10. Beggin'
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Entro no salão de braços dados com meu irmão, enquanto minha mãe acompanhava meu pai. Stephania, seguindo as ordens do Senhor Townsend, tinha providenciado roupa para todos nós, afinal era o Baile do Governador da Flórida, então nem tínhamos como faltar e muito menos fazer feio.
A Chefe de Comunicação pode ser mal humorada, me levar na rédea curta, viver me dando sermões intermináveis, mas quando a questão era preparar o visual para um evento, ela e sua equipe eram mestres. Eu usava um vestido fluído, do Oscar de La Renta, segundo o que ela quis deixar bem claro, escolhido a dedo por ter um degradê das cores da equipe, indo do amarelo para o azul.
Não tinha como não se sentir bonita com aquela roupa, até meu irmão que sempre dava um jeito de me provocar, teve que dar o braço a torcer. Mas ele também manifestou seu descontentamento sobre a fenda que se abria quando eu caminhava, na hora de parar para as fotos no tapete vermelho, ele me deu espaço a principio, mas podia sentir ele revirando os olhos cada vez que minhas pernas ficavam muito expostas.
Acho que esqueci de contar para vocês o quanto meu irmão era territorial, ele tinha quela coisa de irmão mais velho, super protetor, tanto que ele estava altamente implicante com o chefe da equipe, as vezes comentava sobre algum mecânico. E ali na festa certamente não seria diferente. Ainda mais quando fosse falar com os pilotos amigos.
Durante as últimas corridas, fui deixando de ser a novata e alguns pilotos foram se aproximando, com a ajuda do Andy que ia me apresentando aqueles que valia a pena ter contato, alguns se aproximaram por conta própria mesmo, enquanto outros seguem me vendo como a estranha no ninho ou um perigo eminente.
Meu irmão pigarreou arrumando a gola da camisa:
- É impressão minha ou fizemos uma grande entrada? - Ele fala meio sem jeito.
Muitos nos olhavam enquanto estávamos parados na entrada do salão, analisando o ambiente, quando na verdade nós que estávamos sendo avaliados. Eu tenho certeza que cada detalhe estava sendo analisado, desde meus cabelos no longo rabo de cavalo, as joias e maquiagem discreta. Tudo estaria recheando as conversas do paddock no resto deste final de semana.
- Isso que é entrada. - Vem a voz do rapaz que apareceu do nada do meu lado, ele tinha esse dom.
Lembram do menino da maçã, o piloto de testes de olhos verdes? Pois bem. Já sabem como ele surge do nada.
- Tyler, como você conseguiu entrar nesta festa? - Pergunto intrigada para o rapaz.
- Cobrei favores. - Fingiu olhar as unhas e então me olhou. - Algo me dizia que essa noite seria imperdível e já cheguei presenciando um dos momentos que vai certamente fazer parte dos highlights. - Falou no seu eterno tom de deboche.
Ele logo se apressou em cumprimentar minha família, tinha conhecido eles no box. Sua alegria sempre era contagiante, as vezes irritante, mas as vezes não, o nosso grau de deboche com o universo combinava.
- Vamos, Cinderela! Vai ficar parada ai a noite toda? - Ele me fala impaciente, atraindo o olhar do meu irmão dizendo "deixa ela ir no tempo dela".
- Eu já sei onde vamos sentar. - Takeshi passa por nós liderando o nosso pelotão, sendo um verdadeiro safety car.
- Eu vou procurar a mesa das crianças. - Tyler fala com uma falsa tristeza enquanto se afastava, mas logo percebi que o caminho dele era interrompido por Fraser, que já conversava com o garoto. "Que amizade improvável, o Sr. Certinho e o Jornal do Paddock", me peguei pensando, enquanto seguia Takeshi.
- Obrigada, Takeshi. - Falo timidamente e ele retribui com um sorriso solidário.
Logo chegamos a mesa da nossa equipe, todos foram muito bem recebido, ali ficaria minha família, Takeshi, Frank e o senhor Townsend. Os senhores que estavam conversando quando nos aproximamos, pararam e ficaram em pé para nos cumprimentar.
