7. Smooth Operator

A solidão que é estar neste lugar, ocupar essa posição de ser a primeira em algo, pode ser muito perigoso, essa situação pode ser a pior conselheira de todos, por que nos empurra para lugares que não saberíamos se é possível ir. Essa busca por uma conexão, alguém que nos entenda e que compreenda onde estamos inseridos é muito perigoso. Qualquer um que te entenda e ofereça um mínimo de empatia, já passa a ser um alento.

***

- Quando Andy soube do que tínhamos aprontado, ele correu tanto atrás de nós, tanto, que naquele dia ele podia dizer que o treino dele estava pago. - Contava William entre risadas.

- Ele nunca me contou isso! - Eu ria muito da história super engraçada.

- Como o cara vai contar que só tinha o macacão suado da corrida e a roupa do corpo para usar? - O homem justifica entre risadas.

Ele havia escolhido um restaurante, o Capitain Baxter, que ficava de frente do mar com mesinhas charmosas feitas de pallet ao ar livre, mas só ai acabava a rusticidade do lugar que tinha um ar meio metido a besta. Quando eu vi, eu torci o nariz na hora, mas ele esclareceu que ali não íamos sofrer assédio, íamos poder aproveitar o resto de tarde, bebendo uma cerveja, comendo ostras, o que foi um grande desafio e ele teve que ser meu professor, e compartilhar histórias engraçadas.

- Eu jurava que ia me levar em um restaurante inglês para reafirmar suas raízes. - Falo divertida, olhando para ele.

- Se fosse reafirmar minhas raízes íamos ter que fazer uma bela maratona, pois eu teria que leva-la em um restaurante espanhol, graças a parte da minha família espanhola, depois teria que leva-la até um restaurante escocês graças a parte da minha família escocesa, para então passar para a Inglaterra. - Esclarece ele.

- Uau! Isso é uma família ou é a ONU? - Pergunta ela com todo seu senso de humor, rindo bastante.

- Basicamente, imagino como não deve ter sido o casamento dos meus pais, com minha minha mãe acompanhada da sua família espanhola, minha avó inglesa e meu avô escocês acompanhando meu pai, de um lado eles super comedidos, sérios e polidos, do outro lado as pessoas falando alto, com muito drama, usando as mãos. Por que foi nesse ambiente que cresci, as reuniões de família, eram bem malucas, minhas férias na Espanha eram um capitulo à parte. - Falava com um ar saudoso, carregando aquele sorrisinho.

- Então por isso consegue entender a parte italiana da sua equipe? Eles são expressivos e intensos como os espanhóis. - Pergunto toda curiosa entre um gole ou outra de cerveja.

- Sim, me sinto bem em casa quando estou com eles. É bem afetivo. - Seu sorriso se amplia mostrando como estava feliz com a sua equipe.

- Pena que eles não curtem cantar com você Smooth Operator no rádio! Acho que deveria ensina-los. - Solto provocadora, mostrando que sabia da piada interna que ele tinha na equipe anterior a Silver Sonic.

https://youtu.be/mGkrbzJZCoE

- Ahhhh, não!!! Sem essa, não vamos falar disso, eu mudei de equipe mas continuo com as minhas Smooth Operations!!! - Ele fala entre risadas, tentando esconder o constrangimento, mas o rosto vermelho o entregava.

- Mas de fato ainda continua bem Smooth, tanto que nem o vi quando apareceu para me deter. - Externo a minha surpresa.

- As vezes ser Smooth, ir deslizando gentilmente por ai, ajuda a resolver as coisas. Falando nisso, temos que ir, já está quase na hora. - Ele solta o dinheiro em cima da mesa, passa a mão pela a minha me puxando.

- Na hora para que? - Pergunto curiosa.

Mas ele não me respondeu, apenas me arrastou para fora e logo estávamos na moto e ele visivelmente divertido com o mistério sobre nosso próximo ponto de parada.

***

O Sol começava a descer em direção à linha do horizonte, inundando a baia com tons rosas e alaranjados, e o píer se estendia desafiadoramente para dentro do mar. Andávamos lado a lado, o movimento eram de poucos pescadores, que já estavam se preparando para ir embora com seus baldes.

- Eu não poderia deixar de fora do tour um dos melhores pontos da cidade para se ver o pôr-do-sol. - Falava todo orgulhoso.

Olhava maravilhada para a pintura que descortinava diante de nós, logo chegamos ao final e pude me escorar no guarda corpo, enquanto olhava o belo espetáculo. Fraser parou do meu lado e passou o braço por trás do meu corpo, segurando no guarda corpo também, de forma protetora. Na verdade ao longo da tarde, ele se revelou bem cuidadoso, com pequenos gestos se revelando um cavalheiro e cuidadoso. Mas ele fez tudo com delicadeza ou sutileza, sem ser machista, sem impor e deixar bem claro a intenção, era algo natural, educado de sua parte.

- Muito bonito esse lugar. Não tem como não ficar em paz. - Respiro fundo, agradecida. Como precisava disso. - Obrigada.

Ele abre um pequeno sorriso sem jeito e responde.

- Que isso...Você estava precisando. Sua primeira semana foi bem complicada.

