2. Born to be Wild
Fui a primeira a chegar aqui. Se hoje você tem as portas abertas, foi por que eu tive uma combinação de sorte e enfiar o pé na porta. Sorte por que vim parar em uma equipe que me acolheu e bancou todas as minhas loucuras, e enfiar o pé na porta, por que não foi fácil entrar no clubinho fechado deles. Não pense que estenderam um tapete vermelho para mim.
***
Meus dedos deslizavam pelas curvas sinuosas, lisas e frias nas minhas mãos, um sorriso brincava nos meus lábios, meu tato podia estar no presente, mas minha memória estava totalmente imersa no passado.
Conseguem ver aquela menina loira, de tranças? Sim, aquela de olhos azuis espertos e vestindo um macacão de piloto modelo infantil? Essa sou eu, Alexandra MacAllister, correndo minha primeira corrida de Kart, ainda me lembro como se fosse hoje, meu pai tinha me dado de presente de aniversário um dia na pista com meu irmão mais velho, Jason. Eu me sai tão bem naquele dia, que o dono da pista conversou com meu pai, pois ficou surpreso em ver meu desempenho para uma primeira vez. Ali estava meus dois primeiros patrocinadores, meu pai que usou alguns cavalos que ele vendeu para comprar meu primeiro Kart, e o dono da pista, que não cobraria meu tempo treinando e ainda daria manutenção para minha pequena máquina.
Ali venci minhas primeiras corridas, e irritei os primeiros garotos com quem cruzei pelo caminho. Até hoje não entendo por que é muito irritante para eles perder para mim, só pelo fato de ser mulher, soa quase ofensivo isso para eles.
Certamente, como você deve ser uma pessoa atenta, deve estar se perguntando: "Até hoje?".
Acredite, a brincadeira de Kart, aquela que sempre me obrigou a tirar boas notas para ter um passe livre para os treinos (podemos julgar que era a primeira forma de treino classificatório que conheci na vida), acabou se tornando minha profissão. Enquanto todos ficam felizes com a chegada dos 16 por que poderão tirar sua habilitação para dirigir, eu estava feliz por que começaria durante as férias de verão a escola de pilotagem, e no final daquelas semanas torturantes, estressantes e cansativas, eu receberia o bilhete de ouro para ingressar na Formula 3. Era a porta de entrada para o mundo dos adultos. Literalmente, já que eu ia morar longe dos meus pais na Europa em uma espécie de alojamento da equipe.
Ai comecei a perceber a diferença das coisas, enquanto os garotos mudavam de categoria as vezes com 1 ano, eu levei dois para passar da F3 para a F2, mas já me sentia próxima do auge de todos os pilotos. Muito empolgada. Enquanto jovens da minha idade vibravam em ir para uma Universidade, eu terminava meus estudos e investia de corpo e alma na Formula 2 que seria minha porta de acesso para a Formula 1. O lugar almejado por todos os pilotos que tinham chegado onde eu cheguei.
Sempre me esforçava, pilotava como nunca, afinal, eles me olhavam como se fosse uma intrusa, mesmo depois de muitos anos, e tiveram que me engolir, cada vitória, cada pódio e até meu primeiro campeonato vencido no meu primeiro ano da Formula 2. Agora tinha deixado de lado os resultados expressivos de 2º e 3º lugar no final do ano, para finalmente ser campeã. A garota de classe média do Texas, chutava o traseiro dos riquinhos. Quem diria?
E junto com o Campeonato veio também um convite da equipe Fast Force para que no intervalo entre as temporadas, queriam que eu ajudasse nos testes de um carro de Formula 1. Sempre invejei as garotas que já fazia isso, e agora eu estava ali, fazendo testes. Já acumulando as tão sonhadas 300 horas que são necessárias para atravessar os portões dourados. Agora só precisava me empenhar loucamente para alcançar os 40 pontos.
