capítulo oito: essa é a sua deixa
No momento em que os gritos começaram, Madison correu para acompanhar Peter. Para o azar dela, havia pessoas demais naquele jardim. Não seria exagero de sua parte presumir que pelo menos metade do corpo estudantil de Shepherd High estava reunida ali naquela noite. Teria sido difícil para qualquer um se infiltrar na multidão, mas o filho do xerife soube usar altura e porte a seu favor e abriu caminho rapidamente, arrastando quem quer que fosse consigo. Madison tentou fazer o mesmo, mas, enquanto Peter sumia a distância, ela continuava parada.
Madison esbarrou, empurrou e xingou, tudo isso sem conseguir sair do lugar. Nem todo o dinheiro do mundo poderia lhe comprar o preparo físico necessário para atravessar aquele paredão humano. A abelha rainha de Shepherd High ainda tentou apelar para o método da intimidação, mas descobriu que, quando ninguém a escutava, ficava difícil persuadi-los a sair da frente.
Os gritos continuaram. A multidão se agitou em resposta, todos empurrando para frente ao mesmo tempo, e Madison quase caiu com o embalo, sujando seus saltos de terra e grama. Ao que parecia, a origem de todo barulho vinha da piscina. A loira esticou o pescoço na tentativa de enxergar alguma coisa, mas não encontrou nada além de nucas suadas e rostos desconhecidos. Peter havia desaparecido, a festa estava uma loucura e ela ainda não fazia ideia do que estava acontecendo.
Uma mão gelada envolveu seu pulso:
— Madison! — era Holly. A líder de torcida tinha um copo transbordando cerveja na mão livre e um sorriso cheio de dentes em seu rosto — Eu estava procurando por você!
— Agora não, Holly. — Madison ralhou, tentando se desprender do aperto. Ela queria voltar o corpo para frente e atravessar a multidão, mas a amiga era insistente.
Holly poderia ser uma simples líder de torcida, mas, naquele momento, tinha em seu aperto a força de um time de futebol inteiro.
— Peter Perdedor está aqui — ela cantarolou tão alto que superou o barulho. — Eu sei que você sabe disso. Quer saber como eu sei?
Madison estava irritada. Queria encontrar Peter e, mais do que isso, odiava bêbados e suas charadas.
— Já tem até foto rolando por aí — Holly deu uma risada curta, condescendente, meneando a cabeça para o simples pensamento.
— Foto? — Mad ignorou o balbuciar bêbado da amiga e se concentrou na única palavra que conseguiu despertar sua atenção. — Holly, que merda você fez?
— Eu não fiz nada — a líder de torcida arregalou os olhos e suas sobrancelhas ruivas se arquearam, quase alcançando a linha do cabel.o — Eu até tentei impedir os meninos, mas você sabe como eles são. Vamos.
— Para onde?
Holly não respondeu. Apenas seguiu em frente, afastando as pessoas do caminho com uma ignorância que até então Madison não conhecia. Qualquer um que decidisse tirar satisfações com a líder de torcida briguenta tinha uma Moore em péssimo humor para enfrentar. Elas faziam um bom time: Holly entrava com a força bruta e Madison com a intimidação. Ninguém ousava mexer com as duas.
O trajeto a levou até a área de lazer externa. Seus pés encontraram os degraus do terreno elevado e ela subiu, feliz em se livrar da grama. O cheiro de cloro invadiu suas narinas. Ali, o chão era revestido por pedras escuras, quase sempre úmidas. Apesar de estar abarrotado por desconhecidos, o modesto parque aquático dos Cashwell continuava do jeito que ela lembrava: luxuoso e bem iluminado. O espaço contava com duas jacuzzis e uma grande piscina aquecida. Naquela ocasião, as doze espreguiçadeiras que ladeavam a borda do espelho d'água foram recolhidas e algumas caixas de som foram empilhadas em um canto.
— Olha só quem eu encontrei! — Holly exclamou assim que a multidão ficou para trás. Enquanto rebocava Madison consigo, sorria sem esconder o entusiasmo. Levantou a mão unida à da amiga em um gesto vitorioso e todos comemoraram, entusiasmados para assistir o espetáculo.
