PRÓLOGO

Madison Moore levou a cerveja até os lábios cobertos por batom sem esconder a repulsa. Em qualquer outro dia, beber diretamente da lata de alumínio seria considerado um ato barbárico, mas naquele momento ela não podia reclamar. Apesar de estar cercada por quatro adolescentes desvairados, distante de toda civilização que conhecia, sua aparência continuava impecável. Ela vestia suas melhores roupas, tinha os olhos esverdeados destacados por camadas generosas de rímel e usava uma presilha de centenas de dólares nos cabelos dourados.

Foi Quentin Cashwell quem convenceu o grupo a se encontrar na floresta depois da aula. Cash, como gostava de ser chamado, havia descoberto a pequena clareira no verão passado e, desde então, ele e os amigos usavam o local para fazer festas e se embriagar longe dos olhos das autoridades locais.

Naquela sexta-feira à noite, as cinco celebridades de Shepherd High se reuniam ao redor de uma fogueira, bebendo e ouvindo música para passar o tempo. Eles estavam munidos de engradados de Budweiser e a melhor erva que o dinheiro poderia comprar. Era uma cena comum até demais. Quando se era um jovem entediado naquela cidade, não havia muito para se fazer a não ser ficar bêbado e atear fogo em toras de madeira na companhia dos amigos.

Madison soltou um resmungo. A impressão que ela tinha era de estar presa dentro de um deja vú. Poderia jurar que aquela era a segunda vez que o Spotify sintonizava na mesma playlist de festa, abafando o estalar da fogueira.

— Eu odeio essa cidade.

Holly Murray, a garota ruiva sentada ao lado de Mad, riu anasalado.

— O sentimento é mútuo.

Quando não estava tentando matá-la para tomar sua posição como rainha do baile, Holly assumia o papel de melhor amiga de Madison. Naquela noite, ela havia trazido o seu namorado, Aaron Lancaster, a estrela em ascenção do time de futebol, para se juntar aos amigos na reunião da fogueira. Madison não ligou realmente para o intruso. Era como se já o conhecesse. Holly enchia os seus ouvidos sobre o desempenho sexual espetacular do namorado sempre que podia, sem poupar a loira de detalhes.

Talvez ter como namorado o garoto mais cobiçado da escola fosse a forma que Holly havia encontrado de compensar toda a merda que ouvia por ser lembrada como a segunda garota mais popular de Shepherd High. O fato dela ter um namorado bonito não impressionava Madison, mas isso não impedia a ruiva de se exibir sempre que podia.

— Eu não teria tanta certeza — Cash riu — Madison é uma Moore. Essa família é a realeza de Shepherd Hill. As pessoas aqui amam a gente.

Cash era o típico canalha rico que orbitava ao redor de Madison. A família dele era dona de metade da cidade, a parte que os pais de Madison não conseguiram comprar. Ele tinha o físico de um deus grego, dirigia um porsche verde limão e era conhecido por dar as melhores festas do colégio. Se não fosse tão desagradável, Madison poderia até dar uma chance a ele.

— Somos rei e rainha de um grande nada — a loira debochou.

O garoto fez uma pausa como se pensasse. Era óbvio que ele não concordava. Sua reputação com as garotas e o seu ego imensurável nunca permitiriam que Cashwell concordasse com Madison naquela observação. Ele era mesmo um rei, acreditava naquilo: estava até mesmo sentado sobre uma pedra, próxima à fogueira, como se estivesse em um trono. Os outros se acomodavam no tronco de uma árvore caída.

O único que permanecia de pé na clareira era Tyler Kane. Ele era de longe a pessoa menos detestável ali e isso era sinal de que Moore estava em péssima companhia. Tyler tinha um sorriso capaz de enlouquecer meninas e nadava pelo colégio. A natação era tudo para ele. Seria seu bilhete de saída para fora daquela cidade e a promessa de um ingresso em uma boa faculdade. Assim como Aaron, o menino usava uma jaqueta varsity com as iniciais de Shepherd High bordado no peito.

— Nós somos uma versão popular do O Clube dos Cinco — Cash começou a tagarelar, pouco se importando se o ouviam ou não — Aaron, o atleta que namora Holly, a líder de torcida. Tyler, o nadador. Madison é a patricinha e eu sou o pegador. Nós mandamos dentro e fora daquela escola.

— Essa foi a coisa mais estúpida que eu já ouvi — Holly murmurou.

— Você esqueceu do Bane — Mad comentou.