- Caramba, MacAllister! A Steph fez um verdadeiro milagre, uma verdadeira Fada Madrinha, já sabemos que depois da meia noite alguém vai sumir. - Frank brincou com seu jeito paternal arrancando risos de todos. Ele não se conteve e me abraçou fortemente, estava realmente impressionado. Eu não era de ir em muitos jantares como aquele, mas como era a estrela americana, precisava ir.
- Por favor, Frank! Não fala o nome dela três vezes, senão ela aparece. - Falo em tom de confidência e ele faz uma falsa careta.
- Alexandra, você está belíssima. - O Senhor Townsend se aproxima, me olhando impressionado, meu nome no sotaque dele sempre ficava bom de ouvir. Ele educadamente puxou a minha mão e beijou demonstrando sua imensa admiração, me deixando vermelha e constrangida.
Logo todos sentamos, nos acomodamos na mesa, minha família já estava integrada com a equipe, graças a forma receptiva que o Frank os acolheu. Afinal éramos mais que uma equipe, éramos uma família Fast Force, algo que tinha ficado bem claro desde a primeira conversa, no período que fui piloto de teste até hoje.
Nossa conversa foi interrompida pela aproximação do Governador, que a caminho do palco, parou para nos cumprimentar e falar conosco, especialmente comigo, que me obrigou a ser educada em um nível que não estava acostumada, mas afinal, estava próxima do chefe, então tinha que manter a postura.
Após o discurso do Governador, voltávamos ao jantar a conversa animada, que acompanhava o jantar. Seguida de algumas piadas feitas por Frank. Em algum momento no canto da mesa se formou um clube do bolinha com meu irmão, meu pai, Frank e Townsend falando de pescaria em alto mar. Mesmo sendo do Texas, meu irmão e meu pai sempre davam um jeito de ir para a California no verão para pescar.
Já minha mãe conversava com Takeshi sobre diferenças culturais, como na Formula 1 essa diferenças devem se encontrar. Como ele que parecer ser tão discreto e organizado conseguia conviver com o caos causado pelos demais, principalmente por mim. Aquela afirmação me fez logo sair em minha defesa.
- Será que a Senhorita aceita dançar com um velho amigo. - Ouvi a voz de André.
Abri um largo sorriso, pedi licença para todos e logo acompanhei Andy para o salão de baile, um pouco desajeitada.
- Se eu pisar no seu pé, não reclama. Você que teve essa ideia. - Falo sem jeito.
- Isso prova que a conversa na mesa estava mais chata do que imaginava, mas fica calma, sabe quantas vezes a Sabrina pirou no meu pé? Até no dia do casamento ela pisou no meu pé na primeira dança. - Ele me explica com aquela forma expressiva que só os brasileiros poderiam ter.
Dei uma risada diante da história. Eu conheci a Sabrina quando ainda era uma pilota iniciante e o André foi assistir uma das minhas corridas, então ele aproveitou e me apresentou ela. Uma brasileira belíssima e tão amável quanto ele.
- Obrigada pelo resgate. Melhor amigo de todos. - Abri um sorriso agradecido para ele.
- Você não colocou um vestido belíssimo desses para ficar sentada a noite toda. Precisava ser vista por todos, bela. - Ele dá uma piscadinha.
Dou um tapinha no ombro dele.
- Ai meu amigo! Só você mesmo pra falar essas coisas. - Falo revirando os olhos.
- Acredite, não sou apenas eu. Seu chefe por exemplo, dá sempre um jeito de ficar olhando para cá. - Ele toma cuidado ao falar baixo para os ouvidos curiosos não escutarem.
- Ah não! Até você! Já basta o Jason com essas idei... - Enquanto protestava, ele me interrompe:
- Vamos lá, Alex! Pensei que fosse mais esperta! - Meu amigo me critica, até que ele olha por cima dos meus ombro. - Depois não diz que não avisei.
