capítulo um: acima de qualquer suspeita

Peter O'Connell acordou com a luz do sol machucando os seus olhos. Grunhiu irritado, esticou a mão para fechar a cortina e afundou o rosto no travesseiro antes mesmo de verificar se estava atrasado ou não.

Era seu primeiro dia na escola nova. Estudou toda a sua vida do outro lado da cidade, em um lugar que seu pai adorava por ser disciplinado, mas havia sido expulso por mau comportamento e agora frequentaria a Shepherd High. Foi um milagre, na verdade, terem aceitado Peter lá. Apesar de não tão exigente quanto a antiga, essa era uma escola de altos padrões, principalmente financeiros. Ele suspeitava que suas boas notas tivessem despertado a curiosidade de alguém lá dentro, ou algo assim. Um encrenqueiro que também é um gênio?Vamos dar uma chance.

Piada.

Peter não estava exatamente ansioso para encontrar todos aqueles mauricinhos, mas deveria ter pensado naquilo antes de provocar todo o estrago no antigo colégio. Não podia reclamar agora que estava feito. Encararia o último ano do ensino médio do mesmo jeito que havia feito com todos os outros: não dando a mínima. Assim como na antiga escola, gastaria seu tempo em sala de aula dormindo e apareceria na semana de provas com todo o conhecimento que alguns vídeos no Youtube poderiam proporcionar. Esse era a porra do gênio que estavam procurando.

— Peter, você vai se atrasar!

Grunhiu mais uma vez. A sombra do pai passava pelo vão da porta como um animal rápido. Jordan era sempre ágil de manhã. Acordava bem cedo, fazia café e ficava gritando até Peter acordar. Sinceramente, o filho não sabia de onde vinha tanta energia.

— Peter, anda! Vou te dar uma carona.

Ele levantou, ainda mal humorado. A porta do quarto agora estava aberta e o pai o olhava impaciente. Peter, com a intenção de despertar mais rápido, puxou as cortinas da janela acima da cama e deixou o sol entrar no quarto.

— Chegar escoltado no meu primeiro dia? Não consigo pensar em uma maneira melhor de deixar uma boa impressão.

— Eu estou indo até a sua escola. Não quer economizar gasolina? — o pai dele fez uma pausa — Aliás, depois disso, ninguém poderá dizer que os homens da família O'Connell não sabem fazer uma entrada.

Peter bufou. Que hora perfeita para fazer gracinhas. Ele não queria. Gostava de dirigir, e não precisava chegar à escola em uma viatura policial logo no primeiro dia.

— O que aconteceu lá?

— Nada que eu possa compartilhar com você. Agora, anda!

Ele saiu do quarto. Peter encarou o vão do corredor vazio por mais alguns segundos antes de começar a se mover. Foi até o banheiro, escovou os dentes e tomou um banho, só assim acordou de vez.

Quando desceu as escadas para o café da manhã seu pai andava para lá e para cá na cozinha. Estava de uniforme, como quase sempre. O telefone grudado nos ouvidos foi um bônus: por mais que Jason não contasse sobre seus casos ao filho, Peter sempre acaba descobrindo através de suas ligações. O pai falava demais.

— Estou indo para a Shepherd High agora. Dez minutos, no máximo. Pode deixar comigo. Já avisaram a família? Quero que façam isso pessoalmente, não por telefone. Bane era um bom garoto.

— Bane?

Peter tinha uma sobrancelha levantada para o pai. Enquanto espionava, havia preparado o próprio café da manhã: cereal com leite. Quando estivesse a caminho da escola fumaria um cigarro também. Era um ritual.

— Não deveria ficar escutando — Jason implicou.

— Você que tá discutindo o seu caso no meio da nossa cozinha.

Jason revirou os olhos. Já havia se acostumado com a petulância do filho. Ele costumava ser bem enxerido.

— Você já está pronto?

— Já — deixou a tigela cheia sobre a bancada e se afastou — Vou de moto.

Enquanto o filho subia as escadas para buscar a mochila, Jason suspirou.

Aquele dia seria longo.

...

Não havia nada acontecendo em Sherphed High quando Peter estacionou sua moto atrás de um Camaro vermelho muito caro. Ele esperou tudo: pânico, terror, histeria. Mas não o silêncio. As pessoas pareciam alheias ao assassinato de Bane, e talvez estivessem. Pela ligação do pai, era recente. Nem a família havia sido avisada ainda.