Cash revirou os olhos:

— Como se ele fizesse alguma falta! Se Bane não estivesse sempre atrasado ou em casa cuidando da mãe doente, talvez eu até me lembrasse de dizer o nome dele. Alguém aqui sequer gosta daquele idiota?

— Espera — Tyler se desencostou da pedra. Ele estava perto do amigo e de vez em quando se aproximava do fogo para alimentar as chamas — Por que eu sou o "nadador"? O fato de o Aaron fazer futebol o torna mais atleta que eu?

— Esse filme é uma merda — foi tudo que Aaron teve para dizer sobre o assunto. Ele parecia perpetuamente entediado, agarrado à Holly como se a garota fosse sua propriedade — e era, já que só estava naquela reunião para agradar a namorada.

— Eu vou vomitar se alguém fizer mais alguma referência ao cinema retrô — Mad murmurou — Esse filme foi feito quando? Anos oitenta? Eles todos devem ser múmias agora.

Um vento repentino agitou o fogo. As chamas quase se apagaram, mas Tyler foi mais rápido. Ele lançou outro pedaço de madeira e as labaredas subiram na direção do céu, como se tentassem alcançar o topo das árvores.

— Alguém ouviu isso? — Holly tinha os olhos arregalados e segurava o braço do namorado.

A líder de torcida ruiva parecia ter entrado em estado de alerta, observando a mata ao redor deles. Todas as árvores foram engolidas pelo escuro assim que o sol se pôs. Eles provavelmente eram as únicas almas vivas em um raio de dois quilômetros.

— Não ouvi nada — resmungou Cash. — E pode ser o otário do Bane finalmente dando às caras.

Madison tinha ouvido algo também, mas o mais importante naquele momento era conseguir outra lata de cerveja. Antes que chegasse à bolsa térmica, o grito de Holly interrompeu o silêncio noturno. As quatro cabeças se viraram para a menina, que apontava algo se movendo nos arbustos que delineavam o início da mata.

Era um guaxinim. O animal tinha o tamanho de um gato, pelos cinzentos e se esgueirava para fora de seu esconderijo, as pequenas patas unidas na frente do corpo.

— Ele provavelmente veio atrás de comida — Tyler murmurou.

— Aaron — a ruiva chamou exasperada, recolhendo os pés para cima — Tira esse bicho daqui.

— Olhe ao redor, Holly. Nós estamos em uma floresta! Você não pode me pedir para afastar todos os animais daqui.

— Bom, você podia ao menos tentar!

— Eles não vão embora só porque você quer — o pescoço de Aaron estava começando a ficar vermelho de raiva.

Por mais que o casal não se suportasse, os dois não terminavam o namoro de jeito nenhum. Ou o sexo era muito bom, ou eles concordavam que eram as únicas pessoas da terra que estariam dispostas a lidar um com o outro. Madison apostava na segunda opção.

Cash pulou da pedra, que não era muito alta, e seus pés atingiram o chão. Pegou uma Cherry Cola dentro da bolsa térmica e abriu a lata. Madison estranhou a escolha e a existência daquela bebida dentro do contexto, mas não pensou sobre aquilo por muito tempo. Com certeza era coisa de Holly. Por mais que ela fosse maluca para manter o corpo ideal, não abria mão da Cherry Cola. Um dia, quando deixasse de ser líder de torcida, talvez, a ruiva se rendesse às tentações da gula, mas enquanto aquilo não acontecia todas as suas falhas de regime se resumiam à Cherry Cola.

— Aqui, bichinho, bichinho — Cash se agachou com a lata de refrigerante na mão.

O pequeno animal os observava com os olhos negros, farejando o ar atrás do cheiro doce. Ele se aproximou aos poucos da lata e Madison torceu o nariz. Para ela, aqueles bichos eram as piores pestes urbanas, logo depois dos ratos e baratas.

— Que nojo. Você quer atrair mais deles?

Quando o guaxinim estava próximo o suficiente, o braço de Cash fez um impulso para trás e deu força a um arremesso. A lata de refrigerante acertou em cheio o focinho do animal, que graniu assustado, fugindo para a mata.

O garoto observou tudo rindo, se pondo novamente de pé. Holly ria escandalosa como sempre fazia quando estava bêbada.

— Merda. Você pode fazer isso de novo? — Tyler olhou para a tela do próprio celular, que brilhava em sua mão — Eu não consegui gravar.

— Tyler — Madison ria —, como os olheiros da sua faculdade reagiriam ao ouvir isso?