Madison se soltou do aperto com o queixo erguido, de repente autoconsciente demais de seu próprio estado. Ela sabia que seu vestido estava impecável, mas seus sapatos sujos. Felizmente, p cabelo dourado e a maquiagem estavam algo entre o espetacular e o divino.
A loira avaliou o cenário ao redor, sem se deixar abalar por ter se tornado o centro das atenções. Ela notou que a festa inteira rodeava a piscina. Até o garoto fantasiado de serial killer estava lá. Aaron e Tyler o ajudavam a ficar de pé, um agarrado a cada ombro. Aparentemente, eles o seguravam para impedi-lo de fugir, mas o garoto estava apagado, de cabeça baixa e pernas que mal tocavam o chão.
Se ele havia bebido tanto quanto Madison suspeitava, não reagiria tão cedo.
Depois de trocar um longo olhar com os garotos, ela se afastou da borda da piscina por precaução. Seu vestido verde brilhante era bonito demais para ser arruinado por respingos de cloro. O que quer que estivesse para acontecer, certamente não seria favorável a seu traje de festa.
Madison procurou por Peter. Mesmo que não o conhecesse há muito tempo, sabia que o filho do xerife era tolo o suficiente para tentar socorrer aquele azarado. Ela o encontrou do outro lado da piscina, observando tudo a distância. O olhar no seu rosto era perigoso. Tudo gritava que estava pronto para dar o bote. Madison pensou que, se fosse para intervir, ele precisava ser tão letal quanto aparentava ser naquele momento.
— Madison! — Cash exclamou. Aquele show só podia ser coisa dele. O dono da casa estava sentado no topo de uma caixa de som e observava todos de cima. — Até que enfim você chegou! Estávamos te esperando para começar.
Quando percebeu que todos aguardavam uma resposta, a rainha abelha de Shepherd High sorriu sem humor:
— Que gentileza a sua.
— Eu sabia que você iria entender, boneca. Como eu estava dizendo, Aaron e Tyler encontraram essa aberração... — ele apontou para o garoto fantasiado, e a multidão vaiou — jogada no chão do banheiro.
Madison olhou para os rostos ao redor. Um coro de xingamentos e rugidos acompanharam a narração de Cash.
— Eu não sei quem ele planejava assustar aparecendo aqui desse jeito — zombou, e risadas ecoaram por todo jardim. Em cima da caixa de som, Cash balançava as pernas como uma criança entusiasmada, satisfeito com a atenção que recebia. Madison sabia que, quando ele sorria daquele jeito, era melhor esperar pelo pior. — As minhas festas só tem uma regra e ela é bem simples: se não sabe beber, então não bebe!
De novo, mais comemorações e assobios. Eles queriam aquele o circo tanto quanto Cash. Mesmo depois do clima tenso proporcionado pela investigação de homicídio em andamento, todos ali reunidos pareciam felizes em coroá-los novamente. Mais uma vez, a realeza de Shepherd Hill assegurava seu lugar no topo da cadeia alimentar humilhando os mais fracos.
As acusações de assassinato envolvendo o grupo pareceram sumir no momento em que começaram a proporcionar um show aos convidados. Os alunos de Shepherd High devolveriam suas coroas enquanto o clube dos cinco estivesse humilhando os mais fracos. Era assim que a cadeira alimentar daquela escola funcionava.
Madison teve que piscar quando viu Holly surgir do outro lado da piscina. Estava tão entretida que sequer notara a ausência da amiga. A líder de torcida exibia a garrafa de uma das bebidas mais fortes do bar como um prêmio, improvisando uma coreografia para a platéia. Ela desfilou até Aaron e Tyler, que seguravam o garoto desacordado, e se postou ao lado deles como se esperasse por novas ordens.
— Se essa não fosse uma noite tão importante, nós poderíamos deixar essa passar! — Cash levantou a voz, e fez-se silêncio no quintal. — Mas nós perdemos um amigo muito querido recentemente e, por isso, estamos no clima para fazer boas ações.
