25. Metanfetamina (Último Capítulo)

A liberdade veio após anos passados, era outono e as folhas são coloridas caídas no chão pela praça na qual eu respiro ar puro, assisto as crianças andando e correndo, balançando e brincando de pique-pega. O sol acima de minha cabeça, nos faz reluzir em tons negros, brancos, amarelos e as diversas paletas de cores que nos consistia. Não tem cheiro de cimento onde estou, não tem carros e nem arranha-céus, apenas uma praça colorida no interior italiano, um pouco longe da casa de meus pais.

Fazia algumas semanas desde que eles morreram e eu não pude comparecer no velório, a videira e a casa ficou na mão do Estado, pois eu estava fora da certidão, como bem esperava. O túmulo ficou próximo a antiga fábrica agrícola que fornecia as sementes, os materiais e a distribuição do vinho já engarrafado. Pude colocar flores nas lápides dos dois e ainda deixei dois cachos de uvas. Passei a tarde ali, onde toquei violão e chorei baixinho.

Com o final do outono, a fome começava a me deixar impaciente, e os bicos que eu conseguia pelo interior começava a findar, dando lugar para empregadores formais e experientes. Os homens da cidade lucravam por ali, abriam suas fazendas com tratores do tamanho de uma casa e brutamontes que davam dois de mim. O trabalho braçal era impossível de se competir, e sobre as máquinas eu nunca havia dirigido nem um carro. Sendo assim, o que me sobrou foi a organização do armazém, por algumas semanas. Ninguém ali me conhecia, então me contratavam sem parar por meses ou apenas semanas. Isso fez com que eu alugasse um casebre não tão destruído, e me alimentasse com escassez, mas o suficiente para me manter vivo por mais alguns dias.

O inverno tinha chego voraz e arrebatador, as poucas roupas que eu tinha mal dava para me agasalhar, e a última coisa que fiz com o trocado foi comprar uma vodca para dar calor ao meu corpo. Não tinha muita iluminação a pequena casa, e muito menos vizinho para pedir uma ajuda caso precisasse, pois assim, fiquei com medo de morrer congelado e ninguém nunca mais me encontrar. Naquele dia que o frio doía em meus ossos, comemorei trinta anos de idade, com uma aparência que julgavam ser mais velha. Cortei a barba, ajeitei meu cabelo e ainda era possível ver o Ângelo ali, mesmo que as tatuagens da prisão ainda marcassem minha pele ou os olhos fundos de noites mal dormidas denunciassem que eu só dormia a base de vinho seco ou branco.

No mesmo dia, eu fui para o mesma praça a qual frequentava, perto da igrejinha e de lojinhas de decoração. Sentei no mesmo bando e admirei o vazio a frente, sem criança e sem brincadeiras. Apenas um vento fazendo o balanço balançar sozinho, morbidamente. Fumei um cigarro e assoprei para a frente, podia jurar que aquela fumaça que sumia no vento iria me levar dali para sempre, assim como ela se foi. 

Nada adiantava aquela praça, nada adiantava ficar naquele banco.

Continuei procurando. Emprego atrás de emprego, e não tinha nada. Nada.

Até que em uma noite, subindo as colinas ao norte no acesso de saída do interior, eu pude ver letreiros rosas neon e o desenho do corpo de uma mulher na entrada. Parecia uma casa abandonada, mas era bem decorado e bem chamativo, apesar de estar quase escondida. Me aproximei, como um peixe pesca o anzol. 

Chegando perto pude compreender o que tinha me chamado atenção, era bem familiar afinal de contas. Era um prostíbulo e o anúncio perto do poste indicava que estavam contratando. Retirei o papel com rapidez e guardei no bolso, aceitaria em momento de desespero, trabalhava na minha cabeça que não iria parar naquela vida. Voltei para casa e fiz sopa, e a luz neon piscava no meu imaginário, era o que eu sabia fazer, não posso fugir do destino. Ele se apresentou de novo para mim, como sempre, para que eu viva e morra dentro desse ciclo.

E a fome me castigava, me fazia contorcer na cama, deixava minha mente vazia ao ponto de que eu chorava sem sentir. E foi em uma noite, quando não vi nada na geladeira novamente além de água e o feijão que vinha durando, que eu peguei o anúncio da boate novamente. Quis rasgar em pedacinhos, mas o contrário disso eu chorei desesperadamente o contorcendo no meu rosto, quando mal pude ver eu já estava na porta de madeira batendo contra ela no dia seguinte.

Um homem me recebeu, vestia uma blusa azul e um short curto preto, me olhou de cima a baixo,

-Ainda não abrimos - ele disse e já ia fechando, até que coloquei a mão na porta. - Não abrimos, por favor!

-Vim procurar emprego - digo.

Novamente, aquele olhar me julgava dos pés a cabeça. 

-Emprego de...

-Isso - o corto, não queria que ele terminasse aquela frase, não gostaria de ouvir a palavra agora novamente.

O jovem chama uma outra pessoa, e um homem um pouco mais velho que eu pede para que eu entre. Ele tinha cabelos longos, olhos fechados e vestia um casado de pele de raposa, todos estavam comendo macarrão e me olhavam, na verdade olhavam para o meu corpo. Quando ficamos sozinho na sala, eu e o homem, que se apresentou como Dante, fiquei completamente nu e ele examinou meu corpo que, graças a prisão, tinha ficado enfim definido.