— É, cara — Cash sorriu debochado, voltando para perto da fogueira onde seus amigos se reuniam — Se você quiser uma bolsa naquela sua faculdade, tem que ficar de olho nessas coisas. É difícil se interessar por um nadador que maltrata os animais! E ninguém se livra desse tipo de segredo sujo tão rápido.

— Olha só quem está falando. Cash, foi você quem espalhou o pornô da professora de espanhol para a escola inteira e até hoje não deu em nada.

— Alegações, Tyler — ele apontou o dedo em riste para o amigo — Tudo que eles tem são alegações.

As sobrancelhas loiras de Madison se arquearam. Finalmente, as coisas estavam ficando interessantes.

— Foi esse o argumento que seus advogados usaram? — ela perguntou.

O garoto riu, mas Aaron não deu tempo para que ele pudesse retrucar.

— Tyler, não seja estúpido. Ele só escapou porque é podre de rico, como a Madison — o jogador soava amargo — Mas as coisas são um pouco diferentes quando você é um mero mortal. Toma cuidado.

Se Aaron, o jogador, ficava insuportável de chato quando bebia, então Holly se tornava uma versão risonha e infantilizada de si mesma. A ruiva se levantou e o segurou pelos ombros largos, se pondo de frente para ele.

— Vamos, amor — Holly subiu um dedo pelo maxilar rígido de Aaron, usando sua voz mais provocante — Se eu dançar para você, você fica menos chato?

A ruiva mexeu os quadris na frente do namorado, acompanhando a música que tocava no celular de Tyler. Ela deixou a cabeça pender para trás e os cabelos vermelhos caíram sobre suas costas como uma cascata.

Cash desviou a atenção da líder de torcida prestes a começar um pequeno show particular e fitou Mad com malícia. Sentou-se ao lado dela com um sorriso canalha no rosto e esfregou as mãos sobre os joelhos, como se espantasse o frio:

— De quantas bebidas você precisa para se juntar a ela e dançar para a gente também?

Madison bufou.

— Só nos seus sonhos, Cash.

— Ah, acredite em mim — ele desceu os olhos pelo corpo da menina — Se isso fosse um sonho, você já estaria ali na frente, dançando com a ruivinha.

Ela estava prestes a retrucar quando outro barulho atravessou a mata. Uma vez era esquisito. Duas vezes era demais.

— Cash — Tyler ria bêbado — O guaxinim deve estar voltando para te pegar. Dessa vez com amigos.

— Jovem local é atacado por guaxinins — Holly tinha agarrado o namorado pelo pescoço, sentando-se sobre o colo dele — O que acha, amor? Não parece uma manchete de jornal?

Aaron parecia mais relaxado agora. Ele costumava ser ciumento, mas estava se comportando bem ao guardar comentários sobre a dança da namorada na frente de outros caras para si. A julgar por suas mãos posicionadas possessivamente na cintura de Holly, o jogador estava mais interessado em iniciar uma sessão de amassos do que em arrumar uma briga.

— É o mínimo que ele merece — Madison soltou uma risada misturada a respiração.

— A Ira dos Guaxinins — Tyler pronunciou com pompa, se juntando à brincadeira — Estrelado por Quentin Cashwell.

— Eu pagaria para ver esse filme! — Mad exclamou.

— O Cash tem cara de quem morreria bem feio em um filme de terror — pela primeira vez na noite, Aaron ria. Ele tinha um senso de humor bem distorcido.

Agora todos se juntavam para tirar uma com a cara de Cashwell, que assistia a tudo com indignação.

— Tudo bem, tudo bem — ele se levantou, ficando no centro da roda — Se isso fosse um filme de terror, quem morreria primeiro seria o Aaron.

— Eu? — Aaron franziu o cenho, ainda com a namorada no colo.

— É, para salvar a Holly ou qualquer merda assim. Os casais no cio sempre morrem primeiro.

— Eu acho que seria o Bane — opinou Tyler. — Pessoas que ficam para trás e pessoas que se atrasam sempre se dão mal antes de todo mundo.

— Verdade. Pensando bem, o Aaron com certeza seria o que entraria em depressão por ficar sem a namoradinha. Seria seu último ato romântico antes do fim! — zombou Cash.

— E quanto à você? — o jogador rosnou.

Cash deu de ombros, como se fosse óbvio.

— Meu pau é tão grande que eu provavelmente poderia tropeçar nele e cair da escada.

— Contanto que você morra, está ótimo — Madison sorriu angelical e eles riram.

— Por que você está sempre falando sobre o seu pênis? — Holly embaralhou as palavras em um murmúrio bêbado.