O dono da festa analisou cada rosto perdido na multidão e, durante aquela breve pausa, ninguém no quintal ousou respirar. Todos aguardavam, presos no suspense, ansiosos para ouvir a sentença do azarado da noite. Espremido entre os dois atletas, o garoto fantasiado de Ghostface continuava desmaiado.
Cash fez um sinal para Holly, que rapidamente desenroscou a tampinha do absinto que tinha em mãos.
— Esse otário não aprendeu os próprios limites ainda, mas nós vamos ensiná-lo — exclamou para que todos pudessem ouvir, agitando a multidão como uma torcida. — Holly, agora é a sua deixa: vamos mostrar ao novato a nossa hospitalidade — Cash vociferou a última parte — Ninguém passa sede na minha casa!
Holly obedeceu ao comando e virou o conteúdo da garrafa no topo do cabelo do garoto bêbado. O time de futebol gritava "Vira! Vira! Vira!" e todo resto da festa encarava sem conseguir acreditar. Alguns riam da cena, outros incitavam o caos. Aaron e Tyler fizeram com que a cabeça do coitado caísse para trás e a boca dele se entreabriu o suficiente para que Holly entornasse absinto pela passagem. Ele se engasgou e tossiu, cuspindo o líquido para fora.
— Acabou! — Holly ria sem fôlego, sacudindo a garrafa vazia. Ela havia aproveitado o absinto até a última gota.
— Tyler! Aaron! — Cash chamou. — Quando vocês quiserem.
Naquele momento, Peter saiu de onde estava escondido. Ele tinha ódio no olhar e empurrava qualquer um que se colocasse em sua frente. O filho do xerife não queria intervir apenas porque era a coisa certa a se fazer, mas porque sabia que ninguém mais o faria. Em Shepherd High,onde o terror imperava, ser aceito era uma questão de sobrevivência e mexer com o Clube dos Cinco não era uma atitude inteligente. Peter estava pouco se lixando para aquilo. Ele não ficaria parado observando um bando de idiotas praticamente matarem um garoto cujo único crime fora a falta de noção.
Madison sentiu uma sensação gelada dentro de si. Estava tão estressada que, se não se importasse tanto com a aparência, roeria as longas unhas vermelhas até o sabugo. Nos segundos seguintes, aconteceu exatamente o que Madison temia: um brutamontes agarrou o filho do xerife pelos braços antes que ele conseguisse concluir sua patética ceninha de herói.
Aaron e Tyler ergueram o garoto desmaiado do chão e embalaram o corpo dele como em uma brincadeira infantil: para frente e para trás, tomando impulso para arremessá-lo na água. O time de futebol puxou uma contagem regressiva começada do dez. A platéia se juntou para entoar os números, alongando cada sílaba e cada palavra. O som gutural ecoou por todo quintal e alcançou além da mata que cercava o terreno dos Cashwell.
Quando chegaram ao cinco, o garoto fantasiado de Ghostface colocou para fora tudo que tinha no estômago. Isso não os fez parar. Pelo contrário: a situação digna de pena só serviu para incitar uma onda de xingamentos, acelerando ainda mais a contagem. Os atletas que o balançavam o seguravam longe do corpo, rindo como dois idiotas.
Peter, que continuava preso no mesmo lugar, assistia a cena com revolta.
— Se vocês o jogarem, ele vai se afogar! — o filho do xerife protestava, gritando mesmo que ninguém desse ouvidos para o que ele tinha a dizer.
Ainda no topo de uma caixa de alto falante, Cash sorria para Madison. Ele movia os lábios, tão animado quanto os outros:
— Três, dois, um!
O barulho do corpo atingindo a água foi seguido por comemorações e risadas. Dentro da piscina, o garoto que Madison mais tarde descobriu se chamar Oliver, era apenas um ponto escuro e difuso. Ele encontrou os azulejos de porcelana que revestiam o chão e lá ficou. Sem se afogar ou emergir. Madison observou a imagem turva e imóvel no fundo da piscina e temeu pelo pior.