Peter andou pelo estacionamento com os olhos atentos a todos que podia reconhecer. Apesar de não ter estudado naquela escola nos últimos anos, sentia-se familiarizado com muitos alunos da Shepherd High. Era uma das poucas vantagens e desvantagens de ser filho de um policial: problemas, soluções. Qualquer coisa acabava nas mãos do xerife O'Connell. Peter viu vários daqueles garotos e garotas serem fichados enquanto crescia, e seu pai sempre reclamava deles no café da manhã.

Era como se já os conhecesse.

Seu grupo preferido de histórias vinha do Clube dos Cinco. Era assim que Peter os chamava: Madison, Travis, Aaron, Holly e Cash sempre irritaram o seu pai. Primeiro, porque eram encrenqueiros, e segundo porque não admitiam aquilo. Suas famílias abastadas acabavam encobrindo todas as merdas que aqueles mauricinhos faziam, mas Peter sabia de cada um dos seus segredos envolvendo a polícia - desde as festas repletas de drogas na casa de Cash ao dia em que Madison Moore cortou o cabelo de uma garota no meio de um evento social importante.

Mas eles estavam tranquilos naquela manhã. Com certeza ainda não sabiam sobre o incidente com o mais novo fantoche do grupo. Até onde Peter poderia deduzir, Bane era o típico nerd que fazia a lição de casa deles. Aquilo ele descobriu por acabar encontrando o com cara algumas vezes na biblioteca. Seu pai tinha razão: Bane era um bom garoto. Passou seus últimos dias servindo à elite de Shepherd High em busca de aprovação social e agora estava morto, talvez até mesmo por causa deles.

O sinal tocou mais cedo, fazendo os alunos olharem ao redor. Aquilo deveria acontecer em dez ou vinte minutos. Peter se dirigiu para dentro do prédio, passando pelo Clube dos Cinco no caminho. Madison estava de óculos escuros, o nariz empinado enquanto Holly não calava a boca ao seu lado. Cash e Aaron aproximavam-se também, sorridentes. Com certeza não sabiam sobre Bane, Peter pensou. Mas estavam incomodados com a locomoção do pátio.

— O Bane nem chegou ainda — ele ouviu Madison resmungar.

Andavam paralelamente no corredor, mas ainda assim distantes. Sem perceber, seguiam o fluxo de pessoas que se dirigiam ao refeitório.

— Ele estava com meu trabalho de literatura — Holly soou triste. — Espero que não se atrase. É metade da nota!

— Não tem como ser metade da nota — rebateu Aaron — Por que você não pensa nas coisas antes de falar?

— Madison, diz pra ele!

Madison deu uma risada baixa. Com certeza era a responsável por Holly pensar que um trabalho poderia valer metade da nota logo no último ano. Peter nunca entendeu aquela garota, mas ela era má. Algo nela irradiava satisfação com o sofrimento alheio.

Quando chegaram ao refeitório todos os alunos pareciam confusos. Havia dois policiais parados entre eles. Seu pai estava lá, anotando coisas. O telefone pendia entre a orelha e o ombro enquanto falava desenfreadamente.

Aos poucos, todos foram instruídos a se dirigir para suas salas de aula. Peter era novo então não fazia ideia de qual era a certa, mas seguiu seus instintos atrás do Clube dos Cinco até a classe de ciências. Estranhamente, estava certo. Era sua primeira aula naquele dia.Que grande ironia.

Peter foi para a última carteira da sala e ficou observando enquanto os outros alunos conversavam. Após as férias com certeza havia muita coisa para colocar em dia, e pelo menos dois grupos falavam sobre uma festa. O Clube dos Cinco, parado ainda na porta da sala, sem se preocupar em buscar lugares, cochichavam entre si. Peter começou a imaginar se já havia caído a ficha para eles, mas chegou à conclusão de que não. Madison Moore não parecia nem um pouco mais aflita que o normal.

Quando o professor apareceu todos se sentaram. Do Clube dos Cinco, Madison e Holly foram as únicas que ficaram para a aula, os outros seguiram suas direções. Elas entraram, procuraram os lugares que queriam sentar e expulsaram quem estava tomando conta deles. Peter quase revirou os olhos, mas achou muito mais divertido do que revoltante. Era impressionante como as pessoas daquela escola se sentiam ameaçadas por garotas como Madison e Holly. Chegava a ser curioso.