- Verdade. - Respiro fundo.

Emergimos em um silêncio enquanto o sol ia descendo, até que comentei uma memória distante.

- Eu vi na internet, que em alguns lugares, toca Bolero de Ravel enquanto o sol se põe. Agora começo a entender por que.

Ele saca o celular, digita algumas coisas nele e logo o Bolero de Ravel começa a tocar enquanto assistíamos o restante do pôr-do-sol, como admiradores de uma obra de arte.

https://youtu.be/8KsXPq3nedY

As notas delicadas, combinavam com a descida lenta do sol, eu repassava toda a semana que havia vivido, todas as idas e vindas passadas, os conflitos e acertos, os encontros e desencontros, era um momento meu e com aquela paisagem. Foi tão imersivo que havia esquecido de todas a volta, era apenas eu e o sol se encontrando com meu universo de memórias, e a medida que a música ia se intensificando e o sol ia descendo cada vez mais, percebia a intensidade dos meus sentimentos, do quanto havia vivido.

A internet estava certa, os vídeos estavam certos, aquela música combinava muito com o mergulho do sol no horizonte, pois quanto mais ele descia, mais os tons se tornavam quentes e intensos, assim como todos os sentimentos que vivi, desde a ira do meus olhos, até os borrões amarelos das placas que passavam pela lateral do meu carro na pista, até que o carro vermelho foi um borrão e ao estar do lado ao prata, tudo saiu do prumo e eu estava fora, desacelerando na caixa de brita, apertei o guarda corpo ao lembrar o sentimento e a mão forte e masculina cobriu a minha fazendo relaxar.

Meu coração agora retumbava com cada sentimento que aquela semana trazia de novo, o encantamento, a beleza, a raiva, a delicadeza, quando lembrei do meu deboche em relação a raiva do William, um sorriso surgiu no meu rosto e foi mais forte que eu, olhei para ele, que olhou para mim e sorrimos, parecia que ele sabia o que havia pensando, por que a cabeça dele balançou negativamente como se dissesse que eu não tinha jeito.

E não tinha mesmo, suspirei e voltei a olhar o sol, diante dos acordes que mesmo seguindo a cadência perfeita, iam ficando mais fortes, mais intensos, quanto mais o sol se aproximava da linha da água. Um arrepio percorreu mais uma vez o meu corpo ao lembrar dos braços fortes em volta da minha cintura, o perfume dele com suor que aplacou a minha ira e a voz quente no meu ouvido. Como se lesse meus pensamentos, a mão dele deixou o guarda corpo e envolveu minha cintura novamente, silenciosa, cuidadosa, agora não tinha urgência, tinha conforto e ele me manteve próxima ao seu corpo, emprestando seu calor para o meu corpo, buscando ceder os arrepios. Mas como explicar para ele que aquele não era um arrepio do frio tocando o corpo, mas era um arrepio da alma encontrando as lembranças, da doçura do momento, da música e a paisagem, da beleza e delicadeza daquele instante.

Vivemos de velocidade, vivemos intensamente, podemos morrer em uma batida, quantos de nós já não se foram no exercício da profissão? Estávamos ali brincando na corda bamba, balançando de forma invisível naquela linha entre o perigo e a glória, em momentos como aquele lembrar o que era estar vivo era impactante. Aquelas notas fortes eram como o ronco do morto que nos conduzia, naquele compasso que não admitia erros, por que milésimos de segundo definiam milhares de coisas e os tons intensos eram a tradução perfeita de como vivíamos, nos jogávamos no perigo sem medo.

Naquele exato momento isso nos unia, a mesma percepção, o mesmo entendimento, a mesma consciência, por que apenas quem estava sentado no cockpit poderia compreender o prazer, o vício, o medo e a dor, como as vezes íamos além do limite dos nossos corpos, do nosso medo e como sentíamos prazer naquele tipo de busca, naquele sentimento, naquela sensação, naquele vício.

Depois de 17 longos minutos o sol some no horizonte, olho para William, que naquele momento olha para mim, com o fim da música, nossos olhos ficam sobre o outro, longamente, de forma interminável, lendo o universo de sensações que aquele momento nos despertou, os entendimentos que carregávamos e aquilo que apenas um poderia entender no outro. Naquele ano, naquele momento, apenas mais outras 18 pessoas além de nós dois, poderia entender tudo que sentíamos.

Aos poucos nossos rostos foram se aproximando de forma magnética, sem que pudéssemos controlar o que estava acontecendo, quando pude perceber, nossos lábios se tocaram, timidamente, sem jeito, meio incertos do que estávamos fazendo, mas aos poucos deixamos o momento nos engolir, por que a segurança dele trouxe a minha, me encorajando a provar mais dos lábios dele, esquecendo onde estávamos e quem éramos, queríamos apenas aproveitar o momento e assim fizemos, desatamos as cordas e deixamos nossos lábios a deriva.

NOTA DA AUTORA:

Continuando essa história, a inspiração parece que voltou a soprar por aqui. Como cada capítulo é inspirado em uma música, por que acho que daria um ótimo ritmo a narrativa, não perca a playlist que tem lá no Spotify: https://goo.gl/o8UCa1

Beijinhos!

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