Aos poucos, a confusão na superfície se aquietou e as risadas foram substituídas por murmúrios. Uma brisa gelada varreu o quintal e Madison abraçou o próprio corpo para se proteger de arrepios.
— Ele bateu a cabeça! — alguém gritou, cortando o silêncio.
— Ele desmaiou — outra voz se levantou na multidão.
As pessoas estavam começando a entrar em pânico. Cash percebeu isso, mas não se moveu de seu lugar. Os atletas viram o corpo de Oliver completamente inerte debaixo d'água, a três metros e meio de profundidade, e nada fizeram. Peter se soltou e conseguiu se aproximar bastante da borda antes que Tyler Kane o segurasse. Tyler, o nadador, era um membro conhecido do Clube dos Cinco. O nadador olhou para Cash a procura de aprovação e esse apenas assentiu. Quentin Cashwell não permitiria que Peter O'Connell ganhasse um momento de glória às custas dele.
— A capa dele foi sugada no ralo da piscina! — uma menina bêbada exclamou e risadas quebraram a tensão.
No mesmo instante Cash xingou alto, encarando a platéia em busca do responsável pelo comentário idiota. O dono da casa parecia pouco se importar com a possível vítima de afogamento que tinha no fundo de sua piscina.
Mais um minuto se passou e nada de Oliver vir a tona. Madison se perguntou em silêncio se algum dos espectadores já havia discado o número da emergência. Provavelmente não. Todos os convidados da festa eram menores de idade e beberam ou fizeram uso de pelo menos uma substância ilegal. Nenhum deles teria coragem de ferrar com Quentin Cashwell em sua própria casa.
A não ser Peter O'Connell, é claro.
O filho do xerife se desprendeu do nadador que tentava contê-lo com facilidade. Ele correu a distância que faltava até a margem e inclinou seu corpo escultural para o mergulho, braços esticados para baixo e mãos unidas. Madison sentiu uma lufada de ar preencher seus pulmões Peter fez uma aterrissagem perfeita piscina. Algo parecido com alívio preencheu seu peito. Ela se aproximou da beirada, sem se importar com o cheiro de cloro ou as poças em que enfiava os calçados.
— Esse daí nós nem tivemos que jogar — Cash ironizou.
Poucos deram atenção para a piadinha. Estavam todos hipnotizados pelo resgate em andamento.
Madison sem dúvida se incluía no grupo dos espectadores daquele espetáculo.
A visão do fundo da piscina era turva, mas, por sorte, ela conseguiu vislumbrar o instante em que Peter agarrou Oliver pelo braço. O filho do xerife chutou o chão para tomar impulso e trouxe o amigo para cima aos poucos. Ele nadava vagarosamente até a superfície, atrasado pelo peso extra. Enquanto isso o relógio não parava: Oliver deveria estar lá embaixo há pelo menos três minutos.
Peter emergiu das águas, arfando como se tivesse acabado de correr uma maratona, e gritos e aplausos foram escutados por todo quintal. Em um movimento rápido, ele afastou os cabelos curtos e úmidos do rosto. Garotas suspiraram e jogadores do time de futebol observaram tudo de braços cruzados. O filho do xerife havia acabado de provar que conseguia ser mais decente do que todos eles juntos.
— Abram espaço! — Peter gritou, conduzindo o corpo de Oliver até a margem. Ele deslocava água com um braço, nadando com o dobro de dificuldade.
Madison flagrou Tyler, o nadador, encarando Cash em busca de orientação. Tyler era da equipe e provavelmente sabia prestar primeiros socorros a vítimas de afogamento. Poderia muito bem ajudar Oliver, mas Cash apenas meneou a cabeça para o pedido silencioso. Se Tyler quisesse ficar bem com o rei de Shepherd High, deveria ficar quieto.
