capítulo cinco: você precisa se divertir mais.

Peter chegou em casa muito tempo depois de se despedir de Madison. Era um costume seu dirigir para pensar, porque o tremor da moto e a sensação do vento gelado cortando a pele eram anestésicos, o mesmo que a janela de um carro para pessoas menos aventureiras. Ele andou por várias ruas da cidade, tanto para procurar Nicholas quanto para pensar, e só se deu por satisfeito quando sentiu os lábios rachados pelo frio reclamando do castigo desnecessário. Era hora de ir para casa.

A caminhonete do pai estava estacionada de qualquer jeito na frente da garagem, dificultanto a passagem da moto. Peter, cansado, a deixou perto da guia e levou o capacete consigo quando subiu as escadas da varanda. Antes de entrar em casa, olhou para o outro lado da rua, onde Ed o espiava pela janela do próprio quarto, com as bochehcas pressionadas entre as mãos. O sono que atormentava a criança era nítido e quase contagioso, então Peter acenou para ele, o mandando dormir, e se virou para entrar em casa.

Estava tudo escuro na residência dos O'Connel. Peter deixou o capacete no chão do hall de entrada e tirou a jaqueta, sentindo o calor da casa o acolher. Enquanto andava, notou as pequenas oscilações dançando pelo chão da sala, denunciando o vício que o xerife tinha em assistir televisão. Um pai normal ligaria para saber o paradeiro o filho, mas Jason não gostava de incomodar. Sempre que se preocupava com os horários de Peter fora de casa, ligava a televisão e sentava no sofá para esperá-lo chegar. Foi até mesmo uma surpresa quando Peter não o encontrou lá, com o controle remoto sobre a coxa esquerda e o uniforme de xerife praticamente o engolindo junto com as almofadas.

— Pai?

Nenhuma resposta, mas Peter continuou andando. Foi até a televisão e a desligou, eliminando qualquer som do ambiente. Notou, pelo canto do olho, que havia algo de diferente na cozinha, e quando se virou para chechar, aproximando-se apenas um passo, se alarmou com a caixa de papelão fechada sobre a mesa de jantar.

Ele respirou fundo, mantendo o fluxo de oxigênio no ritmo padrão. Apurou os ouvidos, olhou para cima, em busca de movimentações nos quartos, e então retirou os sapatos, ficando com as meias para abafar o som dos seus passos. Lentamente, se aproximou da cozinha, e pegou uma faca sobre o balcão antes de finalmente se direcionar para a caixa de papelão. Com Cash, foi um animal morto, mas quem poderia saber o que viria para a casa do xerife? Talvez uma ameaça maior, talvez algo vivo; talvez armas ou uma orelha humana. Peter havia assistido filmes de terror o suficiente para saber que padrões existiam, mesmo que a repetição não os tornasse menos assutadores.

— O que você está fazendo?

Peter se virou tão rápido que quase não conseguiu localizar o pai parado no fim das escadas. Ele estava sem o uniforme, com uma calça de moletom e camiseta branca. Olhava para a faca na mão direita do filho com um misto de preocupação e curiosidade no rosto.

— Isso é seu? — Peter indicou a caixa.

— São alguns arquivos da delegacia. Pensei em estudar casos antigos para ver se já teve algum assassinato como o de Bane na cidade —  ele se distraiu por um momento, mas logo lembrou da cena que havia acabado de presenciar: —  Sério, o que você está fazendo com isso?

Peter jogou a faca sobre a mesa, assustado consigo mesmo.

— Eu ia... abrir. Achei que era uma encomenda.

Jason nem por um segundo acreditou naquela desculpa. Após um breve momento de reflexão, porém, deixou passar. Estava enfrentando um momento delicado, não só pelo que acontecia em sua cidade, mas pela frágil estrutura familiar que o aproximava de Peter. Se dava bem com o filho, mas tinha consciência de que ele nem sempre era totalmente sincero. Jason não sabia como os últimos acontecimentos o estavam afetando. Leu em algum livro para pais solteiros que adolescentes absorviam muito mais do que demonstravam, então aquela cena bizarra com a faca, no meio da sua cozinha, poderia ter inúmeros significados, e talvez Peter nunca lhe dissesse qual era o real.

— Vai dormir — suspirou, pensando que não havia solução para aquela encruzilhada. —  Amanhã tem aula.

Peter sonhou com Madison naquela noite.

