18. Menino
Na saída do estúdio, o número de repórteres triplicaram, mas dessa vez a demanda do motivo foi diferente, não queria fazer perguntas, mas sim que eu repetisse as respostas. Novamente questionado sobre meu envolvimento com Ramón, sobre Lorenzo ter acusado Nina e diversas outras coisas, nada respondi, entrei no carro e saí daquela multidão que batia contra a janela igual abelhas.
Consegui respirar aliviado enquanto o carro me levava para casa, pensava sobre tudo o que tinha falo e o que isso poderia me ocasionar, mas não tinha mais medo, era enfim o tudo ou nada, já estava indo longe demais. E cada vez se tornava pior, como agora.
Os repórteres em frente da minha casa saíram, justamente pela viatura da polícia estar estacionada bem em frente ao portão, quando desci do carro do estúdio, que voltou no mesmo segundo que fechei a porta, Antonela me esperava de óculos escuros e seu cabelo branco curtinho.
-Podemos entrar? Acredito que temos muito o que conversar sobre hoje... - ela começa.
-Na verdade, tudo o que foi dito na entrevista é a mais pura verdade, e sobre o que lhe pedi para fazer sobre seu departamento, deveria levar em consideração - respondo.
-Os seus dados foram recolhidos e achados enquanto você estava em horário nacional falando sobre seus pais, que agora, sabem onde você está e já entramos em contato com eles. Podemos entrar? - ela repete.
Engulo em seco e abro o portão.
Os outros policiais ficam na viatura como se fossem cães de caça, com os peitos estufados e fumando cigarro. Subimos a colina dando espaço para o pequeno lago da frente, ao qual Antonela reparou com atenção, e a frente a casa com janelas altas e decoração vitoriana. Nos sentamos no sofá para conversarmos, e ela pousou seus olhos na mesa com diversos cigarros apagados e alguns copos de bebida. Passava a maior parte do tempo na sala em frente a televisão do que no meu quarto desde, pelas recordações.
-Bom, Ângelo. Os seus pais ficaram cientes sobre sua conduta e, pela parte de sua mãe, a mesma quer ver você para uma conversa ou algo do tipo e seu pai... Bem, seu pai não reagiu tão bem assim. Acreditou que não estávamos falando do filho dele - ela diz.
Comecei a fazer uma força para não chorar, ou ao menos transparecer fraqueza, pois a vontade subia veloz pelo meu corpo. No fundo, eu conseguia até entender a sensação de meu pai em não me reconhecer. Como um garoto sorridente e bondoso se tornará um prostituto envolvido num escândalo de assassinato. Fazia tanto tempo que eles não me viam...
-Achavam que estava morto, então quando te liguei e você disse o que estava fazendo, viram a entrevista inteira pela televisão no bar que nos encontramos. Não podiam acreditar, mas sua mãe logo o reconheceu - ela continua sua explicação, e eu permanecia em silêncio. - O que aconteceu para você agir desse jeito, Ângelo... Eles pareciam tão amorosos.
Bufo impaciente, ela não podia estar fazendo aquele discurso ridículo e privilegiado que sempre fazem, nem deveria me impressionar.
-Quando você é um menino do interior, com o cheiro de cavalo invadindo o seu quarto, ou a embriaguez dos vizinhos sendo motivo de fofoca e toda essa merda, a primeira coisa que gruda na sua cabeça é não ser mais um menino do interior - digo. - E sabe como eu digo isso? Sabe quando isso começa? Nos filmes, nos desenhos, nas músicas... Na comida! Eles colocam isso na comida!
As lágrimas rolam involuntariamente, e não tento mais fazer com que cessem.
-Aquilo te corrói como uma doença, grudada no seu cérebro como um parasita sanguessuga. Te fazendo refém a cada dia, até que você não se reconheça mais ao se olhar no espelho... E fique se perguntando como você acabou assim, que culpe seus pais pelos traumas, que culpe seus amigos por abandono... Que culpe tudo menos a merda da massa que enfiam na nossa cabeça que nossa vida é péssima e só será melhor quando tivermos isso - aponto para os lados para que ela enfim perceba o que tanto admirava ao entrar. - Todo esse luxo nos consumindo como pragas, nos observando definhar em prol deles, pra que? Pra nada!
Antonela não reage aos meus gritos, mas demonstra um pouco de condolência. Meu rosto ardia enquanto eu tentava segurar o choro, o que era inútil visto que não tinha fim, elas rolavam pela minha bochecha fazendo seu caminho salgado até a boca, onde aí sim eu dava conta que derramei mais uma.