Acreditem, mesmo não estando em uma Universidade, eu sei como vocês se sentem, se perceberem, é quase a mesma coisa, você se mata estudando o carro e a pista, para depois participar das provas, e fazer de tudo para tirar uma boa pontuação, por que se a sua média não for boa no final do ano, você leva bomba, fica reprovado. Além disso, tem que fazer o seu "estágio", se empenhando como louco para ser empregado depois que conseguir terminar seus estudos.
As vezes você terá noites mal dormidas com ansiedade, pensando se sabe tudo para se dar bem na prova, ou vai ter que acordar cedo demais para os treinos e exercícios, sem contar que deve conhecer o seu carro como ninguém, cada peça, cada ruído, cada ganhou ou perda de rendimento. E ainda tem os idiotas que veem os pilotos como meros esbanjadores, mas mal eles sabem que devem os freios ABS a nós, sem contar outros itens do seu carro que saiu de um carro de corrida.
Só tem uma coisa triste disso tudo: Não temos festa de formatura.
Mas podemos considerar que aquela de ontem, mesmo terminando de forma desastrosa, foi uma ótima festa de formatura e o encerramento do meu curto período de férias de uma semana. Agora estou aqui, passando meus dedos sobre a pintura lisa e brilhante do meu carro de Formula 1. Meu carro. Número 11. Era para ser a 12, mas meu colega de equipe, Takeshi Hashida, resolveu abrir mão e me entregar o 11. Dizendo que seria bom as outras garotas me verem começando no carro número 1. Naquele momento, durante aquela reunião, ele ganhou meu coração.
Agora, meus dedos deslizavam pelo meu nome impresso na lateral, com a bandeira americana do lado, e era impossível os olhos não encherem d'água. Afinal, que longa estrada eu tinha percorrido até aqui. Cinco mulheres tiveram esse privilégio de dirigir um carro da categoria, apenas uma delas pontuou com humildes meio ponto. Um suspiro profundo veio acompanhado daquele pensamento, pois muitas delas disputou apenas algumas corridas, eu tinha a chance real de competir uma temporada inteira.
Estava eu ali, sozinha naquele box, vivendo aquele momento, com o macacão azul escuro e amarelo amarrado na cintura, tênis, camiseta branca e cabelos presos em um coque. Estava aproveitando uma doce concessão dada por Franklin Stanton, o Chefe da Equipe, mas conhecido como Frank. Era um inglês de uma certa idade, apostaria por volta dos 50, ex-piloto, muito bom no que faz, o cara era uma lenda e havia sido contratado pela jovem equipe Fast Force, era seu terceiro ano na F1, mas com dados impressionantes, ameaçando as grandes. Graças a experiência e o pulso firme de Frank e o rio de dinheiro investido pelo grande empresário Ronald Townsend.
— MacAllister!
Pelo jeito a velha raposa não morreria tão cedo, a voz grave dele ecoou imperiosa nas paredes frias do ambiente, caminhava com sua estrutura musculosa mostrando o atleta que fora no passado, os cabelos brancos, olhos verdes e aquele ar inglês severo.
— Ótimas notícias! Ótimas notícias! Os rapazes já estão vindo para cá, aquelas lesmas! Está tudo pronto, saiu a Superlicença, minha cara. Aqueles imbecis liberaram. Agora é oficial, você é uma pilota de Formula 1 no papel daqueles idiotas.
Não pude me conter e o abracei comemorando, enquanto a equipe toda entrava pela porta dos fundos, emergindo no trabalho frenético. Eu me sentei em uma cadeira em um canto, enquanto retirava o tênis e calçava a sapatilha, o Engenheiro da equipe, Karl Beckett, que utilizou toda sua calma e paciência, fruto do estudo da área de exatas, para explicar cada detalhe que ele queria encontrar com aquela rodada de treinos. Era o meu primeiro, então ele precisou repassar o status do carro, que eu ouvia atentamente, e possíveis detalhes que possa encontrar para ficar atenta e verificar caso precise ajustar. Também repassou o que tinha de novo em relação a temporada passada, o que era um sinal de alerta para ter maior atenção nestes itens, já que eles estavam indo pela primeira vez para a pista na mão de um piloto que não fosse os pilotos de teste da fábrica.