— Como devem ter visto, recebemos algumas visitas hoje. Peço que cooperem com a organização, porque precisamos que tudo seja o mais rápido possível.

Enquanto o professor falava, uma sessão de cochichos reverberou por entre as carteiras. Para Peter era normal estar rodeado de policiais, mas o resto daquela turma nunca havia se submetido a tais circunstâncias. Tirando o Clube dos Cinco e algumas outras exceções, Shepherd Hill era um lugar familiar e pequeno. Notícias voavam. As pessoas procuravam manter a ordem por causa das aparências.

Aos poucos, alunos foram chamados para fora da sala. Foi em ordem alfabética, começando com as garotas e depois indo para os meninos. Ninguém informou qual era o problema, nem a finalidade daquele interrogatório. Os alunos que saiam não voltavam, iam direto para casa. Estavam sendo liberados o resto da tarde.

Quando a vez de Madison Moore chegou, ela arregalou os olhos. Por algum motivo pensou que seria excluída daquela seleção. Sua surpresa durou só alguns segundos, e logo os saltos vermelhos batiam contra o chão da sala, a acompanhando até a saída.

Peter O'Connell ficou esperando até a sua vez chegar, mas não foi entrevistado. Teve que ficar na sala até o último aluno sair, e só então foi liberado para ir para casa. Como ele sabia que seu pai o estaria esperando, não foi direto para a frente do colégio. Ficou perambulando pelos corredores, aproveitando para conhecer melhor o lugar, até que esbarrou em uma cena que lhe despertou a curiosidade.

Madison Moore estava ao telefone em prantos. Ela gesticulava, falava e falava como se não precisasse nem respirar. De longe e por conta da acústica do corredor Peter pouco conseguiu entender sobre o assunto, mas não conseguiu conter o impulso de se aproximar mais. Ele usou as paredes e as colunas de esconderijo, aproveitando o bebedouro da escola quando Madison o notou. Era uma desculpa esfarrapada, até Peter sabia, mas pelo menos não era totalmente mentira. Aquele drama todo havia lhe dado sede.

Os saltos dela fizeram a conversa ao telefone parecer o som mais agradável do mundo: enquanto Madison se aproximava dele, a bolsa cheia de plumas balançando presa ao braço, o som irritante dos seus passos ecoou por todo o corredor. Peter não parou de beber água. Na verdade, fingiu que a nem a viu chegar. Aquilo a deixou bastante irritada.

Madison era do tipo que odiava ser ignorada.

— Você é novo aqui — ela entoou.

Peter levantou os olhos do bebedouro e se demorou alguns segundos avaliando a figura loira parada à sua frente. Madison não só parecia uma Barbie, como tinha a postura de uma também. Ela ainda esperava uma confirmação, de braços cruzados e queixo erguido.

— Bem observado — ele murmurou.

Peter fez menção de voltar o corpo para o bebedouro, mas Madison insistiu:

— Os policiais não te entrevistaram.

Mais uma vez, ela estava certa. Madison Moore era uma garota observadora e perspicaz. Peter abriu um sorriso zombeteiro, interessado em descobrir onde ela queria chegar.

— Quantas deduções. Está pensando em entrar para o departamento de polícia de Shepherd Hill?

Apesar de toda hostilidade dirigida a ela, Madison permanecia irredutível.

— Eu quero saber por que você não foi entrevistado.

Peter finalmente deixou o bebedouro e apoiou o ombro na parede do corredor. Madison percebeu que ele era muito alto e quase deu um passo para trás, mas aquilo não era uma atitude de seu feitio. Permaneceu no lugar, de braços cruzados, com os olhos fixos no garoto estranho à sua frente:

— Eu já passei por um interrogatório hoje de manhã, na delegacia. Não faria sentido me entrevistarem duas vezes.

A vontade de se afastar voltou, e Peter quase riu com a expressão preocupada no rosto dela. Um interrogatório na delegacia era uma coisa bem mais séria que uma avalanche de perguntas em território escolar. Se aquilo fosse verdade, Peter poderia ser considerado um suspeito... Uma pessoa perigosa.

— Eu sou filho do xerife — Peter decidiu explicar. Era melhor do que arriscar um surto no meio de um corredor vazio. Aí sim ele seria levado para a delegacia — Estou acima de qualquer suspeita.

Quando um ar de reconhecimento atravessou a expressão de Madison, ela automaticamente retomou a postura anterior. Os ombros para trás, nariz empinado, olhar acusatório querendo mais detalhes. Seria possível desenhar um ponto de interrogação na testa dela, se Peter quisesse exemplificar.