-A ganância se instala no nosso coração. Quando eu via o dinheiro passando na televisão, eu questionei tudo ao meu redor, e não só questionei como detestei tudo ao meu redor. E fui atrás dele, pelo jeito mais fácil, pois dificilmente quem trabalha fica rico. Essa é a verdade que nos escondem - levanto e pego um copo de whisky, ela se levanta atrás de mim. - Entendo meus pais, não retiro minha culpa. Mas eu era só um menino, e quem está errado são aqueles homens por me dar míseros euros após uma hora de sexo dentro de um banheiro sujo de bar.
Quando jogo o copo no chão e torno a chorar desesperadamente, ela se aproxima e tenta me abraçar. E me afasto na mesma hora.
-Não tenha pena de mim, Antonela. Pena não resolve nada. Me dê um futuro. Pois de hoje em diante que o mundo me conhece como um prostituto, quem irá namorar comigo? Ou ter filhos comigo? Ou me dar emprego e casa? Quem vai me amar como uma pessoa pura ama outras?
-Garanto que faremos o melhor para ajudar você, Ângelo.
-Não garante não. Tacaram os meninos num reformatório e pioraram o histórico de todos eles. Vocês querem é isso, fingir que se importam com a gente, fingir que a pedofilia não existe e tentar quitar todos os adolescentes que foram usados para ela - me aproximo e enxugo as lágrimas. - Mas enquanto somos julgados em praça pública, Lorenzo Nero está solto, após fazer sexo com uma criança de doze anos! E onde essa criança está? Onde está a família da criança? Todos presos como bichos.
Vou até a porta e abro.
-Por favor, se retire. Não preciso saber dos meus pais, não temos nada mais para conversar - finalizo.
Antonela não diz nada, atravessa a porta e antes que eu a fecha ela me entrega um número.
-Nós iremos marcar uma reunião com o conselho tutelar sobre seu caso, tente não frequentar nenhuma entrevista e não sair de casa. Esse é o número de sua mãe - ela vira as costas e sai estalando tênis com salto pelo chão de pedra a frente da casa.
Sozinho novamente, choro e quebro as garrafas de bebida, depois os copos e por fim a mesa, caio no chão cansado e continuo gritando para que as paredes caiam em cima de mim e de um fim nessa história agonizante. Queria que toda Itália sentisse minha fúria, que todos os abusadores fossem golpeados no peito e sangrar até não conseguir pronunciar o próprio nome, e definhar ainda em vida para que seja mandado a sete palmos da terra, e que as minhocas se recusassem a comer a pele asquerosa que os revestia.
Naquela hora, eu podia sentir cada tristeza das crianças que foram vendidas para a Açúcar, que foram roubadas a inocência desde sua criação. É sobre tudo isso que estamos aqui, o prazer excessivo de posse na carne. Em como eles nos viam dançar sem ser tocados, em como não se preocupavam com nosso bem estar sendo pressionado na parede, ou como ficamos do seu lado apenas pelo dinheiro, segurando toda a ânsia de vômito que sentíamos.
Levantei do chão e fui tomar banho. Deixando a água morna retirar toda impureza do meu corpo, todo o suor dos corpos mais velhos deitados sobre mim forçadamente, todas as notas que passaram do meu rosto até os pés, queria retirar aquele Ângelo que era viciado em cocaína e fazia sexo para pagar a luz de casa.
Mas não era possível. Não temos como mudar o passado.
O dia chegava ao fim e eu olhava o número de minha mãe, avaliando se ligava o não enquanto a noite lá fora se apresentava com seu esplendor.
Não liguei a televisão, não abri o celular e tinha desaparecido do mundo por algumas horas. Na quinta vez que Luma me ligou eu atendi, disse que estava bem e precisava ficar sozinho, o mesmo pro Giovanni, e como eu desejei de escutar o sotaque espanhol de Luigi. Mas fiquei sozinho, eu no chão da sala e o pedaço dos meus pais no papel. Uma ligação mudaria tudo. Eu precisava me sentir em casa novamente, resgatar o antigo Ângelo e abraçar minha mãe e pelo menos ver meu pai, desejava aquilo como nunca desejei algo tão forte.
Tanto faz se eles fossem vir ou não, queria então escutar as vozes, me xingando ou me acolhendo, me lançando pragas ou me abençoando. Gostaria de ser salvo ou enfim acusado como cruel. Queria um fim nisso tudo, e eu precisava disso. Caso eu morra nas mãos de Lorenzo daqui algumas horas...
"Mamãe?!"
"Ângelinho..."
"A senhora... É... A senhora pode vir aqui amanhã?"
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