- Me concede a honra de dançar com essa bela Senhorita. - Ouço a voz de Townsend vindo de trás de mim.
Antes de dar espaço para o novo par, o Andy dá um jeito, sem que meu chefe perceba, de lançar um olhar de "não te disse".
- Está especialmente estonteante esta noite, Alexandra. - A voz de Townsend faz com que deixe a atenção do meu amigo para meu atual parceiro de dança.
- Obrigada, Senhor Townsend. - Falo educadamente.
- Já disse que pode me chamar de Ronald, ou melhor, de Ron. - Fala com seu tom calmo enquanto dançamos.
- Espero que se pisar no seu pé, eu não seja demitida. - Tento quebrar o clima com um pouco de humor.
Ele deixa escapar um pequeno riso e então fala com sua voz rouca e cristalina:
- Não cometeria este tipo de absurdo. Não sou o tipo de chefe abusivo. Até peço que me sinalize caso eu esteja sendo ou seja em algum momento inapropriado. - O homem sinaliza com toda sua empatia, mostrando por que era um líder admirável.
- Sim, claro. Eu sou bem verdadeira quando algo me incomoda. Pode ter certeza.
- Fico feliz em ouvir isso. - Ele fala com um grande sorriso no rosto.
Seguimos dançando, em uma conversa agradável, sempre no terreno seguro dos assuntos triviais. Até que meu pé começa a doer um pouco e precisava ir ao banheiro. Assim que aviso, me retiro da pista de dança em direção ao banheiro, que por sinal parecia um catalogo de uma agência de modelos. Que mania estes homens da Formula 1 tinham de sair com modelos e não sei onde eles conseguiam achar tanta modelo. O banheiro parecia uma Semana da Moda de Paris, era impressionante.
Sai do banheiro ainda guardando o batom que tinha acabado de retocar na bolsa. Quando uma mão me puxa para o braço, tudo foi tão rápido, sair do salão, cruzar as portas francesas e quando me dei conta estava no grande varanda que dava para um belo jardim, por onde alguns convidados passeavam e alguns fumantes compartilhavam o vício e alguma conversa.
- O que está fazendo, Fraser? - Pergunto irritada.
- O que é MacAllister? - O Inglês me olha impaciente. - Comigo é conflito de interesses e com o seu chefe é o que?
Dou um tapa na cara dele.
- Enlouqueceu, foi? - Pergunto irritada, fazendo com que atraíssemos alguns olhares curiosos.
Ele segura a minha mão me puxando para além da varanda, do jardim, emergindo na areia da praia privada que pertencia a enorme mansão convertida em casa de eventos. Tive que puxar a mão dele quando parei para retirar os saltos que queriam afundar na areia, aproveitei para tirar a minha mão da dele, andei até um canto furiosa, não queria plateia para aquela conversa mesmo.
- Você está me deixando maluco! Isso sim, MacAllister! Maldita hora que você atravessou o meu caminho! - O Inglês passa uma das mãos pelo cabelo impaciente.
Mas o pior, que eu parecia estar enlouquecendo o homem mesmo, por que nunca imaginei o certinho, meticuloso, correto e focado, tão perdido daquela forma. Ele andava de um lado para o outro na praia. Parece que o sangue Espanhol da sua mãe estava falando mais alto que o sangue frio do seu pai que tinha tornado ele o homem de gelo.
Era impressionante, como o homem frio das pistas, agora estava transtornado na minha frente. Se bem que já tinha escutado alguns sussurros no paddock que diziam que não podia provocar muito o Fraser, pois quando o sangue latino falava alto, coisas poderosas poderiam acontecer, como uma vez que ele foi as vias de fato com Gaillard, mas foi a única vez que viram o verdadeiro lado sangue quente, por que o homem era mestre em andar com freio de mão do seu lado emocional puxado.
Eu estava em silêncio, sem saber o que dizer, por que eu não tinha nada com ele, por isso não precisava dar satisfação alguma, e não tinha nada com meu chefe, algo que não precisava esclarecer por justamente não ter nada com ele.