Não foi difícil admitir que ficou decepcionado com o teor sombrio e pouco sexual daquele devaneio. Na verdade, quando acordou, Peter ficou assustado com o que o próprio cérebro havia criado. Seu corpo estava suado, a camiseta branca ensopada grudando contra a pele. Com certeza foi culpa do maldito guaxinim na caixa de papelão, pensou, também cogitando a sensação de impotência causada pelo sumiço de Nicholas. Não havia qualquer outra explicação para a imagem de Peter e Madison em uma floresta sombria, correndo de alguém que havia decidido juntá-los à trilha de corpos deixados pelos cantos de Sherphed Hill.

Quando ele pensou que Madison era um pesadelo, não quis ser tão literal.

Levantou da cama, puxou a camiseta por cima da cabeça e a jogou no cesto de roupas sujas atrás da porta. Abriu a janela do quarto, procurando qualquer tipo de conforto gelado para a pele, e fechou os olhos enquanto sentia o clima frio de Shepherd Hill lhe desejar bom dia. Só então acordou - de verdade, saindo completamente daquele pesadelo estranho.

Ed estava andando de bicicleta no meio da rua, aproveitando a falta de carros e a supervisão da vizinha Mary. Ele era a única criança do bairro que se dispunha a acordar cedo para brincar, mas Peter sabia que era porque ele tinha medo dos valentões mais velhos, e não por gostar disso. Aquelas pestes costumavam roubar a bicicleta de Ed e pendurá-la em árvores de diversos pontos da cidade, deixando o garoto aflito atrás de um jeito de recuperá-la. Peter deu um ou dois sustos neles, mas de nada adiantou; continuavam voltando. Precisava começar a pensar em um jeito mais eficaz de assustar valentões. Talvez mandasse uma caixa com um guaxinim empalhado para a casa de cada um deles...

— Peter! Você viu o meu distintivo?

Olhou para trás, sobre os ombros, na direção da porta do seu quarto. O andar de baixo era uma mistura de ruídos e cheiros que poderiam vir de uma família de cinco pessoas, mas não passava de Jason preparando o café da manhã. Era engraçado como ele ainda insistia em tentar, apesar de não levar qualquer tipo de jeito. Sua mãe sempre foi melhor em administrar a rotina matinal da famílía do que ele.

Peter saiu do quarto, desceu as escadas e pegou o distintivo do pai, que estava esquecido perto da televisão. Foi para a cozinha, preparou um pouco de cereal com leite e sentou na bancada onde o pai tentava não queimar torradas.

— Eu fiz torradas! Você não vai comer?

Com a boca cheia, Peter só balançou a cabeça.

— É. Acho que também não vou comer — Jason pegou a torradeira e a virou na lata de lixo, deixando que os pedaços de pães queimados caíssem no esquecimento.

Peter quase riu, mas algo o impediu. Foi uma sensação de culpa.

— Alguma pista sobre o Nicholas? —  Peter perguntou, se lembrando do que havia acontecido.

Jason coçou a nuca, olhando para a torradeira queimada e vazia. Assim como Peter, havia passado por uma péssima noite de sono. O uniforme estava amassado, e o cabelo despenteado. A caixa de arquivos que assustou Peter ainda estava na mesa, só que agora tinha as abas puxadas para cima.

— Não.

Por algum motivo, Peter sentiu necessidade de perguntar sobre Bane também.

— E Bane?

— Também não.

Peter olhou para a tigela de cereal, pensando sobre o assunto. Enquanto encarava o leite sendo lentamente absorvido para dentro dos sucrilhos, lembrou daquele guaxinim e perdeu o apetite.

O estacionamento de Shepherd High não era um exemplo de comodidade, mas servia para a sua função. Apesar de estreito e um pouco torto, ele abrigava os carros e motos dos alunos com muito cuidado, sendo minusciosamente fiscalizado por um funcionário terceirizado da prefeitura.

A primeira coisa que Peter notou quando estacionou a sua Harley, naquela manhã, foi que ele estava um pouco mais caótico que o normal. Não era impressão, nem qualquer ilusão pela quantidade excessiva de alunos andando para todos os lados. A notícia de que Nicholas havia desaparecido acabara alcançado os ouvidos dos adolescentes de Sherphed Hih, e todos espalhavam a notícia pelo estacionamento.

Madison estava lá, parada ao lado da BMW, com o Clube dos Cinco ao seu redor. Usava óculos escuros, roupas rosa dos pés à cabeça, e os cabelos cuidadosamente presos em uma trança muito complicada para Peter entender. Escutava com os braços cruzados enquanto Holly dizia alguma coisa, dividindo a atenção com Cash também, porque ele estava discutindo com a ruiva.

