22. Reação
Giovanni me levantou do chão, mesmo que eu tentasse me agarrar ao corpo, ele dizia que precisávamos sair dali o mais rápido possível, mas minhas pernas não conseguiam se mover e meus pensamentos se embaralhavam de um modo que eu ficava ainda mais confuso. Ele me deixou em uma poltrona no canto, enquanto procurava pano pela casa para limpar a cena do crime. Retirou nossas digitais de tudo, até mesmo do corpo dela, o que eu achei que seria impossível. Mas tudo estava em câmera lenta, a corrida de Giovanni parecia embaçada e seus gritos para que eu reagisse vinham até mim como ecos na caverna. Continuei em estado de choque, e o pior que se pode acontecer nesses momentos aconteceu.
Os flashes de nossas cenas juntos.
Eu desmaiando no palco e Luma aparecendo, com seu habitual biquíni vermelho e seu batom da mesma cor, seu salto roxo e todo o seu amor para me aconselhar após quase uma parada cardíaca eterna. E eu conseguia sentir seus dedos tocando meu rosto, entrelaçando em meu cabelo e retirando todo o efeito de enjoo da droga. Lembro do seu sorriso enquanto fumávamos na janela, lembro de suas costas lisas e com pintinhas... Tudo vinha de forma rápida e sumia do mesmo jeito.
Giovanni se aproximou novamente e me levantou, pedia para que eu andasse e aos poucos eu consegui. Mas não podia, aquilo estava errado e precisava acabar. Precisava.
-Sai daqui - peço para ele. - Você não tem nada a ver com isso. Por favor, saia.
-Ângelo, eu não vou deixar você acabar com tudo sendo que ela confessou.
-Por favor - peço novamente, mas ele continua me empurrando.
A arma balançava em sua outra mão, fez com que eu a retirasse rápido e apontasse para ele.
-Sai daqui - dessa vez chego a implorar, com as lágrimas novamente nos olhos. Mas Giovanni se recusava, então aponto para minha própria cabeça. - Sai...
-E então o que? Você vai ter enfrentado isso tudo para acabar preso ou morto? É só isso que consegue enxergar agora? Acabar com a sua vida? Presta atenção! O único que pode dar a volta por cima disso tudo é você, e você não fez nada para isso - ele diz e coloca a mão no meu braço. - Além do mais, essa era a sua arma e estava descarregada, você atirou com a minha.
Giovanni me puxa e enfim aceito, ele pede para que eu espere no carro enquanto forja uma cena de suicídio dentro do apartamento. Começo a chorar e bater onde eu pudesse, sem ligar se acionasse o alarme. Me debati no carona até meus punhos doerem. A rua vazia e mal iluminada denunciava a falta de assaltos ou até mesmo assassinato na região. Isso iria mudar de agora em diante, penso comigo. Giovanni entrou no carro e deu a partida, não saímos rápido dali, mas não tão devagar igualmente.
As casas silenciosas pareciam ver o que tínhamos feito, e eu já me imaginava atrás das celas. Para onde iríamos agora? Fugir do país? Não iriam procurar tanto por mim, morreu um pedófilo, um traficante e uma prostituta... Tinham mais a agradecer do que reclamar. Seria um caso encerrado, e eu poderia descansar em alguma fazenda longínqua, com passeios em cavalos e talvez uma videira escassa para me lembrar que um dia eu nasci menino, que nem sempre fui um monstro. Sim, isso sim, seria um ótimo jeito de terminar isso tudo.
Mas a imagem de Luma no pole dance invadiu meu peito e me fez ter calafrio pelo corpo todo, as luzes da cidade movimentada começavam a penetrar pela minha janela, os vinhos, as músicas, as galerias de arte... A Itália continuava normal, e o meu mundo desmoronava a cada passo. Se é que eu poderia chamar de mundo agora, pois não tinha mais certeza do que era minha vida.
-O que iremos fazer? - ele pergunta.
Não tinha o que responder, e ele sabia disso.
-Imaginei que eu faria essa pergunta - comento.
Giovanni passa a mão no rosto, estava suando. Por que tínhamos feito isso? Por que fugimos se ela era a culpada?
-Devemos voltar - começo. - Ela confessou que matou ele.