Dois garotos desconhecidos ajudaram a içar Oliver para fora da piscina. Peter saiu logo em seguida, sem parar para se enxugar. Ele parecia exausto, ajoelhado contra o piso de pedra próximo ao amigo inconsciente. Madison imaginou que o filho do xerife deveria saber algum método de ressuscitação, mas a julgar pelo olhar amedrontado, seu heroísmo acabava ali.
Toda cor do rosto de Oliver havia desaparecido. Seu corpo estava rígido e seus lábios roxos. Parecia morto.
Madison sentiu um arrepio subir pela espinha. Aquele não parecia o menino fantasiado de serial killer que a assustara mais cedo no banheiro. Toda vida e a diversão abandonaram a expressão dele, assim como a vermelhidão saudável comum em bêbados.
— Faz respiração boca a boca! — uma voz no fundo da multidão sugeriu.
Peter não pareceu ouvir. Ele posicionou as duas mãos no peito do amigo e começou uma massagem cardíaca. A cena não se parecia com nada qualquer coisa que Madison havia visto na televisão antes. O filho do xerife com certeza era bruto demais. Talvez por isso, Oliver acordou de seu coma bem mais rápido do que Madison imaginava. Ele tossiu e Peter o virou de lado, permitindo que liberasse parte da água que tinha engolido.
Estava acabado.
Oliver estava a salvo. A tensão sobre os ombros de Madison começou a se soltar, mas o descanso não durou muito.
O barulho solitário de palmas irromperam de algum lugar atrás da loira. Ela pulou de susto, se afastando do caminho. Era Cash. Ele batia as mãos com um entusiasmo ensaiado, muito alto e forte para soar natural. Despencou do alto da caixa de som e pousou no chão, sem quebrar o aplauso.
Água pingava do queixo de Peter. Ele olhou para Madison em silêncio e ela quase encolheu os ombros. Quase. Ao invés disso, Moore ergueu o queixo, arrumando o cabelo dourado impecável. Ela fingia indiferença, como se a confusão que havia acabado de presenciar não fosse nada demais.
Todos naquele quintal sabiam que Oliver havia quase morrido graças aos amigos dela.
— Foi um show e tanto, pessoal! — Cash finalmente deu fim as palmas, abrindo um sorriso irônico — Nós precisamos repetir isso.
— Vai se ferrar — Peter retrucou seco. Algumas risadinhas percorreram o quintal.
Cash se aproximou sem pressa. Deitado no piso úmido, Oliver ainda tossia, um pouco menos desacordado do que antes.
— Tem certeza de que é assim que você quer jogar, Pete? — ele esperou por um momento e, quando não obteve resposta, o garoto deu de ombros e acrescentou: — Tudo bem, Nós vamos a adega acabar com o álcool do meu pai.
O time de futebol comemorou e assobios cortaram o ar gelado da noite. Cash deu as costas ao filho do xerife e gritou por sobre o ombro:
— É melhor que você caia fora daqui antes que eu volte.
Então ele partiu, pouco se importando em conferir a reação do público. Madison abriu um sorriso a contra vontade. Cash nunca teve problemas em se fazer ser ouvido. Suas ameaças eram fortes assim: se difundiam pela multidão como fogo em palha.
— Alguém deveria chamar a emergência — uma garota à esquerda de Madison opinou.
— Claro! — um veterano vestindo a jaqueta do time de futebol retrucou — Vamos ligar para emergência! Vamos dizer que um bando de menores ingeriram álcool e jogaram um cara desacordado na piscina!
— Eu conheci uma menina que morreu assim — um terceiro desconhecido murmurou, examinando o corpo de Oliver estirado no chão a distância.
Madison bufou. Aparentemente, todo mundo tinha uma sugestão sobre o que deveria ser feito a respeito de Oliver. Uma rodinha de observadores se formou ao redor do garoto semimorto assim que Cash deu as costas e, para o azar da Moore, eles não paravam de falar.
A alguns metros dali, Peter tentava ficar seco. Ele havia tirado a blusa e torcia o tecido escuro para retirar o excesso de água. Madison deu uma breve olhada e concluiu que seu abdômen era tão perfeito quanto o resto da obra. A calça de moletom pendia perigosamente em seus quadris, destacando as linhas da entrada. Peter O'Connell era um pedaço de mal caminho.
