preocupada. — Está sentindo alguma coisa?
Noah abriu um sorriso fraco.
— Creio que sim. Não, eu não estou sentindo nada.
— Isso significa o quê, doutor Priest?— Jack perguntou receoso.
O homem se aproximou do quarteto.
— Significa que o senhor Zinavoy está novo em folha. — Priest respondeu portando uma prancheta nas mãos. — Que talvez hoje mesmo receberá alta!
— Graças a Deus!
— Bom, Noah peço que sente-se nesta maca. Preciso fazer checar coisas básicas em seu corpo.
— Sim senhor!
Com uma certa calma, Noah logo se encontrou sentado sobre aquela maca, porém, ainda estava apenas com a roupa íntima no corpo.
— Muito bem. Respire fundo e expire.
Priest pôs o estetoscópio no peito do rapaz e o mesmo cumpriu as ordens, respirando fundo e expirando todo o ar. Em seguida, Priest anotou alguma coisa na prancheta.
— Diga trinta e três!
— Trinta e três!
— Por último diga sessenta e seis!
— Sessenta e seis!
Priest anotou mais uma vez na prancheta. Em seguida, colocou uma pulseira em seu braço e testou a sua pressão. Ela estava excelente.
— Bom, pelo visto você não tem nada de errado em seu corpo. Está perfeitamente novo em folha. — disse o doutor de bordo. — Quando chegar ao seu destino, peço que compre estes medicamentos, para que não infeccione o curativo em seu braço.
— Sim senhor. Eu irei comprar estes medicamentos.
Priest assentiu.
— Mas enquanto isso, peço que a senhorita Torres possa lhe ajudar a tomar esta sopa. — disse o doutor apresentando uma caneca com sopa. — Pode fazer isso, senhorita Torres?
— Claro, posso sim!
Elena pegou a caneca e voltou ao seu lugar.
— Enquanto isso, eu irei consultar outros pacientes. — O doutor pegou a sua maleta. — Com licença.
Rapidamente, o doutor de bordo se retirou.
— Você nasceu de novo, Noah. — Jack disse se aproximando do doutor. — Que aventura você passou, hein!
O doutor sorriu.
— Certamente, Jack!
O mais novo sorriu e abaixou a cabeça.
— Bom, eu preciso ir... Até mais tarde, Mildred, Elena e Noah!
— Até! — todos responderam em uníssono.
Jack logo saiu e deixou Mildred, Noah e Elena naquele consultório.
— Bom, agora você se alimentar bastante. — Swane disse. — Eu vou deixar vocês dois a sós. Com licença e até mais tarde.
Elena sorriu.
— Até!
— Vamos, tome um pouquinho!
Com delicadeza, Elena levou a caneca aos lábios de Noah e com cautela, fez o mesmo tomar aquela sopa – que estava com uma temperatura baixa. Com sorrisos bobos e tímidos, o doutor e a bailarina ficaram ali sozinhos e ambos podiam matar a saudade um do outro, sem que nada pudesse perturbar ou incomodar.
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1.*Foi o Primeiro Lorde do Almirantado na Primeira Guerra Mundial, depois de 1930, passou a ser o primeiro-ministro britânico. Ele nasceu em 30 de novembro de 1874, no Palácio de Blenheim, no Reino Unido e morreu no dia 24 de janeiro de 1965, aos 91 anos. Ele faleceu na cidade de Kensington, no Reino Unido. Churchill é acusado de não proteger o RMS Lusitania propositalmente, a fim de que os EUA entrasse no grande conflito.
2.*Um jornal que fazia bastante sucesso em Liverpool com suas noticias exclusivas. As manchetes que foi mais faladas neste jornal foram sobre a Primeira Guerra Mundial, o naufrágio do RMS Titanic em 1912 e o naufrágio do RMS Lusitania em 1915. Além da prisão de Harvey Crippen - um maníaco que decaptou sua esposa - que foi preso a bordo do RMS Megantic e levado para a Inglaterra, onde foi enforcado no mesmo dia da chegada.
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