Era um pouco cômico, na verdade. O conjunto se parecia com uma cena tirada diretamente de um quadrinho antigo. A expressão no rosto de Madison confortou Peter por um instante, já que chegou à conclusão de que não era o único alvo de seu olhar debochado.

— Peter?

Ele demorou para responder ao chamado. Não conhecia ninguém além de Madison naquele lugar, e a loira estava ocupada com seus amigos. Foi preciso uns dois segundos para Peter virar o corpo, descendo da moto com o capacete ainda nas mãos. Observou com curiosidade o garoto que se aproximava dele, e desejou ter ignorado seu nome quando o ouviu no ar.

Você — foi tudo o que saiu por entre os seus lábios.—  Oliver, o que está fazendo aqui?

Oliver abriu os braços junto com um sorriso, finalmente parando na frente de Peter.

— Eu estudo aqui, Peterzinho. E, para ser sincero, esperava uma recepção mais amigável.

— Desde quando estuda em Shepherd High?

Antes de pedirem para Peter educadamente se retirar de seu antigo colégio, Oliver foi um de seus colegas de classe. Não eram exatamente amigos, mas sempre acabavam se esbarrando em momentos de tensão. Talvez Oliver tivesse sido expulso também, ou talvez só gostasse de atormentar Peter. Qualquer uma das alternativas não explicava como ele havia sido aceito em Shepherd High. O garoto não era muito inteligente, nem nada do tipo.

Uma presença repentina atrapalhou a conversa dos dois, impedindo que Oliver matasse a curiosidade que Peter sentia sobre a sua passagem por aquela escola. Ele levantou os olhos já esperando Madison, seu sorriso convencido e os cabelos loiros, mas, surpreendentemente, encontrou o total oposto dela.

Cash.

— Fala, O'Connel! —  Cash o cumprimentou, e foi correspondido por puro impulso. Peter ainda não pensava direito quando reagiu ao aperto de mãos descontraído que recebeu. —  Vou dar uma festa na minha casa, sexta à noite. Você e seu amigo estranho podem ir.

Ele empurrou dois panfletos na direção de Oliver, que os pegou rapidamente. Era um pedaço de papel laminado vermelho, com dizeres escritos em preto. Havia endereço, instruções de quais bebidas levar e uma porção de coisas que Peter não tentou ler.

— Isso é tão antiquado, Cashwell. — Zombou Holly, correndo até o amigo. — Você não tem Facebook?

Jogando um dos panfletos sobre ela, Cash rebateu:

— Facebook? E o antiquado sou eu.

— Você vai dar uma festa? — Peter interrompeu a discussão antes que sentisse vontade de bater nos dois. — Logo depois da morte do Bane?

Cash balançou a cabeça em confusão, abrindo os braços dramaticamente.

— A vida não pode parar, O'Connell. Bane iria querer que a gente fizesse isso por ele. Além do mais, você tá com cara de quem precisa se divertir um pouco!

Holly revirou os olhos, e Peter se identificou com a vergonha que ela sentiu do amigo. Pelo menos, não tinha que aguentar Cash o dia todo. Foi o principal motivo pelo qual resolveu ignorar o comentário. Isso e o pequeno lembrete de que não podia caminhar para o mesmo destino da escola anterior.

— Você é um babaca — a ruiva o empurrou.

Cash fingiu cambalear, mas logo voltou à posição inicial, se movendo tão rápido que demorou um pouco para que todos entendessem o que ele fazia. Em um minuto, ele estava subindo em um dos carros do estacionamento, recebendo a ajuda do alarme estridente quando gritou para chamar a atenção de todos.

— Festa hoje, na minha casa. Estão todos convidados. Vamos prestar uma homenagem épica ao Bane!  — ele anunciou, e então jogou todos os folhetos no ar, provocando uma onda vermelha de papéis retangulares.

Peter se afastou da moto, querendo ficar o mais longe possível daquela cena. Oliver nem o notou se mover, assistindo ao espetáculo promovido por Cash com curiosidade. Dúzias de alunos se aproximavam dele, ansiosos para pegar um dos folhetos que agora estavam espalhados pelo chão.

Atrás de toda aquela confusão, perto de sua BMW, a abelha rainha de Sherpherd High observava tudo com os braços cruzados. Mesmo com os olhos escondidos pelos óculos escuros, Peter pôde jurar que viu uma ruga de descontentamento surgir no meio das sobrancelhas de Madison Moore.

Talvez nem todos estivessem em clima de festa.

As aulas daquele dia pareciam não ter fim. Peter se viu cochilando na maioria delas, sempre sentado na última carteira perto da janela, com o rosto apoiado em uma das mãos e o lápis caindo sobre o caderno.