-Para nós! Os responsáveis pela morte dela. Luma se matou e levou consigo o crime, jamais passaria uma vida na prisão, ela deu o que você quis.
-Não queria isso!
-Apontando uma arma para nós dois?
Não tinha tempo para ficar discutindo, aquele momento eu não estava sendo eu, só passava na minha cabeça um pedido de confissão, eu não iria atirar... Mas ela atirou, segurando meu dedo, me fazendo sentir o prazer da vingança. Amargo e seco, que agora me corroía por dentro. Não era isso que eu precisava desde o início? O assassino sofrendo exatamente o que fez Ramón sofrer? Coloco meu rosto nas mãos e rezo para que o mundo pare de girar, para que o tempo acabe e que o meu último suspiro faça o planeta sumir do espaço. Rezo por coisas impossíveis, para que eu viaje para outra realidade, para que acorde desmaiado no palco da boate dopado de cocaína. Rezo até mesmo para estar no chão da gaiola com os diversos adolescentes ao qual nos propusemos a transar.
Tudo seria melhor do que estar aqui e agora nessa situação.
Não conseguia chorar, nem sentir tristeza... Meus pensamentos vagavam por coisas inúteis, enquanto atravessávamos Milão em caminho para o bairro de Giovanni. Ficamos quietos, deixando a música do rádio ser a única coisa que quebrava o silêncio. Quanto tempo iria demorar afinal? Para chegarmos até a casa, contar tudo para Juan e depois esperar... Esperar os minutos virarem horas. Horas virarem dias e dias virarem semanas. Quanto tempo para que o corpo de Luma fale, mesmo que morto, para que o achem sem vida no chão? Quanto tempo para sermos investigados, julgados e culpados por todos os crimes que não cometemos? Ela conseguiu, tirou todos de uma vez da jogada, assumiu a culpa e morreu, assim nós iríamos para as celas e o assassino nunca seria levado à população. Mesmo assim, alguma coisa ela tinha no olhar. Alguma coisa estava faltando...
Quando chegamos a casa de Giovanni, ele contou tudo para Juan, o qual escutava boquiaberto e me olhava de canto de olho. Por minha vez, optei por beber, todo o uísque que achei no armário, vomitei e dormi. No dia seguinte, ficamos assistindo a televisão, a busca continuava e a oficial Antonela me ligou para perguntar se eu sabia sobre o paradeiro de Juan, e eu disse não saber de nada desde a morte de Ramón, e desliguei.
Antonela sabia da visita dos meus pais na minha casa, e após testemunhar todo meu discurso contra ela, acredito que estava me dando uma folga durante todo o circo armado por toda a península. Não fui incomodado durante aquele dia inteiro, e a sala de Giovanni virou um verdadeiro crime organizado, onde a pergunta que mais fazíamos era: para onde vamos?
Concluímos que todas as pistas apontavam para a gente, e seria impossível usar a carta na manga de Lorenzo, visto que Juan também tinha escapado. Possivelmente poderíamos culpá-lo, mas não disse nada, pelo menos não ainda. Apenas escutei todas os possíveis planos para saírmos dali e ir para outro país, o que impedia era Juan, que tinha feito dezesseis anos.
Ficamos assim nas próximas horas conseguintes, até que uma notícia invadiu o jornal tirando a última base que nós tínhamos e nos afundando final tão temido.
-Não pode ser... - a voz de Juan sai quase como um sussurro.
Nos viramos rápido para a tela e eu me levanto do sofá, ajoelho de frente para a televisão sem respirar direito. Não podia acreditar, coloco a mão no nome que a notícia dava para a pessoa que tinha sido assassinada. E eu naquela hora preferia muito mais que tivessem achado o corpo de Luma logo de uma vez e que começasse o plano de fuga.
"Um dos principais suspeitos do caso 'Baby Boy' envolvendo um esquema de pedofilia com o adolescente Ângelo Castelo e diversas crianças menores, Lorenzo Nero foi assassinado com um corte na garganta e encontrado em seu quarto sem roupas, ainda não temos qualquer paradeiro sobre o assassino".
-Não... - digo. - Não foi Luma...
Aquilo me dava um alívio, raiva e dúvida. Se não foi ela... quem?
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