Suspiro pesadamente, ele olha para mim, retomando a calma. Poderia ver no seu olhar que a ficha caia e ele percebia o absurdo da situação.
- Desculpa...Eu fui rude com você...Um bruto...Mas é que...
- Mas é o que? - Pergunto olhando para ele curiosa, com as mãos na cintura.
- Eu fiquei louco quando primeiro vi você chegar de braços dados com aquele cara... - Ergo uma sobrancelha, ele percebe o erro. - ...Eu sei, eu sei, é seu irmão. Então depois você dançando com o Silva. - Dou um outro olhar condenando-o. - Ok, ele é casado. Mas o Townsend, não é casado, não é seu irmão e está afim de você. Fico puto... - olho chocada para ele, por que nunca imaginei o inglês usando aquela palavra. - ...todos eles te tendo de uma forma que eu não posso ter. Eu sei que isso é louco, sei que mal nos conhecemos, sei que parece tudo muito surreal, nem eu sei explicar. Mas merda, quando nos beijamos é como se a porra de um botão tivesse sido apertado, ai ligou tudo, um universo de coisas, e não consigo desligar.
Olhava chocada, não imaginava ouvir tudo aquilo do homem, não com aquelas palavras, não com ele mandando sua forma educada e polida para o espaço, o que deixava bem claro sua frustração.
- Mas não podemos...
- Corta essa MacAllister. - Ele se aproxima, me olhando nos olhos, de forma intensa. - Não é isso que seus olhos falam quando nos olhamos, não é isso que seu corpo fala quando te toca, eu senti naquele beijo e você sentiu também, por isso vem fugindo de mim como o diabo foge da cruz.
- Por que não podemos. É errado. - Argumento tentando ser racional (acreditem, teve esse momento na minha vida).
Ele deu uma risada deixando a cabeça cair para trás.
- Justamente agora, a garota rebelde, o botão foda-se ambulante resolveu ser racional. O universo só pode estar de sacanagem comigo. - Ele fala amargo.
- Alguém aqui tem que pensar friamente. Eu jurava que você ia ser essa pessoa da equação, não eu. E nós sabemos o esforço que estou fazendo pra não ferrar tudo.
Ele se aproxima olhando nos meus olhos, falando próximo de mim, nossos narizes quase tocando, eu sentia o calor da respiração, do hálito dele. Whisky, ali estava a explicação pela ausência do freio de mão. Uma sensação de deja vú veio a minha mente de novo, estávamos presos ao looping infinito, aquele momento.
- Você sabe que uma hora não aguentará mais, eu sinto isso. - Ele falava em um tom baixo, o que me causou um arrepio. - Eu sei disso. Você sabe disso. Por isso está tão assustada.
Olhávamos um nos olhos do outro, profundamente, de forma intensa, cheia de desejo, com vontade, intensamente, estava tendo que ser forte para manter a postura, minha mente gritava para fugir dali, mas meus pés não queriam obedecer.
- Ah, foda-se! - Deixo escapar e logo meus lábios estavam nos lábios dele que imploravam por atenção.
***
NOTA DA AUTORA:
Mais um capítulo escrito, um daqueles que quase não me deixou dormir por que via tudo acontecendo em um sonho, e olha que não contei tudo. Por que quis deixar um pouco guardado para o próximo que está aqui na minha cabecinha. Quem sabe amanhã não rola um novo, aproveitar que essa festa longa metragem está toda na minha cabeça, com direito a conhecer alguns pilotos que a Alexandra ainda não nos apresentou.
Essa história e outra que estou escrevendo "It's My World" tem me ajudado a atravessar um período meio caótico da minha vida. Por isso são histórias escritas com muito carinho, com cada detalhe escolhido e pesquisado com todo cuidado.
Já sabem que só vou revisar lá no final, por que se revisar agora, eu corto metade da história.
Cada capítulo é inspirado em uma música, por que acho que daria um ótimo ritmo a narrativa, não perca a playlist que tem lá no Spotify: https://goo.gl/o8UCa1
Beijinhos!
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