— Então levem ele para o hospital! — a menina ao lado de Madison voltou a protestar.
— E quem vai levar esse tonto para o hospital? — Moore rosnou. — Você?
O silêncio tomou conta da beirada da piscina. Eles abaixaram os rostos, sem conseguir fitar Madison. A abelha rainha de Shepherd Hill era feroz e nenhum dos adolescente reunidos ali tinha a coragem necessária para enfrentá-la face a face.
O grupo se dispersou rapidamente depois do comentário cortante de Madison. Eles bateram em retirada, fugindo de volta para festa, sem olhar para trás. Exatamente como Madison suspeitava: todos tinham uma opinião sobre o que fazer, mas nenhum deles queria oferecer ajuda de verdade. Um bando de frouxos.
Peter não demorou muito para se juntar a loira e ao garoto desmaiado. O filho do xerife estava vestido com a blusa encharcada novamente, colada em seu torso, enquanto seu casaco estava estendido em uma cadeira a alguns metros dali. Madison quase conseguia sentir o cheiro de cloro impregnado na pele dele. Peter ergueu os olhos, infinitamente mais azuis a beira da piscina, e encarou Madison.
Estava prestes a falar algo quando ela o interrompeu:
— A não ser que você esteja se sentindo com sorte — a menina murmurou, muito mais controlada que antes — Essa é sua deixa para sair.
De alguma forma, Peter havia conseguido reverter uma tragédia terrível em uma noite tranquila como outra qualquer. Madison preferia morrer a admitir que estava grata por tê-lo ali. Ela passou a mão pelo vestido verde, ajeitando a saia no lugar. Definitivamente, não queria trazer de volta os pensamentos pecaminosos que tivera mais cedo na festa.
Peter assentiu, observando o amigo que seguia completamente apagado.
— Acho que sobrou para mim.
A Moore deu de ombros, se preparando para deixá-lo sozinho com a responsabilidade de cuidar daquele bêbado inconsciente. Ela deu o primeiro passo na direção da casa quando ouviu Peter chamar seu nome:
— Só tem um problema — ele continuou com a voz dele rouca — Eu cheguei aqui de moto.
— Que pena — Madison ensaiou um bico — Seu amigo deveria ter pensado nisso antes de ter se embebedado e se afogado na piscina.
— Madison — o filho do xerife insistiu — Qual é. O mínimo que você pode fazer depois dessa é me ajudar.
— Eu devo fazer alguma coisa? — seus olhos verdes se arregalaram para o menino — Seu amigo é um otário, Peter. Além do mais, ele parece estar bem pra mim.
Eles olharam bem para Oliver. O garoto parecia preso no sono bêbado, algo entre o coma alcoólico e a inconsciência profunda.
— Merda — Peter praguejou baixinho — Ele está respirando?
Os dois se aproximaram do corpo inerte e o filho do xerife rapidamente checou os sinais vitais do amigo desacordado. Quando ele sorriu afirmando que estava tudo bem, Madison revirou os olhos. Moore não queria se envolver em outra investigação de homicídio, mas situações incriminadoras como aquela continuavam a acontecer. Mesmo sendo não passando de uma simples civil de dezoito anos, ela não queria descobrir se negligenciar socorro era considerado uma infração diante da corte de Shepherd Hill — ou seja lá como funcionava o sistema judiciário. Depois da morte de Bane, ela não estava em condições de cair outra vez nas graças da opinião pública.
— Tudo bem — Moore bufou entediada. — Vamos no meu carro.
Madison Moore esperou por eles com a cabeça soltando fumaça como uma panela de pressão. Por esses e inúmeros outros motivos, a loira odiava ser gentil. Ali estava ela, dirigindo pela floresta no escuro, acompanhada de dois marmanjos ensopados, sujando os bancos de sua BMW novinha de cloro.