No caso, agora seria a pilota, que vestia a parte de cima do macacão, fechando o zíper. Eu estava babando no meu carro azul noite perolado, com raios amarelos dourados, quando me aproximei, vesti a balaclava branca, fechei o velcro da gola do macacão, coloquei as luvas, protetor de pescoço e por fim o capacete. Frank dava as ultimas instruções, explicando que o carro não mudou muito dos testes que fiz na fábrica, que podia começar com calma e depois ir apertando o ritmo. Após ouvir aquilo, olhei para ele com um sorriso.
— Relaxa, Frank! Não vou jogar seu bebê no muro! Esquece aquele lance de mulher no volante perigo constante.
— Primeiro, esse carro é bebê daquele guarda-roupa ali. Segundo, não se esqueça que eu trouxe você para cá, então corta essa MacAllister e entra logo na porra desse carro.
Revirei os olhos e entrei no carro com uma certa dificuldade devido ao halo. Enquanto os mecânicos ligavam os fios de comunicação e o tubo que levava água para mim, coloquei o cinto, e olhei para Frank falando.
— Esse halo é uma merda para entrar, imagino para sair em caso de acidente.
— Não reclame, essa merda deixa a sua cabeça no lugar. Quanto a entrar, o halo não tem culpa se a sua bunda é grande.
Lancei um olhar para ele, surpresa com tamanha colocação. Ele deu de ombros, com um sorriso, deu de costas e foi caminhando até a estação de trabalho onde ele coordenaria tudo, ativei o rádio para fazer o teste.
— MacAllister, no rádio.
— Ouvimos você, MacAllister.
Os mecânicos que já estavam com o sistema de aquecimento ligado, dão o sinal para ligar o ponto neutro, quando toda a parte elétrica do veículo se ativa, então através do retrovisor, vejo o que está posicionado atrás do carro girar os dedos no ar, então o motor do meu carro vem a vida, pela primeira vez na minha mão, sinto a vibração baixa no volante e o ruído toma os boxes arrepiando toda a minha pele, tive que me segurar para não chorar. Até que a voz de Frank enche o carro:
— Hora de sair do box, docinho!
Lentamente vou manobrando o carro para fora dos boxes, como se taxiasse um avião na pista de um aeroporto, fui deslizando pela pista do Pitlane, lentamente. Quando fui me aproximando da linha amarela que é aonde termina o limite de velocidade, comecei a apertar os botões do volante fazendo o carro começar a se desenvolver.
— Hora de soltar a fera, florzinha! — A voz do Chefe da Equipe veio no rádio, era um aviso claro de que era hora do show.
Imediatamente o ronco do carro ficou mais forte e ele deslizou pela pista rapidamente, como uma fera indomada, eu o sentia nas mãos, aquela primeira volta o rádio ficou em silêncio, não era para dizer nada, era para sentir a pista, o carro, a vibração, cada curva, cada reta, a força me puxando. Quando cruzei a primeira volta, soltei um grande "Uhuuuu!" no rádio.
— Essa é a sua primeira volta oficial em um Formula 1 em uma pista oficial. Seja bem-vinda, garota! Espero que aproveite bastante!
— Obrigada ao Frank e a toda equipe. — Eu sabia que eles me escutavam no sistema de rádio. — Agora vamos ver do que essa belezinha é capaz!
Após fazer a curva no fim da reta dos boxes, pisei voando baixo, tirando tudo que podia do carro. Afinal, era para isso que serviam os testes.
Caramba! Agora aquela era a minha vida!
***
NOTA DA AUTORA:
Cada capítulo é inspirado em uma música, por que acho que daria um ótimo ritmo a narrativa, não perca a playlist que tem lá no Spotify: https://goo.gl/o8UCa1
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Aos poucos estamos conhecendo Alexandra e sua equipe, o que você está achando? Estou louca pra saber!
Beijinhos!
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