— Além do mais, estive no meu quarto a noite inteira, como de costume.

— Em uma sexta à noite?

— Sim, eu e a coelhinha do mês de Abril. Foi uma edição especial por causa da Páscoa.

— Eca — ela franziu seu nariz perfeito — Quem ainda compra revista pôrno?

Peter arqueou as sobrancelhas e sorriu. Era como se esperasse que Madison ligasse os pontos sozinha. Ele olhou para longe por um momento, sem conter uma risada baixa. Aos poucos a careta da menina se desfez, dando lugar para a compreensão: é claro que tudo não passava de uma brincadeira. Garotos normais não compram revistas, eles se trancam na privacidade de seus quartos e abrem o Xvideos em uma janela anônima no navegador.

— Sou Peter O'Connell — ele esticou a mão.

Madison encaixou os dedos sobre a palma da mão dele, os anéis brilhantes destacando o vermelho vivo de suas unhas.

— Madison Moore — levantou o nariz. — Mas você já sabia disso.

Um sorriso escorregou pelos lábios de Peter. Naquela cidade, o sobrenome Moore carregava autoridade. Não era arrogância e nem exagero da parte de Madison assumir que todos a conheciam. Tratava-se apenas de uma verdade incontestável: para alguém que nasceu em uma família famosa por encabeçar manchetes do jornal local, apresentações eram dispensáveis.

Ao redor deles, o corredor vazio os entregou ao silêncio. Foi o momento em que Peter percebeu que a encarava há tempo demais. Ele limpou a garganta e murmurou:

— Acho melhor irmos. Estamos livres pelo resto do dia para lamentar o azar do nosso colega, Bane.

A simples menção àquele nome fez Madison empalidecer. De repente, a conversa confortavelmente estranha entre dois desconhecidos sumia e eles estavam de volta às paredes frias de Shepherd High, onde o interrogatório nauseante da polícia continuava a acontecer em algum lugar do edifício. Madison não queria acreditar no que havia escutado, mas as perguntas que o xerife havia feito durante aqueles minutos de horror foram bem claras: Bane estava morto. Seu corpo fora encontrado sem vida horas antes, e com isso um monte de perguntas surgiram. Daquele momento em diante Shepherd Hill nunca mais seria a mesma.

Madison deixou o rosto endurecer, transbordando o que Peter interpretou como indiferença, e se virou para descer o corredor de volta à saída principal da escola. Do lado de fora alguns alunos se movimentavam de maneira ansiosa, seguindo para as suas casas com a esperança de deixar aquele dia estranho preso nas paredes frias de Sherphed High.

Mas não seria fácil para alguns, principalmente para Madison.

— Você o conhecia? — Peter a seguiu.

Peter já sabia a resposta para aquela pergunta, mas se Madison Moore podia ser cruel, ele conseguia ser pior ainda quando queria.

— Eu... — Madison fez uma pausa, sentindo a garganta secar. Por sorte, seu celular começou a apitar feito louco dentro da bolsa. Ela o pescou e a tela acendeu com a notificação de uma mensagem do Cash.

"VOCÊ SOUBE DO BANE?"

Peter, vários centímetros mais alto que Madison, inclinou levemente a cabeça na direção da tela. Foi o suficiente para Madison entender que ele estava bisbilhotando, bufando ao recolher o celular para dentro da bolsa.

— Para quem é filho do xerife, você é muito mal educado.

Ele riu, pronto para mais uma resposta esperta. Foi interrompido antes de dar continuidade, porém. Uma pessoa aparecia no fim do corredor, andando rapidamente na direção dos dois. Era Cashwell.

— A gente tá te procurando por toda a parte!

Madison automaticamente andou na direção do amigo, deixando Peter para trás. Cash, que parou para esperar uma resposta, finalmente notou o filho do xerife:

— Quem é esse?

Madison olhou Peter por um segundo:

— Ninguém. Vamos.

Puxou o amigo pelo braço, o levando para longe. Enquanto se afastavam, Peter escutou mais murmúrios, todos sobre Bane.

N/A:
Quinze dias depois, estamos de volta! Agora vocês conheceram o Peter, nosso personagem principal.
E aí? Acertaram as teorias sobre qual dos amigos morreria primeiro? Ou erraram feio?
Conta pra gente!
Até a próxima atualização,
Barb e Andy ❤️

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