— Aaron e eu não podemos ser os únicos a morrer — Cash a ignorou, se divertindo com a situação. Os outros secretamente também apreciavam o rumo daquela conversa. Era sempre assim entre eles: indiretas e farpas disfarçadas de humor — Holly é a próxima. Para equilibrar um pouco, já morreram muitos homens.

— Ela morreria se preparando para uma apresentação das líderes — Aaron murmurou.

Holly saiu de seu colo na hora.

— Como assim?

— Só estou dizendo que você se dedica demais a animação de torcida. Intensamente. Esses regimes malucos e todo o resto. Mas isso é bom.

— E você, Tyler? — Madison abriu um sorriso provocante — Acha que conseguiria escapar da morte?

Tyler se aprumou todo de forma brincalhona. Ele fazia isso às vezes. Flertava de brincadeira. Ambos sabiam que se Madison o quisesse, ela o teria.

— Mas é claro.

— Ele morreria afogado — Cash interrompeu os dois.

— Isso é sacanagem — a expressão dele era hilária, o que fez todos rirem — Eu sou um nadador. Como eu morreria afogado?

— Se chama justiça — Holly explicou, sentando-se sobre o tronco de madeira — Se eu morro animando a torcida, então você se afoga.

— Só está faltando uma de nós — Cash olhou para Madison pelo canto do olho.

— Por que eu tenho que morrer também? Se vocês assistem mesmo filmes de terror, então sabem que sempre fica uma pessoa viva no final.

— Nada disso! — Tyler a interrompeu — Você ficou quietinha ouvindo como íamos morrer, então nada mais justo que deixar que nós escolhamos uma morte digna da realeza de Sherphed High.

— Isso pode ser divertido — Cash se animou.

Os amigos aos poucos se amontoavam ao redor dela. Estavam muito empolgados com a ideia de matá-la, aparentemente.

— Madison, você é uma menina muito, muito má — Holly ria bêbada, quase afundando no próprio lugar. — Precisamos pensar em algo que te ensine uma lição.

— O que vocês acham que vingaria aquela garota do segundo ano que ela humilhou semana passada? — Cash instigou — Ou aquele cara que viu a serenata que ele fez para ela virar cinzas na frente da escola inteira?

— Eu nunca vou esquecer a cara dele! — Holly riu, cada vez mais histérica.

— Foi bem sexy, na verdade — Cash provocou, mordendo o lábio ao se aproximar de Madison. Foi empurrado para longe, mas riu porque soube que tinha a tinha afetado de algum jeito. — Má é pouco, princesa. Na verdade, há um lugar especial no inferno reservado para garotas como você.

— O trono? — a loira completou pouco impressionada. Não era nada que não tivesse ouvido antes nos corredores de Shepherd High.

Cash bufou, se levantando da tora de madeira para esticar as canelas. Ele tinha uma latinha de bebida na mão e andava em círculos, acompanhando os próprios pensamentos.

— Não, isso seria moleza. A nossa Madison precisa ter uma morte digna de filme. Vamos, pessoal. Pensem grande.

Um raio estalou no céu no momento em que Cash terminou a frase. Holly pulou assustada, seu humor mudando de bêbada feliz para bebada manhosa, e ela voltou para o colo do namorado em um segundo.

— Acho que devemos ir embora — Madison levantou — Estão vendo esse casaco aqui? É um Valentino. Ele não pode pegar chuva.

— Mas e o Bane? — Tyler perguntou, lembrando que o amigo prometera aparecer na reunião.

— Se ele viesse mesmo, já estaria aqui — Cash bateu em seu ombro.

Todos concordaram. Estavam preocupados com a tempestade que se aproximava no horizonte, cada vez mais alta e furiosa. Raios cortavam o céu e clarões iluminavam a floresta a todo momento. Era um cenário de assustar qualquer um.

Levantaram-se todos, juntaram as suas coisas e apagaram a fogueira. O caminho que os levava de volta aos carros era cercado por árvores tortas e rochas cobertas de musgo, uma trilha tão estreita e perigosa que eles só conseguiam enxergar com a ajuda de lanternas e celulares. Eles andaram juntos pela mata, fazendo barulho e rindo alto. Apesar do clima descontraído, nenhum deles gostaria de ficar para trás naquela noite.

Quando a primeira gota de chuva caiu do céu e atingiu o chão da floresta, eles já estavam bem longe.


N/A(s):
Esperamos que tenham gostado! Escrevemos com muito amor e sangue nos olhos (aquelas dkdkdkkd).
Essa fusão AndyBarb ainda vai render muita treta e assassinato.
Até a próxima!

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