Todos falavam sobre a festa de Cash. Peter perdera as contas de quantas vezes vira aquele panfleto vermelho passando por aí. Ele estava dentro dos armários, pregado no mural da escola, e, principalmente, nas mãos de alunos ansiosos para encher a cara.

Peter criou um péssimo pressentimento a respeito de tudo aquilo. Nem precisou se esforçar para perceber que Cash tinha a intenção de provocar uma reação. Usar Bane em seu discurso foi uma maneira de debochar do medo que assombrava a cidade naquele momento. Era o tipo de coisa que com certeza irritaria um assassino sádico. Cash estava brincando com a sorte se pensava que um guaxinim empalhado era o pior que poderia acontecer.

Enquanto o professor de Literatura falava, Peter sentiu o celular vibrar dentro do bolso da calça jeans. Por baixo da mesa, espiou de quem era a mensagem que havia recebido, e ficou um pouco confuso quando reconheceu a foto de Madison Morre no pequeno ícone. Ele levantou os olhos, vendo-a do outro lado da sala, com a concentração presa em um espelho, e então guardou o celular. Como estava na última carteira da última fileira, tinha uma visão privilegiada de todos os alunos, e nenhum deles estava digitando no momento.

Você deveria ir à festa, Peter. Um pouco de diversão nunca matou ninguém.

— Prefessor — Peter levantou uma das mãos, interrompendo a aula. Todos viraram os pescoços para ele.

— Sim, O'Connell?

— Madison está usando o celular durante a aula.

A loira já tinha guardado o espelho, então arregalou os olhos diante do absurdo. Holly, sentada algumas carteiras à sua frente, olhou para Peter sem nem tentar esconder a expressão de impaciência. Ele não se importou em parecer maluco, só queria que Madison entendesse o recado. A olhou, mas não piscou, nem fez nada, só continuou a encarando, e então ela entendeu. Pegou o celular que estava sobre a sua mesa, revirou os olhos e disse que estava lendo o seu horóscopo.

Quando a atenção voltou para a aula e todos se esqueceram dos dois, Madison lançou um olhar mortal para Peter. Ele não conseguiu explicar, mas gesticulou para que ela o encontrasse assim que saíssem da sala, e a garota voltou a revirar os olhos, nada contente com todas aquelas ordens.

Assim que o sinal tocou, Peter pegou a sua mochila e praticamente voou para fora da carteira. Ele passou por Madison, que arrumava as suas coisas com tranquilidade, e a puxou pelo braço delicadamente, enquanto a loira reclamava sobre a grosseria.

— Você é mesmo desagradável — ela resmungou assim que Peter a soltou, massageando a região acima do próprio cotovelo.

Puro drama, ele pensou. Não chegara nem perto de depositar qualquer tipo de força no braço dela.

— E você é alvo de um assassino. Quer mesmo discutir qual é a prioridade?

Madison cruzou os braços, esperando uma explicação. Quando ela não veio, empinou o nariz e arqueou as duas sobrancelhas, percebendo que estavam escondidos demais naquele ponto específico do corredor, entre duas fileiras de armários. Peter também estava muito perto, as pontos dos seus pés muito próximos dos saltos de grife dela.

— Anda, eu não tenho o dia todo. Preciso me arrumar para a festa.

Peter sacou o celular do bolso da calça, abriu na estranha mensagem recém recebida e entregou o aparelho para Madison. A loira leu tudo com atenção, visivelmente irritada, muito diferente da reação assustada que ele esperava.

— É só isso?

Só isso? Foi uma ameaça!

Madison gargalhou. Foi a primeira vez que emitiu tal reação perto de Peter, e o som de sua voz fez com que ele se distraísse por um instante.

— Que meigo, de verdade. Mas sabe de uma coisa? Recebo ameaças piores da Rachel — apontou com o nariz para uma garota morena do outro lado do corredor. — E eu só destruí a vida dela duas vezes.

Peter respirou fundo, sabendo que aquilo não era uma rixa adolescente.

— Madison, isso é sério. Eu acho que você corre perigo.

— E eu acho que Cashwell estava certo — ela soprou, aproximando-se um pouco antes de completar: — Você precisa se divertir mais.

N/A:

E VOLTAMOS COM AS ATTS DE BK!!!! estavam com saudades? Porque nós sim!!
chegamos ao fim de mais um capítulo de bad karma! o que acharam da ideia do cash? será que o peter tem razão em se preocupar ou só precisa de uma festa para relaxar? não deixem de contar par gente lá no Instagram da história (badkarmawattpad)

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