O interior carro estava quieto demais e a cada segundo Madison sentia a revolta crescer dentro de si. Ela queria ter uma razão para explodir, mas o filho do xerife não colaborava com nenhuma. Quando Peter terminou de jogar Oliver no banco de trás, ele entrou e fechou a porta atrás de si sem proferir uma palavra sequer. Não quebrava o voto de silêncio por nada. Se Madison estava se sentindo generosa o suficiente para realizar boas ações, ele decidiu não testá-la.
A casa dos Cashwell estava diminuindo a distância quando Peter anunciou:
— Vamos levá-lo para casa.
— Para casa dele? — Madison precisava se certificar de que o filho do xerife tinha certeza do que estava falando. Ela olhou pelo espelho. Oliver definitivamente estava em coma alcóolico. Poderia morrer a qualquer momento e tornar o banco de trás da BMW uma cena de crime.
— É. Eu sei onde ele mora.
Aquela maldita calma perturbou Madison. Ela engoliu uma crítica ou duas e observou o breu lá fora. Tudo que existia à sua frente eram os dois borrões de luz na estrada, iluminados pelo farol do carro.
A patricinha permaneceu em silêncio até que não conseguiu mais aguentar:
— Nós deveríamos ir para emergência — finalmente cuspiu.
— O quê? — Peter piscou confuso. Ele segurava o cinto de segurança distraidamente e parecia estar quase pegando no sono. Depois de toda a agitação daquela noite, o filho do xerife só merecia um cochilo.
— Como fazem em filmes de máfia — ela deu de ombros, ainda agarrada a direção do carro — Nós abrimos a porta e jogamos o corpo lá.
— O corpo? — o filho do xerife repetiu desacreditado — Madison, ele não está morto.
— Mas é claro que não está morto! — a Moore afundou as unhas vermelhas no volante — Ele está desmaiado no meu carro!
— Tudo bem — Peter usou seu melhor tom apaziguador. Madison ainda estava atrás da direção e por isso ele precisava agir com o dobro de cautela — Está tudo bem, Madison. Nós vamos para emergência.
Olhando para frente, Moore torceu os lábios cobertos de batom em um biquinho que desapareceu tão rápido quanto surgiu.
Assim que chegaram a civilização, ela fez o caminho mais curto do hospital. Durante todo trajeto, eles não conversaram mais do que o necessário. Oliver continuou em seu estado semi-vegetativo no banco de trás, quase caindo no chão do carro a cada curva, e Peter tirou um cochilo. Ele tinha um ronco baixinho tão engraçado que Madison quase esqueceu o estrago que estavam fazendo em seu banco.
De todos os desfechos possíveis para aquela noite, Madison nunca imaginou que acabaria a madrugada na emergência do hospital de Shepherd Hill. Peter despejou Oliver em uma maca e eles foram direto para recepção, fazer uma ficha para o paciente.
Apesar das tentativas, eles não tinham sucesso em preencher os dados. De fato, mal conseguiram passar das primeiras etapas.
A recepcionista que os atendeu não estava em seus melhores dias. Tudo pareceu piorar quando se deparou com Madison, que não parava de falar. Contava cada detalhe do que havia acontecido naquela noite, tentando limpar a própria barra e acobertar as infrações que cometera.
Atrás do balcão, a mulher fechou os olhos, como se tentasse conter uma forte dor de cabeça, e suspirou:
— Vocês podem aguardar um minutinho?
— Claro — foi Peter quem respondeu.
— Eu estava no meio da história! — Madison protestou enquanto a recepcionista se afastava com uma prancheta.
Pela primeira vez em muito tempo, Moore estava fazendo a coisa certa e era assim que o universo a retribuía. Karma uma ova.
— Madison, talvez você deva praticar isso — ele sugeriu se divertindo com a indignação da loira — Você sabe, para a próxima vez que você for interrogada pela polícia.
Madison estava prestes a responder quando foram interrompidos.
— Esse saguão está uma bagunça — uma voz vinda do corredor do hospital soava cada vez mais alta. Peter e Madison se viraram bem a tempo de observar um homem de jaleco se aproximando da recepção. Deveria ser algum médico de plantão. Ele não parecia feliz e tinha em seu encalço a funcionária que os atendera momentos atrás.