-Os rapazes gostam de tatuagem, não preciso nem mesmo ver seu serviço em ação - ele diz. - Ou devo?

-Já fiz o que vim fazer.

-O que o fez sair do "puteiro" de antes? - ele pergunta enquanto passa a mão no meu abdômen.

Dei de ombros. - Cansei.

Ele sorriu e me contratou na mesma hora, disse não ter moradia e já levei as poucas roupas que eu tinha para minúsculo quarto do prostíbulo, que levava o nome de Veneno. 

Me amaram em poucos dias e transaram comigo em poucos segundos de conversa. Recebemos os clientes aos poucos e me propuseram uma entrada triunfal no pole dance central, tinha medo de não saber ainda, mas é como andar de bicicleta. Você nunca esquece como é ser um prostituto.

-Aqui - disse o mesmo menino que tinha me atendido quando cheguei aqui, seu nome era Valerio e tinha vinte e dois anos. - Um pouco de metanfetamina ameniza a dor do palco.

Daquele dia em diante, eu abandonei a cocaína e me vicei na moda da região. A droga tinha quase os mesmos efeitos, e eu estava um tempo condiserável sem usar, então comecei a gostar e ver que aquilo fazia parte de mim.

E não só fui atração daquele mês como dos conseguintes, em que todos iam me ver e querer um pedaço de mim. Me sentia novamente desejado, os sexos eram com os melhores e que pagavam mais caro, e metade do lucro enfim vinha para quem deveria. Todos me aplaudiam, todos me acariciavam e não tinha menores de idade em volta. Veneno se tornara meu paraíso, e a droga meu anjo da guarda.

Dentro de um ano ali, meu dinheiro estava começando a voltar, o que permitiu eu me mudar para a antiga casa dos meus pais, olhar o sol nascer e se pôr e a noite viver aquela vida novamente. Não era tão difícil, aos poucos eu me adentrei a essa mundo que fazia parte de mim como minha pele cobre meu interior. Algumas vezes lembro de Giovanni e me pergunto onde estaria ele, se tinha se afundado na mesma areia movediça que eu, ou se continuava tentando se redimir perante seu caráter, espero que seja isso. 

Às vezes Juan me vem a mente também, e talvez ele tenha tido um destino melhor, era tão novo naquela época. Assim como Salvatore, que com total certeza, se achou na vida de um jeito melhor apagando aquele passado horrível, sem um histórico e com novo nome. Pelo visto, alguns ainda conseguem atingir o poder, mesmo sem fama.

Certo dia, eu estava sentado perto do bar de nosso pequeno local que estava se expandindo para novas regiões, um homem chegou perto de mim fumando e me olhando como quem vê uma presa distraída, como se eu fosse inocente, como se eu não soubesse toda a maldade do mundo o suficiente para que, ao contrário do que ele achava, ele ser a presa.

Vestia um terno, fumava charuto e tinha um brinco reluzente na orelha, indicando um dos diamantes que eu estava acostumado certa vez. Sorriu maliciosamente e se virou para mim, sentia o perfume mesmo em distância considerável, a música pop estava alta o suficiente para eu fingir que estava pensando na letra ao invés dele. Se aproximou, como um rato para a ratoeira, coloquei a mão no bolso e sinto os cristais da metanfetamina.

Não que tenhamos feito tanta coisa durante as horas que se passaram e fomos para um quarto privado, onde ele quis mais conversar do que realmente fazer sexo, e eu agradeci isso. Me contou que estava de estadia na cidade, que gostaria de passar um tempo sozinho pensando sobre o que ele é no mundo e todas essas babaquices de gente rica. Após nossa meio sexo e muita conversa, eu desci e fui me arrumar.

Usei mais um pouco da droga, pois estava me sentindo triste, e aos poucos eu percebi que virou muito. Quando entrei no palco, estava tudo misturado, os homens, os prostitutos e as luzes que quase me cegavam. Foi assim durante muito tempo, mas sempre passava. Hoje era diferente. Me deixou com náuseas, tonteira e meu coração batia tão forte que começava a doer. Vi o homem que conversou comigo, o rico que possivelmente me tiraria desse lugar. E lembrei dele.

Ramón. Parecia tanto com ele.

Enquanto eu girava no pole dance, as luzes sumiam aos poucos e eu quase começava a sorrir quando caía lentamente no chão, sentindo o baque nas minhas costas e minha respiração indo devagar. As pessoas ao meu redor gritavam por socorro e eu só conseguia observar o letreiro acima de mim com meu novo nome para essa nova vida, como um código secreto onde apenas eu sabia o valor daquilo. Piscando em luzes roxas e douradas, ele estava me cegando e eu não sabia se estava indo para sempre ou momentaneamente, o sono vinha se alastrando pelo meu corpo e os gritos começavam a sumir, pouco a pouco. Mas o nome ainda estava lá, como um fantasma que sempre esteve ali, piscando e piscando. Eu sorri.

"Baby Boy". "Baby Boy".



FIM.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top