Madison se aprumou dentro do vestido verde, ajeitou a bolsinha a tiracolo e ergueu o queixo:
— Vou ver se ele tem notícias do Oliver — a loira passou por Peter rapidamente e se dirigiu ao médico que despejava ordens a equipe.
O filho do xerife não teve outra escolha senão segui-la. Peter se apressou para segui-la, seu tênis fazendo um barulho engraçado sobre o chão de porcelanato. Ele já estava mais seco, mas suas roupas ainda estavam escuras e molhadas.
Alcançando o médico, a patricinha se postou atrás dele e limpou a garganta:
— Olá — Madison impostou a voz e o homem de jaleco se virou, procurando quem o perturbava — Meu nome é Madison Moore. M-o-o-r-e — a loira sentiu Peter parar ao seu lado, a centímetros de si — Nós trouxemos o paciente Oliver para emergência e queremos saber como ele está.
O médico franziu a testa por trás dos óculos e Madison pensou que o nariz dele era tão pontudo que poderia de furar o olho de alguém.
— Quem? — o homem de jaleco inquiriu, confuso e impaciente.
— Um garoto da nossa idade em vestes pretas — Peter decidiu interferir e Madison revirou os olhos — Na verdade, isso faz parte de uma fantasia. O Ghostface, do filme Pânico — quando a cara do médico não melhorou, ele completou: — Nunca viu?
— Você acha que eu nasci ontem, garoto? — o médico esbravejou — É melhor vocês irem embora ou eu chamo a polícia.
— Como é que é? — Madison ergueu uma sobrancelha loira.
Qualquer sinal de humor no rosto de Peter havia sumido. Ele tinha ativado o modo intimidador de novo e Madison adorava isso.
— Estamos falando sério — murmurou.
— Pois eu também — o homem de jaleco tinha a mesma altura que o filho do xerife.
— Ao menos nos deixe saber como nosso amigo está! — Peter insistiu.
— Pare já com essa brincadeira! — o médico estava vermelho de raiva — Vocês não podem chegar aqui no hospital e tirar a paz dos meus pacientes e seus familiares com esses trotes ridículos!
Madison olhou ao redor. Apesar do horário, havia família inteiras reunidas naquela recepção. Algumas delas ainda choravam, esperando por notícias de seus entes queridos. O olhar nos rostos daquelas pessoas fez as palavras sumirem da boca de Madison.
— Isso aqui não é lugar para essas palhaçadas de Halloween — o homem continuou, dessa vez com uma voz mais baixa — Não sei onde seu amigo está, mas pode ter certeza de que não está aqui. Vocês precisam ir embora agora ou eu vou chamar a segurança.
O médico deu as costas para eles e continuou a resolver os assuntos do hospital. Logo todos se viraram também, esquecendo da cena que havia ocorrido momentos atrás. Enquanto Peter maquinava em silêncio, Madison sentia a cabeça girar sobre seu pescoço como se estivesse dentro de uma centrífuga.
— Se Oliver não está na maca, então onde ele está?
Nada fazia sentido.
— Eu não sei — o filho do xerife admitiu baixinho.
Dentro de sua minúscula bolsa, Madison sentiu seu celular vibrar. Peter deve ser escutado o barulho também. O filho do xerife esperou que ela abrisse o zíper e pescasse o aparelho. A sequência de mensagens que pipocou na tela fez um nó se formar no estômago dela pela segunda vez da noite.
Ao que tudo indicava, as coisas ainda tinham como piorar e muito.
NOTA DAS AUTORAS:
ESTAMOS DE VOLTA, PESSOAL! E com novidades! Vocês viram que Bad Karma ganhou um Wattys? A gente ainda tá processando essa informação. Obrigada a todo mundo que leu a história até aqui. Os dias de glória chegaram!!!! Piadas a parte, esse capítulo é um capítulo de comemoração. Esperamos que tenham se divertido muito na festa, e tomem bastante cuidado na hora de voltar para casas ;)
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top